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A escola como sistema e a divisao de trabalho

ARTIGOS DE DEMANDA CONTÍNUA

A escola como sistema e a divisao de trabalho

Heloísa Luck

Professor Assistente do Departamento de Planejamento e Administração Escolar do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná. Doutor em Educação pela Columbia University

A fim de se poder conhecer, analisar e controlar o que se passa dentro da escola e direcionar as inovações necessárias ao bom desempenho de suas funções, sem que se corra o risco de se tomar posições e medidas unilaterais e exclusivas a alguns setores, em desconsideração ou até detrimento de outros setores e do conjunto, é preciso que se a examine por meio de uma concepção sistêmica (Morphet, Johns e Reller, 1967).

Por sua própria função, a escola constitui-se em uma organização sistêmica aberta, isto é, em um conjuntos de elementos (pessoas, com diferentes papéis, estrutura de relacionamento, ambiente físico, etc) que interagem e se influenciam mutuamente, conjunto esse utilizado na forma de troca de influência e por meio delas relacionado ao meio em que se insere.

Desta forma, qualquer mudança em qualquer dos elementos da escola produz mudança nos outros elementos, mudança essa que provoca novas mudanças no elemento iniciador, e assim sucessivamente. A inter-influência será tanto mais forte quanto maior proximidade e relacionamento tiverem os componentes. Essa inter-influência ocorre, quer tenhamos consciência dela ou não, e o entendimento de como ela funciona na escola é sobremaneira importa radamente exercer sua função educativa.

Com referência ao relacionamento de mutua influência com o meio em que está inserida, o que a torna um sistema aberto, e não fechado em si mesmo, sabe-se que a escola tem uma função de promover a melhoria da sua comunidade, pela educação de seus filhos, e que, ao fazê-lo, recebe influência dessa comunidade, adaptando seus os, programas, métodos e técnicas a ela. Também al as mudanças são recíprocas.

Portanto, quando se pensar em algum setor da escola, deve-se pensar em suas relações com os demais setores, bem como com a comunidade.

Como a escola, por sua vez, é uma unidade de um sistema educacional maior, formado por um conjunto de escolas que se influenciam direta, ou indiretamente, deve-se ter em mente esse conjunto maior.

Posições e medidas tomadas após esse exame terão melhores condições de ação coordenada e eficaz. Quanto maior e melhor for o entendimento das funções e condições de funcionamento das partes do sistema e de como interagem, maiores serão as probabilidades de se capitalizar sobre os seus esforços e resultados (Hall, 1972).

A divisão de trabalho e a distribuição de papéis na escola.

As unidades de estrutura social de uma instituição se constituem em papéis sociais. Um papel social corresponde a um padrão esperado de desempenho e comportamentos manifestados por uma pessoa que ocupa ama determinada posição em um contexto social. O papel é a expressão da posição, que corresponde à localização da pessoa no sistema (Banton, 1965).

A divisão do trabalho corresponde ao agrupamento de funções, seguindo determinados critérios, de forma a permitir que a carga total de trabalho seja desempenhada satisfatoriamente por todas as pessoas disponíveis ao seu desempenho.

Por uma influência da tecnologia industrial, também em educação, foi adotado o critério de divisão do trabalho per especialização de funções. Assim é que determinada pessoa ou conjunto de pessoas recebe a incumbência de se responsabilizar por um aspecto do processo de ensino-aprendizagem, outra de outro aspecto, e, assim, sucessivamente.

Em escolas de pequeno porte, cujo volume de trabalhe é relativamente pequeno, vários agrupamentos de funções, que poderiam corresponder a papéis diferentes, são naturalmente assumidos por uma ou umas poucas pessoas. É na medida em que as escolas crescem e na proporção da sua afluência quanto a recursos, que vai ocorrendo a divisão de tarefas entre diferentes pessoas de diferente formação ou treinamento profissional.

Observa-se no entanto, que esse agrupamento especializado de funções e sua atribuição a pessoas diferentes produz situações de conflito no sistema. Ele tende a promover disparidade de interesse e a dificultar a comunicação (Griffiths, 1956).

Considerações aos princípios de funcionamento do sistema e tomada de medidas integradoras devem ser preocupação de todos os participantes do sistema, a fim de que os conflitos gerados pela divisão de trabalho ocorram ao nível mínimo possível.

O papel do professor no processo educativo.

O professor defronta-se, no dia a dia de seu ambienta escolar, com um grupo ou grupos de crianças de origem variada quanto a aspectos de ordem econômica, social, cultural e psicológica.

No seu trabalho diário, o professor tem oportunidades constantes de observar e interagir com cada um dos alunos que compõem sua(s) turma (s). O comportamento desses alunos é sobremaneira significativo, pois reflete sua aprendizagem anterior, ocorrida em grande parte em função do seu ambiente sócio-econômico-cultural, e que é condicionadora de novas aprendizagens.

Numa turma ocorre a expansão de comportamentos que manifestam atitudes, idéias, valores do ambiente em que vive cada aluno, bem como surge a manifestação de características individuais, como por exemplo de liderança, inquietação, agitação, organização, tato, diplomacia, timidez, persistência, evasão, etc.

Da capacidade do professor em entender esse comportamento depende seu sucesso na organização e implementação das atividades de ensino-aprendizagem e no desenvolvimento de um relacionamento positivo com os alunos.

Repete-se que tradicionalmente o meio escolar preocupou-se com o desenvolvimento de aptidões cognitivas no educando e que o professor cuidou principalmente de transmissão de conhecimentos, em notória exclusão de outros aspectos do comportamento. No entanto, já em concepções tradicionais, o papel do professor foi visto como o de ajudar o educando a aprender em todos os sentidos, isto é, na aquisição de conhecimentos, atitudes, hábitos, ideais, valores, aptidões ou qualquer tipo de aprendizagem ainda não desenvolvida e julgada importante para o educando (Reeder, 1943). Ocorre atualmente um reforço a essa concepção e uma maior conscientização para a necessidade de se olhar atenta e objetivamente para o potencial individual de cada aluno e suas necessidades pessoais, fatores sobre os quais se assentam o nível e o tipo de sua capacidade de aprender.

O professor é, naturalmente, a figura chave da escola para, além de promover a "transmissão de conhecimentos", promover o desenvolvimento de hábitos, atitudes, interesses, ideais, valores nos educandos. Mais ainda, dado seu contacto de forma sistemática e constante com os alunos, e sua posição de influência sobre eles, cabe-lhe virtualmente a tarefa de promover a formação integral dos mesmos. Somente o professor, em nossa estrutura escolar, acha-se em posição de atuar sistemática e continuamente junto ao educando, e de observar-lhe as reações, tendências, interesses, características pessoais em geral, em situações naturais de ensino-aprendiz agem. Da mesma forma, o professor é quem está presente em sala de aula quando surgem dificuldades de comportamento a cujo atendimento não lhe cabe omitir-se.

É notório, no entanto, que a formação dos professores vem enfatizando sobremaneira os aspectos de conhecimento de área(s) das atividades de ensino-aprendizagem (conteúdo), conhecimento de prática e procedimentos básicos (métodos e técnicas), e minimizando aspectos importantes como:

1) conhecimento dos processo de desenvolvimento humano e do processo de aprendizagem;

2) compreensão das influências do ambiente sócio-econômico-cultural sobre os alunos, o currículo escolar e a escola.

3) sensibilidade e entendimento às diferenças individuais;

4) habilidade em manter um relacionamento humano eficaz;

5) habilidade em comunicar-se clara e eficazmente;

6) habilidade em resolver problemas de sala de aula;

7) habilidade em motivar seus alunos;

8) habilidade em selecionar e desenvolver formas de desempenho adequado ao processo de ensino;

9) habilidade em trabalhar cooperativamente;

10) interesse em trabalhar com crianças, e em função de suas necessidades.

Dessa forma, o professor, procurando desempenhar, o melhor possível o seu papel na formação integral do educando, o faz auxiliado quase que exclusivamente por sua intuição, por experiências de ensaio e erro e por seu auto-didatismo (qualidade, aliás, de extrema importância para todo e qualquer profissional).

A Orientação Educacional e a Supervisão Escolar, ao serem introduzidas na escola, o foram em função das limitações naturais do professor no desempenho pleno do seu papel face à impossibilidade de o mesmo dominar adequadamente, sem assistência, os conhecimentos e habilidades apontados. De um lado, a Orientação Educacional complementaria sua atuação em relação ao aspecto emocional do desenvolvimento do educando; de outro lado, a Supervisão Escolar criaria condições para o suprimento de habilidades e conhecimentos com referência à dinamização do processo educativo.

Mudança do papel do professor em função da Orientação Educacional.

Com a introdução da Orientação .Educacional na escola, voltada especificamente para o aspecto emocional do educando e suas dificuldades pessoais e de comportamento, promoveu-se uma mudança na compreensão da abragência do papel do professor em relação ao aluno. Como a Orientação Educacional passou a dar atenção àqueles aspectos diretamente em relação ao aluno, em vez de assistir o professor no seu atendimento, reforçou-se a idéia de que seria sua a responsabilidade por eles, e, implicitamente, de que o professor não precisaria, necessariamente, preocupar-se com eles, já que se destacava um especialista para isso.

Dessa forma, restringiu-se implícita e até explicitamente, no papel do professor, o cuidado pela formação integral do educando (embora seja objetivo da educação) , e reforçou-se, no papel do professor, dentro da concepção especialista, o cuidado pela informação e promoção do desenvolvimento cognitivo.

Tal caminho, tomado como solução à situação do professor face ao processo de ensino-aprendizagem, conforme a concepção sugerida anteriormente, pode promover, indiretamente, como produto não esperado, a diminuição ou enfraquecimento do papel do professor e a manutenção de esquemas separados de atenção aos aspectos emocional e cognitivo no desenvolvimento do aluno.

Ora, o professor é figura central na formação dos educandos. É ele quem forma no aluno o seu gosto ou desgosto pela escola, a sua motivação ou não pelos estudos, o seu entendimento, a compreensão da sua capacidade de aprender, de seu valor como pessoa, etc. Deve-se, pois, antes de mais nada, adotar medidas que auxiliem a desenvolver resultados positivos em seu trabalho, e minimizar o máximo possível os negativos.

O papel do diretor no processo educativo

O papel do diretor, assim como qualquer outro papel social, é determinado por uma série de fatores, dentre os quais são altamente significativos as expectativas mantidas sobre o mesmo, como também sua percepção de como o mesmo deva ser.

A concepção (expectativa) tradicional do papel do diretor é a de que o mesmo mantenha a responsabilidade máxima na escola pela consecução eficaz da política educacional do sistema e desenvolvimento pleno do currículo escolar, organizando todos os esforços e controlando todos os recursos para tal. Seu papel é o de líder e de coordenador de todas as atividades da escola, com vistas ao máximo sucesso do processo educativo. Como o alcance desse sucesso depende, sobremaneira, do desempenho das pessoas que atuam na escola, o aspecto mais importante do seu papel é o de dinamizador, inspirador e coordenador desse desempenho, enfim, o de líder em todos os sentidos.

O diretor ocupa uma posição central, de influência sobre os demais membros da escola e sua comunidade e, devido a essa posição, é do seu desempenho e de sua habilidade em influenciar seu ambiente que depende a qualidade do ambiente e clima escolar, o desempenho de seu pessoal e a realização dos objetivos educacionais.

Todo diretor é um supervisor, assim como todo supervisor participa, de certo modo, do processo de administração da escola.

Quanto maior for a escola e mais complexo for seu ambiente, mais árdua se torna a tarefa do diretor em desincumbir-se de seu papel. Assim é que se promove, em escolas de tamanho médio e grande, a sub-divisão de funções e a possibilidade de o diretor delegar parte de suas funções a outras pessoas. Por exemplo, a tarefa da supervisão pedagógica, inerente à sua posição, é delegada a um especialista em supervisão escolar. No entanto, no diretor permanece, como inerente, a responsabilidade pela sua direção, seu controle e sua inspiração.

Mudança do papel do diretor em função da Supervisão Escolar.

Face à divisão de trabalho que ocorre nas escolas, e principalmente em função da introdução da Supervisão Escolar, observa-se que, na pratica, o papel do diretor vem-se restringindo, comumente, ao de administrador dos recursos materiais da escola e o de administrador de pessoal, considerada esta função em seu sentido burocrático. A liderança e inspiração pedagógica, inerentes, em qualquer circunstância, a sua posição, passaram a ser obscurecidas em seu papel e até relegadas a uma área fora dele. Nesse caso, como a posição natural do supervisor não é a de liderança máxima, o que ocorre, geralmente, para evitar conflitos, ê que o sentido pedagógico da supervisão perde lugar para o sentido técnico; por outro lado, quando a supervisão escolar ê assumida por pessoas dinâmicas e competitivas, poderá ocorrer na escola conflito de poder.

As tarefas de coordenação e assistência do processo de ensino-aprendizagem poderão ser delegadas pelo diretor da escola a um supervisor escolar. Porem, não a liderança e inspiração do processo educacional. A Supervisão Escolar devera ser exercida de maneira a reforçar esse papel e não a obscurecê-lo.

Considerações finais.

Cabe, pois, à Orientação Educacional e Supervisão Educacional analisar, urgentemente, a posição que vêem assumindo no contexto escolar e sistema educacional em geral, e identificar os resultados desejáveis que vêem obtendo, na forma sugerida por Scriven (1970) .

Faz-se necessário verificar se aqueles são suficientemente importantes e significativos que compensem o surgimento destes e, o reverso da questão, isto é, se os prejuízos causados pelos resultados indesejáveis, a curto, médio e longo prazo não tornariam inúteis os esforços para alcançar os resultados desejáveis.

  • 1 - BANTON, Michael. Roles: an introduction to the study of social relations New York, Basic Books, 1965
  • 2 - GRIFFITHS, Daniel E. Human relations in school administration New York, Appleton-Century-Crofts, 1956.
  • 3 - HALL, Richards H. Organizations: structure and process Englewood Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1972.
  • 4 - MORFHET, Edgar L.; JOHNS, Roe L. ; RELLER, Theodore, L. Educational organization and administration: concepts, practices and issues Englewood-Cliffs, N. J., Prentice-Hall, 1967.
  • 5 - REEDER, Ward G. A first course in education New York, The MacMillan Company, 1943.
  • 6 - SCRIVEN, Michael. The methodology of evaluation. In: TYLER, Ralph W.; GAGNÉ, Robert ; SCRIVEN, Michael. Perspectives of curriculum evaluation Chicago, Rand MacNally Company, 1970.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Mar 2015
  • Data do Fascículo
    Dez 1981
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