Acessibilidade / Reportar erro

Reparação da traquéia de cã o com segmaneto muscular homólogo de diafragma conservado em glicerina a 98%

Canine tracheal repair with homologous diaphragmatic muscle fragment preserved in 98% glycerin

Resumos

A viabilidade de segmento muscular de diafragma homólogo conservado em solução de glicerina a 98% foi estudada na reparação da traquéia cervical de cães. Foram utilizados 18 cães, adultos, oito machos, sem raça definida com peso variando de 6 a 21kg. Cinco anéis traqueais (2,0 x 4,5cm) foram removidos parcialmente para implantação de segmento muscular homólogo. Os animais foram separados em grupos de igual número e observados por um período de 15 dias (grupo I), 30 dias (grupo II) e 60 dias (grupo III) de pós-operatório (PO), quando foram reoperados para observaçõ es macroscópicas e coleta de amostras para avaliação histológica. Ocorreu reparação da lesão traqueal, com substituição progressiva do enxerto muscular por tecido conjuntivo fibroso unindo as extremidades das cartilagens traqueais do defeito, com migração epitelial na luz traqueal e presença de cílios. O segmento muscular de diafragma homólogo conservado em glicerina a 98% pode ser utilizado na reparaç ão de defeitos traqueais, pois oferece suporte temporário para formação de tecido conjuntivo fibroso, sem proliferação exagerada, e permite a epitelizaçã o na região do implante.

implante; diafragma; cirurgia; cicatrização; cão


The viability of a homologous diaphragmatic muscle preserved in 98% glycerin for cervical tracheal repair in dogs was studied. Eighteen adult mongrel dogs, eight males, weighting 6 to 21kg were used. Five tracheal rings (2.0 x 4.5cm) were partially resected and a homologous muscle fragment was implanted. The animals were distributed in three numerally equal groups. They were observed for a post-operative period of 15 days (group I), 30 days (group II) and 60 days (group III). After these periods, the dogs were reoperated for macroscopic evaluation and collection of samples for histological evaluations. Tracheal repair with progressive substitution of the muscle flap by fibrous connective tissue, epithelial migration through the tracheal lumen and presence of cilia were detected. The homologous diaphragmatic muscle fragment preserved in 98% glycerin acts as a scaffold for the growth of fibrous connective tissue and allows epithelialization across the implant, without exuberant proliferation. Thus it can be used for the repair of tracheal defects in dogs.

graft; diaphragmatic; surgery; healing; dog


REPARAÇÃO DA TRAQUÉIA DE CÃ O COM SEGMANETO MUSCULAR HOMÓLOGO DE DIAFRAGMA CONSERVADO EM GLICERINA A 98%

CANINE TRACHEAL REPAIR WITH HOMOLOGOUS DIAPHRAGMATIC MUSCLE FRAGMENT PRESERVED IN 98% GLYCERIN

Alexandre Mazzanti1 1 Alunos do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Professor Adjunto, PhD., Departamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS.. Autor pra correspondência 3 Professor Titular, DCPA, UFSM. 4 Professor Titular, PhD. Departamento de Patologia. UFSM 5 Professor Titular, Mestre. Departamento de Morfologia. Centro de Ciência Rurais. UFSM. 6 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. Bolsista de Iniciação Científica/CNPq. UFSM. 7 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. UFSM. Ney Luis Pippi2 1 Alunos do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Professor Adjunto, PhD., Departamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS.. Autor pra correspondência 3 Professor Titular, DCPA, UFSM. 4 Professor Titular, PhD. Departamento de Patologia. UFSM 5 Professor Titular, Mestre. Departamento de Morfologia. Centro de Ciência Rurais. UFSM. 6 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. Bolsista de Iniciação Científica/CNPq. UFSM. 7 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. UFSM. Alceu Gaspar Raiser3 1 Alunos do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Professor Adjunto, PhD., Departamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS.. Autor pra correspondência 3 Professor Titular, DCPA, UFSM. 4 Professor Titular, PhD. Departamento de Patologia. UFSM 5 Professor Titular, Mestre. Departamento de Morfologia. Centro de Ciência Rurais. UFSM. 6 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. Bolsista de Iniciação Científica/CNPq. UFSM. 7 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. UFSM. Dominguita Lühers Graça4 1 Alunos do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Professor Adjunto, PhD., Departamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS.. Autor pra correspondência 3 Professor Titular, DCPA, UFSM. 4 Professor Titular, PhD. Departamento de Patologia. UFSM 5 Professor Titular, Mestre. Departamento de Morfologia. Centro de Ciência Rurais. UFSM. 6 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. Bolsista de Iniciação Científica/CNPq. UFSM. 7 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. UFSM. Aron Ferreira da Silveira5 1 Alunos do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Professor Adjunto, PhD., Departamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS.. Autor pra correspondência 3 Professor Titular, DCPA, UFSM. 4 Professor Titular, PhD. Departamento de Patologia. UFSM 5 Professor Titular, Mestre. Departamento de Morfologia. Centro de Ciência Rurais. UFSM. 6 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. Bolsista de Iniciação Científica/CNPq. UFSM. 7 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. UFSM. Rafael Stedile6 1 Alunos do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Professor Adjunto, PhD., Departamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS.. Autor pra correspondência 3 Professor Titular, DCPA, UFSM. 4 Professor Titular, PhD. Departamento de Patologia. UFSM 5 Professor Titular, Mestre. Departamento de Morfologia. Centro de Ciência Rurais. UFSM. 6 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. Bolsista de Iniciação Científica/CNPq. UFSM. 7 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. UFSM. Alonso Gabriel Pereira Guedes1 1 Alunos do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Professor Adjunto, PhD., Departamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS.. Autor pra correspondência 3 Professor Titular, DCPA, UFSM. 4 Professor Titular, PhD. Departamento de Patologia. UFSM 5 Professor Titular, Mestre. Departamento de Morfologia. Centro de Ciência Rurais. UFSM. 6 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. Bolsista de Iniciação Científica/CNPq. UFSM. 7 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. UFSM. Fabrício Arigony Braga7 1 Alunos do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Professor Adjunto, PhD., Departamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS.. Autor pra correspondência 3 Professor Titular, DCPA, UFSM. 4 Professor Titular, PhD. Departamento de Patologia. UFSM 5 Professor Titular, Mestre. Departamento de Morfologia. Centro de Ciência Rurais. UFSM. 6 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. Bolsista de Iniciação Científica/CNPq. UFSM. 7 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. UFSM. Mateus Rychesky7 1 Alunos do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). 2 Professor Adjunto, PhD., Departamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS.. Autor pra correspondência 3 Professor Titular, DCPA, UFSM. 4 Professor Titular, PhD. Departamento de Patologia. UFSM 5 Professor Titular, Mestre. Departamento de Morfologia. Centro de Ciência Rurais. UFSM. 6 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. Bolsista de Iniciação Científica/CNPq. UFSM. 7 Aluno do Curso de Medicina Veterinária. UFSM.

RESUMO

A viabilidade de segmento muscular de diafragma homólogo conservado em solução de glicerina a 98% foi estudada na reparação da traquéia cervical de cães. Foram utilizados 18 cães, adultos, oito machos, sem raça definida com peso variando de 6 a 21kg. Cinco anéis traqueais (2,0 x 4,5cm) foram removidos parcialmente para implantação de segmento muscular homólogo. Os animais foram separados em grupos de igual número e observados por um período de 15 dias (grupo I), 30 dias (grupo II) e 60 dias (grupo III) de pós-operatório (PO), quando foram reoperados para observaçõ es macroscópicas e coleta de amostras para avaliação histológica. Ocorreu reparação da lesão traqueal, com substituição progressiva do enxerto muscular por tecido conjuntivo fibroso unindo as extremidades das cartilagens traqueais do defeito, com migração epitelial na luz traqueal e presença de cílios. O segmento muscular de diafragma homólogo conservado em glicerina a 98% pode ser utilizado na reparaç ão de defeitos traqueais, pois oferece suporte temporário para formação de tecido conjuntivo fibroso, sem proliferação exagerada, e permite a epitelizaçã o na região do implante.

Palavras-chave: implante, diafragma, cirurgia, cicatrização, cão.

SUMMARY

The viability of a homologous diaphragmatic muscle preserved in 98% glycerin for cervical tracheal repair in dogs was studied. Eighteen adult mongrel dogs, eight males, weighting 6 to 21kg were used. Five tracheal rings (2.0 x 4.5cm) were partially resected and a homologous muscle fragment was implanted. The animals were distributed in three numerally equal groups. They were observed for a post-operative period of 15 days (group I), 30 days (group II) and 60 days (group III). After these periods, the dogs were reoperated for macroscopic evaluation and collection of samples for histological evaluations. Tracheal repair with progressive substitution of the muscle flap by fibrous connective tissue, epithelial migration through the tracheal lumen and presence of cilia were detected. The homologous diaphragmatic muscle fragment preserved in 98% glycerin acts as a scaffold for the growth of fibrous connective tissue and allows epithelialization across the implant, without exuberant proliferation. Thus it can be used for the repair of tracheal defects in dogs.

Key words: graft, diaphragmatic, surgery, healing, dog.

INTRODUÇÃO

As afecções de traquéia canina que levam a alterações obstrutivas são freqüentes, sendo os tumores, corpos estranhos, parasitas endotraqueais, colapso traqueal, hipoplasia e estenose os principais causadores de dificuldade respiratória, de forma a comprometer o fluxo de ar e a própria sobrevivência do animal (LANE, 1982).

Nas anastomoses término-terminais para correção de estenose da traquéia, o sucesso depende da adequada mobilização dos segmentos, da tensão do fio de sutura nas anastomoses, da prevenção de fibrose e de granulomas no local da cirurgia, prevenção de acúmulo de muco (LAU et al., 1980) e do restabelecimento da superfície interna da área cirurgiada por epitélio traqueal (BELSEY, 1950).

Foram descritos métodos cirúrgicos com o objetivo de corrigir as alterações de traquéia de cão, visto que a reparação dos defeitos constitui situação de difícil resolução (CHEHUEN NETO et al., 1991). O método comumente usado é a anastomose término-terminal como foi referido por LAU et al. (1980), KELLAGHER & WHITE (1987) e SMITH et al. (1990). Os autores relataram como método corretivo de ruptura de anéis traqueais e do músculo traqueal a aproximação dos anéis, utilizando fio poliproprileno nº 4-0, com pontos interrompidos. EURIDES & RONCHI (1994) utilizaram enxerto autólogo peritô nio-muscular para reconstrução de defeitos da traquéia cervical de cão, sendo observadas boa integridade tecidual e presença de migração de tecido epitelial cobrindo a superfície interna do enxerto. Com o objetivo de promover adequada vascularização na reconstrução traqueal, LI et al. (1995) utilizaram segmento de omento maior com vascularização e observaram que o segmento implantado foi eficiente para correção de defeitos traqueais. MONTOVANI et al. (1987) promoveram transplantes homólogo e autólogo em cobaias para reconstrução de defeitos de traquéia cervical. Verificaram a formação de discreta estenose traqueal nos animais do grupo aloenxerto, porém, com reepitelização, decorridos trinta dias de pós-operatório.

Para reparação de estenose traqueal de cão, MARSHAK et al. (1973) utilizaram segmento autógeno de bexiga urinária associado ao tubo de silicone, mantidos provisoriamente até a formação de tecido ao redor. Verificaram óbito em conseqüência do deslocamento da prótese e da formação de tecido de granulação na região de anastomose com a traquéia. HAR-EL et al. (1989) empregaram enxertos musculares associados a segmento fenestrado de prótese de metilmetacrilato. As próteses eram envolvidas por fáscia lata ou periósteo e permaneciam sobre o músculo peitoral por um período de quatro a seis semanas até serem implantadas na traquéia. Esses autores observaram formação de tecido conjuntivo para o interior das fenestrações e ausência de granulação e estenose.

Na aplicação dos métodos descritos para reparo de defeitos da traquéia de cães, o fio de sutura é instrumento de fundamental importância para o sucesso da técnica utilizada. Diferentes materiais para síntese de tecidos têm sido utilizados na tentativa de encontrar um fio inócuo que permita obter melhores resultados no processo de cicatrização (FAGUNDES & KHARMANDAYAN, 1991). Para implante de cartilagem auricular, CONSIGLIO (1969) empregou o fio de náilon com ocorrência de obstruç ão traqueal. SABÁS et al. (1977) utilizaram a dura-máter com o mesmo tipo de fio de sutura e relataram deiscência de pontos. QUISLING (1978) usou o categute simples para implante de cartilagem auricular, sem maiores referências. KELLAGHER & WHITE (1987) utilizaram para sutura de aproximação dos anéis traqueais e EURIDES & RONCHI (1994), para implante de segmento autólogo de peritônio-muscular, o fio poliglactina 910, e obtiveram resultados satisfatórios com esse tipo de material.

A glicerina tem sido utilizada na fixação e conserva&ccedil ;ão de materiais biológicos por apresentar boa disponibilidade, preparo simples, facilidade de emprego e poder atenuador antigênico. Para reparação de traquéia cervical de cão, DIAS et al. (1981) utilizaram dura-máter heteróloga e DALECK et al. (1998), prótese traqueal homóloga de cão, conservada em glicerina a 98%, e verificaram que o conservante manteve o implante asséptico e imunologicamente inativo o que contribuiu para evitar infecção e rejeição. Por análise histológica, MAZZANTI et al. (1999) estudaram a conservação do músculo diafragma em glicerina a 98%, verificando ausência de necrose e manutenção das estruturas morfológicas celulares, o que permite recomendar seu uso como suporte temporário para reconstrução de tecidos.

Este experimento teve como objetivo estudar o comportamento cicatricial de segmento de músculo diafragma homólogo conservado em glicerina a 98% para o reparo de defeito na traquéia cervical de cão, mediante avaliação macroscópico e histológico da área de implantação.

MATERIAL E MÉTODOS

Foram utilizados 18 cães, adultos, clinicamente sadios, sem raça definida, oito machos, com peso variando de 6 a 21kg, oriundos do Biotério Central da Universidade Federal de Santa Maria e distribuídos em três grupos de igual número. Esses animais permaneceram sob observação clínica num período de sete dias e, após serem vermifugados, foram alojados individualmente com alimentação e água à vontade. Após jejum prévio de 12 horas, foram tranqüilizados com maleato de acepromazinaa a -Acepran 1%. Univet S.A. São Paulo, SP. (0,1mg/kg), via intravenosa (IV) e a região ventral do pescoço submetida à tricotomia para acesso à traquéia. A indução anestésica foi feita com thiopental sódicob b - Thionembutal. Abbot Laborató rio do Brasil. São Paulo, SP (12,0mg/kg, IV) e, após intubação orotraqueal, os cães foram mantidos sob anestesia inalatória, em plano de anestesia cirúrgica com halotanoc c - Halotane. Cristália do Brasil. São Paulo, SP. vaporizado com oxigênio em circuito semi-aberto. Com a contenção dos animais em decúbito dorsal e pescoço em extensão, foi realizada anti-sepsia do campo operatório com álcool-iodo-álcool.

O banco de enxerto foi constituído por segmentos de músculo diafragma obtidos de cães necropsiados no setor de patologia que não apresentassem alterações macroscópicas nessa musculatura. Para a preparação do segmento, removeu-se o músculo diafragma, preservando, somente, a porção com ventre muscular. Em seguida, o segmento foi banhado abundantemente com solução fisiológica NaCl 0,9% e colocado em frasco contendo glicerina a 98%, onde permaneceu imerso para conservação e armazenamento em temperatura ambiente num período não inferior a 30 dias. O segmento de músculo diafragma homólogo foi removido do frasco com glicerina 98%, quinze minutos antes do implante, irrigado com solução salina e imerso numa cuba rim estéril contendo solução fisiológica NaCl 0,9% à temperatura ambiente para hidratação. O músculo diafragma homólogo foi preparado confeccionando-se um segmento de dimensões suficientes para ocluir o defeito traqueal provocado.

Caudalmente à laringe e na região mediana ventral do pescoço, foi praticada uma incisão de pele e tecido subcutâneo. Os músculos esternohióide e esternotireóide foram rebatidos com tesoura de ponta romba para exposiç ão da traquéia e foi preparado um defeito de 2,0 x 4,5cm, com bisturi, removendo-se parcialmente cinco anéis traqueais até próximo ao músculo traqueal. O segmento de músculo diafragma foi fixado à borda da abertura traqueal mediante quatro pontos simples separados de fio poliglactinad d - Vycril 3-0. Ethicon. São José dos Campos, SP 910 nº 3-0, para permitir o posicionamento do enxerto e facilitar a sutura. A seguir, a síntese foi completada com o mesmo tipo de fio, utilizando-se pontos simples contínuos, sem atingir a cavidade traqueal. Após a fixação da segmento muscular na traquéia, desinflou-se o balonete do tubo endotraqueal rapidamente e irrigou-se a região do implante com solução fisiológica NaCl 0,9% para avaliar a aerostasia.

Os músculos esternohióide e esternotireóide foram reaproximados com pontos simples contínuos de fio poliamidae e - Fio poliamida - Araty Superflex. São Paulo, SP. 0,30, ancorando-se dois a três pontos nos anéis traqueais craniais e caudais ao implante. O tecido subcutâneo foi aproximado com sutura simples contínua e a pele com sutura simples em pontos isolados, utilizando-se fio poliamida e número 0,30. Foi aplicado antibiótico profilático (ampicilina sódicaf f - Ampicilina sódica Ariston. Ariston Indústria Química. São Paulo, SP. , 20,0mg/kg, IV), trinta minutos antes do início da cirurgia e dose única de flunixin meglumineg g - Banamine. Schering-Plough. Rio de Janeiro, RJ. (1,0mg/kg de peso corporal, IV), logo após o término da cirurgia.

No pós-operatório, os animais foram submetidos a curativo local com solução fisiológica durante sete dias e os pontos de pele retirados com 10 dias de pós-operatório. Os cães foram observados por 15 dias (grupo I), 30 dias (grupo II) e 60 dias (grupo III) de pós-operatório, para acompanhamento clínico, quando foram reoperados para avaliação macroscópica. Nesse período, foram anestesiados e submetidos à eutanásia por injeção intravenosa de cloreto de potássio a 20% para coleta de fragmentos que permaneceram fixados em formalina a 10% por um período mínimo de 48 horas. Após, foram processados e avaliados em microscopia óptica. Os cortes histológicos foram corados pela técnica de hematoxilina-eosina (HE) e tricrômico de Masson (TM).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Praticamente todos os cães tiveram boa evolução clínica pós-operatória, sem manifestações de tosse e dificuldade respiratória, à semelhança dos resultados obtidos por TANGNER & HOBSON (1982). Em três animais do grupo I (15 dias), no entanto, foi observada a persistência de tosse em intervalos freqüentes, explicada na necropsia, pela presença do fio de sutura que adentrava à luz traqueal, ocasionando edema, fato também relatado por FINGLAND et al. (1987) e EURIDES & MENDES (1995).

O fio poliglactina 910, utilizado para fixação do enxerto muscular na traquéia, mostrou-se resistente, de fácil manuseio, sem ocasionar deiscência de sutura ou formação exuberante de tecido de granulação. Histologicamente, foi verificado, na área de enxertia de dois cães (33%) do grupo I (15 dias), presença de abscessos que foram atribuídos ao fio de sutura. Essa alteração demonstra que o fio poliglactina 910, mesmo apresentando propriedades desejáveis como descreveram CHEHUEN NETO et al. (1991), induz reação inflamatória, o que também foi verificado por HEDLUND (1984) e KELLANGER & WHITE (1987), os quais empregaram o mesmo fio no reparo de defeitos da traquéia de cão.

Na avaliação macroscópica da área de enxertia, foi verificado, nos animais do grupo I (15 dias), que a face interna do enxerto muscular apresentava-se de coloração vermelho escura com mínima retração da região traqueal reparada. Na análise histológica, foi constatada proliferação de tecido fibroso, presença de fibras musculares do enxerto, neovascularização abundante, pouca epitelização e presença de células polimorfonucleares entre as fibras colágenas neoformadas. Já EURIDES & RONCHI (1994) verificaram, no 15 º dia de pós-operatório, contração da área implantada com formação de tecido conjuntivo fibroso e desintegração do implante peritônio-muscular. A presença de polimorfonucleares deveu-se à fase inflamatória, característica do processo de cicatrização, semelhante ao encontrado por HEDLUND (1984).

Nos animais do grupo II (30 dias), a face interna da área de enxertia apresentava-se de coloração mais esbranquiçada revelando, após avaliação histológica, presença de poucas fibras musculares do enxerto, tecido conjuntivo fibroso maduro na superfície reparada, com vascularização abundante mais profundamente, próximo à região da adventícia. Verificou-se reepitelização completa similar à encontrada por MONTOVANI et al. (1987) e EURIDES & RONCHI (1994) e foi notada, também, a presença de cílios sobre o epitélio traqueal da área traqueal restaurada, o que indica migração celular a partir das extremidades anastomosadas.

Nos animais do grupo III (60 dias), os resultados foram semelhantes aos achados no grupo II, porém, com menor vascularização e ausência de fibras musculares do enxerto. Isso demonstra que o enxerto muscular conservado foi sendo substituído progressivamente por tecido conjuntivo fibroso (Figura 1). Esta substituição de enxerto muscular por tecido conjuntivo, no entanto, não foi notada por EURIDES & MENDES (1995), quando utilizaram enxerto muscular pediculado do músculo esternocefálico no reparo de defeitos traqueais de cães, devido, provavelmente, à existência de irrigação própria que manteve o retalho muscular aparentemente íntegro.


O emprego do enxerto muscular de diafragma de cão permitiu reparação do defeito traqueal, suportando a pressão intratraqueal, sem sinais de colabamento, à semelhança dos resultados obtidos por eurides & mendes (1995), que utilizaram segmento pediculado do músculo esternocefálico na restauração de traquéia de cão.

Dois animais (33%) do grupo II e dois (33%) do grupo III apresentaram mínima retração da cartilagem traqueal com discreta estenose que não comprometeu a função respiratória, fato também relatado por MONTOVANI et al. (1987) e HAR-EL et al. (1989). O processo cicatricial na área de enxertia contribuiu para a contração das bordas traqueais e conseqüente diminuição da luz traqueal.

Em nenhum dos cães foi verificado, na área de implantaç ão, presença de tecido fibrovascular exuberante. Esse resultado pode ser atribuído à reepitelização encontrada na área traqueal reparada (figura 1), como relatado por BELSEY (1950) e DALECK et al. (1998). Para JACOBS (1988), a formação do epitélio traqueal na região reparada contribui para o restabelecimento das funções respiratórias da traquéia e impede a formação exagerada de tecido de granulação. Já MARSHAK et al. (1973), quando utilizaram segmento autógeno de bexiga urinária associado a tubo de silicone, para reparação de defeitos traqueais em cão, verificaram óbito em conseqüência do deslocamento da prótese e da formaç ão exagerada de tecido de granulação na região de anastomose com a traquéia. Além disso, a presença de cílios (Figura 1) na área de reparação indica excelente evolução, pois, segundo JUNQUEIRA & CARNEIRO (1990), essas estruturas permitem a condução do muco em direção à faringe e favorecem a elimina&ccedil ;ão de possíveis corpos estranhos inalados durante a inspiração, protegendo o trato respiratório contra infecção.

A viabilidade de um tecido biológico utilizado na cirurgia reconstrutiva, citado por PIGOSSI et al. (1971), foi alcançada com o músculo diafragma de cão devido à sua conservação em solução de glicerina a 98%, que, além de ter evitado necrose e conservado as estruturas morfoló gicas das células musculares, à semelhança dos achados de MAZZANTI et al. (1999), não induziu infecção e rejeição, como anteriormente fora observado por DIAS et al. (1981), com o uso de dura-máter heteróloga na traquéia de cão e por DALECK et al. (1998), com emprego de prótese traqueal homóloga de cães. Já PINTO et al. (1992), utilizando glutaraldeído a 2,5% na preservação de traquéia homóloga na reparação de defeitos traqueais de cão, verificaram ausência de rejeição, porém, presença de bactérias no implante.

CONCLUSÕES

O segmento de músculo diafragma homólogo conservado em solução de glicerina a 98%, em temperatura ambiente, por mais de 30 dias, pode ser utilizado para reparação de defeito na traquéia de cão, oferecendo proteção mecânica temporária ao defeito traqueal, sendo substituído progressivamente por tecido conjuntivo fibroso sem proliferação exagerada e permite migração epitelial na sua superfície.

O implante de músculo diafragma conservado em glicerina a 98% não induz sinais clínicos ou histológicos de rejeição.

FONTES DE AQUISIÇÃO

  • BELSEY, R. Resection and reconstruction of the intrathoracic trachea. Br J Surg, v.38, p.200-205, 1950.
  • CHEHUEN NETO, J.A., NIGRO, A.J.T., BELMONTE NETO, L., et al Restauração traqueal com enxerto cartilaginoso autólogo de pavilhão auricular: estudo experimental em coelhos. Act Cir Bras, v.6, n.04, p.169-176, 1991.
  • CONSIGLIO, V. Auricular cartilage autoplasty in the experimental repair of the trachea. Panminerva Medica, v.11, n.1, 2, p.13-16, 1969.
  • DALECK. C.R., COSTA NETO, J.M., ALESSI, A.C. Prótese traqueal em cães com traquéia homóloga. Estudo experimental. Veterinária Notícias , v.4, n.1, p.57-62, 1998.
  • DIAS, A.R., ASSUMPÇÃO, L.F.P., JATENE, F.B., et al Implante heterólogo de dura-máter na traquéia. Rev Ass Med Bras, v.27, n.3, p.99-102, 1981.
  • EURIDES, D., MENDES, D.L. Reparo da traquéia de cães com enxerto pediculado do músculo esternocefálico. Uberlândia, MG, 1995. 32p. Monografia - Curso de graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Uberlândia, 1995.
  • EURIDES, D., RONCHI, C.P.H. Restauração de traquéia de cães com segmento livre de peritônio-muscular. Estudo experimental. Acta Cir Bras, v.9, n.4, p.195-200, 1994.
  • FAGUNDES, D.J., KHARMANDAYAN, P. O fio cirúrgico. Acta Cir Bras , v.6, n.4, p.177-181, 1991.
  • FINGLAND, R.d., DeHOFF, W.D., BICHARD, S.T. Surgical management of cervical an thoracic tracheal collapse in dogs using extraluminal spiral prostheses: results in seven cases. J Anim Hosp Assoc, v.232, n.2, p.173-181, 1987.
  • HAR-EL, G., KRESPI, Y.P., GOLDSHER, M. The combined use of muscle flaps and alloplast for tracheal reconstruction. Arch Otolaryngol H N Surg, v.115, n.11, p.1310-1313, 1989.
  • HEDLUND, C. Tracheal anastomosis in the dog. Comparation of two end-to-end techniques. Vet Surg, v.13, n.3, p.135-142, 1984.
  • JACOBS, J.R. Investigations into tracheal prosthetic reconstruction. Laryngoscope, v.98, n.08, p.1239-1245, 1988.
  • JUNQUEIRA, L.C., CARNEIRO, J. Histologia básica 7. ed. Rio de Janeiro : Guanabara, 1990. 388p.
  • KELLAGHER, R.E.B., WHITE, R.A.S. Tracheal rupture in a dog. J Small Anim Pract, v.28, n.1, p.29-38, 1987.
  • LANE, J.G. Surgery of conduction airways. In: WRIGHT, P.R. Entomology and oral surgery of the dog and cat Bristol: PSG, 1982. Cap.25. p.346-368.
  • LAU, R.E., SCHWARTZ, A., BUERGELT, C.D. Tracheal resection and anastomosis in dogs. J Anim Vet Med Assoc, v.176, n.2, p.134-139, 1980.
  • LI, J., XU, P., CHEN, H., et al. Improvement of tracheal auto graft survival with transplantation into the greater omentum. Ann Thorac Surg, v.60, n.6, p.1592-1596, 1995.
  • MARSHAK, G., PORTER, J.H., McADAMS, A.J. Reconstruction of the canine trachea with urinary bladder wall. Laryngoscope, v. 133, n. 7, p. 1090-1095, 1973.
  • Mazzanti, A., Raiser, A.G., Pippi, N.L., et al. Avaliação histológica do músculo diafragma de cão preservado em glicerina a 98%. Santa Maria, RS, 1999. In:Congresso Estadual de Medicina Veterinária, 14, Congresso de Medicina Veterinária do Cone Sul, 3, Exposição de Produtos e Serviç os em Medicina Veterinária, 7, 1999, Gramado, RS. Anais... Porto Alegre : SOVERGS, 1999. v.1. 375p. p.246.
  • MONTOVANI, J.C., PRADO, R.G., BACCHI, C.E. Transplante de traquéia: estudo experimental em cobaias. Rev Paul Med, v.105, n.1, p.12-15, 1987.
  • PIGOSSI, N., RAIA, A., LEX, A., et al Estudo experimental sobre o emprego, como implante, da dura-máter homógena conservada em glicerina à temperatura ambiente. Rev Assoc Med Bras, v.17, n.8, p.263-278, 1971.
  • PINTO, M.A., CARDOSO, G., MARCHEVISK, R.S., et al. Bioprótese traqueal. Ciência Rural, v.22, n.3, p.293-298, 1992.
  • QUISLING, R.W. Experimental tracheal reconstruction with external ear canal autografts. Arch Otolaryngol, v.104, p.311-312, 1978.
  • SABÁS, D.A.A., VEZ, J.B., ROJAS, O., et al Reemplazo de traquea con duramadre. Rev Argen Cirur, v.32, n.1, 2, 3, p.30-34, 1977.
  • SMITH, M.M., GOURLEY, I.M., AMIS, T.C., et al Management of tracheal stenosis in a dog. J Am Vet Med Assoc, v. 196, n. 6, p. 931-934, 1990.
  • TANGNER, C.H., HOBSON, H.P. A retrospective study of 20 surgically managed cases of collapsed trachea. Vet Surg,v.11., n.4 , p.146-149, 1982.
  • a
    -Acepran 1%. Univet S.A. São Paulo, SP.
  • b
    - Thionembutal. Abbot Laborató rio do Brasil. São Paulo, SP
  • c
    - Halotane. Cristália do Brasil. São Paulo, SP.
  • d
    - Vycril 3-0. Ethicon. São José dos Campos, SP
  • e
    - Fio poliamida - Araty Superflex. São Paulo, SP.
  • f
    - Ampicilina sódica Ariston. Ariston Indústria Química. São Paulo, SP.
  • g
    - Banamine. Schering-Plough. Rio de Janeiro, RJ.
  • 1
    Alunos do Programa de Pós-graduação em Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
    2
    Professor Adjunto, PhD., Departamento de Clínica de Pequenos Animais (DCPA), UFSM, 97105-900, Santa Maria, RS.. Autor pra correspondência
    3
    Professor Titular, DCPA, UFSM.
    4
    Professor Titular, PhD. Departamento de Patologia. UFSM
    5
    Professor Titular, Mestre. Departamento de Morfologia. Centro de Ciência Rurais. UFSM.
    6
    Aluno do Curso de Medicina Veterinária. Bolsista de Iniciação Científica/CNPq. UFSM.
    7
    Aluno do Curso de Medicina Veterinária. UFSM.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Ago 2006
    • Data do Fascículo
      Dez 2000
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
    E-mail: cienciarural@mail.ufsm.br