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Editorial

Pluralidade. Esta é a linha pela qual a Ensaio vem se pautando desde sempre e que reflete a missão da revista, no que diz respeito ao fomento e ao intercâmbio acadêmico no âmbito nacional e internacional, em que as vivências e as experiências de outros espaços escolares auxiliam na compreensão do nosso contexto educacional. Apresentamos a Ensaio 94 em uma conjuntura de grandes mudanças políticas e econômicas no Brasil e no mundo, que impactam incisivamente também na esfera educacional, com as recentes alterações no currículo do Ensino Médio e nas redefinições do financiamento da educação brasileira para os próximos anos.

Mais uma vez, a Ensaio procura tratar nos artigos que ora publica, uma grande variedade de temas e assuntos, que combinam diretamente com as linhas principais da revista – avaliação e políticas públicas em educação –, a fim de que o leitor possa ser sujeito, e não apenas espectador na construção do conhecimento científico e no debate acadêmico sobre a educação, levando em conta o que acontece no Brasil e no exterior.

Com o objetivo de estimular o debate, o nº 94 da Ensaio traz à tona temáticas de grande importância para a Educação Básica no Brasil, em Portugal e no Chile e para o Ensino Superior nos contextos brasileiro e português. Convidamos aos nossos leitores – pesquisadores, professores, alunos e o público em geral –, a refletirem sobre os assuntos aqui reunidos, que primam pela pluralidade do saber, das ideias, das visões e formações acadêmicas, sem, contudo, ultrapassarmos as linhas que definem o nosso escopo. Os leitores encontrarão artigos que analisam a educação inclusiva, a gestão educacional, a aprendizagem, a eficácia escolar, a assistência estudantil – vista como política pública –, o Plano Nacional de Educação, os modelos de avaliação educacional e uma visão diferenciada de educação integral no Brasil, fundamentada em políticas públicas do Governo Federal que, ao ampliarem a jornada escolar, protegem crianças com um nível socioeconômico considerado baixo.

No primeiro artigo deste número destaca-se o tema inclusão na educação em um espaço distinto do nosso. O Professor Paulo César Dias, da Universidade Católica Portuguesa, com o artigo intitulado “A autoeficácia dos professores para a implementação de práticas inclusivas: contributos para uma reflexão sobre a inclusão educativa”, chama a atenção para a questão da eficácia do atendimento, de crianças e jovens com necessidades especiais, nas escolas lusitanas.

Em sua pesquisa, financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), o autor reflete sobre as mudanças que ocorreram na educação portuguesa, desde a década de 1980, em relação à inclusão de alunos com necessidades especiais. Muito mudou - tanto na legislação quanto nas práticas educativas -, visando a uma educação mais plural. A questão principal aborda a percepção de competência que os professores tinham sobre a inclusão. Para o autor, é fundamental que os educadores se sintam preparados e comprometidos na construção de uma escola inclusiva, uma vez que lhes cabe um papel central na identificação e acompanhamento dos alunos, bem como, na criação de sentimentos de pertencimento e incentivos a participação e motivação de todos.

Para isso, o professor precisa de uma formação distinta, tendo em vista que, para se implementar uma educação inclusiva, são necessárias estratégias específicas que a tornem verdadeiramente especial e que respondam às necessidades das crianças e das famílias. Uma das conclusões mais relevantes do estudo demonstra que professores com formação inicial e contínua no âmbito da educação inclusiva possuem uma maior eficácia no ambiente escolar. Conforme o autor, para se atingir a eficiência, não basta apenas a formação, também é preciso reforçar as ligações entre as universidades e as instituições educativas, melhorando assim as competências dos professores, criando condições para a mudança de práticas educativas e para a criação de uma cultura inclusiva no contexto escolar.

Em “Políticas Educativas de Fortalecimiento del Liderazgo Directivo: Desafíos para Chile en un Análisis Comparado con Países OCDE”, dois pesquisadores chilenos, Víctor Cancino Cancino e Leonardo Vera Monrroy – respectivamente, professor da Universidade Santo Tomás e assessor no Ministério da Educação do Chile –, discorrem sobre a gestão e a liderança educacional no seu país. Explicam as dificuldades enfrentadas por aqueles que exercem a função de gestores, que precisam lidar com a expectativa das famílias, a cobrança pela eficácia escolar, a responsabilidade pelo desempenho dos alunos, junto com demandas administrativas e com a implementação de programas fora da escola. Os autores entendem que, mesmo havendo um maior debate sobre gestão e liderança na educação chilena, é relevante discutir este tema, pois falta um esforço para uma política explícita sobre a gestão educacional e o papel dos gestores.

Os pesquisadores avaliam que é necessário investir na formação e no desenvolvimento das pessoas e estabelecer metas, a fim de se exigir dos gestores escolares os resultados esperados. Mas, para isso, é preciso investir na informação, coordenação de iniciativas estatais, articulação de programas específicos, metas precisas, ações conjuntas e estratégias consistentes e coerentes com o reforço da liderança educacional. De acordo com os autores, só assim será possível se esperar um aumento da eficácia escolar no Chile.

No artigo “Modelos de valor agregado para medir a eficácia das Escolas GERES”, pesquisadores e professores das Universidades Federais de Juiz de Fora, de Minas Gerais e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, - Tufi Machado, Alícia Bonamino, Nigel Brooke e Neimar Fernandes - trazem ao leitor da Ensaio os resultados de suas investigações sobre a eficácia da Educação Básica a partir da pesquisa longitudinal denominada GERES. Esta pesquisa teve como foco a aprendizagem nos primeiros anos do ensino fundamental, a partir de uma amostra de 303 escolas estaduais, municipais e particulares. Milhares de alunos foram testados, durante um período de quatro anos, em Língua Portuguesa e Matemática, enquanto os professores, diretores, pais e também os próprios alunos foram entrevistados para determinar os impactos dos fatores escolares e familiares.

Neste artigo, os autores compararam diferentes modelagens estatísticas com graus variados de complexidade para determinar a eficácia de escolas de ensino fundamental. Utilizaram os modelos status e os modelos de valor agregado (VA). Chegaram à conclusão de que os modelos de valor agregado incorporam medidas que os tornam capazes de descrever o aumento de aprendizagem dos alunos no período analisado. Mas, para que se possa empregar os modelos de VA com êxito, é preciso que existam estratégias de comunicação entre os resultados dos testes e outros instrumentos contextuais, de maneira que informações relevantes dos alunos estejam em uma mesma base de dados, com uma identificação única que permeie todas as avaliações.

Em “Teaching Career’s Attraction and Rejection Factors: analysis of students and graduates perceptions in teacher education programs”, artigo da região Centro-Oeste, os professores Cândido Alberto Gomes e Janete Palazzo, da Universidade Católica de Brasília, tratam dos resultados de uma pesquisa sobre os motivos pelos quais um grupo de alunos ingressantes, concluintes e egressos dos cursos de licenciatura em Pedagogia e em Matemática, de uma Instituição de Ensino Superior privada no Distrito Federal, escolhem ou rejeitam a carreira docente.

O artigo faz críticas pertinentes sobre os rumos da educação brasileira, tendo em vista que a pesquisa demonstra que muitos dos futuros educadores – por serem provenientes das camadas sociais mais humildes –, escolhem a profissão por ser a via mais fácil para um possível melhoramento social e econômico e não para o desenvolvimento de um país mais justo, competente e democrático. No texto, são enumerados como fatores de atratividade à carreira docente a gratificação emocional e a aprendizagem. A rejeição, por sua vez, é motivada por baixos salários, preocupação com a violência no ambiente escolar, falta de treinamento para lidar com esse problema, ausência dos pais na formação dos filhos e delegação de culpa, por parte da sociedade, à escola e aos professores pelos problemas com a educação, quando se sabe que o problema é mais amplo, complexo e ultrapassa a figura do docente.

No artigo da pesquisadora Suely Rodrigues, da Fundação Cesgranrio, intitulado “Eficácia Docente no Ensino da Matemática”, cinquenta e três professores da rede estadual de São Paulo, considerados eficazes pelo “Projeto Boas Práticas Docentes no Ensino da Matemática”, foram alvo de um estudo que analisou as características relacionadas à linguagem, estruturação e gestão de suas aulas, com o objetivo de compreender o desempenho dos alunos destes professores. O que diferencia bons resultados em uma turma e não tão bons em outra? O artigo procura discutir as dificuldades em ter e manter em sala de aula bons professores, apontando caminhos para superar tais dificuldades. O estudo também assinala atitudes e práticas docentes que levaram estes educadores à eficiência, a fim de encorajar outros professores a melhorarem sua formação e aprimorarem suas práticas docentes.

Em “Assistência Estudantil sob múltiplos olhares: a disputa de concepções”, artigo oriundo da região Nordeste, da psicóloga Natália Gomes dos Reis Dutra e da professora da Universidade Federal de Pernambuco, Maria de Fátima de Souza Santos. O estudo faz uma análise da regulamentação da assistência estudantil, vendo-a como uma política pública, e por isso mesmo, da alçada do Estado. As autoras discutem distintas concepções de Assistência Estudantil, uma mais centralizada, sob responsabilidade restrita dos pró-reitores da área, voltada para um público-alvo menor, nomeadamente grupos de estudantes com uma situação de vulnerabilidade socioeconômica, e outra mais democrática, aberta à participação da comunidade acadêmica de um modo mais geral.

As autoras entendem que os diferentes posicionamentos são expressões de projetos político-ideológicos distintos, que delineiam diferentes visões de sociedade, constituindo os fundamentos da construção de concepções de política educacional e de assistência estudantil específicas. Para as autoras, é necessário que a Assistência Estudantil se torne uma política de Estado e não de governo.

O discurso das 20 metas do Plano Nacional de Educação (PNE), no caderno digital, é abordado no artigo “Análise dos argumentos que apresentam as 20 metas do Plano Nacional de Educação”, dos professores Claudia Helena Azevedo Alvarenga e Tarso Bonilha Mazzotti, da Universidade Federal do Rio de Janeiro e da Estácio de Sá, respectivamente. Segundo os autores, a análise retórica do Caderno Digital pode expor onde se sustentam os raciocínios de maior influência e que garantem a adesão ou a rejeição às metas do plano. A produção do material é dirigida à sociedade, e especialmente ao público envolvido com a educação escolar – professores, diretores e gestores educacionais – e utiliza recurso argumentativo, que busca influenciar os leitores para que adiram ao PNE. A argumentação, presente no discurso, procura aumentar o sentimento de presença e se apoia no que é consensual, a fim de que o iterlocutor se engaje na execução das 20 metas propostas para o período 2014-2024.

Em “As áreas do conhecimento na pós-graduaçao stricto sensu brasileira: crescimento longitudinal entre 1995 e 2014”, os autores, Caroline Lievore, Claudia Tania Picinim e Luiz Alberto Pilatti – respectivamente, uma doutoranda, uma professora doutora e o reitor da Universidade Tecnológica Federal do Paraná -, dão a conhecer ao leitor quais as pós-graduações que mais cresceram nos últimos anos. Os dados foram coletados da CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – e os resultados mostram que Educação, Ciências Agrárias e a área interdisciplinar foram as que mais cresceram. O artigo também reflete o investimento feito pelo Governo Federal nas pós-graduações, e demonstra que, entre 2002 e 2012, houve um aumento de mais de 159% em bolsas de pós-graduação no Brasil e no exterior. E, segundos os autores, de 1995 a 2014, o sistema de pós-graduação passou por desenvolvimentos, implementações e alterações que geraram crescimento no número de programas, número de vínculos docentes, de formação discente em pós-graduação e de concessão de bolsas de estudos, tanto no Brasil quanto no exterior. Com as mudanças políticas recentes, os autores apontam que somente novas pesquisas podem comprovar se, a partir de 2015, entramos ou não em um período de estagnação.

No último artigo deste número, “The impact of graduate programmes on teachers and schools - two case studies: graduate teachers’ perceptions”, investigadores e professores da Universidade Nova de Lisboa – Ana Rita Faria, Pedro G. Rocha dos Reis e Maria Helena Peralta, analisam o impacto das inscrições de professores portugueses do Ensino Fundamental e Médio em Programas de Pós-Graduação. Na pesquisa, financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), os autores procuraram compreender o impacto deste retorno dos professores às universidades em três níveis: salas de aula, escolas e práticas de ensino e pesquisa. Com base nos resultados, e após a análise dos questionários e entrevistas, os autores inferem que a decisão dos professores em retornar às universidades para fazerem uma pós-graduação, está estreitamente relacionada à realização pessoal e, em grau menor, à expectativa profissional.

A seção Página Aberta, encerra o número 94 da Ensaio, com um ensaio intitulado “Educação Integral. Uma questão de direitos humanos? ”. As autoras, pesquisadoras e professoras da Universidade Feevale, no Rio Grande do Sul, compreendem a educação integral, como algo maior que uma visível vontade política de deixar o estudante mais tempo em sala de aula. As autoras discutem as conexões entre a proposta de uma escola de tempo integral, a doutrina da proteção, os direitos sociais e os direitos humanos. Questionam, por exemplo, de que forma os direitos humanos e a política de proteção – que orienta e regula a atenção à infância e à juventude –, permeiam a proposta da Educação em Tempo Integral em construção, no país. Um texto que reflete as preocupações sociais com as crianças mais vulneráveis que se beneficiam do “Programa Mais Educação” do Governo Federal, que compreende a escola como um espaço de proteção, aprendizagem e socialização.

Finalizamos esta breve viagem pelos artigos, lembrando que o enfoque plural enriquece o conhecimento científico. Esperamos que o leitor da Ensaio possa dialogar com este conjunto variado de textos – escolhidos especialmente para compor a última revista do ano –, que analisam políticas públicas que deram certo no Brasil e no exterior, demonstram a necessidade de formação do docente e de investimento público na Educação e compreendem que a tão almejada eficácia escolar pode ser uma realidade para a educação, em todos os níveis, se o governo, os educadores e a sociedade se empenharem neste propósito.

Posto isso, só nos restar desejar uma boa leitura para todos.

Érika Simone de Almeida Carlos Dias
Gerente Editorial

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2017
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