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Qualidade, diversidade e acessibilidade do conhecimento científico

EDITORIAL

A Paidéia tem se caracterizado como um espaço de discussão de diferentes perspectivas do conhecimento científico sobre fenômenos relacionados à Psicologia e à Educação. Considerar a diversidade das visões de mundo exige discutir as múltiplas maneiras como os seres humanos compreendem e explicam os fenômenos submetidos à investigação. Diferentes paradigmas são fundados em pressupostos distintos sobre o que constitui o mundo (pressupostos ontológicos) e sobre o que constitui o conhecimento válido (pressupostos epistemológicos). A abertura à pluralidade pressupõe o exercício da tolerância frente à diversidade de visões e concepções, considerando que o diverso não implica necessariamente conflito de perspectivas, mas embute riqueza potencial. Desse modo, a problematização do conhecimento produzido participa decisivamente na construção de um espírito novo no campo da Psicologia e da Educação, que busca ultrapassar as simplificações grosseiras que muitas vezes são incentivadas pela querela de interpretações. Estamos aqui nos referindo a um espírito de abertura ao diálogo que, para se tornar efetivo, necessita do acesso livre à produção científica.

A biblioteca eletrônica SciELO tem alavancado essa produção, conferindo-lhe a necessária visibilidade tanto no país quanto no exterior. Essa facilidade de acesso ao conteúdo dos artigos permite que a revista cumpra o seu papel de periódico científico acessível a um maior número de leitores, incorporando ferramentas compatíveis com os recursos disponibilizados graças aos avanços proporcionados pela era da informação.

Consoante com esse respeito à diversidade e o princípio da acessibilidade, os artigos enfeixados no presente fascículo atestam a rica e numerosa produção científica contemporânea. Ademais, a qualificação dessa produção tem norteado o árduo processo editorial.

O respeito à diversidade contribui para a potencialização de diferentes olhares sobre o objeto de investigação. Nessa vertente, nota-se uma preocupação dos pesquisadores, cujos trabalhos estão sendo publicados na presente edição, com a precisão e delimitação de referenciais teórico-metodológicos nos diferentes âmbitos da produção de conhecimento: psicologia do trabalho, processos desenvolvimentais humanos, questões metodológicas envolvidas nas pesquisas com famílias, técnicas utilizadas por profissionais de saúde e operadores do direito para o acolhimento de crianças vítimas de abuso sexual e seus familiares, suporte social a pacientes coronarianos, sexualidade de jovens universitários no interjogo entre relacionamentos transitórios e as representações de conjugalidade, avaliação da efetividade da psicoterapia, concordância de percepções de pais acerca dos problemas de comportamento dos filhos, modulação da memória de longo prazo, prevalência de maus-tratos e treinamento de professores para reconhecimento de casos, preparo/formação do supervisor que atua no campo do abuso sexual, estratégias de enfrentamento em pacientes oncológicos, percepção das famílias a respeito das práticas escolares dos filhos.

Seguem-se os artigos, divididos em seção de pesquisas teóricas, com cinco artigos, e seção de pesquisas empíricas, composta por oito trabalhos.

A seção de trabalhos teóricos é aberta com o artigo Uso do conceito de aprendizagem em estudos relacionados ao trabalho e organizações, de Francisco Antonio Coelho Junior e Jairo Eduardo Borges-Andrade, da Universidade de Brasília. Nesse estudo os autores discutem a apropriação do conceito de aprendizagem pelos estudos da Psicologia Organizacional, objetivando sistematizá-lo teoricamente para que possa ser adequadamente transposto às pesquisas da área e contribuir para seu desenvolvimento teórico e empírico.

Dando continuidade às discussões conceituais no âmbito da Psicologia, no artigo Dialogismo e a investigação de processos desenvolvimentais humanos, Katia de Souza Amorim e Maria Clotilde Rossetti-Ferreira, da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, contribuem para a investigação dos processos desenvolvimentais humanos por meio do conceito de dialogismo. A partir das proposições de Bakhtin e de revisão da literatura sobre o tema em bases bibliográficas, as autoras conceituam os processos dialógicos e suas implicações teórico-metodológicas. Apresentam também um episódio de interação mãe-bebê, apontando para a necessidade de situar a noção de linguagem além de sua concepção verbal, reconhecendo outras linguagens para apreensão e expressão das significações.

Na seqüência, em Pesquisa com famílias: aspectos teórico-metodológicos, Elisângela Böing, Maria Aparecida Crepaldi e Carmen Leontina Ojeda Ocampo Moré, da Universidade Federal de Santa Catarina, debatem as concepções teórico-metodológicas presentes nos estudos sobre família. Para as autoras, diante da complexidade do tema, para o qual confluem diversos universos teóricos, há necessidade de empregar variadas estratégias metodológicas que possam contemplar suas facetas. Além disso, destacam a relevância social dos estudos sobre a família, pelo fato desta ser alvo da ação de setores públicos e privados de nossa sociedade e, portanto, suscetível a manifestações de diversas formas de preconceito, que as pesquisas a seu respeito procuram erradicar mediante a elucidação da alteridade.

Continuando as discussões sobre o tema família, o artigo Escuta de crianças vítimas de abuso sexual no âmbito jurídico: uma revisão crítica da literatura, de Janaina Petry Froner e Vera Regina Röhnelt Ramires, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos, investiga a literatura acadêmica acerca do atendimento judicial às crianças vítimas de abuso sexual em suas famílias. As autoras discutem as diversas técnicas disponíveis à escuta das crianças por parte dos profissionais da saúde e dos operadores do direito, assim como a tramitação dos casos no sistema jurídico e as demandas afetivas das vítimas. Como conclusão, apontam para a necessidade de um atendimento interdisciplinar às crianças abusadas sexualmente, o que permite maior proteção de seus direitos, como também uma atenção sensível a suas condições afetivas diante da experiência traumática a que foram expostas.

A seção de pesquisas teóricas encerra-se com o trabalho A importância do apoio social em pacientes coronarianos, da autoria de Marcela Abreu-Rodrigues e Eliane Maria Fleury Seidl, da Universidade de Brasília, no qual se descreve a relação entre suporte social e doença coronariana, a partir de revisão da literatura sistematizada a partir da consulta a bases bibliográficas. As autoras apontam que o suporte social a esses pacientes tem se mostrado relevante para sua adesão ao tratamento, ao mesmo tempo em que há necessidade de orientar adequadamente as fontes de apoio, como a rede de familiares, a fim de garantir a melhoria na qualidade de vida dessas pessoas.

Dando início ao conjunto de pesquisas empíricas, o artigo internacional A experiência da sexualidade em jovens adultos na França: entre errância e vida conjugal, da autoria de Alain Giami, do Institut National de la Sante et la Recherche Medicale, França, discute como rapazes e moças estudantes de uma universidade da periferia parisiense experimentam relacionamentos afetivo-sexuais transitórios, ao mesmo tempo em que aspiram a uma vida conjugal estável. O autor argumenta que a construção da sexualidade entre jovens vai além de experiências "recreativas", na medida em que os relacionamentos que levam a cabo contribuem para a construção de sua subjetividade e, posteriormente, para a constituição afetiva do casal e da conjugalidade.

Em seguida, o artigo Significância clínica de mudança em processo de psicoterapia psicodinâmica breve, de Elisa Medici Pizão Yoshida, da Pontifícia Universidade Católica de Campinas, analisa o processo de mudança e resultados de psicoterapias breves em pacientes de serviços-escola brasileiros. A autora discute um método para determinar a mudança clinicamente significante de sintomas avaliados por meio de medidas de auto-relato, na ocasião em que dados normativos não estão disponíveis. Os resultados evidenciam que medidas de auto-relato podem determinar mudanças clínicas significativas, apesar de o método em questão conter limites, que devem ser reconhecidos e levados em conta pelos clínicos e pesquisadores.

O artigo Concordância parental sobre problemas de comportamento infantil através do CBCL, de Juliane Callegaro Borsa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e Maria Lucia Tiellet Nunes, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, investiga a concordância entre respostas de pais e mães relativas aos problemas de comportamento do filho por meio do instrumento Child Behavior Checklist. Dada a importância da participação materna e paterna no processo terapêutico de seus filhos, é de grande relevância estudar em que medida suas percepções em relação aos comportamentos das crianças são diferentes, evidenciando a utilidade de tal instrumento, ao constatar que pais e mães tendem a não concordar quando indagados sobre problemas de comportamento de seus filhos.

O trabalho Memória de longo prazo modulada pela memória de curto prazo, de autoria compartilhada Brasil-Itália, assinado por Viviane Moreira-Aguiar, Allan Pablo Lameira e Erick Quintas Conde, da Universidade Federal Fluminense, Antônio Pereira Júnior, da Universidade Federal do Rio Grande Norte, Carlo Arrigo Umiltà, da Università degli Studi di Padova, Itália, e Luiz de Gonzaga Gawryszewski, da Universidade Federal Fluminense, aborda a tarefa de Simon, especificamente se há transferência do efeito do teste de compatibilidade espacial sobre essa tarefa em uma condição em que as respostas são mediadas por diferentes circuitos cerebrais. Os autores concluem que a modulação da memória de longo prazo por uma tarefa envolvendo a memória de curto prazo é possível, na medida em que as associações de curto prazo, criadas por meio de pareamentos incompatíveis, são capazes de alterar as associações de longo prazo que geram o efeito Simon.

O artigo Prevalência de maus-tratos em crianças de 1ª a 4ª série da cidade de Ribeirão Preto-SP, de Juliana Martins Faleiros e Marina Rezende Bazon, da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, volta-se à temática da vitimização da infância. O trabalho objetivou mensurar a prevalência de maus-tratos em crianças matriculadas de 1ª a 4ª série em escolas públicas e particulares de Ribeirão Preto-SP, a partir de uma abordagem descritiva de caráter epidemiológico, utilizando o instrumento Cartilha Epidemiológica. Na amostra investigada obteve-se a prevalência de 3,9% de maus-tratos, evidenciando a importância de não apenas sensibilizar os professores para este tema, como também de orientá-los no sentido de reconhecer as vítimas desses atos brutais.

No artigo O desafio da supervisão e pesquisa ação em casos de abuso sexual: os professores e suas questões, Liana Fortunato Costa, da Universidade de Brasília, Maria Alexina Ribeiro, Maria Aparecida Penso e Tânia Mara Campos de Almeida, da Universidade Católica de Brasília, investigam as dificuldades e sentimentos relatados por professores que supervisionam casos de abuso sexual de crianças e adolescentes. Os resultados evidenciam implicações na prática desses profissionais, que devem estar mais atentos e próximos aos alunos que orientam, além de procurarem constantemente o suporte de seus colegas não apenas para a discussão dos casos, como também para compartilharem as vivências que experienciam.

Na seqüência, com o trabalho Pacientes com câncer: enfrentamento, rede social e apoio social, Jeanny Joana Rodrigues Alves de Santana, Carla Rodrigues Zanin e José Victor Maniglia, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, discutem as estratégias de enfrentamento e redes de apoio de pacientes com câncer de cabeça e pescoço. Os autores utilizaram instrumentos que investigam as estratégias de enfrentamento, hábitos e apoio social desses pacientes, além da análise de seus prontuários, e sugerem a necessidade de novos temas de investigação neste âmbito, assim como implicações no planejamento das práticas do psicólogo na tentativa de melhorar a qualidade de vida daqueles.

Encerrando o bloco de pesquisas empíricas, o artigo Entre escolas e famílias: revelações dos deveres de casa, da autoria de Tânia de Freitas Resende, da Universidade Federal de Minas Gerais, investiga as práticas e concepções relacionadas ao dever de casa, em camadas populares e nas camadas médias, analisando aspectos do processo educacional referentes às relações família-escola e ao currículo escolar. Os resultados demonstram que os pais pertencentes às camadas médias e populares valorizam a prática pedagógica em questão, no entanto, as consonâncias e dissonâncias relativas ao modo de socialização escolar compõem perfis familiares diversos dentro de uma mesma camada social, evidenciando a complexidade do tema, que desvela distintas lógicas escolares e familiares que assumem sentidos diversos conforme o contexto educacional.

Abrindo a seção dedicada às resenhas, Grupos e exclusão escolar: os nós que amarram a inclusão e os laços que a envolvem, de Lazslo Antonio Ávila, da Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, discute o livro Grupos e inclusão escolar: Sobre laços, amarras e nós, da autoria de Solange Aparecida Emílio, publicado pela editora Paulus. A obra apresenta contribuições valiosas para a área da Educação e Psicologia, ao discutir a inclusão de pessoas com necessidades especiais, almejando que essa prática realmente leve a transformações na maneira como nossa cultura concebe o outro.

Em seguida, fechando o presente fascículo, na resenha Um panorama do cenário brasileiro sobre atendimento psicológico em clínicas-escola, Fabiana Vieira Gauy e Luan Flávia Barufi Fernandes, da Universidade de São Paulo, São Paulo, discutem o livro Atendimento psicológico em clínicas-escola, organizado por Edwiges Ferreira de Mattos Silvares, publicado pela editora Átomo. Essa obra representa um avanço significativo para a área, ao discutir o papel dos serviços-escola de Psicologia na formação profissional dos alunos e no desenvolvimento de pesquisas junto às atividades de extensão à comunidade.

Esperamos que o leitor possa fruir plenamente do conhecimento qualificado e criteriosamente selecionado que compõe esse fascículo da Paidéia. Com a convicção de que percorremos mais uma etapa na construção coletiva da revista, desejamos uma leitura profícua a todos.

Manoel Antônio dos Santos

Editor

  • Qualidade, diversidade e acessibilidade do conhecimento científico

    Estamos disponibilizando o número 40 do volume 18 da Paidéia: Cadernos de Psicologia e Educação, revista vinculada ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo - FFCLRP-USP. O lançamento deste fascículo dá seguimento à missão de disponibilizar um conjunto de contribuições originais selecionadas com base no mérito acadêmico e científico.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Fev 2009
    • Data do Fascículo
      2008
    Universidade de São Paulo, Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Programa de Pós-Graduação em Psicologia Av.Bandeirantes 3900 - Monte Alegre, 14040-901 Ribeirão Preto - São Paulo - Brasil, Tel.: (55 16) 3315-3829 - Ribeirão Preto - SP - Brazil
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