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Da filosofia e validação dos objetivos educacionais nos regimentos das escolas de nível médio

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

Da filosofia e validação dos objetivos educacionais nos regimentos das escolas de nível médio* * Subentende-se por aprovação em caráter operacional o método de transformar as tarefas menos perfeitas que se estejam realizando em tarefas mais eficientes, dentro das condiçeõs que realmente existam num dado lugar e tempo. (1) Educação e Reflexão - Furter, Pierre - Vozes de Petrópolis (2) Ibid. (3) Vida e Educação - Furter, Pierre - Vozes de Petrópolis (4) Ibid. (5) Especialização operacional de objetivos educacionais e instrução programada - Dib. Cláudio Zaki (6) Escola Progressiva - Teixeira, S. Anísio - Cia. Editora Nacional.

Cons.ª Eny Caldeira

A elaboração de regimentos pela própria escola, ação prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, vale por uma Filosofia da Educação

1 - INTRODUÇÃO

Uma das contribuições ao Ensino Médio, no país, em termos de reformulação da filosofia, de objetivos e fundamentação científica do seu trabalho, seria, sem dúvida, uma análise crítica às estruturas vigentes, ou melhor, um levantamento de problemas desse grau de ensino, a ser realizado pelos próprios professores, no recesso de cada escola, sob a forma de grupos permanentes de estudo e de trabalho e à qual se acrescentariam os resultados de sondagens diversas, ouvidos os alunos, os pais, representantes da comunidade, ou especialistas em áreas diversas conjugados os temas da educação num eixo interdisciplinar.

Dúvidas e esperanças se colocariam em pauta numa abordagem desse gênero especialmente na fase de transição em que vive a escola brasileira, qual seja a de assumir responsabilidade na liderança do processo educativo nacional, poder outorgado pela Lei de Diretrizes e Bases, algo revolucionário em nossa tradição de ensino se considerarmos o rígido controle legal a que estava submetida a escola.

Quais seriam as áreas de estudos significativas, resultantes de uma abordagem desse gênero? Administrativas? Pedagógicas? Filosóficas? Metodológicas? Históricas? Políticas? Econômicas? Científicas? Culturais ou Tecnológicas?

O que diriam sobre esses e outros assuntos os pais, os representantes da comunidade, os cientistas especialmente convidados para virem à escola, os professores visitantes, os antropólogos, os filósofos, os representantes da igreja, os representantes do povo, do Governo do País?

Vislumbra-se assim que a estimulação dialogai entre professores, entre educandos e educadores, entre pais e mestres, entre jovens e adultos, encontram na indagação, no estudo, na inquietação, nas sondagens, nas leituras, etc., eixos dinâmicos de reflexão e busca permanente de aperfeiçoamento do trabalho na escola.

Que rumos tomaria assim a educação escolar?

Conviria lembrar, com Pierre Furter (1), que não cabe à filosofia impor solução a priori à ação pedagógica, mas são os educadores que vão interrogar os filósofos. E, para que esse encontro, entre educadores e filósofos se dê, a reflexão deveria começar ao nível das práticas, das técnicas, dos métodos, dos processos, da ação educativa em geral. A reflexão será crítica no sentido de que não vai pensar dogmaticamente o que deve ser a educação, mas vai, pouco a pouco, refletir a educação a partir dos problemas que já existem na ação. A prática educativa existe, assim, antes da reflexão. Esta é, portanto, um pensamento ao segundo grau, no qual o homem repensa o que estava fazendo. Assim refletir é olhar de uma maneira particular e à distância a própria ação. É tomar uma certa distância para melhor julgar o que se está fazendo, ou o que se fêz ou o que se fará.

- Chamaria de "técnica de deslocamento de eixos" essa maneira de pensar à distância.

- Assim, do eixo comum da ação educativa desloca-se para um novo eixo, à distância, num processo de embasamento teórico do problema.

- Esta distância é necessária, quando se pretende dar uma significação às próprias ações, isto éT medir as dimensões e as conseqüências dos próprios atos, colocar-se por exemplo em totalidades maiores, orientar-se nelas. Este esforço da coerência e de lucidez abre o horizonte da ação, permitindo sentir melhor os limites e as possibilidades da ação. (2).

- Quantos jovens, na Universidade, futuros cientistas e professores, no processo do desenvolvimento da teoria e prática do ensino encontram dificuldades, quando alunos-mestres no exercício do magistério na comunidade, de refletir no eixo comum da ação pedagógica tão sufocada pela rotina escolar, ou melhor, se sentem escravos da ação e mediante o processo de deslocamento de eixos ou de reflexões à distância se tornam livres, corajosos, ousados e ávidos de mudança, especialmente quando amparados pela leitura de documentos básicos e nesse caso e especialmente pelo conhecimento das idéias arrojadas dos filósofos e cientistas da atualidade.

- A reflexão, portanto, não é só uma distância que tomo para com o cotidiano, mas é a distância necessária para poder mudar a minha ação. Refletir não é alienar-me, mas distinguirme para melhor tornar-me sujeito daquilo que faço, comenta Pierre Furter.

- A reflexão, portanto, em termos de estudo das realidades educacionais brasileiras e paranaenses, exigirá uma perseverança somente suportável se pensarmos e trabalharmos juntos e profundamente engajados no processo do desenvolvimento humano e no contexto das sociedades em mudança.

2 - JUSTIFICAÇÃO E DESENVOLVIMENTO.

A elaboração de regimentos pela própria escola, ação prevista na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, art. 43, cap. I, título VII - Da Educação de Grau Médio, vale por uma filosofia da educação, vez que coloca em pauta um dos grandes problemas pedagógicos na atualidade, qual seja, o da autonomia escolar, que deverá ser revelado na prática, em formas cada vez mais perfeitas e pela interpretação dinâmica e reflexiva da educação pela liberdade.

Trata-se efetivamente de uma tomada de posição dos educadores para a garantia de uma dos pontos básicos da filosofia educacional que inspira a Lei de Diretrizes e Bases e que consiste, precisamente, nesse princípio, o da autonomia, ou seja, o poder é conferido à escola de se organizar e dirigir suas atividades. Eis, precisamente, a razão pela qual a citada Lei reservou um artigo especial à autoridade da escola em organizar seu regimento, em dar flexibilidade à regulamentação inerente à organização e ao funcionamento de seu trabalho.

Nessa carta ou no regimento se guarda o grande segrêdo da autonomia que a escola vai conquistar. Até então, não havia conseguido a escola brasileira oferecer ao país a filosofia do seu trabalho, vez que as exigências regulamentares e legais centralizadas num único poder sufocavam suas iniciativas e aspirações.

Não creio ter sido a Lei de Diretrizes e Bases mais inspiradora do que quando oferece à escola média a oportunidade de organizar um documento de alforria e ainda mais, quando concede aos educadores a dádiva de se tornarem os artífices dessa liberdade. Compreende-se, assim, entre as finalidades do Conselho Estadual de Educação do Paraná aquela de dar, pela aprovação dos regimentos escolares, em caráter operacional*, um crédito à escola de nível médio, pela singular tarefa de repensar suas estruturas, suas práticas, de diversificarse, de organizar seu regime de vida e de trabalho com amplas possibilidades de renovação interna, de expressar qualidades de liderança, de enriquecer-se dos resultados da ciência e da cultura, de atualizar-se, e também de apoiar-se em compromissos legais perante a sociedade, e contribuir pela singularidade de seus objetivos, de sua filosofia para o fortalecimento e a integração de ideais democráticos nacionais.

A tarefa de organização de um regimento escolar é simples, quando inspirada na realidade da vida escolar em processo de mudança; o documento regimental se torna então como um instrumento de trabalho que se aperfeiçoa no cotidiano.

A organização do ambiente escolar, por exemplo, com mais alegria e beleza contará na validação dos objetivos educacionais. O humanismo, outra definição filosófica da educação, não se imporá como um modelo mas como uma inspiração face às contingências do trabalho escolar.

- Note-se que o humanismo que forjará um regimento é uma certa maneira de viver a nossa condição humana. Supõe, portanto, de um lado que se acredite no homem e que não se duvide de suas possibilidades. Humanismo não é uma reconquista do perdido, nem a proteção do paraíso, mas uma tarefa em que o homem vai exatamente se medir e, assim medir o mundo. O homem assumindo o seu humanismo não se nega e nem foge ao mundo, mas se situa dentro dêle tentando pela sua prática, transformá-lo no seu mundo. O humanismo, é, portanto, uma certa maneira de se ligar ao mundo. E ainda, o humanismo não depende, portanto, das humanidades, mas, numa educação para o nosso tempo que aparece pela sua capacidade de criar a humanidade. (3)

Lembraremos, também que uma escola forjada na democracia como forma de cooperação revelará ao cotidiano a arte de viver a filosofia da liberdade, outra maneira simples da escola expressar seus objetivos. E que, uma escola fundamentada cientificamente assume o compromisso de uma educação permanente como perspectiva que leva os educadores a redefinir toda e qualquer educação na atualidade.

3 - DA DETERMINAÇÃO E VALIDAÇÃO DA FILOSOFIA E DOS OBJETIVOS EDUCACIONAIS.

Partindo da premissa de que desejar alcançar conjuntamente valores educacionais para as escolas de nossos tempos já é uma tomada de posição filosófica, podemos considerar a disponibilidade de tempo como fator primordial na vivência e criação de uma filosofia escolar, forjada constantemente.

As metas educacionais sofrem influência sensível das tendências e forças sociais atuantes que precisam ser analisadas, do conjunto de conhecimentos organizados sobre o mundo e sobre os homens, e que convém seriamente refletir, e dos critérios e das técnicas que visam o aperfeiçoamento das instituições encarregadas da formação do homem e que exigem participação criadora. Um conjunto de tarefas coloca assim a escola em situação de permanente trabalho. É preciso aprender como aprender, como atacar problemas novos, como adquirir novos conhecimentos; como adquirir habilidades básicas, desenvolver a competência intelectual e vocacional; é preciso aprender como explorar valores experimentalmente, compreender conceitos e generalizações; é preciso aprender a viver, a pensar, a ser auténticamente.

A escola assim orientada ajudaria o aluno a desenvolver habilidades de aprender por iniciativa própria, a interessar-se por isto; os adolescentes não aceitam que as lições sejam ditadas, êles querem experimentar. Assim usar processos racionais na aprendizagem é colocar a escola na linha de ação e da produtividade do bem-estar e da alegria reclamados pelos adolescentes.

Convém lembrar também que do ponto de vista da tecnologia, a direção da aprendizagem vem sendo enriquecida experimentalmente com as contribuições no campo da instrução programada.

O tecnólogo de comportamento tem, frente ao problema de especificação de objetivos educacionais, uma atitude operacional. Essa determinação envolve, não somente o conteúdo examinado, como também a filosofia de ensino que é considerada: - 'quem deveria pois decidir qual deve ser o comportamento final desejado? os cientistas? professores? educadores? engenheiros? cada uma dessas autoridades dará, provavelmente, uma resposta diferente. O problema da educação não pode ser considerado independentemente de um Sistema de referência".(4).

A especialização operacional de objetivos tem exigido um árduo trabalho de pesquisas, no campo da tecnologia do aprendizado. Para que se possa avançar face às situações comuns da aprendizagem em nossas escolas é preciso que se acompanhe o que se está vivendo como revolução no campo da tecnologia educacional, especialmente quando se trata de criar e viver uma nova filosofia dentro da escola.

Um outro campo está também a exigir reflexões qual seja o da criatividade na educação.

Esta posição de criatividade vale por uma nova maneira de pensar e refletir as práticas usuais na escola? Em geral a educação tendeu a formar indivíduos conformistas, estereotipados, em lugar de formar pensadores livremente criadores e originais; em condições psicológicas de "segurança" e de "liberdade", nós teremos um máximo de chances para uma criatividade construtiva.

Cada escola necessita, como vimos, da formulação cuidadosa de uma filosofia compreensiva e participante da educação a qual terá implicações nas diferentes áreas do processo educativo. As indagações marcarão, sem dúvida, os critérios de validade científica.

Vivendo as tendências do mundo moderno, a escolha, baseando-se "no método científico que está dando ao homem um senso novo de segurança e de responsabilidade, no industrialismo, como a nova visão intelectual do homem, na democracia, como um modo de vida social em que cada indivíduo conta como pessoa", (5) forjaria seu regimento como uma carta que põe em pauta a vivência dos princípios reclamados na comunidade, em busca do desenvolvimento.

Assim a filosofia e os objetivos da escola não se resumiriam em meras repetições de princípios, mas na vivência dêsses princípios, aos quais se acrescentariam outros, no cotidiano escolar. Os princípios das leis magnas de um país deverão ser carreados para a vida escolar em têrmos de iniciativas, inspirações, responsabilidades, esperanças, criatividade e de desenvolvimento humano no trabalho.

(*) NOTA À GUISA DE JUSTIFICATIVA PARA REPUBLICAÇÃO

A sempre (desconsiderada) virtualidade do sistema educacional, em sua dimensão de autonomia relativa, pode (e deve), na atualidade, ser recuperada. E, desta feita, sob o forte pretexto de um discurso explícito eivado de propósitos sociais de motivação democrática.

O País vive a sua Constituinte, a Universidade, a sua Estatuinte. As demais escolas, por que não, e desde há muito, já poderiam ter tentado a sua autodeterminação pedagógica, a sua Instituinte.

Desde a Lei 4024/61, que estabeleceu as diretrizes e Bases da Educação Nacional, um desafio foi feito à escola brasileira. Todavia, esta alforria não se fez na prática. Administradores escolares apressados, sub-repticiamente associados a empreiteiros de regimentos, atuaram, exaustivamente, de norte a sul do País, compremetendo aquela virtualidade.

Em Curitiba, Capital do Estado do Paraná, a Conselheira Professora Eny Caldeira, membro da primeira geração do Conselho Estadual de Educação, instituído em dezembro de 1964, concebeu e realizou singular projeto de elaboração do regimento interno do Grupo Escolar Tiradentes (1966).

Ao lado de outras experiências, o valor de sua metodologia persiste. Por isso, nesta volta reflexiva sobre as regras da nossa prática educacional, neste clima amplo de redefinição normativa da sociedade brasileira, torna-se inevitável, sem dúvida alguma, a redescoberta dos tesouros perdidos. Tesouros que se fizeram perdidos pela burocracia cega que rege a rotina delirante da administração do nosso sistema escolar. Tesouros que se fizeram tesouros no diálogo concreto do dia-a-dia no contexto particular, a despeito e em função das contingências.

Pensar a escola, pensar o Brasil. Para o exercício desta correspondência, eis, pois, u a mensagem de vinte anos passados.

"Da filosofia e validação dos objetivos educacionais nos regimentos das escolas de nível médio" foi publicado em Criteria, órgão oficial do Conselho Estadual de Educação, vol. 8, às páginas 20 a 26, em 1968.

Prof.ª Rejane de Medeiros Cervi

  • *
    Subentende-se por aprovação em caráter operacional o método de transformar as tarefas menos perfeitas que se estejam realizando em tarefas mais eficientes, dentro das condiçeõs que realmente existam num dado lugar e tempo.
    (1) Educação e Reflexão - Furter, Pierre - Vozes de Petrópolis
    (2) Ibid.
    (3) Vida e Educação - Furter, Pierre - Vozes de Petrópolis
    (4) Ibid.
    (5) Especialização operacional de objetivos educacionais e instrução programada - Dib. Cláudio Zaki
    (6) Escola Progressiva - Teixeira, S. Anísio - Cia. Editora Nacional.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Mar 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1986
    Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Educar em Revista, Setor de Educação - Campus Rebouças - UFPR, Rua Rockefeller, nº 57, 2.º andar - Sala 202 , Rebouças - Curitiba - Paraná - Brasil, CEP 80230-130 - Curitiba - PR - Brazil
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