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As escolas primárias no paraná: estudo retrospectivo de 1827 a 1928

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

As escolas primárias no paraná: estudo retrospectivo de 1827 a 1928

Maria Cecília Marins de Oliveira

Professora-Adjunta do Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação e Mestra em História do Brasil pela UFPR

INTRODUÇÃO

A idéia de alfabetizar nasceu na Europa. em pleno Renascimento, quando protestantes e católicos disputavam o domínio da fé, tentando atrair o maior número de adéptos, em torno de suas verdades. O instrumento usado pela Reforma Protestante foi a instrução, utilizando-se a alfabetização para a leitura da Bíblia. 1 Dessa idéia original, difundiu-se o aprendizado de ler, escrever e contar, em todo o mundo europeu e nas terras de sua dominação.

O grupo católico, da mesma maneira recorreu a esse instrumento. Instruir por meio da alfabetização para a propagação das verdades de Cristo.

No Brasil, os primeiros passos no sentido de alfabetizar foram voltados para os índios, desconhecedores das verdades cristãs, aos quais se objetivava a catequização por meio do ensino da leitura e da escrita. A idéia era de conquistar mais fiéis para a Igreja Católica, abalada com a separação de adéptos.

A disseminação do ensino formalizado, junto à população, iniciada pelos padres jesuítas, somente ocorreu após o rompimento com essa instituição, pela interferência de Marques de Pombal que pôs fim aos padrões romano-jesuíticos adotados pela metrópole e impostos às colônias.2

Mas seria ainda, muito depois, com a nossa Independência que surgiriam as primeiras idéias de educação popular, a nível de alfabetização. O modelo estrangeiro estava longe de poder ser imitado na íntegra. Restava a pura e simples idéia de alfabetizar, restrita ao ensino rudmentar de ler, escrever e contar.

As primeiras escolas elementares, criadas, pouco cumpriam o seu papel de ao menos instruir a população. A vinda da Família Real não contribuiu nesse sentido, tendo em vista a necessidade de escolas para formar técnicos, burocratas e militares que o monarca não exitou em criar.

A Independência cortou os laços políticos com Portugal, mantendo porém, as ligações culturais. As raízes permaneceram e, no plano educacional muito teria que se realizar.

1 - AS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS NO PARANÁ

A mudança no estado político brasileiro, transformou em províncias as antigas capitanias, dando-lhes nova conduta administrativa.

O Paraná, de antiga capitania de Sant'Ana passou à Comarca da Província de São Paulo, subordindada às suas determinações. Região distante, pouco povoada, ficou praticamente à mercê de seus próprios recursos. A educação se fazia presente de maneira restrita no início do século XIX, com duas escolas para meninos, uma em Paranaguá e outra em Curitiba. 3

A situação foi se alterando para meados do século. Com a aprovação da Lei de 15 de outubro de 1827, apresentada por Januário da Cunha Barbosa, que garantia o direito de "instrução primária a todos os cidadãos"4, procurou-se fundar mais escolas de primeiras letras. Tanto assim que, das duas escolas iniciais o Paraná, em 1853, passou a contar com 20 escolas masculinas e 8 femininas, a maioria criada após a Lei de 1827.

Conforme esta Lei, a criação dessas escolas obedeceria o critério demográfico, expresso nas categorias de cidade, vila e povoado, exigindo para a criação de uma escola em cidade, o mínimo de 12 alunos e para a criação de outra, no mesmo local, de 60 alunos ou de 40 alunas.5

Muitas escolas eram criadas por força de lei, sem que houvesse professor para assumir suas aulas, enquanto outras, eram criadas após insistentes apelos das comunidades.6 A falta de escolas, professor, material escolar e inclusive de prédios próprios constituiram graves empecilhos ao andamento do ensino.

A Província paulista dispunha sobre o ensino em seu território, aprovando diversos decretos complementares à Lei, como o de 1832. Após o Ato Adicional de 1834 que dava competência às Províncias para legislar sobre o ensino, foram aprovadas outras medidas, entre elas, a Lei nº 34 de 16 de março de 1846 e, tempos depois, mais uma de igual importância, sancionada em 8 de novembro de 1851.7

Apesar das medidas a respeito do ensino, ficava pendente a previsão de local ou aluguel de casa para escola, custeado pelos cofres da Província. A lei paulista de 1846 que dispunha sobre o ensino elementar, não tratava do assunto, ficando a questão a cargo do professor para providenciar o recinto das aulas, muitas vezes, em sua residência. Todavia, garantia o fornecimento de móveis e material de consumo pelo governo que, nem sempre, eram suficientes para equipar a escola. 8 As mercadorias enviadas de São Paulo demoravam a chegar e, quando chegavam ao seu destino, ainda eram insuficientes. Isso, em muitos casos, obrigava o professor a dispender quantias com os objetos, além de ter que assumir o compromisso para arranjar local ou aluguel da casa escolar que seria até com seus próprios recursos.9

Se o problema do local da escola, em boa parte, era resolvido pelo professor, em comprensação a lei exigia a separação no funcionamento das aulas para cada sexo com professores do mesmo sexo que seus discípulos. Tal exigência fundamentava-se nos preceitos morais da época, tendo ocorrido as únicas exceções me São José dos Pinhais em 1842 e em Rio Negro em 1843 e 1846, quando funcionavam escolas mistas regidas por professor.

As dificuldades de instalar escolas, inviabilizava o aumento do contingente escolar na 5ª Comarca que era bem reduzido, haja vista a proporção de 615 alunos para 34.895 habitantes na faixa de 0 a 21 anos por volta de 1853.10 Se nessa época o efetivo escolar era de 615 alunos, quando a Comarca contava perto de 28 escolas, qual não seria o efetivo, em anos anteriores, quando contaria com número muito menor de escolas? Por muito que as autoridades paulistas fizessem pelo ensino, a comarca paranaense ainda ficava deficitária nesse ramo da atividade pública.

Os parcos recursos da Comarca e a pouca atenção recebida do governo provincial,11 não favoria o desenvolvimento do Paraná de comércio e agricultura pouco progressistas. As decisões a respeito de assuntos da comunidade que imprescindiam da autorização do governo, tardavam a chegar devido às distâncias e, possivelmente, ao pouco apreço à Comarca. Daí porque, os moradores do Paraná vinham pleiteando governo próprio que atendesse as necessidades locais.12 Em vista dos insistentes apelos, em 1853, o Paraná obtinha sua emancipação da Província de São Paulo.

2 - AS ESCOLAS PRIMÁRIAS DE ENSINO PÚBLICO DA PROVÍNCIA E DO ESTADO DO PARANÁ

A elevação do Paraná à Província exigiu sua organização administrativa em todos os setores públicos com vista a atender suas necessidades e a dar soluções a seus problemas mais graves.

O setor educacional foi contemplado nessas atenções e o governo empenhou-se em criar legislação que lhe fosse própria, embora a mesma sofresse a influência das medidas paulistas e, principalmente, daquelas emanadas da corte.

As primeiras medidas paranaenses para o ensino primário repousavam na lei paulista de 1846,13 para, mais tarde, se fundamentarem na reforma de ensino do Ministro Couto Ferraz, em 1854, e, posteriormente, nas outras reformas que foram aprovadas.

Uma das preocupações do governo central ao aprovar as reformas de ensino era tentar uniformizar o ensino no país e dar um modelo de organização de ensino para as Províncias.14

O primeiro regulamento do ensino do Paraná, aprovado em 1857, guardou muito das diretrizes dessa primeira reforma. Couto Ferraz, dentre as questões abordadas, propunha a obrigatoriedade do ensino às crianças de 7 a 14 anos, com previsão de sanções aos contraventores, por acreditar que a medida favorecia o aumento das freqüências escolares.15 Este, era um dos pontos críticos, discutido pelos parlamentares na Corte a nas Assembléias Provinciais.

A baixa freqüência ocorria na maioria das escolas elementares brasileiras e inclusive no Paraná que contava com uma população rarefeita e dispersa, difícil de se concentrar em torno de um núcleo de ensino, devido às dificuldades de acesso à escola, falta de transporte e precária condição das estradas.16

A obrigatoriedade enfatizada nos regulamentos se baseava na crença que tal dispositivo tivesse o efeito de aumentar a freqüência pela matrícula compulsória.17 Dessa forma, a idéia permaneceu muito mais no plano teórico do que prático.

Essa idéia porém, não ficou por aí. Prevaleceu em todo o período provincial e adentrou na República. Associava-se a ela a idéia de se expandir o acesso ao ensino, a um múmero de crianças cada vez maior.

Em 1854, a rede pública contava com 25 escolas freqüentadas por 617 alunos e mais três particulares com 81 alunos, dando um total de 698 freqüências, número muito baixo para a população de crianças em idade escolar em torno de 8.894, ou seja, somente 7,8% do total das crianças freqüentava escolas.18

A alternativa de aplicar sanções dificilmente era levada a efeito, tendo em vista a precária situação econômica das famílias que impedia qualquer medida nesse sentido. Muitas famílias recorriam à mão-de-obra infantil para ajudar no sustento da casa.19 Com isso ficava o governo de mãos atadas para aumentar o contingente escolar e diminuir o número de crianças analfabetas. Mesmo assim, o conhecimento do grande número de crianças afastadas do circuito escolar, preocupava os governos que tentavam por todos os meios aumentar o número de escolas, nomear professores, atrair as crianças para o meio escolar, para evitar futuras alegações dos pais por falta de aulas.

As autoridades embora assim se empenhassem esbarravam no grave problema da falta de recursos do próprio governo, tanto para contratar novos professores que, nem sempre havia, como para fornecer materiais às escolas. Poucas eram as escolas devidamente equipadas. A maioria se ressentia da falta de recursos que iam desde bancos, até lousas para as lições, sem falar na aprendizagem memorizante, desligada da realidade, que pouca atenção exercia junto à população.

O currículo guardava o caráter humanista, em lugar de ensinamentos práticos que seriam muito mais condizentes com a vida da população mais simples que, por isso, acabava considerando a escola desnecessária. Mas a falta de professores era constante e provocava a irregularidade das aulas, outro fator desestimulante à sua freqüência.20

A adoção do método lancasteriano ou mútuo, recomendado pelo governo Imperial, não teve os resultados de outros países, porque a baixa freqüência não permitia sua aplicação, por ser ele, um método voltado para alfabetizar simultaneamente um grande número de crianças.21 Se por um lado o método perdia sua finalidade que era de alfabetizar muitas crianças ao mesmo tempo, por outro favorecia o governo economicamente no pagamento de um reduzido número de professores que atenderiam, num mesmo horário, crianças em diversos níveis de adiantamento.22 Embora o método não chegasse a ser aplicado na íntegra, o seu mecanismo de funcionamento de certa maneira foi adotado. Apesar do professor não trabalhar com muitas crianças, tinha a seu encargo crianças de diversos níveis de conhecimento. Ainda poderia se valer do auxílio de um monitor, que seria um aluno mais adiantado, para ajudá-lo na aprendizagem com as crianças mais atrasadas.

Esse método da maneira como foi adaptado, era indicado nos regulamentos da Província do Paraná, como simultâneo ou mútuo, a ser adotado nas escolas, sem que houvesse com isso a garantia de freqüência elevada.

Essa prática estendeu-se por todo o período provincial e a inidicação do método figurou nos quatro regulamentos, os de 1857, 1871, 1874 e 1876.23

Alguns Presidentes do Paraná e vários de outras Províncias lamentavam sua não aplicação, certos estavam que poderia resolver o problema da instrução pública. Por outro lado, o problema não residia em atender-se a um grande número de alunos por somente um professor, pois os relatórios apresentavam sempre escolas com pequena matrícula, aquém dos mínimos aceitáveis, mesmo modernamente.24

A preocupação das autoridades em expandir a instrução pública e alfabetizar o maior número de crianças continuou.

Em 1870, o Ministro Paulino de Souza expunha em seu relatório a situação do ensino no Brasil, que tinha na época uma população escolar, em todo o Império, de 150.000 crianças, para uma população de 8 milhões de habitantes. Os investimentos na área do ensino eram da ordem de 350:000$000 no Município da Corte e nas Províncias de 2:680 contos em todo o Império, o que evidencia a deficiência das verbas provinciais, em relação à Corte. 23 A falta de recursos financeiros das províncias era um dos fatores concorrentes que impedia melhor desenvolvimento do ensino.

No Paraná, a canalização de recursos para educação era de certa maneira restrita. Em 1854, as despesas com a instrução pública eram de 13:240$000 que correspondiam a 6,5 por cento da receita e 10,7% das despesas provinciais.26 Os recursos destinavam-se primordialmente ao pagamento de professores, aluguéis de casas escolares e, o saldo restante, para a aquisição de algum material. A previsão de verbas em todo o período não excedeu a 20% da receita geral, ficando os percentuais mais elevados para os empreendimentos de obras públicas.27

Com a restrição de verbas para a educação, a pouca atração do ensino, a falta de professores e outros senões, as escolas ficavam à mercê das baixas freqüências.

A insistência da matrícula compulsória permanecia em todos os regulamentos que estabeleciam a obrigatoriedade do ensino, como apanágio do grande mal do analfabetismo. Em 1883, a aprovação do Regulamento do Ensino Obrigatório teve efeitos sensíveis na elevação das matrículas e das freqüências. A idéia era forçar a matrícula de crianças na faixa dos 7 aos 14 anos para diminuir o número de crianças fora do ambiente escolar e, conseqüentemente, o número de crianças analfabetas. A situação dos inspetores locais foi decisiva no aumento dessas matrículas. Tanto assim que a população escolarizada em 1832, com 3.504 crianças, elevou-se nos anos subseqüentes a 1883, chegando a contar no final de 1887 com 5.375 freqüências. As mudanças ocorridas no meio social e político, aliadas àquelas no meio administrativo, se refletiram na ação da Inspetoria e também na intensidade do seu trabalho, de maneira a repercutir na movimentação das freqüências que, após 1887, baixaram para 3.265 alunos.28

A tentativa de ampliar-se o quadro discente das escolas primárias públicas tiveram resultados passageiros. A idéia de aumentar o contingente escolar não chegara a atingir os índices esperados, permanecendo ainda elevado o número de crianças fora da escola. Mesmo em 1887, quando as freqüências foram as mais elevadas, ficavam sem ir à escola 21.731 crianças, número alto para um governo que pretendia alfabetizar a maioria da população infantil.

A preocupação em torno do problema da alfabetização de crianças continuou sendo tema de debate das autoridades, após a mudança de regime político.

A Proclamação da República trouxe novo alento aos seus defensores que viam, nesse contexto político-administrativo, a possibilidade de empreendimentos mais audaciosos nos diversos setores públicos. A educação teve sua parcela de investimentos, à medida que o Estado se organizava economicamente.

A autonomia estadual para legislar sobre o ensino era mantida na constituição republicana, o que provocou a aprovação de uma série de novos regulamentos no Paraná, todos, no intuito de dar diretrizes modernas à educação.

A questão em torno de crianças analfabetas continuava latente. O Regulamento de 1891 reservou espaço para elaboração de um regulamento especial para o "Ensino Obrigatório".29 Insistia-se no mesmo ponto: manter a obrigatoriedade do ensino de forma a conscientizar pais e responsáveis sobre sua importância.

Assim como este, os regulamentos de 1892, 1895 e 1901, enfatizavam a obrigatoriedade do ensino, no sentido de manter a matrícula compulsória às crianças na faixa de escolaridade. Em 1912, a Lei nº123630 igualava para os dois sexos os limites de idade de 7 a 14 anos para matrícula em escolas primárias. Tudo isso, com vistas a favorecer a entrada de contingente de crianças, cada vez maior, nas escolas primárias, abrangendo inclusive adolescentes sem nenhuma ou alguma instrução.

Todos os esforços do governo concentravam-se na melhoria do ensino. Alteravam-se os horários de funcionamento das aulas para dois turnos, um de manhã e outro de tarde, para atender a demanda escolar, bem como, incentivava-se o ingresso na Escola Normal, acenando com vencimentos mais vantajosos, com o objetivo de compor o quadro do magistério com maior número possível de professores formados e, assim, melhorar a qualidade do aprendizado nas escolas.

Dois novos regulamentos, aprovados consecutivamente, um em 1915 e, outro, em 1917, introduziram inovações na organização do ensino. O Código do Esino de 191731 foi inovador em vários aspectos da estruturação administrativa e pedagógica das escolas, tanto em relação à atuação dos diretores, como à distribuição de tarefas aos professores.

Nesses anos que adentravam a República, apesar dos esforços das autoridades em melhorar as condições do ensino nas escolas, permanecia a preocupação com a grande quantidade de crianças sem instrução.

Em 1914, os dados da Estatística Escolar acusavam a existência de 6.733 crianças, em Curitiba, que não freqüentavam escolas.32 Se este número era tão elevado em Curitiba que era Capital do Estado, onde se ofereciam melhores condições de estudo, o que não seria o índice de crianças fora da escola em todo o Estado? Apesar das sanções em regulamentos aos pais e responsáveis para enviar os filhos à escola, ainda não se obtinha bons resultados. O jeito era incentivar a população e realizar campanhas para aumentar matrículas e dessa maneira, diminuir, o quanto possível, o número de crianças analfabetas.

Em 1920, o Inspetor Geral Pietro Martinez, empreendeu verdadeira campanha de alfabetização, em vista dos dados pouco satisfatórios das matrículas e freqüências e o número elevado de crianças analfabetas.

A campanha que se propagava da Capital do país para os Estados, encontrava em Pietro Martinez um defensor batalhador da causa do ensino. Sua certeza no êxito da campanha levou-o a afirmar:

Toda essa campanha que se aviva na imprensa para o que Brasil se redima do analfabetismo, verdadeira praga que nos impede de progresso, não deve e não pode esmorecer. É preciso alimentar essa chama até que os homens públicos, compreendam que muita coisa se desperdiça em prejuízo da educação popular.

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O recenseamento escolar, empreendido conjuntamente com o da população, possibilitou o conhecimento do movimento escolar que registrava 40.469 crianças freqüentando escolas públicas e 36.076 fora da escola.34

Em função dos dados obtidos a campanha de alfabetização foi iniciada em todo o Estado, enfatizando-se o funcionamento da 1ª série. O número de salas de aula foi aumentado, passando muitas escolas a funcionarem com duas ou três turmas de 1ª série. Outro arranjo foi da ilimanação de turmas de 4ª série, concentrando-as em algumas escolas, com o objetivo de ganhar mais espaço físico para o funcionamento da série inicial.

O controle da Inspetoria, por meio de seus inspetores e delegados de ensino junto às administrações das escolas e grupos para o funcionamento da primeira série, previa a admissão de alunos na faixa dos 7 aos 14 anos sem nenhuma ou pouca alfabetização. Até mesmo alunos mais velhos poderiam ingressar na escola se não soubessem ler e escrever.

A campanha conta o analfabetismo já apresentava resultados positivos, em vista do aumento das matrículas com 16.000 alunos em 1921, para 30.800 em 1922. Dos 13.000 alunos analfabetos matriculados no início do ano, 8.000 tinham aprendido a ler, escrever e contar.35

O trabalho da inspetoria junto ao professorado surtia efeitos. Na palestra dirigida aos professores, em 1921, Pietro Martinez, pedia o empenho na alfabetização das crianças, principalmente, as mais atrasadas, para que o menos quando saissem da escola dominassem a leitura, a escrita e as contas. Salientava a importância desse trabalho afirmando:

... a alfabetização tem de realizar-se harmonicamente, do primeiro ao último dia de aula, e pode-se dizer que é o trabalho do primeiro semestre quem decide a sorte do aprendizado.

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O empenho de que o professor deveria se dedicar à aprendizagem de seus alunos no primeiro semestre se explicava pelas razões apresentadas pelo inspetor. As turmas mais adiantadas no meio do ano já deveriam ler as leituras preparatórias, enquanto as mais atrasadas realizariam com segurança as lições do meio da cartilha. Assim, no segundo semestre as primeiras dispensariam menos cuidados em favor das segundas que teriam atendimento redobrado. No último trimestre as mais atrasadas estariam em condições de acompanhar as adiantadas, de maneira a formarem uma só classe, com tempo suficiente para terminar o programa e garantir a programação.37

A alfabetização que era o ponto alto do processo de aprendizagem, deveria estar acompanhada de leituras que despertassem a imaginação e satisfizessem a curiosidade e o interesse das crianças.38

Mas a campanha que vinha sendo desenvolvida, perdeu um pouco do entusiasmo inicial e não apresentou depois de 1925 resultados tão satisfatórios como seriam de se esperar.

Nesse ano, assumia a Inspetoria Geral do Ensino, o professor Dr. Lysimaco Ferreira da Costa que comunicava no final do ano os resultados do programa de alfabetização, em torno de 10.368 alunos alfabetizados, entre crianças e adultos.39 Ao se comparar esses dados àqueles de 1922, verificava-se aumento reduzido de crianças alfabetizadas. Mesmo considerado que os 10.368 alunos fossem somente crianças, em relação aos 8.000 de 1922, haveria a vantagem de 2.368 crianças que seria um aumento de crianças alfabetizadas muito pequeno no transcurso de três anos, tempo para que a campanha tomasse proporções bem maiores.

A campanha perdera muito de seu objetivo inicial nesses três anos que separavam de 1922.

Em 1928, os dados não eram muito animadores, tendo em vista o total de 9.337 crianças que completavam a 1ª série, sem considerar os evadidos e os transferidos. A vantagem no número de crianças alfabetizadas era de 941 alunos sobre os 8.396 de 1927.40

O programa de alfabetização não mantivera o mesmo ritmo de trabalho para evitar que se elevasse ainda mais o número de crianças analfabetas. Ao menos que os rudimentos de leitura, escrita e contar fossem ministrados como propunha Pietro Martinez em sua campanha de alfabetização.

Nos anos seguintes, novas perturbações políticas alteraram a vida das administrações estaduais, principalmente dos estados sulinos, que viveram os acontecimentos revolucionários de 1930. O contexto político-administrativo que se estabeleceu daí por diante, deu novas perspectivas para a educação nacional.

CONCLUSÃO

Nessa tomada de apontamentos rápida sobre a trajetória do ensino no Paraná, desde sua condição de Comarca até o final da Primeira República, verifica-se que os empreendimentos a nível de educação foram mais promissores para o final do período provincial e, notadamente, na fase republicana.

A situação, em parte, se explica porque como Comarca da Província paulista pouca atenção recebia e seus parcos recursos não permitiam maiores investimentos na educação. Ainda se deve considerar a mentalidade reinante, por longo espaço de tempo na antiga Capitania, cujos moradores preocupavam-se em penetrar os sertões e estabelecer propriedades, do que cuidar do aprimoramento cultural, muito mais próprio das pessoas desocupadas que viviam na Corte. O pouco que existia de educação era o remanescente das orientações jesuíticas que permitiram a formação de alguns jovens, em Paranaguá.

A estruturação do ensino se fez lentamente e o Paraná obteve organizar a educação em seu território, após sua amancipação política. As atenções dispensadas pelas autoridades com o ensino voltavam-se, principalmente, para a maior difusão das escolasd primárias, por estarem elas, mais próximas dos pequenos anseios da comunidade. Ao menos o aprendizado de ler, escrever e contar estaria ao alcance da população mais simples que, nem assim, se sentia atraída pela escola.

A expansão da rede de escolas de ensino primário realizou-se, paulatinamente, mediante a constante luta contra a falta de escolas, professores, recursos e baixa freqüência.

A idéia de acabar com o analfabetismo esteve presente desde os primeiros momentos do governo provincial no Paraná. Uma série de fatores impediram a implementação de um programa de alfabetização para por fim à falta total de conhecimento da maioria da população.

A República, embora tivesse aberto novas perspectivas, mais liberais e democráticas para a educação, não obteve a conquista da disseminação do ensino como seus defensores desejavam. A educação continuou sendo tarefa a ser empreendida, passo a passo, na laboriosa tarefa de conseguir realizar seus ideais. Apesar das campanhas, do empenho das autoridades, da participação das comunidades e todos os demais recursos que possibilitaram melhores condições de ensino, que aquele do século anterior, a educação ainda teria um longo caminho a percorrer.

Em dias modernos, o problema em torno da alfabetização de crianças, permanece como um dos pontos cruciais da educação a ser definitivamente solucionado. A situação em torno dessa problemática não é mais aceitável nos dias presentes, em nosso meio, às vésperas do século XXI. Eleva-se o número de escolas, eleva-se o número de crianças alfabetizadas mas, eleva-se muito mais, os índices de natalidade, multiplicando a população infantil sem acesso à escola.

Os registros oficiais acusam dados elevados de analfabetos, tanto de crianças, como de adultos; os parlamentares continuam como no passado, fazendo apologias em torno do assunto; as campanhas particulares e mesmo as oficiais não solucionam de fato o grave problema.

Nos centros urbanos existe maior preocupação nesse sentido mas, no interior longinquo, continua tão grave, como no início do século.

A alegação de que é necessária a conscientização sobre o problema é redundante, tendo em vista o conhecimento real da situação, pelas autoridades e pelos educadores.

Os registros estão aí, apontando os altos índices de analfabetismo, em torno de 10 a 20% da população em idade escolar, para que sejam tomadas providências energéticas e permanentes para a solução definitiva desse secular e tão malfadado problema brasileiro.

A esperança é a de se poder riscar doravante do vocabulário nacional, as expressões chocantes como "analfabeto, fome, pobreza, etc.", pois sabe-se que o desenvolvimento, o progresso e a riqueza de um povo se apoia no seu alicerce cultural.

  • 1 TEIXEIRA, Anísio. Educação no Brasil 2. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1976. p.66, 389 p.
  • 2
    ______. ______.... p.64.
  • 3 KUBO, Elvira Mari. A legislação e a instrução pública de primeiras letras na 5Ş Comarca da Província de São Paulo (Paraná) 1827-1853. Anais... São Paulo: Sociedade Brasileira de Pesquisa (SBPH), 1984. p. 131, 132-6.
  • 4 RIBEIRO, Maria Luiza Santos. História da educação brasileira A organização escolas. 2. ed. São Paulo: Cortez & Moraes, 1979. p.48, 166 p.
  • 5 KUBO. A legislação e a instrução... p. 131-2.
  • 6 ______. ______.... p.133.
  • 7 ______. ______.... p.131.
  • 8 ______. Aspectos materiais das escolas públicas de primeiras letras na 5Ş Comarca da Província de São Paulo (Paraná). Anais... São Paulo: Sociedade Brasileira de Pesquisa Histórica (SBPH), 1983. p.125, 125-7.
  • 9 ______. A legislação e a instrução ... p. 133.
  • 10 ______. ______.... p.133.
  • 11 WESTPHALEN, Cecília Maria. A erva-mate e a madeira. In: ELKHATIB, Faissal. org. História do Paraná 2. ed. Curitiba, Grafipar, 1969. p. 133, v.1, 4 v.
  • 12
    ______. ______.... p.133-4.
  • 13 OLIVEIRA, Maria Cecília Marins de. O ensino primário na Província do Paraná, 1853-1889. Curitiba, SECE/BPPR, 1986. p. 31, 309 p.
  • 14
    ______. ______.... p. 29.
  • 15
    ______. ______.... p. 37.
  • 16
    ______. ______.... p. 55.
  • 17
    ______. ______.... p. 54, 61, 68-9, 72-3.
  • 18
    ______. ______.... p. 218-21.
  • 19
    ______. ______.... p. 35-6.
  • 20
    ______. ______.... p. 22.
  • 21 "Os métodos de Lancaster, ou sistema lancasteriano ou Ensino Mútuo, conseguiu resultados positivos na Índia e na Inglaterra, onde em 1831 contava com (...) 900.000 alunos e em 1860, não menos de 25 escolas profissionais". KENNETH, Lindsay. A educação na Inglaterra. Rio de Janeiro: J. Olumpio, (s.d.). p.7. Citado por CHAIA, Josephina. Financiamento escolar no segundo Império Marília: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1965. p.25, 200 p.
  • 22 OLIVEIRA. O ensino primário ... p.22-3.
  • 23 ______. ______.... p. 116-9.
  • 24 BRASIL. Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos. Campanha de Inquéritos e Levantamentos do Ensino Médio e Elementar. Introdução ao estudo do currículo da escola primária (s.L.) (7):27, 1955.
  • 25 MOACYR, Primitivo. A instrução e o Império, subisídios para a história da educação no Brasil, 1854-1889. São Paulo, Nacional, 1937. p. 107.
  • 26 OLIVEIRA. O ensino primário .. p. 148.
  • 27 OLIVEIRA. O ensino primário .. p. 143.
  • 28 ______. ______.... p. 233-6.
  • 29 PARANÁ, Leis, Decretos, etc. Acto de 14 de maio de 1891. Regulamento do ensino obrigatório. Estabelece a obrigatoriedade do ensino para crianças dos seis aos treze anos e dá outras povidências de caráter pedagógico e técnico-administrativo. Decretos, Regulamentos, Leis e actos do governo do Estado do Paraná de 1890 a 1892 Coritiba, Typ. da Penitenciária, 1911. p. 369-76, 491 p.
  • 30
    PARANÁ, Leis, Decretos, etc. Lei nº 1236 de 2 de maio de 1912. Estabelece os mesmos limites de idade para os dois sexos nas matrículas em escolas primárias. Estado do Paraná. Leis de 1912 Curityba, typ. do Diário Official, 1913. p.139.
  • 31 PARANÁ, Leis, Decretos, etc. Código do Ensino. Estabelece diretrizes para a organização da rede de ensino do Estado e dá providências de caráter pedagógico e técnico-administrativo. Estado do Paraná. Collecção de Decretos e Regulamentos de 1917 Coritiba, typ. d "A República", 1917. p.9-91.
  • 32 SANTOS, Claudino Rogoberto Ferreira dos. Relatorio apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Carlos Cavalcanti de Albuquerque Presidente do Estado pelo Dr.... Secretario d'Estado dos Negocios do Interior, Justiça e Instrucção Publica em 31 de Dezembro de 1914 Curityba, Typ. do Diário Official, 1915. p.16, 30 p.
  • 33 MARTINEZ, Pietro. Relatorio apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Secretario Geral de Estado pelo Professor ... Inspetor Geral do Ensino Curityba, Typ. da Penitenciária do Estado, 1921. p. 13, 127 p.
  • 34
    ______. ______.... p.113. Tabela.
  • 35
    ______. ______.... p. 13.
  • 36
    ______. ______. Relatorio apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Secretario Geral de Estado pelo Professor ... Inspetor Geral do Ensino Curityba, Typ. da Penitenciária do Estado, 1923. p. 31, 158 p.
  • 37
    ______. ______.... p.30.
  • 38
    ______. Relatorio ... 1921. p.25.
  • 39 COSTA, Lysimaco Ferreira da. Relatorio apresentado ao Secretario Geral do Estado pelo Dr.... Inspetor Geral do Ensino (s.n.t.), 1925. p. 392, 381 -571 p.
  • 40
    ______. ______.... p. 382.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1989
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