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O trabalho de campo e o estudo em laboratório: importância e viabilidade no ensino de geografia segundo posicionamento de professores das escolas de primeiro e segundo graus de Curitiba

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

O trabalho de campo e o estudo em laboratório: importância e viabilidade no ensino de geografia segundo posicionamento de professores das escolas de primeiro e segundo graus de Curitiba

Sônia Maria Marchiorato Carneiro

Mestra em Educação pela UFPR e Professora- Assistente do Departamento de Métodos e Técnicas da Educação da UFPR

A presente pesquisa teve como base um estudo piloto sobre o ensino de Geografia em nível de 2.º grau, desenvolvido com uma amostragem de professores e alunos de algumas escolas da Capital e do interior do Paraná. Neste estudo destacaram-se três aspectos problemáticos do ensino de Geografia:

• pouca participação do aluno nas aulas;

• uso insuficiente de recursos didáticos específicos de Geografia;

• e ausência de aulas práticas, como trabalho de campo e o estudo em laboratório.

Dado que essas dimensões negativas se realimentam num círculo vicioso, a possibilidade de uma proposta para superá-las foi buscada na perspectiva de um tratamento didático-pedagógico que possa inverter a situação indesejável por elas sustentada. Assim, o foco da pesquisa desenvolveu-se em vista da necessidade de participação do aluno, a partir do uso eficaz de recursos específicos, no contexto de aulas práticas de Geografia. Nessa linha, o problema da pesquisa foi expresso por uma questão relativa ao trabalho de campo e ao estudo em laboratório, já que estas alternativas metodológicas pressupõem e demandam, para sua operacionalização, tanto um maior grau de praticidade como o uso mais intenso de recursos específicos - visando, justamente, a favorecer a participação do aluno nas aulas, no caso, de Geografia. E a questão básica da pesquisa teve, por conseguinte, a formulação:

- Qual a importância e a viabilidade do trabalho de campo e do estudo em laboratório no ensino de Geografia, na escola de 1.º e 2.º graus?

A extensão da pesquisa ao primeiro grau foi julgada como conveniente em razão da possibilidade curricular (com base na legislação educacional vigente) de ser Geografia trabalhada como disciplina nesse nível de ensino e, ainda, em razão da diversificação dos dados e da ampliação dos resultados da pesquisa, além do pressuposto de que os problemas detectados no 2.º grau também ocorreriam proporcionalmente no 1.º grau.

Para operacionalizar a condução da pesquisa e buscar uma resposta de significação didática e pedagógica à questão colocada, decidiu-se submeter ao julgamento dos professores participantes da mesma pesquisa:

a) um conjunto de objetivos relacionados com habilidades e atitudes a serem desenvolvidas pelos educandos na aprendizagem de Geografia, por meio do trabalho de campo e do estudo em laboratório, no âmbito de 1.º (5.ª - 8.ª séries) e de 2.º graus;

b) um conjunto de circunstâncias potencialmente interferentes na viabilização dessas alternativas de ensino de Geografia, em nível de 1.º e 2.º graus.

O trabalho em torno desses conjuntos de objetivos e de circunstâncias foi orientado pelos seguintes objetivos:

1 - validar os objetivos propostos para o trabalho de campo e o estudo em laboratório, no ensino de Geografia nos níveis de 1.º (5.º - 8.ª séries) e de 2.º graus;

2 - caracterizar a viabilidade do trabalho de campo e do estudo em laboratorio, nos mesmos níveis de ensino;

3 - analisar o significado das convergencias e das divergencias na avaliação dos objetivos propostos, segundo os subgrupos da clientela de pesquisa;

4 - analisar as convergencias e as divergências na avaliação da viabilidade do trabalho de campo e do estudo em laboratorio no ensino de Geografia, segundo os subgrupos da clientela de pesquisa.

Como a pesquisa é de natureza diagnóstico-exploratoria, as variáveis da mesma foram eleitas do próprio contexto do estudo, quais sejam:

a) variáveis do problema:

• importância do trabalho de campo no ensino de Geografia;

• importância do estudo em laboratório...;

• viabilidade do trabalho de campo...;

• viabilidade do estudo em laboratório...;

• níveis de ensino: - 5.º a 8.ª série do 1.º grau; - 2.º grau;

b) variáveis demográficas: sexo, formação (graduação e outros cursos), escola de licenciatura (UFPR e outras instituições) e tempo de experiência no ensino de 1.º e/ou 2.º grau(s);

c) variáveis contextuais:

• atuação de ensino do professor, na época da pesquisa:

- exclusivamente no 1.º ou no 2.º grau;

- conjuntivamente em 1.º e 2.º graus;

• dependência administrativa das escolas: redes estadual, particular, municipal e federal (Centro Federal de Estudos Tecnológicos) de ensino.

As variáveis demográficas e contextuais foram consideradas em razão da sua possível influência sobre o posicionamento dos professores quanto ao conteúdo dos itens

e questões do instrumento de pesquisa. Em termos de pressupostos básicos da pesquisa foi asumido que:

a) os professores de Geografia, nos níveis de 1.º (5.ª - 8.- séries) e de 2.º graus, a partir de sua qualificação acadêmica e experiência profissional, poderiam contribuir competentemente para uma caracterização diagnostica da importância e da viabilidade do trabalho de campo e do estudo em laboratório, no ensino de Geografia;

b) a ação docente deve orientar-se por objetivos educacionalmente significativos;

c) o trabalho do professor deve respaldar-se num conhecimento diagnóstico da realidade escolar;

d) o trabalho de campo e o estudo em laboratório favorecem o desenvolvimento de um conjunto de habilidades de pensamento, de habilidades técnicas (práticas) e de atitudes, por parte do aluno de 1.º (5.ª - 8.ª séries) e 2.º graus.

O segundo capítulo da dissertação tratou da revisão de literatura, desenvolvida em três partes. A primeira traz uma análise sobre a evolução histórica da Geografia, sob os aspectos científico e escolar (com ênfase na parte nacional), a fim de se evidenciar uma defasagem entre a Geografia escolar e a científica e, ao mesmo tempo, caracterizar tal defasagem como decorrente, sobretudo, de orientações tradicionais no ensino dessa matéria. A segunda parte enfoca sucintamente a importância educacional da Geografia nas escolas de 1.º e 2.º graus. E a terceira parte apresenta o trabalho de campo e o estudo em laboratório como alternativas de ensino e aprendizagem fundamentalmente adequadas aos objetivos educacionais da Geografia, nos níveis escolares considerados no estudo - tendo sido analisadas as vantagens didático-pedagógicas dessas alternativas, as condições de sua efetivação, as modalidades das atividades de campo e laboratorio e ainda a integração complementar das mesmas alternativas no ensino e aprendizagem de Geografia.

Quanto à metodologia de pesquisa, o estudo compreendeu inicialmente a elaboração de um instrumento em duas partes, referindo-se a primeira à importância do trabalho de campo e do estudo em laboratório; esta importância foi operacionalmente expressa por um conjunto de vinte e cito (28) objetivos globais (com orientações de especificação), comuns aos níveis de 1.º e 2.º graus e que traduzem habilidades de pensamento, habilidades técnicas e atitudes.

O arranjo estrutural desta primeira parte do instrumento ficou assim disposto:

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A segunda parte do instrumento contém um conjunto de onze (11) itens principais relativos a circunstâncias que podem interferir na viabilização do trabalho de campo e do estudo em laboratório, no ensino de Geografia e nos níveis de 1.º e 2.º graus; e mais seis (06) itens complementares de cunho informativo. Esta parte do instrumento ficou assim estruturada:

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O instrumento foi validado por dez professores da Universidade Federal do Paraná, sendo cinco da área de Geografia e cinco da área de pesquisa educacional. Com base nessa validação, o instrumento foi reajustado e aplicado - nos meses de maio e junho de 1985 - a uma população constituída de professores licenciados em Geografia e que, na época da coleta de dados, atuavam no ensino regular e diurno de 1.º (5.ª- 8.ª séries) e de 2.º grau das escolas estaduais, particulares, municipais e no CEFET de Curitiba. Essa população de pesquisa foi estimada em cento e oitenta (180) professores, dos quais foram atingidos cento e cinqüenta (150) na aplicação do instrumento. Foram devolvidos cento e quarenta e oito (148) instrumentos, sendo que três ficaram prejudicados: resultou, assim, uma amostra útil de cento e quarenta e cinco (145) respondentes, o que corresponde a 80% da população visada.

Os dados tabulados possibilitaram a elaboração de quadros sinóticos (que constam como anexos da dissertação), contendo as freqüências das respostas, com os percentuais correspondentes a cada item do instrumento, relativamente aos níveis de ensino (1.º e 2.º graus), subgrupos de professores conforme sua atuação (1.º, 2.º ou 1.º e 2.º graus) e os respectivos totais desses grupos.

Em vista da análise interpretativa dos dados, foram estabelecidos critérios para cada parte do instrumento: na primeira, critérios de validação dos objetivos, com uma concordância mínima de 80% entre os sujeitos de cada subgrupo e do total dos respondentes; e, na segunda, critérios para definir as circunstâncias relativas à viabilidade do trabalho de campo e do estudo em laboratório: circunstâncias favoráveis, parcialmente impeditivas, impeditivas e indefinidas. Para determinar-se tais circunstâncias, foi utilizado o teste de Qui Quadrado, o qual também teve aplicação na análise quantitativa dos dados escalados da pesquisa.

Os resultados alcançados evidenciaram, em relação à primeira parte da pesquisa, uma convergência substancial dos professores participantes quanto à validação dos objetivos propostos como referenciais ao trabalho de campo e ao estudo em laboratório, no ensino de Geografia em nível de 1.º (5.ª - 8.ª séries) e do 2.º grau. Tal convergência apareceu nos totais gerais dos subgrupos de professores como validação de todos os objetivos para o nível de 2.º grau e, para o 1.º grau, como uma validação de vinte e cinco (25) dos vinte e oito (28) objetivos dados (89%). No entanto, deve-se observar que os três objetivos que não atingiram o critério de validação (os de n.º 3, 11 e 22 do quadro anterior) relativamente ao 1.º grau, obtiveram percentuais próximos do critério (respectivamente, 72%, 73% e 77,5%).

Quanto aos resultados da segunda parte da pesquisa, ficou caracterizada uma viabilidade parcial do trabalho de campo e do estudo em laboratório, no ensino de Geografia de 1.º e 2.º graus, com a seguinte configuração:

• circunstâncias favoráveis: aulas geminadas - freqüência mensal das atividades - turno diurno de aulas - disponibilidade de recursos didáticos usuais - disponibilidade de mobiliário para o estudo em laboratório - grupos pequeno e médio de alunos;

• circunstâncias parcialmente impeditivas: carga horária vigente - horário ordinário - disponibilidade do professor - recursos humanos - recursos financeiros;

• circunstâncias indefinidas: horário diferente do normal - duração das atividades de campo e laboratório: uma hora-aula, meio dia e dia todo - freqüência das atividades: semanal, quinzenal, bimestral e semestral - turno noturno (1.º grau) - cooperação da comunidade - cooperação de empresas - subvenção oficial - recursos de transporte - recursos físicos (2.º grau) - grupo grande de alunos;

• circunstâncias impeditivas: duração de uma horaaula para o estudo em laboratório - freqüência semanal do trabalho de campo - o turno noturno (2.º grau) - e recursos físicos (1.º grau).

A segunda parte do estudo evidenciou, pois, que para uma plena implementação dessas alternativas de ensino de Geografia nos níveis de 1.º e de 2.º grau, torna-se necessária a superação de uma série de obstáculos - entre os quais se destacam os problemas relativos à carga horária, à falta de disponibilidade dos professores para preparar atividades de campo e laboratório, à insuficiência de recursos humanos (como monitores e professores auxiliares) e recursos financeiros. Observa-se ainda que a incidência maior da categoria de circunstâncias indefinidas terá decorrido, mais provavelmente, da pouca experiência dos professores com o trabalho de campo e o estudo em laboratório, de uma parte, e, de outra, do seu conhecimento deficiente sobre as possibilidades curriculares de operacionalização dessas alternativas de ensino. A essas razões podem ser juntadas a formação acadêmica inadequada do professor de Geografia para 1.º e 2.º graus (especificamente sob o aspecto didático-pedagógico) e a ausência de um plano permanente, em nível dos sistemas educacionais e das instituições de formação docente, que apoiasse e acompanhasse o professor em serviço, visando ao seu desenvolvimento profissional contínuo.

Os resultados da pesquisa, em seu conjunto, não só evidenciaram o atingimento dos seus objetivos como possibilitaram algumas recomendações e sugestões quanto ao desenvolvimento de outras pesquisas e projetos experimentais nas escolas de 1.º e 2.º graus. Em termos de outras pesquisas são sugeridas, relativamente à primeira parte do estudo: uma revalidação dos objetivos propostos em outros sistemas ou meios escolares; a operacionalização dos objetivos nos níveis de 1.º e/ou 2.º grau(s), com avaliação de sua adequação e significação didático-pedagógica enquanto referenciais de orientação às decisões metodológicas do professor; e a realização de estudo comparativo desses objetivos com os planos de ensino das escolas de 1.º e 2.º graus, assim como em relação aos conteúdos dos livros didáticos destinados a/ou usados nesses níveis de ensino. Com respeito à segunda parte da pesquisa, recomenda-se um levantamento mais detalhado do conjunto de circunstâncias que atingem a viabilidade do trabalho de campo e do estudo em laboratório. Com efeito, uma das limitações do instrumento de pesquisa foi a formulação muito globalizada de alguns itens - dificultando as respostas dos professores e limitando, conseqüentemente, o processamento de inferências mais precisas na análise interpretativa dos dados e dos resultados.

Em relação ao desenvolvimento de projetos experimentais nas escolas da comunidade, este estudo pode ser utilizado como um ponto de partida para a elaboração de propostas de trabalho de campo e estudo em laboratório no ensino de Geografia em nível de 1.º e 2.º graus, considerando-se os objetivos validados e as circunstâncias que apareceram como mais favoráveis à implementação inicial dessas alternativas de ensino (aulas geminadas, freqüência mensal de atividades, utilização dos recursos disponíveis nas escolas - como os recursos didáticos usuais, a própria sala de aula como ambiente laboratorial e os arredores da escola como ambiente para atividades de campo). Vale observar que o apoio integrado dos órgãos oficiais (Secretarias de Estado da Educação e agências de subvenção financeira) e das instituições de formação de professores far-se-ia fundamental para a implementação de propostas progressivas, visando-se não apenas ao atendimento do aspecto pedagógico, mas ainda à formação permanente do professorado de Geografia. Nesta perspectiva, de modo especial, a disciplina de Prática de Ensino de Geografia - requerida pela Licenciatura - pode contribuir para as iniciativas de efetivação de experiências de campo e laboratório nas escolas de 1.º e 2.º graus: projetos desenvolvidos pelos alunos-mestres durante o estágio supervisionado ensejariam uma sensibilização dos professores em exercício para com propostas de melhoria eficaz do ensino e aprendizagem de Geografia, nos níveis de escolarização em foco.

Sob uma perspectiva de conclusão deste relato, será significativo expressar a visão positiva dos professores respondentes, a partir das questões abertas do instrumento do trabalho de campo e do estudo em laboratório no ensino de Geografia: tais atividades propiciariam uma participação mais efetiva do aluno no desenvolvimento dessa disciplina - questionando, observando, analisando e interpretando dados, examinando materiais, etc.; desse modo, a Geografia tornar-se-ia uma realidade na vida do educando, passando a ser vista como uma matéria de interesse e atualizada no currículo escolar. Essa reação favorável dos professores a uma proposta inicial de se considerar o trabalho de campo e o estudo em laboratório como alternativas de ensino de Geografia significa, sobretudo, uma preocupação com a formação educacional dos alunos de 1.º e 2.º graus. De fato, é educacionalmente importante que os alunos desses níveis compreendam, de modo gradual e integrado, os fenômenos geográficos em sua objetividade e numa dimensão organizacional do espaço, tendo condições - pelas atividades de campo e laboratório - de desenvolver habilidades de pensamento (nível de apreensões e elaborações concepto-ideativas), habilidades práticas (nível dos esquemas de ação externa) e atitudes (nível dos valores e preferências) - habilidades e atitudes básicas para a vida do aluno, não só no processo de sua escolarização como, muito mais, em outras situações de experiências e decisões. Nesta linha de orientação, por meio do trabalho de campo e do estudo em laboratório, o educando de 1.º e 2.º graus deixará de visualizar a Geografia como disciplina informativa, de descrição da Terra, para percebê-la crescentemente como uma área de conhecimento útil à compreensão da realidade em que vive e convive - sob um enfoque contextual e dinâmico, de modo a amenizar-se a atual defasagem entre a Geografia escolar e a Geografia científica.

  • CARNEIRO, Sônia Maria Marchiorato. O trabalho de campo e o estudo em laboratório: importância e viabilidade no ensino de Geografia segundo posicionamento de professores das escolas de primeiro e segundo graus de Curitiba Dissertação de Mestrado. Curitiba, Universidade Federal do Paraná, 1987. 170 p.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1987
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