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Manipueira como substrato na biossíntese de ácido cítrico por Aspergillus niger

Citric acid production by Aspergillus niger from "manipueira", a manioc liquid residue

Resumos

O trabalho teve por objetivo avaliar a viabilidade do uso da manipueira, residuo líquido resultante da prensagem da massa ralada de mandioca, como substrato na biossíntese de ácido cítrico por Aspergillus niger. Os meios de manipueira foram comparados nas mesmas condições de temperatura, a meios sintéticos, utilizados tradicionalmente. Em se tratando de proposta de um novo substrato, foi estudado o armazenamento do resíduo a temperatura ambiente por 72 horas, e realizada a caracterização físico-química da manipueira e dos meios elaborados com esse substrato. Foi avaliada a produção de ácido cítrico nos meios sintéticos e de manipueira. Verificou-se que a produção de ácido cítrico não diferiu quanto ao meio. Não foi observado crescimento do microrganismo nos meios de manipueira com concentrações acima de 70 mg/l de cianeto. Os resultados obtidos mostraram necessidade de maiores estudos para viabilizar o uso da manipueira como substrato na biossíntese de ácido cítrico por A. niger, principalmente no que diz respeito à liberação enzimática do cianeto.

ácido cítrico; Aspergillus niger; substrato; manipueira; resíduo de mandioca


This research was made to evaluate the manipueira as substrat for citric acid biosynthesis by Aspergillus niger. The manipueira medium was compared in the same conditions of the synthetical medium, traditionally used in citric acid biosynthesis. The residue was kept at room temperature during 72 hours, and the physico-chemical characterization was made. The citric acid production did not change in the different media and the fungus did not grow hi the manipueira medium with concentrations about of 70 mg/l of cyanide. The results showed that more research is need to make manipueira utilization possible as a substrat for citric acid biosynthesis by Aspergillus niger.

citric acid; Aspergillus niger; substratum; manipueira; manioc residue


ARTIGOS

Manipueira como substrato na biossíntese de ácido cítrico por Aspergillus niger

Citric acid production by Aspergillus niger from "manipueira", a manioc liquid residue

M. LeonelI; M.P. CeradaII

IPós-Graduanda, Departamento de Engenharia - FCA/ UNESP, Botucatu, SP

IIDepto. de Tecnologia dos Produtos Agropecuários - FCA/UNESP, CEP: 18.603-970 - Botucatu, SP

RESUMO

O trabalho teve por objetivo avaliar a viabilidade do uso da manipueira, residuo líquido resultante da prensagem da massa ralada de mandioca, como substrato na biossíntese de ácido cítrico por Aspergillus niger. Os meios de manipueira foram comparados nas mesmas condições de temperatura, a meios sintéticos, utilizados tradicionalmente. Em se tratando de proposta de um novo substrato, foi estudado o armazenamento do resíduo a temperatura ambiente por 72 horas, e realizada a caracterização físico-química da manipueira e dos meios elaborados com esse substrato. Foi avaliada a produção de ácido cítrico nos meios sintéticos e de manipueira. Verificou-se que a produção de ácido cítrico não diferiu quanto ao meio. Não foi observado crescimento do microrganismo nos meios de manipueira com concentrações acima de 70 mg/l de cianeto. Os resultados obtidos mostraram necessidade de maiores estudos para viabilizar o uso da manipueira como substrato na biossíntese de ácido cítrico por A. niger, principalmente no que diz respeito à liberação enzimática do cianeto.

Descritores: ácido cítrico, Aspergillus niger, substrato, manipueira, resíduo de mandioca

ABSTRACT

This research was made to evaluate the manipueira as substrat for citric acid biosynthesis by Aspergillus niger. The manipueira medium was compared in the same conditions of the synthetical medium, traditionally used in citric acid biosynthesis. The residue was kept at room temperature during 72 hours, and the physico-chemical characterization was made. The citric acid production did not change in the different media and the fungus did not grow hi the manipueira medium with concentrations about of 70 mg/l of cyanide. The results showed that more research is need to make manipueira utilization possible as a substrat for citric acid biosynthesis by Aspergillus niger.

Key Words: citric acid, Aspergillus niger, substratum, manipueira, manioc residue.

INTRODUÇÃO

Atualmente, o ácido cítrico é quase que exclusivamente obtido através de processos de biossíntese utilizando como agente biológico o fungo imperfeito Aspergillus niger. Dois processos são utilizados na biossíntese deste ácido, o de superfície e o submerso, que se diferenciam essencialmente pelo modo de crescimento do microrganismo.

O ácido cítrico é utilizado em grande escala pelas indústrias de alimentos, refrigerantes, produtos farmacêuticos, além de outras em que o íon citrato propicia a formação de uma variedade de moléculas complexas que possuem a capacidade de seqüestrar e inativar íons metabólicos. Devido a isto, controlam efeitos indesejáveis numa reação, que poderiam ocasionar alterações de cor, aparência, estabilidade, etc., prejudicando o produto final (CABELLO, 1991).

Um dos problemas enfrentados na produção de ácido cítrico por bolores é o custo do processo, onde o substrato representa um alto percentual. Na tentativa de diminuir esse custo no processo, tem-se utilizado resíduos industriais como componente do meio de cultivo para microrganismos.

Estuda-se o uso da manipueira, resíduo líquido resultante do processo de fabricação da farinha de mandioca ou da extração da fécula, como substrato para biossíntese de ácido cítrico, visto que apresenta características físico-químicas favoráveis ao crescimento do fungo Aspergillus niger (KUBICEK & ROHR, 1986) com alto potencial de rendimento na conversão.

Para viabilizar o uso da manipueira como substrato para biossíntese de ácido cítrico faz-se necessário determinar o tempo de armazenamento do resíduo. Para ser coerente com a proposta de uso industrial, propôs-se a estocagem à temperatura ambiente, para avaliar provável efeito da fermentação natural.

Neste raciocínio, o presente trabalho foi conduzido com o objetivo de avaliar o uso da manipueira estocada a temperatura ambiente como substrato na biossíntese de ácido cítrico por Aspergillus. niger.

MATERIAL E MÉTODOS

1. Linhagem utilizada

A linhagem de Aspergillus niger do presente trabalho , foi obtida na Fundação Tropical de Pesquisas e Tecnologia "André Tosello", Campinas -SP, sob a sigla CCT 0917.

2. Caracterização físico-química dos meios de manipueira

A manipueira utilizada no trabalho foi obtida na fábrica de farinha de mandioca da Fazenda Experimental Lageado (FCA - UNESP - Botucatu) e estocada à temperatura ambiente (±25°C), durante 0, 24, 48 e 72 horas.

Foram preparados meios de cultivo para obtenção do inoculo e de fermentação para produção de ácido cítrico com a manipueira nos 4 tempos de armazenamento.

As análises feitas para a caracterização físico-química do substrato manipueira e dos meios de manipueira foram: umidade, pH, acidez titulável, CN- livre, potencial de CN, açúcares redutores totais, nitrogênio, fósforo, potássio, cálcio, magnésio, enxofre, ferro, zinco, cobre, manganês, carbono (COOKE, 1979; MALAVOLTA et al., 1989).

3. Adaptação do microrganismo a manipueira

A alteração dos meios de cultura e de biossíntese do recomendado pela literatura para os meios a base de manipueira, exigiu que o agente passasse por um processo de adaptação. A partir do tubo de cultura (MEA = malte extrato ágar) contendo o microrganismo esporulado, e por meio de uma alça de platina foram semeados esporos em erlenmeyers contendo 5, 10, 20 e 30% de manipueira diluída com água. As diluições preparadas foram esterilizadas e acrescidas com 10% em peso de sacarose (CABELLO, 1991). Após14 dias de incubação em estufa bacteriológica a 30°C, os micélios crescidos na superfície das soluções apresentavam-se densamente esporulados. Após esta adaptação e com o auxílio de uma alça de platina, foram semeadas placas de Petri contendo ágar-manipueira utilizando a manipueira estocada nos quatro tempos, e incubadas em estufa bacteriológica a 30°C.

4. Meios de cultivo

Os meios utilizados no trabalho foram:

Ágar manipueira

Dissolver em 200 ml de água, ferver e completar o volume à 1 .000 ml com manipueira.

Meio de biossíntese com manipueira

Foram distribuídos 50 ml do meio em erlenmeyer de 125 ml. O meio foi esterilizado e o pH foi ajustado para 2,0 com HCl 1 N. A manipueira utilizada nesses meios foi submetida a 0, 24, 48 e 72 h de estocagem à temperatura ambiente.

Os meios sintéticos utilizados para a comparação foram: ágar Czapek e o meio de fermentação de PRESCOTT & DUNN (1959), sendo o primeiro utilizado apenas para a obtenção de inóculo.

5. Biossíntese de ácido cítrico

Neste ensaio foi realizada à comparação da produção de ácido cítrico pela linhagem de A. niger nos meios de biossíntese elaborados com manipueira e no meio sintético.

Para a determinação da produção de ácido cítrico, foram preparadas suspensões de conídios em tween 80, a partir de colônias incubadas em ágar Czapek e ágar manipueira (0, 24, 48 e 72 h) por 7 dias a 30°C. O número de conídios destas suspensões foi ajustado por diluição a 1 x 107conídios/ml. De cada suspensão foi retirado 1 ml que foi adicionado a erlenmeyers de 125 ml contendo 50 ml dos meios de biossíntese. O processo durou 7 dias a 30°C.

A determinação da produção de ácido cítrico foi realizada pelo método de SAFFRAN & DENSTEDT (1948).

A Figura 1 mostra o esquema da metodologia adotada para o experimento.


6. Análise estatística

Foi realizada análise de variância para experimentos inteiramente casualizados, complementados com o teste de comparações múltiplas de Tukey.

A análise estatística foi feita apenas para os tratamentos onde se obeservou o crescimento da linhagem ensaiada. Foram feitas cinco repetições para cada tratamento.

Todos os resultados estatísticos foram concluídos ao nível de 5% de significância.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

1. Adaptação do microrganismo à manipueira

Os resultados obtidos mostraram o crescimento da linhagem ensaiada nas concentrações de 5, 10, 20 e 30% de manipueira recém coletada na fábrica diluída com água e acrescida de 10% de sacarose. Foi selecionado o tubo contendo o micélio esporulado que cresceu em solução com 30% de manipueira, por admitir-se que se encontrava em maior concentração do meio ao qual se desejava adaptar o microrganismo.

2. Caracterização físico-química da manipueira e dos meios com manipueira

Os resultados obtidos para a caracterização do substrato e dos meios com manipueira nos quatro tempos de estocagem a temperatura ambiente, são apresentados nas TABELAS 1 e 2.

Os dados obtidos mostraram que o meio de manipueira apresentou um teor de nitrogênio e fósforo superior ao citado por KUBICEK E ROHR (1986), como ideal para bióssíntese de ácido cítrico por A. niger. O teor de manganês apresentou valor em torno de 3,0 ppm, valor este também superior ao citado na literatura, que segundo CLARK et al. (1986), deve ser de 1 ppm no meio de fermentação.

A manipueira estocada a temperatura ambiente apresentou alteração microbiana natural, com aumento da acidez. Esta mesma alteração foi observada por LEONEL et al. (1991) e CABELLO (1991).

Foi observado nas caracterizações dos meios de bióssíntese com manipueira, uma variação crescente nos teores de cianeto livre e total (Figura 2), variação esta oposta a observada na análise da manipueira matéria-prima para elaboração dos meios, e da relatada por LEONEL et al. (1991) em manipueira armazenada a 6°C por 30 dias. Uma hipótese levantada foi a existência de algum mecanismo interferindo na hidrólise enzimática da linamarina.


O que diferencia a matéria-prima manipueira dos meios de bióssíntese elaborados com manipueira, é a adição de glicose e o tratamento térmico, que só poderia acarretar diminuição nos teores de cianeto. Acredita-se que uma possível explicação para o aumento do teor de cianeto seria a interferência da glicose na hidrólise da linamarina, baseando-se na afirmação de OKE (1968). Segundo este autor, a linamarase tem pH ótimo 5,5 a 6,0 sendo fortemente inibida pela 1,5 glucondadona. A glicose produzida no processo de hidrólise também pode atuar invertendo o sentido da reação, favorecendo a síntese de glicosídeo.

Essa hipótese não se confirma em função dos resultados obtidos por LEONEL (1993) que para esclarecer a questão, realizou dosagem de cianeto em amostras de manipueira com e sem adição de 10% de glicose, concentração utilizada no preparo dos meios, e obteve valores semelhantes para cianeto total e livre nos dois materiais.

3. Produção de ácido cítrico

Os resultados obtidos para produção de ácido cítrico pela linhagem CCT 0917 de A. niger, em gramas por litro, nos diferentes substratos estão apresentados na Tabela 3.

A produção de ácido cítrico no meio com manipueira sem estocagem (0 h) não diferiu significativamente ao nível de 5% do meio de fermentação sintético.

Não foi observado crescimento do microrganismo nos meios de biossíntese preparados com manipueira estocada por 24, 48 e 72 h.

Acredita-se que o não crescimento do microrganismo no meio se deva ao alto teor de cianeto, maior que 70 mg/l, da manipueira nestes tempos de estocagem.

Observou-se uma baixa produção de ácido cítrico nos dois meios de biossíntese (manipueira 0 h e sintético), com pH ajustado para 2,0 com HCl 1 N, mesmo sendo este valor o indicado na literatura, com o que se obtém maiores produções na biossíntese de ácido cítrico utilizando como agente o A. niger (ROUKAS & HARVEY, 1988).

A baixa produção de ácido cítrico pela linhagem CCT 0917 em pH 2,0, pode ser devido ao mecanismo de acumulação do metabolite pelo agente. ROUKAS & ALICHANIDIS (1991), observaram uma melhor produtividade em cepas de A. niger, utilizando melaço de beterraba, em pH 3,0; e BEGUM et al.. (1990), obtiveram melhores resultados, utilizando o meio de PRESCOTT & DUNN (1959), com pH 4,0.

CONCLUSÕES

Através dos resultados obtidos foi possível concluir que:

. não foi observado crescimento da linhagem ensaiada de A. niger, nos meios de biossíntese elaborados com manipueira com valores de cianeto a partir de 70 mg/l;

. a manipueira estocada a temperatura ambiente por períodos de tempo de 24, 48 e 72 h quando acrescida de glicose e sob temperatura elevada apresentou valor de cianeto acima de 70 mg/l;

. a manipueira recém-coletada na indústria apresenta-se como substrato viável para o crescimento da linhagem CCT 0917 de A. niger, não apresentando diferença significativa quanto a produção de ácido cítrico em relação ao meio sintético.

Recebido para publicação em 08.09.94

Aceito para publicação em 25.04.95

  • BEGUM, A.A.; CHOUDHURY, N.; ISLAM,M.S. Prescott salt requeriments in cane molasses medium for citric acid production by gamma ray induced mutants of Aspergillus niger. Bangladesh Journal of Microbiology, Bangladesh, v.7, n.2, p. 123-127, 1990.
  • CABELLO, C. Avaliação do substrato manipueira na biossíntese de ácido cítrico monitorada por computador. Botucatu, 1991. 88p. Dissertação (Mestrado em Energia na Agricultura) - Faculdade de Ciências Agronômicas, Universidade Estadual Paulista.
  • CLARK, D.S., ITO, K., HORITSU, H. Effect of manganese and other heavy metals on submerged citric acid fermentation of molasses. Biotechnology and Bioengineering, New York, v.8, p.465-468, 1986.
  • COOKE, R.D. Enzymatic assay for determining the cyanide content of cassava and cassava products. Cali: CIAT, 1979. 14p.
  • KUBICEK, C.P.,ROHR, M. Citric acid fermentation. CRC Critical Reviews in Biotechnology, Boca Raton, v.3, p.331-371, 1986.
  • LEONEL, M., HAMADA, C., CEREDA, M.P. Cultivo de Aspergillus niger em água residual de processamento de mandioca (manipueira). In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MICROBIOLOGÍA, 16, Santos, 1991, Anais... Santos, Sociedade Brasileira de Microbiologia, 1991. p.215.
  • LEONEL, M. Manipueira como meio de cultivo e de fermentação na produção de ácido cítrico por Aspergillus niger. Piracicaba, 1993. 55p. Dissertação (Mestrado em Ciência e Tecnologia de Alimentos) - Escola Superior de Agricultura "Luiz de Queiroz", Universidade de São Paulo.
  • MALAVOLTA, E., VITTI, C.C., OLIVEIRA, S.A. Avaliação do estado nutritional das plantas. Piracicaba: POTAFOS, 1989. 201p.
  • OKE, D.L. Cassava as food in Nigeria. World Review Nutrition and Dietetics, v.9, p.227-250, 1968.
  • PRESCOTT, S.C., DUNN, C.G. Industrial microbiology. 3.ed. New York: Me Graw-Hill Book, 1959. 368p.
  • ROUKAS,T.; HARVEY,L. The effect of pH on production of citric and gluconic acid from beet molasses using continous culture. Biotechnology Letters, Letchwortherts, v.10, n.4, p.289-294, 1988.
  • ROUKAS, T. ; ALICHANIDIS, E. Citric acid production from beet molasses by cell recycle of Aspergillus niger. Journal of Industrial Microbiology, Amsterdam, v.7, n. 1, p.71-74, 1991.
  • SAFFRAM, M., DENSTEDT, D.F. A rapid method for determination of citric acid. J. Biol. Chem., v. 175, p.849- 855, 1948.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Jul 2005
  • Data do Fascículo
    Ago 1995

Histórico

  • Aceito
    25 Abr 1994
  • Recebido
    08 Set 1994
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