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A descentralização como política pública no setor educacional: uma análise dos impactos em escolas públicas do município de Curitiba-PR

Decentralization as a public policy in the educational sector: an analysis on the impacts in public schools in the municipality of Curitiba - Parana

La descentralización como política pública en el sector educativo: un análisis de los impactos en escuelas públicas del municipio de Curitiba-PR

Resumos

O viés municipalista, decorrente da mudança estrutural ocorrida nas últimas décadas, tem definido novas orientações descentralizadoras nas políticas públicas. No setor educacional, esse processo vem de encontro às tendências de democratização e de busca de autonomia pelas escolas públicas. Para analisar o impacto desta política na vida escolar, o presente trabalho buscou identificar em duas escolas da rede municipal de ensino de Curitiba-PR quais as estratégias adotadas para gerenciar os recursos financeiros recebidos e seu impacto na atividade docente. Para isso, foram realizadas entrevistas com diretores e pedagogos das escolas e questionários com os professores, a fim de analisar os resultados de cada uma e, posteriormente, compará-los. Em ambos os casos, os resultados permitiram apontar a aprovação das organizações pela descentralização, a mobilização de fóruns de decisão para administrá-la e a melhoria do processo de ensino. As dificuldades enfatizadas neste processo apontaram para a necessidade do acompanhamento e avaliação das políticas públicas, deficiência apontada pela literatura como crônica no Brasil.

Políticas públicas; Descentralização; Setor educacional; Escolas públicas; Administração escolar; Estratégia


The municipal obliquity, due to the structural change of the last decades, has defined new decentralized orientations on public policies. In the educational area, this process meets the democratization and autonomy trends of public schools. To analyze the impact of this policy on the schools routine, this project tried to reach two local public schools in Curitiba, located in Parana State, which strategies were chosen to manage the financial resources, and their impact on teachers activities. For this, interviews were held with schoolmasters and teachers, and questionnaires with teachers, in order to analyze each result, and then compare them. In both cases, the results show the organizational agreement for the decentralization, the mobilization of decision forum to manage them, and the advances of the teaching process. The difficulties emphasized in this process pointed to the need of attendance, and the evaluation of public policies - pointed as a typical problem in Brazil.

Public policies; Resources decentralization; Educational area; Public schools; School management; Strategy


La dirección municipalista, resultado del cambio estructural ocurrido en las últimas décadas, ha definido nuevas orientaciones descentralizadoras en las políticas públicas. En el sector educacional, ese proceso se encuentra con las tendencias de democratización y de búsqueda de autonomía de las escuelas públicas. Para analizar el impacto de esta política en la vida escolar, el presente trabajo buscó identificar en dos escuelas de la red municipal de enseñanza de Curitiba-PR cuáles son las estrategias adoptadas para administrar los recursos financieros recibidos y su impacto en la actividad docente. Para eso, fueron realizadas entrevistas con directores y pedagogos de las escuelas y cuestionarios con los profesores, con la finalidad de analizar los resultados de cada una y, posteriormente, compararlos. En ambos casos, los resultados permitieron apuntar la aprobación de las organizaciones por la descentralización, la movilización de foros de decisión para administrarla y la mejoría del proceso de enseñanza. Las dificultades enfatizadas en este proceso apuntaron para la necesidad de acompañamiento y evaluación de las políticas públicas, deficiencia apuntada por la literatura como crónica en Brasil.

Políticas públicas; Descentralización; Sector educacional; Escuelas públicas; Administración escolar; Estrategia


PESQUISA EM SÍNTESE

A descentralização como política pública no setor educacional : uma análise dos impactos em escolas públicas do município de Curitiba-PR1 1 Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no XXVII ENANPAD — Encontro Nacional da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, realizado em Atibaia, de 21 a 24 de setembro de 2003.

Decentralization as a public policy in the educational sector: an analysis on the impacts in public schools in the municipality of Curitiba - Parana

La descentralización como política pública en el sector educativo — un análisis de los impactos en escuelas públicas del municipio de Curitiba-PR

Adriana Roseli Wünsch Takahashi

Doutoranda em Administração, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade-USP; Professora de Administração da Universidade Federal do Paraná; adriana@terra.com.br

RESUMO

O viés municipalista, decorrente da mudança estrutural ocorrida nas últimas décadas, tem definido novas orientações descentralizadoras nas políticas públicas. No setor educacional, esse processo vem de encontro às tendências de democratização e de busca de autonomia pelas escolas públicas. Para analisar o impacto desta política na vida escolar, o presente trabalho buscou identificar em duas escolas da rede municipal de ensino de Curitiba-PR quais as estratégias adotadas para gerenciar os recursos financeiros recebidos e seu impacto na atividade docente. Para isso, foram realizadas entrevistas com diretores e pedagogos das escolas e questionários com os professores, a fim de analisar os resultados de cada uma e, posteriormente, compará-los. Em ambos os casos, os resultados permitiram apontar a aprovação das organizações pela descentralização, a mobilização de fóruns de decisão para administrá-la e a melhoria do processo de ensino. As dificuldades enfatizadas neste processo apontaram para a necessidade do acompanhamento e avaliação das políticas públicas, deficiência apontada pela literatura como crônica no Brasil.

Palavras-chave: Políticas públicas. Descentralização. Setor educacional. Escolas públicas. Administração escolar. Estratégia.

ABSTRACT

The municipal obliquity, due to the structural change of the last decades, has defined new decentralized orientations on public policies. In the educational area, this process meets the democratization and autonomy trends of public schools. To analyze the impact of this policy on the schools routine, this project tried to reach two local public schools in Curitiba, located in Parana State, which strategies were chosen to manage the financial resources, and their impact on teachers activities. For this, interviews were held with schoolmasters and teachers, and questionnaires with teachers, in order to analyze each result, and then compare them. In both cases, the results show the organizational agreement for the decentralization, the mobilization of decision forum to manage them, and the advances of the teaching process. The difficulties emphasized in this process pointed to the need of attendance, and the evaluation of public policies — pointed as a typical problem in Brazil.

Keywords: Public policies. Resources decentralization. Educational area. Public schools. School management. Strategy.

RESUMEN

La dirección municipalista, resultado del cambio estructural ocurrido en las últimas décadas, ha definido nuevas orientaciones descentralizadoras en las políticas públicas. En el sector educacional, ese proceso se encuentra con las tendencias de democratización y de búsqueda de autonomía de las escuelas públicas. Para analizar el impacto de esta política en la vida escolar, el presente trabajo buscó identificar en dos escuelas de la red municipal de enseñanza de Curitiba-PR cuáles son las estrategias adoptadas para administrar los recursos financieros recibidos y su impacto en la actividad docente. Para eso, fueron realizadas entrevistas con directores y pedagogos de las escuelas y cuestionarios con los profesores, con la finalidad de analizar los resultados de cada una y, posteriormente, compararlos. En ambos casos, los resultados permitieron apuntar la aprobación de las organizaciones por la descentralización, la movilización de foros de decisión para administrarla y la mejoría del proceso de enseñanza. Las dificultades enfatizadas en este proceso apuntaron para la necesidad de acompañamiento y evaluación de las políticas públicas, deficiencia apuntada por la literatura como crónica en Brasil.

Palabras clave: Políticas públicas. Descentralización. Sector educacional. Escuelas públicas. Administración escolar. Estrategia.

Introdução

Diante das transformações ocorridas nas últimas décadas, em que a educação não está mais inserida em um contexto do Estado de Bem-Estar Social — EBES, mas sim em um novo reordenamento político, econômico e social, pode-se observar os efeitos sociais das políticas públicas nos indicadores, como por exemplo, os referentes ao sistema público de ensino (repetência, evasão, exclusão, entre outros). Esforços vêm sendo feitos no sentido de superar as dificuldades crônicas do sistema educacional brasileiro: enquanto a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (BRASIL, 1996) — LDB/96 — traz uma nova direção no sentido de gestão participativa e democratização do ensino. No âmbito nacional, as políticas públicas de descentralização de verbas para as escolas apontam um caminho para a autonomia na gestão.

No entanto, a implementação de políticas públicas nem sempre está afinada com as necessidades do setor a que se destinam, assim como carecem muitas vezes de avaliação para averiguar a adequação entre meios/fins. Abranches (1989, p. 27), destaca que

a implementação é decisiva na área social, e que a maioria dos fracassos colecionados pelos governos na adoção de políticas sociais deve-se à fase de implementação. A formulação e o planejamento no Brasil têm sido deficientes, mas as carências nessa área não se comparam àquelas referentes à implementação.

mesmas têm obtido melhorias. Tal avaliação proporciona a promoção de correções, a fim de eliminar, manter ou incrementar determinados cursos de ação.

Dentro deste contexto, este artigo busca avaliar o processo de descentralização de verbas para as escolas municipais de ensino fundamental em Curitiba, que foi iniciado em 1997, verificando o impacto em duas delas. Para isso, considerou-se o contexto das políticas públicas e o contexto educacional no Brasil. Portanto, trata-se de um estudo comparativo de casos, cuja perspectiva é transversal. Para a análise dos dados, utilizou-se de análise qualitativa e quantitativa.

O viés municipalista e a idéia de descentralização nas políticas públicas

Algumas décadas atrás, outra formação econômica e social orientava as políticas públicas. A política do EBES, final do século dezenove e início do século vinte, teve suas práticas implantadas pós-crise de 1929 e era entendido como Estado fornecedor de condições assistenciais de bem-estar social. Essa política vigorou durante anos justamente por atender as dimensões da força de trabalho, bem como as necessidades dos trabalhadores, ou seja, ela é o resultado de um pacto entre a classe trabalhadora e a burguesia. A educação era vista como parte de um 'pacote' assistencial garantido à sociedade.

Da década de 40 até a década de 70, houve então um ciclo virtuoso de desenvolvimento. Depois de 70, quando esse modelo entra em crise, há um rompimento, uma quebra da simetria entre economia e política, ou seja, entre os interesses do capital e o funcionamento e o gerenciamento do Estado como um processo de autonomização do Estado e da política (OLIVEIRA, 1998). O sucesso do Estado de Bem Estar Social possibilitou níveis de produtividade, de avanço tecnológico, e de bem-estar social também, mas sua manutenção não foi viável.

Essa concepção passa a ser gradativamente substituída pela concepção liberal e neoliberal, que prevê um Estado fraco, mínimo, no que diz respeito à regulação do mercado e os gastos com o social, bem como também prevê um Estado forte no sentido de proteger o mercado dos riscos, internos e externos, de forma a manter o livre jogo de mercado. Para o liberalismo, o social, a filantropia, a assistência, deve ficar no âmbito do privado, dentro dos interesses dos empresários que vão, ou não, de livre e espontânea vontade, contribuir para esta ação, diferente do Estado como responsável pelo social. O liberalismo é contra apenas a assistência pública, e não contra a assistência de forma geral. Por isso, as orientações que definem as diretrizes para a formação educacional geral e profissional passam a ser mais voltadas para o mercado (COELHO; DELGADO, 2000; COELHO; OLENSCKI, 2000).

A partir dos anos 80, mais especificamente na segunda metade da década, houve uma ampla reestruturação no Brasil. Mudanças constitucionais em 1988 e outras decorrentes até 1993 marcaram um projeto reformista, como por exemplo, o ocorrido na área de saúde e previdência social (MELO, 1996).

Com a Constituição de 88, os governos locais aumentaram sua participação na receita fiscal. O paradigma de centralização de organização do setor público, que já mostrava sinais de esgotamento desde os anos 70, a partir deste período e deste contexto, esgota-se quando então se consolida o consenso em torno da idéia de descentralização. Este processo descentralizador, enquanto transferência de poder decisório a municípios, expressa tendências democratizantes participativas ao mesmo tempo em que expressa a modernização gerencial da gestão pública. A diferença da importância de cada fator está intimamente relacionada à coalização política vigente, podendo predominar forças políticas liberais/conservadoras que enfatizam aspectos relativos aos ganhos de eficiência e redução do setor público, ou predominar coalizões políticas social-democratas que privilegiam os aspectos relativos ao controle social e democratização da gestão local.

A literatura, de modo geral, tem apontado para o conjunto de efeitos não antecipados e perversos do processo de descentralização. Cabe destacar, no entanto, que o viés municipalista da Constituição de 88 teve em ambas as visões, esquerda e direita, um denominador comum na aceitação da descentralização como instrumento eficiente de engenharia político-institucional da democracia emergente (MELO, 1996). Felicíssimo (1994) questiona, neste processo de descentralização, a predominância de determinados eixos — administrativo, econômico e político — de acordo com a tendência de um modelo neoliberal ou democratizante. No caso do Brasil o autor aponta a descentralização como inspirada pelo projeto neoliberal, cujos agentes mais visíveis seriam o Fundo Monetário Internacional, o Banco Mundial, e o Banco Interamericano de Desenvolvimento. Este modelo estaria privilegiando os eixos administrativo e econômico nos quais haveria redução das funções sociais e reguladores.

Disto decorre então, nos próximos anos, um ciclo virtuoso de inovações na gestão pública, sobretudo na esfera de políticas públicas sociais. No caso da educação pública, a descentralização dos recursos para as escolas, iniciada em diversos municípios do país, foi uma das políticas implementadas em consonância às novas tendências democratizantes do setor, que passaram da fase do autoritarismo à participação.

Democratização e descentralização nas Escolas Públicas

Gracindo (CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM EDUCAÇÃO, 2000) salienta que as políticas públicas norteiam a existência do sistema público de ensino e a maneira com que esse processo vai ocorrer, sendo imprescindível abordá-las para compreender a gestão do processo educativo. No entanto, ao se analisar o contexto histórico do setor educacional brasileiro, pode-se verificar a negligência das políticas públicas ocorridas ao longo dos séculos, setor este em que se aprofundam as divergências entre classes sociais versus escola pública e privada.

Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (1997) — IPEA — , a partir dos anos 40 houve efetiva estruturação de um sistema educacional tendencialmente de massa, pelas transformações da sociedade brasileira contemporânea. Ou seja, trata-se de um processo tardio de modernização educacional no Brasil. Até a metade do século, o Brasil era uma nação em que menos de um quinto das crianças e adolescentes podiam ter acesso à escola, e quase dois terços da população maior de quinze anos era analfabeta. Sobre essa base desenvolveu-se o sistema educacional chegando a um sistema voltado para o mercado, em busca de superar os desafios demográficos, urbanos e econômicos. Aliado a esse contexto, Sales (1994) destaca as raízes da desigualdade social na cultura política brasileira, advinda da relação mando/subserviência, herança histórica brasileira.

Nos anos 60, a racionalização técnica era a base sob a qual esperava-se resolver os problemas educacionais. Segundo Gomes (1994), apesar do esforço técnico e do investimento financeiro tal não ocorreu. A Lei nº. 5.692 (BRASIL, 1971), de 11/08/1971, vem alterar a formação do administrador escolar, instituindo a habilitação em nível superior, absorvendo a influência dos processos de produção industrial. O insucesso, acentuado pela dinâmica organizacional própria da escola e pela busca da legitimidade social mais do que aos aspectos técnicos, conduziu ao fracasso do autoritarismo.

A análise de dados históricos e legais do setor educacional brasileiro permite apontar a tendência de mecanismos coercitivos de mudanças. Muitos processos atuais, modificados predominantemente por decretos, leis, pareceres, têm forte correlação com a forma com que se alinhavou a implantação do sistema educacional no país ao longo do tempo. Em paralelo à formação de um país patrimonialista, marcado pelas influências da colonização, desenvolve-se um sistema educacional precário e ineficiente. Em 1971, segundo dados do IBGE, 28,92% dos matriculados chegavam à 4ª série e somente 9,03% à 8ª série. Em 1984, 35,68% chegavam à 4ª série e 15,76% à 8ª série; houve, portanto, em treze anos, 6,73% de crescimento de matriculados, um número pequeno para uma população que chega a 1984 com 132,5 milhões de habitantes (TAKAHASHI; CASTOR, 2000).

Em 1982, o Parecer nº. 604 do Conselho Federal de Educação possibilitou a formação do Administrador Escolar em cursos de Pós-Graduação, buscando ampliar sua visão além da escola. Uma nova visão, que considera os conflitos organizacionais e interorganizacionais, expande a preocupação com os aspectos técnicos para aspectos de participação política (GOMES,1994). Nos anos 90, a educação ganha destaque como mecanismo de redução das desigualdades, passa a buscar melhor qualidade e maior equidade. Leite (2002, p. 1) cita que "as demandas por gestões escolares eficazes, pela eliminação da repetência e evasão e pela universalização do ensino fundamental com qualidade foram acrescentadas às de descentralização e à democratização da educação".

Em 1993 começa a ser implantado o sistema de eleição de diretores em alguns estados. A participação na eleição por professores e funcionários, amplia-se mais tarde para a comunidade. As diretrizes legais instituem os fóruns de decisão, como os colegiados escolares, bem como norteia a elaboração de documentos internos que regulamentam seu funcionamento, a citar o regimento interno, estatuto do colegiado e projeto político-pedagógico. Ainda incipiente, o caráter participativo da gestão escolar encontra impasses, como, por exemplo, a ausência de avaliação da liderança eleita na escola.

No contexto democratizante da educação, a política pública de descentralização de recursos para as escolas vem de encontro às suas necessidades de autonomia. Os impasses vividos pelos dirigentes em relação à dependência da mantenedora para gerir a escola contrapunham o modelo atual de gestão participativa. A tendência a este novo modelo de gestão e a tendência a políticas descentralizadoras parecem complementar-se no quadro de necessidades do sistema público de ensino.

O propósito maior de analisar o impacto deste processo em duas escolas da rede municipal de ensino de Curitiba-PR originou-se justamente da percepção desse contexto, refletido na realidade de cada escola pública, onde se buscou avaliar os aspectos positivos e/ou negativos quando da implementação da descentralização pós 1997.

Análise dos casos

O setor educacional da Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC) formalizou-se em 1955, quando houve uma reestruturação administrativa e foi então criado o Departamento de Educação, Cultura e Turismo, com a finalidade de identificar nos vários bairros de Curitiba, locais apropriados para a construção de escolas. Os prédios escolares, após a construção, eram cedidos ao governo estadual, que coordenava o funcionamento e a contratação de professores. Em 1963, no mesmo ano em que foi criada a carreira de normalista, a PMC passou a atuar neste setor.

Na estrutura municipal, o Sistema Educacional é constituído pela Secretaria Municipal de Educação, pelos Núcleos Regionais, e as Escolas Municipais. A estrutura organizacional da rede é composta pelo Secretário Municipal da Educação, pelo Superintendente, Diretora do Departamento de Educação, e sete Núcleos Regionais de Educação. Subordinadas aos Núcleos Regionais estão as 134 escolas. Dentro da proposta básica da rede municipal de ensino, as escolas estão distribuídas assim: Escolas Municipais, Centros de Educação Integral (CEIs), Centros de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (CAIC), e Escolas de Educação Municipal.

Em 2001, as escolas municipais da Rede Municipal de Ensino de Curitiba atenderam 72 mil alunos nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. No total, a rede municipal de ensino atendeu 100 mil alunos em 2001. (CURITIBA, 2001).

A descentralização de verbas como política pública, adotada no município de Curitiba, iniciou no segundo semestre de 1997 em toda a rede municipal de ensino e tem se mantido com os mesmos critérios nos últimos anos. Assim, cada escola recebe trimestralmente as verbas para gerenciar suas necessidades básicas, como manutenção e aquisição de materiais pedagógicos, sendo o valor definido em função do número de alunos e da infra-estrutura. A mantenedora mantém-se responsável pela aquisição de bens permanentes, pelas obras de maior porte e pelos serviços que são contratados, como os de energia, água, limpeza e conservação. Para fiscalização do uso dos recursos, cada escola presta contas ao Tribunal de Contas do Município, por meio de documentos comprobatórios como notas fiscais e controle bancário.

Dentro deste contexto é que se buscou analisar como essa política afetou a gestão de duas escolas da rede municipal de ensino de Curitiba, e que resultados proporcionou para a melhoria das atividades pedagógicas.

Aspectos metodológicos

A análise do impacto do processo de descentralização de recursos como política pública na rede de ensino municipal de Curitiba-PR foi realizada por meio de investigação em duas escolas (Alfa e Beta). O delineamento da pesquisa é de um estudo comparativo de casos, com perspectiva transversal. Os dados primários utilizados foram obtidos por meio de entrevistas semi-estruturadas realizadas com os membros da equipe administrativo-pedagógica (diretores, vice-diretores, coordenadores administrativos e membros da equipe pedagógica das escolas), para identificar as estratégias adotadas pelas escolas para gerir os recursos financeiros recebidos pelo processo de descentralização. Foram realizados também questionários com os docentes, construídos com base em uma escala Likert de cinco pontos, para verificar como essas mudanças afetam, no sentido de facilitar ou dificultar, o processo de ensino.

Os procedimentos empregados para o tratamento dos dados nas entrevistas foram de natureza descritivo-qualitativa, por meio de análise de conteúdo, e de natureza quantitativa para análise dos questionários. Os questionários foram aplicados aos integrantes do corpo docente em todos os turnos, sendo que a técnica utilizada foi a de adesão. Entre os respondentes da escola Alfa, obteve-se 93% no turno da manhã, 88% no turno da tarde e 71% no turno da noite. Na escola Beta, obteve-se no turno da manhã 47% de respondentes, 40% no turno da tarde e 50% no turno da noite. Para análise das respostas dos questionários, foi utilizado o programa estatístico SPSS, cuja técnica utilizada foi a de análise de freqüência.

O caso da Escola Alfa

A escola Alfa foi criada em 1969. Ela atende atualmente alunos do pré à quarta série do ensino fundamental, distribuídos nos turnos manhã, tarde, integral e noite. Em 2001, a escola contou com 30 turmas e 894 alunos matriculados. O bairro é predominantemente industrial, servido também por comércio e serviços, serviços públicos e outros recursos da comunidade. A maioria das famílias é de nível socioeconômico baixo, com renda de 1 a 3 salários mínimos, havendo um contingente grande de pais desempregados (ESCOLA ALFA, 2000).

As entrevistas realizadas na escola Alfa permitiram observar três importantes impactos no processo de gestão: 1) referente à própria descentralização como política pública, amplamente aprovada, e para a qual buscou-se o gerenciamento de acordo com as diretrizes legais e normativas da mantenedora; 2) referente à operacionalização do uso dos recursos, para a qual organizaram-se fóruns de decisão que definem prioridades e necessidades organizacionais; e, 3) referente às obras e aquisições de bens permanentes, para a qual mantiveram-se os procedimentos anteriormente existentes de solicitação à mantenedora.

A aprovação dos dirigentes quanto à descentralização de verbas e à gestão autônoma dos recursos foi citada por todos os entrevistados, porém, eles mencionaram o desejo de receber maiores recursos financeiros para poder atender a todas as necessidades materiais da escola, uma vez que há satisfação com o espaço físico da escola, mas não com seu estado de conservação e nem com os recursos disponíveis. Apontou-se como insatisfação, a estrutura dos pisos2 2 O prédio construído para o atendimento de alunos que permanecem no período integral realizando oficinas diversas é chamado na escola por pisos, pois a construção compreende três pisos nos quais são desenvolvidas atividades específicas em cada um deles. da escola, uma vez que sua construção foi feita de forma rápida e não adequada ao uso escolar, causando problemas de saúde para docentes:

Então, eu acho que há algumas dificuldades ali; por exemplo, o piso é uma construção muito ruim. Um projeto que trouxe, além da preocupação, não é funcional para o atendimento das crianças, tanto que agora está sendo refeito, e se colocando paredes divisórias, e trazendo mais despesas para o próprio município. (entrevistado).

Com a gestão interna de recursos na escola, os processos de aquisição e controle de material agilizaram-se, levando a escola a auferir mais autonomia em função do imediatismo que esta lhe proporciona. A experiência de autonomia vivida pela escola apresentou-se com uma avaliação positiva:

[...] então por isso que eu digo, que eles devem dar mais autonomia ainda, autonomia que nos falta. Com o dinheiro da descentralização nós não podemos comprar material permanente, não podemos. E eu acho isso uma das falhas muito grande; eu acho que deveria ter-se dado maior autonomia para a escola, que ela pudesse comprar um, vamos supor, um retroprojetor desse dinheiro, enfim, outras coisas que se fizessem necessárias; que a escola precisa microscópios é, montar laboratórios, não podemos porque é material permanente. [...]. Você viu, claro, é fantástico o espaço, mas se nós tivéssemos mais recursos financeiros [...]. (entrevistado).

A reação unânime, declarada pela Equipe Pedagógico-Administrativa - EPA, de aprovação desse processo, pode ser observada na fala de um entrevistado: "assim, os recursos são uma coisa muito importante. Nos últimos quatro anos na primeira gestão do nosso atual prefeito, a melhor coisa que ele fez foi a descentralização, isso não resta dúvida". Porém devido ao acúmulo de funções administrativas decorrentes desse processo, a escola tem cobrado da mantenedora não só mais autonomia e recursos, como também condições de trabalho, tanto quanto a profissionais da própria EPA como profissionais do corpo docente:

Olha, deu mais trabalho. Porque claro que não tem nenhum contador dentro da escola para tomar conta disso. Dá mais trabalho na hora da prestação de contas; então não aumentou o número de pessoas para administrar isso, aumentou o trabalho pra administração. (entrevistado).

Para viabilizar a distribuição dos recursos, a estratégia adotada foi a de mobilização de fóruns de decisão: Conselho de Escola e Associação de Pais, Professores e Funcionários - APPF, e de representantes de setor. A escola buscou aprender como comprar com qualidade e como avaliar os serviços que contrata. Buscou também agilizar o processo de compras. A manutenção passou a ser priorizada como estratégia de qualificação estrutural da escola, um dos itens com o qual a escola mais sofria:

No momento é nosso telhado que está cheio de goteira, alagando. A gente vai precisar solicitar uma reforma, só com as verbas que a gente recebe não é suficiente. [...] Não (podemos fazer isso) é muito grande, quando são coisinhas mínimas, assim como uma goteira ou outra, a gente conserta com recursos das verbas.

Apesar de ter vivido uma experiência positiva com a descentralização de recursos que lhe permitiu adquirir certa autonomia, a escola demonstra o desejo de ampliar esse processo com mais recursos e com mais autonomia, para uma gestão de maiores investimentos e melhorias. No entanto, devido à limitação existente, ela mantém os procedimentos formais de solicitação à mantenedora de obras que não pode realizar e bens que não pode adquirir, mostrando insatisfação com esta dependência devido à morosidade. O controle do uso desses recursos para a prestação de contas à mantenedora e o rigor com que é organizado evidenciaram a seriedade e o engajamento no processo iniciado.

O impacto do processo de descentralização de recursos na escola, porém, não se limita à esfera da gestão. Essas alterações passaram a afetar também o trabalho docente e o processo de ensino. Para avaliar a opinião dos professores em relação a essas modificações, foram distribuídos questionários cujos resultados gerais podem ser observados na tabela 1. Alguns resultados parciais por turno estão comentados conjuntamente.

As perguntas realizadas sobre a questão das políticas públicas revelam que, quanto à descentralização de verbas, em média 52% acham que facilita parcialmente o trabalho docente e 13% acham que facilita totalmente. O turno noturno se destaca pelo não reconhecimento de aprovação e gerenciamento (40%), o que pode estar relacionado à predominância de reuniões em períodos diurnos e a tendência de não envolvimento dos professores do turno noturno no gerenciamento dos recursos; o turno diurno se destaca pela opinião de que acha que dificulta parcialmente (23,1% de manhã e 21,7% à noite).

Quanto à mobilização dos fóruns de decisão, 50% dos docentes afirmaram que este mecanismo facilita, ainda que parcialmente, as suas atividades. No entanto, nos três turnos houve um significativo percentual de docentes que apontaram o não reconhecimento dessas instâncias de decisão, sendo de manhã 23,1%, de tarde 34,8% e à noite de 40%. Esses resultados podem ser analisados sob o enfoque do grau de fragilidade dos processos decisórios coletivos, em que se necessita de maior exercício da representação da vontade do grupo, uma vez que nos resultados gerais 57,4% apontam que este processo tem de forma geral facilitado o trabalho docente.

Quanto às solicitações encaminhadas à mantenedora das obras que a escola não pode realizar — pelo valor da obra ou pelo porte — o resultado geral de concordância que facilita é de 75,9%. Neste caso, talvez a discordância com a opinião dos dirigentes ocorra pelo não compartilhamento com as dificuldades que os gestores passam ao realizar tais solicitações.

O gráfico a seguir ilustra a tendência geral de que a descentralização de recursos tem afetado positivamente as atividades da escola quanto ao processo de ensino. Pode-se observar a predominância das respostas 'facilita parcialmente', em primeiro lugar, e 'facilita totalmente', em segundo lugar, nos três impactos observados na gestão.

O caso da Escola Beta

De acordo com o histórico escolar, essa escola iniciou suas atividades em 1956, como pertencente à Rede Estadual de Ensino. Ela passou a ser mantida pela Prefeitura Municipal de Curitiba, em 21 de junho de 1963. Segundo a caracterização da clientela escolar, que consta no mesmo documento da escola acima citado, esta escola atende alunos a partir de 5 anos de idade, pertencentes à comunidade local e vindos também de outros bairros. A clientela apresenta as seguintes características: famílias que possuem entre três a quatro filhos, casal ou responsável com grau de instrução em nível médio, predomínio de religião católica, realização de trabalho remunerado, renda mensal média inferior/oscilando entre um e dez salários mínimos, casa própria e filiação a Institutos de Previdência Social ou convênios com planos de saúde. Os turnos de atendimento são: manhã, tarde e noite. A oferta de ensino é: Aceleração de Estudos, Classe Especial, Pré-escolar, 1ª à 8ª série, e Ensino de Jovens e Adultos — EJA — , Fase I e II. Em 2001 a escola contou com 61 turmas e 2050 alunos.

As entrevistas realizadas na escola Beta apontaram para os mesmos impactos observados na Escola Alfa: a aprovação e o gerenciamento dos recursos recebidos com a descentralização, a mobilização dos fóruns de decisão e a manutenção de solicitações à mantenedora nos serviços e bens que não possui autonomia.

Quanto à aprovação e gerenciamento da descentralização de verbas, os dirigentes desta escola demonstraram o desejo de mais autonomia de gestão não só de recursos financeiros, mas também de recursos humanos em face dos problemas que têm com docentes e com alocação de profissionais de acordo com a filosofia da escola. O processo de descentralização é unanimemente aprovado, apesar das ressalvas que são feitas quanto ao acréscimo de trabalho administrativo, o que está relacionado com a insatisfação com a mantenedora no sentido de falta de estrutura de pessoal, em contrapartida à ampliação de gestão. Esta aprovação é condizente com a acepção de melhorias contínuas que a escola almeja para a própria qualidade educacional e administrativa. O desejo de mais autonomia se expressa na fala de uma entrevistada:

[...] agora, quem sabe o próprio sistema ainda venha a aprender que a gente pode ser autônoma de verdade, [...] eu acho que a gente tem que ter uma mantenedora; para ter linhas gerais, que nos conduzam, mas talvez acreditar mais na gente; eu não sei, eu acho que a palavra autonomia é essencial, eu quero essa independência, eu quero essa oportunidade para trabalhar com a cara dessa escola. Só que por outro lado, para eu trabalhar com a cara dela, tem que ter um projeto pedagógico, e quem vier para cá tem que conhecer esse projeto e se adequar, ou não fica. Isso a gente não tem esse direito, por causa do remanejamento; toda essa questão, então ainda é um caminhar.

Uma das estratégias adotadas para o gerenciamento desses recursos foi a mobilização de fóruns de decisão como Conselho de Escola e a APPF: "A estratégia é acionar a APPF e tentar fazer a APPF funcionar para trabalhar com a escola, a estratégia foi dividir para conseguir dar conta".

Com o gerenciamento financeiro transferido para a escola, esta apontou uma defasagem na priorização da administração pedagógica: acumulou-se uma função sem expansão de mão de obra:

Olha, eu acho que a prefeitura colocou a função de administrar os recursos financeiros; então o pedagógico fica meio de lado, é claro; tem que fazer nota fiscal, tem que fazer conta, tem que fazer pesquisa, tem que não sei o quê; acaba tomando um tempo muito grande para isso e o pedagógico, às vezes, não sempre, fica em segundo plano, que seria o objetivo principal da escola.

Enfim, a escola acaba atuando em todas as áreas, administrativa e pedagógica, não recebendo respaldo para uma gestão completa:

[...] o que a escola tem autonomia para que ela mesma repasse ela está fazendo há anos, porque, se formos depender do sistema nosso municipal, da secretaria, a gente não tem como, porque eles não dão respaldo. Nas escolas é que montamos todas as estratégias, possíveis e imagináveis, para que a qualificação de ensino seja feita.

Neste caso algumas parcerias são mobilizadas para suprir tais necessidades:

Sempre levamos o caso à mantenedora, que é a prefeitura, e então a gente está sempre de mãos e pés atados, porque justamente o retorno é difícil. A gente tem que tomar uma posição. Temos Amigos da Escola, temos umas e outras empresas que nos ajudam também, que fazem parceria, famosas parcerias.

Com este sistema de decisão e a quantia de recursos recebidos, a escola define suas prioridades de investimento e aquisição. Porém, como a escola é muito antiga e precisa de constantes reformas e manutenção, muito do recurso recebido acaba sendo utilizado para consertos e reformas. As grandes reformas, que envolvem mais recursos e mão de obra, fogem da alçada da direção e, por isso, são cobradas da mantenedora para que sejam realizadas. Essas solicitações à mantenedora foram apontadas como estratégias de difícil resultado, devido à morosidade do seu atendimento.

De acordo com a opinião dos docentes, o processo de descentralização de recursos e a forma como este tem sido gerenciado pelos dirigentes foi avaliado da seguinte forma, em relação ao seu impacto no processo de ensino:

A aprovação e gerenciamento da descentralização são vistos pelos docentes como estratégia que facilita o seu trabalho obtendo um índice total de 78,4% de concordância. A mobilização dos fóruns de decisão, apesar de ter sido apontada como facilitadora por 72,6% dos docentes, 23,5% de respondentes que não reconhecem sua existência, sendo que no turno da tarde esse índice foi de 29,4% e à noite foi de 30,8%, o que pode estar relacionado à fragilidade do processo coletivo. A solicitação à mantenedora das obras e reformas que a direção não pode executar foi apontada pelos docentes como facilitadora em 76,5%. A discordância com a opinião dos dirigentes pode também estar ocorrendo pelo desconhecimento das dificuldades que os dirigentes tem com a morosidade, apontada por eles.

O gráfico a seguir ilustra a tendência geral de que a descentralização de recursos tem afetado positivamente as atividades da escola quanto ao processo de ensino. Pode-se observar a predominância das respostas 'facilita totalmente', em primeiro lugar, e 'facilita parcialmente', em segundo lugar, nas três esferas em que o impacto foi analisado.

Comparação entre as Duas Escolas

A aprovação do processo de descentralização dos recursos foi observada em ambas as escolas analisadas, tanto pelos gestores quanto pelos docentes, cujo predomínio da resposta obtida foi o de que facilita seu trabalho. O desejo pela autonomia parece ser um dos principais motivos pelo qual as escolas avaliam positivamente essa política pública. O termo autonomia, tal como foi mencionado pelos entrevistados, tem a conotação de capacidade de decisão, de independência, de auto- gerir-se, e envolve a acepção de desejo quanto à recursos financeiros (nas duas) e recursos humanos (na segunda). O saldo positivo, avaliado na experiência vivida até o presente momento, parece ter conduzido o grupo dirigente a este desejo, pois ele permite a superação de parte das pressões ambientais vividas, como, por exemplo, a morosidade de processos centralizados. A diferença encontrada na segunda organização que enfatiza a necessidade de autonomia na área de recursos humanos está fortemente relacionado à experiência vivida com a não resolução de seus problemas com docentes pela prefeitura:

[...] porque você veja, você quer melhorar o nível pedagógico; mas você esbarra, porque a prefeitura tem certas normas; você não quer a contratação de alguns professores, é mandado para você e você tem que aceitar, e você sabe que não seria o ideal. Você na verdade lidera até um limite bem restrito, porque a maioria das coisas você tem que acatar, então isso eu acho que afeta bastante.

Neste ponto, cabe referendar Abranches (1989) que salienta a importância da implementação na área social, uma vez que a maioria dos fracassos colecionados pelos governos na adoção de políticas sociais deve-se à fase de implementação. Ou seja, destaca-se a necessidade de um programa de acompanhamento e avaliação das áreas sociais mais importantes para promover correções, com base em informação e evidência confiáveis, a fim de pelo menos minimizar, ou até mesmo eliminar, efeitos colaterais socialmente perversos.

Mesmo com a aprovação da descentralização e o reconhecimento dos avanços que essa política trouxe, ambas as organizações percebem que o setor educacional ainda tem inúmeras dificuldades a superar, pois se trata de um setor que está "péssimo, deixado de lado, totalmente sem incentivo, sem nada, tirando tudo, desqualificando tudo. Por incrível que pareça, quem tenta salvar é o próprio professor, bom profissional, e não o governo". Neste ambiente, os dirigentes destacam que as políticas internacionais pressionam diretrizes que deixam de privilegiar a qualidade do ensino em face de resultados e índices que permitam financiamentos externos:

O Fundo Monetário determina isto, porque no momento político, na globalização isso é interessante. Você tem de caminhar de acordo com isso, não é de acordo com a qualificação de ensino. Vamos dar ensino porque precisa; não, nós vamos dar ensino porque tenho uma intenção política de que isso seja assim, quanto à evasão. Nós vamos determinar. O banco determina: dou o dinheiro, mas tem de acabar com a evasão. Como é que vocês vão fazer, qual é o lado mais fácil.

Em ambas as escolas, os entrevistados enfatizam a prioridade dos aspectos pedagógicos, e entendem que é preciso

[...] ver a necessidade de cada região, de cada escola, do país como um todo, para você qualificar, dar prioridade ao aprender porque precisa, não porque está vinculado à política. É questão de cidadania, preparação do indivíduo para a cidadania, sair um indivíduo feliz, com liderança, com capacidade, com coisa pra modificar o social; senão não modifica nada, é uma repassagem.

O detrimento da área pedagógica em função do acúmulo de atividades obtidas com a descentralização reflete-se na preocupação com o descrédito que as escolas possam vir a ter futuramente no caso da negligência da gestão atual com a expansão do quadro de profissionais:

[...] eu tenho um receio, ou a gente se volta mais para essa parte pedagógica, um assessoramento muito mais sério, ou nós vamos cair num descrédito, como outro sistema de ensino que a gente tem aqui, e isso, particularmente, me preocupa, porque eu acredito muito no ensino, em especial municipal, ou da prefeitura.

Quanto à mobilização dos fóruns de decisão, as duas escolas seguiram as mesmas estratégias de criar órgãos consultivos, seguindo as diretrizes legais, como no caso da LDB, da mantenedora e de seu próprio regimento escolar. Da mesma forma, em ambas pode-se observar os procedimentos para a solicitação à mantenedora dos serviços e bens que não possui autonomia e recursos para fazê-lo. Nestes dois casos, as pressões legais e normativas influenciaram fortemente o curso de ação das escolas.

No que diz respeito ao impacto do processo de descentralização na atividade de ensino, o gráfico 3 ilustra a comparação entre a opinião docente nas escolas Alfa e Beta. De forma geral, pode-se observar o predomínio da opinião de que o processo facilita o trabalho docente. Ressalta-se que na escola Beta, predominou a opinião de que facilita totalmente, enquanto na escola Alfa predominou a opinião de que facilita parcialmente.


O 'não reconhecimento' da existência de fóruns de decisão foi um resultado que se destacou nas duas escolas, em graus similares. Apesar de não alcançar a representatividade de que 'facilita', é interessante observar as dificuldades que parecem existir no processo coletivo de gestão. As tendências democratizantes descritas no setor educacional, e a busca de uma gestão participativa podem estar encontrando resistências entre os membros do grupo, ou até mesmo desinteresse por parte de alguns.

Conclusão

A descentralização como política pública decorrente do viés municipalista encontrou no setor educacional forte congruência com o desejo emancipatório de gestão nas escolas públicas. Enquanto o setor educacional passava de uma fase de autoritarismo para uma fase de gestão participativa no setor público, o desejo de autonomia aflorava e carecia de mecanismos para sua viabilização. A abertura da autonomia iniciada com essa política pública parece ter indicado um caminho mais eficiente para a gestão das escolas, cujas especificidades comunitárias poderiam então ser atendidas.

A análise da descentralização nas escolas como política pública educacional no município de Curitiba permitiu concluir que a autonomia, vivenciada nos últimos anos, e o gerenciamento de recursos foram positivos para as escolas Alfa e Beta, o que estimulou o próprio desejo não só de mais recursos para suprir necessidades, como de mais autonomia tanto de recursos financeiros quanto de recursos humanos. Ganhos como agilidade e inovação foram apontados como significativos. A mobilização de instâncias coletivas de decisão foi sendo ampliada e promoveu aprendizagem entre os grupos.

No entanto, como processo lento e difícil, o envolvimento de todos ainda é um entrave à decisão coletiva e, como em qualquer processo democrático, demanda exercício de participação (MENDONÇA, 1992). Nesse sentido, o processo corre riscos de insucesso, que podem ser causados pela manipulação política de diretores, pela cooptação, pela falta de participação e avaliação de resultados, pelo desperdício de recursos e pela própria desmoralização do processo (GOMES, 1994). Assim, é importante que haja uma avaliação por parte dos próprios membros da organização e da mantenedora sobre os resultados alcançados, no sentido de gerar aprendizagem e incremento do processo. Também é necessário o redirecionamento dos critérios do processo no sentido de melhorar aspectos que estejam dando resultados positivos e redirecionar aspectos negativos.

Essa experiência, apesar dos aspectos positivos apontados, permite, contudo, fazer alguns questionamentos sobre seus resultados, como: (a) qual o suporte, em termos de estrutura, que as escolas devem receber para operacionalizar o recebimento dos recursos? (b) quais as implicações da concentração da equipe diretiva da escola no gerenciamento financeiro e que prejuízos isso pode trazer em termos pedagógicos? (c) o que significa, juridicamente falando, para a escola, ter de se relacionar com o Tribunal de Contas? É relevante lembrar que tais questionamentos não visam mencionar as respostas, mas sim incitar reflexões a respeito dos mesmos. Essas questões precisam ser analisadas em face da nova realidade com a qual a escola pública tem trabalhado.

Estes questionamentos, provocadores de novos debates, conduzem à discussão do próprio processo de descentralização de recursos como política pública, no sentido de refletir o que significa essa autonomia para as escolas em face do que significa para a própria agência implementadora. Ou seja, trata-se de destacar a importância, tal como referendado pelos teóricos utilizados, da necessidade de acompanhar a implementação e avaliar os resultados, mesmo porque os objetivos, valores, crenças parecem diferenciar entre as escolas e a mantenedora. Em contraposição, pode-se pensar também se é possível, ou mesmo necessário, um novo delineamento do organograma da Secretaria Municipal de Educação, de horizontalização das relações de poder ou da hierarquização dos cargos, que permita otimizar um modelo de gestão participativa, ou seja, ampliá-lo para além dos muros da escola para a própria estrutura municipal.

A descentralização, cuja tendência tem-se cristalizado nas últimas décadas, parece ter sido delineado, neste caso, com o foco na transferência de recursos e gerenciamento, predominantemente, sem a correspondente infra-estrutura necessária para que o processo permitisse os frutos da 'autonomia' sem perda nas questões educacionais. Não se quer dizer com isso que a descentralização constitua em si mesma um processo desvantajoso ou negativo. Busca-se apenas destacar que se trata de um processo que necessita de avaliação de resultados, estrutura interna organizacional para a sua viabilização, e correções de acordo com as necessidades contextuais.

Por fim, ressalta-se que a presente pesquisa limitou-se a investigar os impactos da descentralização em duas escolas de uma rede municipal de ensino. Portanto, é relevante que se aprofundem as investigações em outras escolas, bem como em sistemas públicos de outros municípios, a fim de confrontar esses resultados com outras realidades.

Recebido em: 02/12/2003

Aceito para publicação em: 12/05/2005

ANEXOS

ANEXO I — MODELO DO ROTEIRO SEMI-ESTRUTURADO DA ENTREVISTA

QUANTO ÀS POLÍTICAS PÚBLICAS NO SETOR EDUCACIONAL:

1) Como a nova forma de investimento público nas escolas, por meio da descentralização dos recursos, afetou a escola?

2) Quais as estratégias que a escola adotou para gerenciar estas verbas?

3) Como essas ações afetaram o desempenho dos alunos e o trabalho dos professores?

ANEXO II — MODELO DO QUESTIONÁRIO

AVALIAÇÃO DOS DOCENTES SOBRE O IMPACTO DAS ESTRATÉGIAS ADOTADAS PELAS ESCOLAS NO PROCESSO DE ENSINO

A seguir, serão apresentadas as estratégias de ação da escola. Assinale com um x, conforme indicado na escala abaixo, um único número, entre 1 a 5, que melhor indique o nível em que cada grupo de ações referentes a estas estratégias interfere na sua atividade docente, no turno em que atua.

Obs.: Os questionários foram acompanhados de carta de apresentação explicativa sobre o caráter acadêmico da pesquisa.

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  • 1
    Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada no XXVII ENANPAD — Encontro Nacional da Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Administração, realizado em Atibaia, de 21 a 24 de setembro de 2003.
  • 2
    O prédio construído para o atendimento de alunos que permanecem no período integral realizando oficinas diversas é chamado na escola por pisos, pois a construção compreende três pisos nos quais são desenvolvidas atividades específicas em cada um deles.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Nov 2005
    • Data do Fascículo
      Jan 2005

    Histórico

    • Aceito
      12 Maio 2005
    • Recebido
      02 Out 2003
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