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Carga horária de trabalho dos enfermeiros e sua relação com as reações fisiológicas do estresse1 1 Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Brasil, processo nº 2010/08842-2

Resumos

OBJETIVO:

analisar a relação entre a carga horária de trabalho e as reações fisiológicas do estresse, entre enfermeiros de unidade hospitalar.

MÉTODOS:

estudo transversal, correlacional, quantitativo, realizado com 95 enfermeiros em 2011 e 2012. De forma bivariada, utilizou-se o teste de correlação de Spearman.

RESULTADOS:

a maioria dos sujeitos pertencia ao sexo feminino, faixa etária entre 23 e 61 anos, trabalhando de 21 a 78 horas semanais. As reações fisiológicas mais frequentes foram dores lombares, fadiga/exaustão, rigidez no pescoço e acidez estomacal, sendo que 46,3% dos sujeitos apresentaram baixas respostas fisiológicas ao estresse e moderadas em 42,1%. Não houve correlação entre a carga horária de trabalho e as reações fisiológicas do estresse.

CONCLUSÃO:

embora a maioria dos enfermeiros exercesse suas funções por mais de 36 horas/semana, fisiologicamente não apresentavam reações elevadas de resposta ao estresse. Tais trabalhadores lidavam com conflitos nas relações verticais e horizontais entre profissionais, familiares e pacientes. Nesse sentido, cuidar de profissionais que oferecem serviços de saúde pode ser estratégia fundamental, uma vez que bons atendimentos aos usuários dependem, principalmente, de equipes saudáveis.

Enfermagem; Trabalho; Enfermagem do Trabalho; Doenças Profissionais; Serviço Hospitalar de Enfermagem


OBJECTIVE:

to analyze the relation between the workload and the physiological stress reactions among nurses working at a hospital service.

METHODS:

cross-sectional, correlational, quantitative study, involving 95 nurses, in 2011 and 2012. Spearman's bivariate Correlation Test was used.

RESULTS:

most subjects are female, between 23 and 61 years old and working between 21 and 78 hours per week. The most frequent physiological reactions were back pain, fatigue/exhaustion, stiff neck and stomach acidity, with 46.3% of the subjects presenting low and 42.1% moderate physiological stress responses. No correlation was found between the workload and the physiological stress responses.

CONCLUSION:

although most of the nurses work more than 36 hours/week, physiologically, they do not present high reaction levels in response to stress. These workers deal with conflicts in the vertical and horizontal relations between professionals, family members and patients. In that sense, taking care of professionals who offer health services can be a fundamental strategy, as good user care mainly depends on healthy teams.

Nursing; Work; Occupational Health Nursing; Occupational Diseases; Nursing Service, Hospital


OBJETIVO:

analizar la relación entre la carga horaria de trabajo y las reacciones fisiológicas de estrés entre enfermeros de servicio hospitalario.

MÉTODOS:

estudio trasversal, correlacional, cuantitativo, desarrollado con 95 enfermeros en 2011 y 2012. De forma bivariada, fue utilizada la Prueba de Correlación de Spearman.

RESULTADOS:

la mayoría de los sujetos es del sexo femenino, rango de edad entre 23 y 61 años y trabaja de 21 a 78 horas semanales. Las reacciones fisiológicas más frecuentes fueron dolores de espalda, fatiga/agotamiento, rigidez en el cuello y acidez estomacal, siendo que 46,3% de los sujetos revelaron bajas respuestas fisiológicas al estrés y moderadas en 42,1%. No fue encontrada correlación entre la carga horaria de trabajo y las reacciones fisiológicas del estrés.

CONCLUSIÓN:

aunque la mayoría de los enfermeros ejerza su función por más de 36 horas/semana, fisiológicamente no muestran reacciones elevadas de respuesta al estrés. Tales trabajadores lidian con conflictos en las reacciones verticales y horizontales entre profesionales, familiares y pacientes. En ese sentido, cuidar de profesionales que ofrecen servicios de salud puede ser estrategia fundamental, ya que buena atención a los usuarios depende principalmente de equipos saludables.

Enfermería; Trabajo; Enfermería del Trabajo; Enfermedades Profesionales; Servicios de Enfermería em Hospital


Introdução

As condições laborais atuais envolvem modelos de produção e prestação de serviços com características de trabalho aceleradas e intensificadas. Os modelos determinam o aumento da produtividade, por meio da combinação do ritmo de trabalho, da carga de responsabilidade e da redução dos intervalos de descanso na jornada de trabalho. Esses fatos podem levar à tendência progressiva de riscos ocupacionais, podendo originar efeitos crônicos à saúde dos trabalhadores. Nesse sentido, a jornada de trabalho constitui-se em uma dimensão importante na qualidade de emprego, repercutindo na segurança e saúde do trabalhador, nos aspectos pessoais e familiares, assim como na organização laboral dentro da instituição( 11. Lee S, Mccann D, Messenger JC. Duração do Trabalho em Todo o Mundo: Tendências de jornadas de trabalho, legislação e políticas numa perspectiva global comparada, Secretaria Internacional de Trabalho. Brasília: OIT; 2009. ).

A jornada de trabalho pode se tornar elemento que propicia desgaste e sofrimento ao trabalhador; quando o contexto organizacional desencadeia sofrimento o indivíduo busca desenvolver mecanismos de defesa para tentar diminuí-lo. No entanto, quando há acirramento de conflitos e o trabalhador apresentando impasse com a organização, não conseguindo mais dar vazão aos desejos e processos criativos/inventivos, acabará adoecendo( 22. Dejours C, Abdouchely E, Jayet C. Psicodinâmica do trabalho: contribuições da Escola Dejouriana a análise da relação prazer, sofrimento e trabalho. São Paulo: Atlas; 2007. 145 p. ) e os ambientes das organizações podem se tornar estressantes aos trabalhadores. Por outro lado, o trabalho é uma forma de ser do homem e é possível, sim, que esse obtenha remuneração e satisfação por meio do seu trabalho, evitando ou amenizando situações de estresse( 33. Rotenberg L. Fórum: horários de trabalho e saúde. Cad Saúde Pública. 2004;20(6):1730-1. ).

O estresse pode ser agudo ou crônico, e as consequências de altos níveis de estresse crônico são percebidas pelo absenteísmo, queda de produtividade, desmotivação, dificuldades interpessoais, doenças físicas variadas, depressão, ansiedade e infelicidade na esfera pessoal. No âmbito do trabalho, as consequências do estresse podem incluir, ainda, falta de ânimo, falta de envolvimento com o trabalho e a organização, faltas e atrasos frequentes, excesso de visitas ao ambulatório médico e farmacodependência( 44. Sadir MA, Bignotto MM, Lipp MEN. Stress e qualidade de vida: influencia de algumas variáveis pessoais. Paideia. 2010;20(45):73-81. ).

No trabalho da enfermagem, a preocupação com o sofrimento e o prazer desses profissionais surge com questionamentos relativos à maneira como eles conseguem suportar situações desgastantes, principalmente pela constante convivência com o sofrimento, dor, a morte e tantos outros sentimentos e reações desencadeadas pelo processo de doença. A enfermagem tem se empenhado em assistir o ser humano e, para isso, adquire conhecimentos e princípios científicos que embasem sua prática. Todavia, as condições de trabalho dos enfermeiros refletem-se em desgaste físico e emocional( 55. Silva BM, Lima FRF, Farias FSAB, Campos ACS. Jornada de trabalho: fator que interfere na qualidade da assistência de enfermagem. Texto Contexto - Enferm. 2006;15(3):442-8. - 66. Santos JM, Teixeira Z. O stress profissional dos enfermeiros. Rev Fac Ci Saúde. 2009; 6:368-78. ).

Paralelamente, observou-se que a experiência de estresse é multifacetada, existindo amplitude razoável de dimensões que podem contribuir para os problemas laborais dos enfermeiros. Essa experiência indica a necessidade de propostas de intervenção que visem o "combate" dos vários problemas laborais e que incluam estratégias variadas, uma vez que é totalmente diferente delinear uma intervenção dirigida à melhoria da relação com os pacientes e outra que ajude os trabalhadores a gerirem melhor o estresse associado ao "medo de cometer erros"( 77. Gomes AR, Cruz JF, Cabanelas S. Estresse ocupacional em profissionais de saúde: um estudo em enfermeiros portugueses. Psicol: Teor Pesq. 2009; 25(3):307-18. ).

Enfermeiros estressados estão mais susceptíveis à ocorrência de acidentes e enfermidades relacionadas ao trabalho e podem, ainda, desenvolver suas atividades de forma ineficiente, resultando certamente em consequências negativas ao indivíduo e/ou à população assistida( 88. Moustaka E, Constantinidis TC. Sources and effects of Work-related stress in nursing. Health Sci J. 2010;4(4):210-6. ). Soma-se a essa problemática a questão da elevada carga horária que os trabalhadores da área da saúde, incluindo-se os da enfermagem, costumam realizar, fazendo-os trabalhar de modo excessivo.

O excesso de trabalho parece favorecer adoecimentos mentais e/ou físicos em trabalhadores da área da saúde, além de facilitar a ocorrência de absenteísmos, acidentes de trabalho, erros de medicação, exaustão, sobrecarga laboral e ausência de lazer( 99. Robazzi MLCC, Mauro MYC, Secco IAO, Dalri RCMB, Freitas FCT, Terra FS, et al. Alterações na saúde decorrentes do excesso de trabalho entre trabalhadores da área de saúde. Rev Enferm UERJ. 2012;20(4):526-32. ). Enfermeiros, no intuito de superar as adversidades do seu trabalho, buscam motivação, como o dinheiro e o conhecimento, para seguir uma jornada dupla de trabalho, desafiando os fatores extrínsecos e intrínsecos que surgem constantemente( 55. Silva BM, Lima FRF, Farias FSAB, Campos ACS. Jornada de trabalho: fator que interfere na qualidade da assistência de enfermagem. Texto Contexto - Enferm. 2006;15(3):442-8. ).

Apesar de a literatura indicar a presença de estresse e desgaste entre enfermeiros por causas variadas, incluindo-se horas trabalhadas em excesso e com a apresentação de sintomas físicos e/ou mentais em decorrência do trabalho que realizam( 66. Santos JM, Teixeira Z. O stress profissional dos enfermeiros. Rev Fac Ci Saúde. 2009; 6:368-78. ) com sobrecarga de trabalho e falta de tempo, inclusive para descansar( 55. Silva BM, Lima FRF, Farias FSAB, Campos ACS. Jornada de trabalho: fator que interfere na qualidade da assistência de enfermagem. Texto Contexto - Enferm. 2006;15(3):442-8. ), não foram identificados estudos abordando as reações fisiológicas causadas pelo estresse, relacionadas, especificamente, à carga horária desenvolvida por enfermeiros que atuam em ambientes hospitalares.

Diante da constatação dessa lacuna no conhecimento sobre esse tema que pode fornecer subsídios para a melhoria das condições de trabalho da enfermagem e da qualidade da assistência oferecida aos pacientes, no presente estudo objetivou-se analisar a relação entre carga horária de trabalho e as reações fisiológicas do estresse entre enfermeiros da área hospitalar.

Método

Este é um estudo transversal, correlacional, quantitativo, realizado em um hospital público, localizado em Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil, entre o segundo semestre de 2011 e o primeiro de 2012.

A população do estudo foi constituída por 131 enfermeiros atuantes em todos os seus setores e turnos de trabalho. Em decorrência do tamanho da população, optou-se por trabalhar com o universo total dos trabalhadores, não havendo, assim, realização de cálculo amostral. Os critérios de seleção estabelecidos foram: estar disponível nas datas estipuladas para a coleta de dados, podendo esse enfermeiro ser contratado pela Fundação de Apoio ao Hospital ou pelo Estado, reforçando que tais contratos são independentes. Na primeira situação, o enfermeiro não foi admitido por meio de concurso público e na segunda submeteu-se a tal concurso. Após submissão aos critérios de seleção, a população foi composta por 95 sujeitos, ou seja, 72,5% de sua totalidade.

O instrumento de coleta de dados para caracterização pessoal e profissional foi composto por 12 questões, direcionadas às variáveis que visavam a identificação do trabalhador e de sua atividade profissional. O diagnóstico das reações fisiológicas de resposta ao estresse foi avaliado por meio do Inventário de Reações Fisiológicas do Estresse, previamente validado para o Brasil( 1010. Greenberg JS. Administração do estresse. 6a ed. São Paulo: Editora Manole; 2002. ), que consiste na apresentação de 39 sintomas relacionados ao estresse, para serem pontuados por meio de uma escala Likert [nunca (1), raramente (2), às vezes (3), frequentemente (4) e constantemente (5)]; a somatória indica os sintomas fisiológicos de resposta ao estresse: de 40-75 baixos sintomas, 76-100 sintomas moderados, 101-150 altos sintomas e >150 sintomas excessivos de resposta ao estresse. Os sintomas mensurados foram dor de cabeça (cefaleia) por tensão, enxaqueca (cefaleia vascular), dores de estômago, aumento na pressão sanguínea, mãos frias, acidez estomacal, respiração rápida e superficial, diarreia, palpitações, mãos trêmulas, arrotos, gases, maior urgência para a micção, transpiração nas mãos e/ou nos pés, pele oleosa, fadiga/sensação de exaustão, respiração ofegante, boca seca, tremor nas mãos, dores lombares, rigidez no pescoço, mascar chicletes, ranger de dentes, constipação, sensação de aperto no peito/coração, tontura, náusea/vômito, dor menstrual, manchas na pele, extrassístoles, colite, asma, indigestão, pressão sanguínea alta, hiperventilação, artrite, erupção cutânea, bruxismo/dor na mandíbula e alergia. Para avaliação da confiabilidade do instrumento referido, foi realizada análise de consistência interna, por meio do coeficiente de Cronbach, sendo obtido α=0,900.

Os enfermeiros receberam, por parte da primeira autora, no próprio local de trabalho, orientações quanto ao objetivo do estudo proposto e aos procedimentos de coleta de dados, obedecendo às diretrizes preconizadas na Resolução 196/96-CNS( 1111. Ministério da Saúde (BR). Conselho Nacional de Saúde. Resolução 196 de 10 de outubro de 1996. Normas Regulamentadoras de Pesquisa Envolvendo Seres Humanos. Brasília: Ministério da Saúde; 1996. ), vigente na época de aprovação e coleta de dados. O estudo foi aprovado pelo Conselho Científico do Centro de Estudos de Emergência em Saúde do hospital em estudo e pelo Comitê de Ética em Pesquisa de uma Instituição de Nível Superior, através do Protocolo nº1272/2010. Os sujeitos tomaram ciência do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e a coleta iniciou-se após o TCLE ter sido assinado em duas vias, sendo que uma ficou em posse da primeira autora deste estudo e a outra ficou com o participante da pesquisa.

Os dados foram, primeiramente, inseridos no programa MS-Excell (2007) com a técnica de dupla digitação e, posteriormente, foram validados. Após, foram exportados para o software Statistical Package for Social Sciences (SPSS(c)), versão 19.0, para análise estatística descritiva e inferencial dos dados. Verificou-se a normalidade da distribuição das medidas por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov e, como essa não foi confirmada, utilizou-se de forma bivariada o teste de correlação de Spearman para verificação da existência de correlações entre a carga horária de trabalho semanal e as reações fisiológicas do estresse. Para esse modelo, o nível de significância utilizado foi α=0,05.

Resultados

Dos 95 sujeitos, 85 (89,4%) eram do sexo feminino. A idade variou de 23 a 61 anos e, quanto ao estado civil, constatou-se que 42 (44,2%) enfermeiros eram solteiros e 41 (43,2%) casados ou viviam com companheiro. Em relação aos vínculos empregatícios, 76 (80%) sujeitos tinham somente um, 17 (17,9%) dois vínculos e dois enfermeiros, três vínculos. No que diz respeito ao tipo de contrato de trabalho, 27 (28,4%) enfermeiros eram contratados pela Fundação de Apoio ao Hospital, 65 (68,4%) eram funcionários públicos estaduais e apenas três tinham contrato de trabalho pela Fundação e pelo Estado.

A carga horária de trabalho semanal desenvolvida variou de 21 a 78 horas, sendo que a mediana foi de 42 horas. Enfatiza-se que a carga horária desenvolvida pelos sujeitos era de 36 horas/semana, para os contratados pela Fundação, e de 30 horas/semanais, para os funcionários públicos estaduais. Em relação ao retorno de férias, 71 (74,7%) enfermeiros haviam retornado há mais de 30 dias, considerando-se a data de coleta de dados e 24 deles (25,3%) há menos de 30 dias dessa data, o que justifica algumas respostas de carga horária semanal inferior a 30 horas.

A Figura 1 apresenta a distribuição dos enfermeiros, conforme a carga horária semanal desenvolvida em seus ambientes laborais.

Figura 1 -
Distribuição percentual dos enfermeiros do hospital público, segundo a carga horária semanal. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2012 (n=95)

A Figura 2, a seguir, apresenta as reações fisiológicas do estresse mais significativas, obtidas por meio do Inventário de Reações Fisiológicas do Estresse( 1010. Greenberg JS. Administração do estresse. 6a ed. São Paulo: Editora Manole; 2002. ).

Figura 2 -
Reações fisiológicas do estresse entre os enfermeiros do hospital público. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2012 (n=95)

A Figura 3, a seguir, apresenta a classificação das reações fisiológicas do estresse, de acordo com os escores obtidos, por meio do Inventário de Reações Fisiológicas do Estresse( 1010. Greenberg JS. Administração do estresse. 6a ed. São Paulo: Editora Manole; 2002. ).

Figura 3 -
Classificação das reações fisiológicas de resposta ao estresse entre enfermeiros do hospital público, de acordo com os escores obtidos. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2012 (n=95)

Utilizou-se o teste de correlação de Spearman para verificação da existência de correlações entre a carga horária de trabalho semanal e as reações fisiológicas do estresse e esse não mostrou evidências estatísticas que comprovem a existência dessa correlação, conforme apresentado na Figura 4, a seguir.

Figura 4 -
Diagrama de dispersão das medidas da carga horária semanal e das reações fisiológicas do estresse entre os enfermeiros do hospital público. Ribeirão Preto, SP, Brasil, 2012 (n=95)

Discussão

A maioria dos sujeitos pertencia ao sexo feminino (89,4%), o que mostra que a enfermagem continua sendo uma profissão essencialmente desenvolvida por mulheres, como vem ocorrendo ao longo da história( 1212. França FM, Ferrari R. Burnout Syndrome and the socio-demographic aspects of nursing professionals. Acta Paul Enferm. 2012;25(5):743-78. ).

Em relação ao número de vínculos empregatícios, apesar de 80% dos sujeitos terem apenas um vínculo, a carga horária semanal média foi de 46,2 horas, evidenciando que os trabalhadores desenvolviam horas extraordinárias na mesma instituição em que atuavam profissionalmente. Apenas dois enfermeiros referiram ter três vínculos e esses apresentaram moderadas reações de respostas fisiológicas ao estresse.

A Resolução do Conselho Federal de Enfermagem (COFEn) nº293/2004 regulamenta que, para a elaboração da escala mensal do pessoal de enfermagem, a carga horária deverá ser de 36 horas semanais para atividade assistencial e de 40 horas semanais para atividades administrativas. Tramita na Câmara Federal, o Projeto de Lei nº2.295/2000, que estabelece jornada máxima de 30 horas semanais para enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem( 1313. COFEN. Conselho Federal de Enfermagem. Projeto Lei 2295/2000. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2004. [acesso 10 fev 2012]. Disponível em: http://www.portalcofen.gov.br/form/manifesto30h.
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).

Para a Organização Internacional do Trabalho (OIT), cerca de 22% da força de trabalho mundial, equivalente a 614,2 milhões de trabalhadores, aproximadamente, exercem suas atividades por mais de 48 horas semanais. No Brasil, em 2008, 33,7% dos trabalhadores apresentavam jornada superior a 44 horas semanais e 19,1% deles trabalhavam em jornada superior a 48 horas por semana( 11. Lee S, Mccann D, Messenger JC. Duração do Trabalho em Todo o Mundo: Tendências de jornadas de trabalho, legislação e políticas numa perspectiva global comparada, Secretaria Internacional de Trabalho. Brasília: OIT; 2009. ).

O estresse profissional dos enfermeiros revela-se importante cada vez mais levando à exaustão na profissão. Um dos agravos mais encontrados em estudo de revisão da literatura sobre alterações na saúde, decorrentes do excesso de trabalho entre trabalhadores da área de saúde, foi o estresse ocupacional( 99. Robazzi MLCC, Mauro MYC, Secco IAO, Dalri RCMB, Freitas FCT, Terra FS, et al. Alterações na saúde decorrentes do excesso de trabalho entre trabalhadores da área de saúde. Rev Enferm UERJ. 2012;20(4):526-32. ).

Os dados do presente estudo, entretanto, mostram que a maioria dos enfermeiros desenvolvia as horas de trabalho normais e extras na mesma instituição, o que pode favorecer melhor adaptação àquele determinado setor, evitando o estresse muitas vezes causado pela mudança do local de trabalho durante a carga horária diária desenvolvida. Permanecendo no mesmo local, os enfermeiros apresentam conhecimento da realidade do plantão assumido, ou seja, conhecem os técnicos e auxiliares de enfermagem que estarão subordinados a ele, a equipe médica e outros profissionais de plantão, a quantidade e as condições dos pacientes sob sua responsabilidade, a disponibilidade de materiais e equipamentos, dentre outros.

Resultados diferentes aos mencionados anteriormente foram apresentados por uma investigação realizada com enfermeiros atuantes em hospitais das Forças Armadas de Taiwan, que detectou excessiva carga de trabalho como principal fonte de estresse entre eles( 1414. Wei-Wen Liu, Feng-Chuan Pan, Pei-Chi Wen, Sen-Ji Chen, Su-Hui Lin. Job Stressors and Coping Mechanisms among Emergency Department Nurses in the Armed Force Hospitals of Taiwan. Int J Human Soc Scis. 2010;5:10. ).

Cada pessoa tem uma forma particular de reagir aos estímulos da vida, portanto, tem também limiares diferentes de esgotamento por estresse. De acordo com o ponto de vista que cada um tem da realidade, da valorização do passado ou das perspectivas do futuro, as reações de estresse podem variar( 1515. Xavier T. Estresse: causas e consequências. Rev Perfil Online. [Internet]; 2010. [acesso 20 jul 2010]. Disponível em: :http://www.revistaperfil.com.br/perfil.rp?op=con,,516.html.
http://www.revistaperfil.com.br/perfil.r...
), fator esse de grande relevância no surgimento ou não de doenças.

Trabalhadores de enfermagem apresentam vivência marcada por acidentes de trabalho, doenças, incapacidade, absenteísmo e abandono da profissão( 1616. Vasconcelos SP, Marqueze EC, Silva LG, Lemos LC, Araújo L, Fischer FM, et al. Morbidity among nursing personnel and its association with working conditions and work organization. Work. 2012;41:3732-7. ), fatores esses geradores de estresse, mas nem sempre os sujeitos sabem o que utilizar como mecanismos de defesa.

Dentre as reações relatadas neste estudo, as dores lombares foram as mais citadas. Tal resultado coincide com a revisão de literatura realizada com trabalhadores de enfermagem que demonstrou que as doenças prevalentes nesses profissionais foram as musculoesqueléticas( 1717. Vieira MVP, Alcântara DS. Prevalência de dor lombar crônica em trabalhadores de enfermagem: revisão bibliográfica. Rev Amazônia. 2013;1(3):49-55. ), e em outro estudo realizado com profissionais de enfermagem, que atuavam em bloco cirúrgico, encontrou-se a ocorrência de sintomas osteomusculares na região lombar (20,4%) nesses trabalhadores( 1818. Schmidt DRC, Dantas RAS. Quality of work life and work-related musculoskeletal disorders among nursing professionals. Acta Paul Enferm. 2012;25(5):701-7. ).

Ainda, com relação às reações, estudo realizado com enfermeiras iranianas mostrou que elas estão expostas a elevados níveis de estresse e a prevalência de lesões musculoesqueléticas foi alta, ou seja, 89,9% delas apresentaram algum tipo dessas lesões durante os últimos 12 meses que antecederam a pesquisa; queixas lombares foram os problemas mais comumente relatados (6,8%)( 1919. Barzideh M, Choobineh AR, Tabatabaee RH. Job stress dimensions and their relationship to musculoskeletal disorders in Iranian nurses. Work. 2013. ).

Ambientes inadequados, atividades mal organizadas, pouca valorização do trabalhador, participação insatisfatória nas decisões, demanda excessiva, baixos salários e realização de trabalho repetitivo, o qual favorece posturas incorretas em situações laborais indesejáveis, são elementos que podem favorecer adoecimentos entre os trabalhadores da saúde( 99. Robazzi MLCC, Mauro MYC, Secco IAO, Dalri RCMB, Freitas FCT, Terra FS, et al. Alterações na saúde decorrentes do excesso de trabalho entre trabalhadores da área de saúde. Rev Enferm UERJ. 2012;20(4):526-32. ). Pesquisa com enfermeiros constatou que se faz necessária a investigação dos agentes causadores de estresse no seu ambiente de trabalho e medidas para o enfrentamento de tais situações, promovendo benefícios não só para tais trabalhadores, mas para todos os indivíduos por eles assistidos( 2020. Ferreira LRC, De Martino MMF. O estresse do enfermeiro: análise das publicações sobre o tema. Rev Ci Méd. 2006;15(3):241-8. ).

Os indivíduos tentam encontrar motivos de satisfação e realização no seu trabalho. No desempenho de suas funções, mas, principalmente, diante de situações adversas o organismo procura manter o equilíbrio, utilizando formas de adaptação.

Na área da saúde, por lidar diretamente com a vida dos seres humanos, o desempenho dos profissionais é acompanhado pela expectativa de altos níveis de competência e de responsabilidade no seu trabalho. Dessa forma, estudos e ações para melhorar as condições de trabalho e a qualidade de vida do trabalhador são cada vez mais frequentes( 2121. Ribeiro RP, Martins JT, Marziale MHP, Robazzi MLCC. Work-related illness in nursing: an integrative review. Rev Esc Enferm USP. 2012; 46(2):495-504. ).

Estudo que objetivou investigar o nível de resiliência dos trabalhadores de enfermagem, visando o conhecimento das fraquezas e fortalezas desse profissional diante das adversidades a que estão submetidos, evidenciou que eles possuem excessivo controle de impulsos e dificuldades na regulação de emoções, o que lhes acarreta grande dispêndio de energia, uma vez que não exteriorizam suas emoções, especialmente no ambiente de trabalho, justificando o alto índice de estresse encontrado entre os investigados( 2222. Belancieri MF, Beluci ML, Silva DVR, Gasparelo EA. A resiliência em trabalhadores da área da enfermagem. Estud Psicol. 2010;27(2):227-33. ).

Nesse sentido, cuidar de profissionais que oferecem serviços de saúde pode ser estratégia fundamental, uma vez que um bom atendimento aos usuários depende, principalmente, de equipes de trabalho saudáveis.

Conclusão

Constatou-se que a maioria dos enfermeiros estudados exerce suas atividades por mais de 36 horas/semana, entretanto, fisiologicamente, não apresentaram reações elevadas de resposta ao estresse. Não se constatou, portanto, evidências estatísticas que comprovassem a existência de correlações entre a carga horária de trabalho semanal e as reações fisiológicas do estresse entre esses sujeitos.

Tais achados estimulam a continuidade de pesquisas que busquem explicações como, por exemplo, a utilização de estratégias de enfrentamento utilizadas pelos enfermeiros, por meio do estímulo financeiro adquirido com as horas excedentes de trabalho, favorecendo melhores condições de vida para eles e seus familiares e satisfação e prazer nas atividades desenvolvidas.

Há necessidade de outras investigações que aprofundem a relação entre carga horária de trabalho e reações fisiológicas relacionados ao estresse entre enfermeiros, lembrando que as horas excessivas de trabalho, embora não proporcionassem respostas fisiológicas elevadas de estresse entre os pesquisados, podem favorecer a ocorrência de problemas no atendimento aos pacientes.

O estudo apresentou limitações, em virtude de ter sido realizado com uma amostra de 95 enfermeiros da área hospitalar, pois, apesar de representativa, possivelmente não se assemelha aos múltiplos contextos de saúde identificados no Brasil.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    19 Maio 2013
  • Aceito
    10 Set 2014
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