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Hérnia peritoneopericárdica em cão

Peritoniopericardial hernia in a dog

Resumos

Relata-se o caso de um cão macho, sem raça definida, com cinco anos de idade, 23kg, que apresentava transtornos digestivos periódicos e dispnéia. Diagnosticada hérnia peritônio-pericárdica descompensada, foi feita redução de conteúdo volumoso (parte do estômago distendido, baço, dois lobos hepáticos, porção proximal do duodeno e pâncreas) e reconstituição simultânea do pericárdio e diafragma com poliglactina 910. Houve completa recuperação com remissão dos sinais clínicos.

cirurgia; má formação congênita; diafragma


A male, five years old mongrel dog weighting 23kg, was refered presenting periodic digestive disturbs and dispnoea. A descompensated peritoneopericardical hernia was diagnosticated and a voluminous content (distended stomach, two liver lobes, partial spleen and a segment of the duodenum with pancreas) was reduced. The diaphragm and pericardium were sutured simultaneously with poliglactin 910. The animal had a complete postoperative recovery without complications.

surgery; diaphragm; congenital malformation


CLÍNICA E CIRURGIA / CLINIC AND SURGERY

HÉRNIA PERITONEOPERICÁRDICA EM CÃO

PERITONIOPERICARDIAL HERNIA IN A DOG

Olicies da Cunha1 1 Acadêmico de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Paraná, Campus Palotina, Palotina, PR. Saulo Tadeu Lemos Pinto Filho2 1 Acadêmico de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Paraná, Campus Palotina, Palotina, PR. Gislaine Silva Barbosa1 1 Acadêmico de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Paraná, Campus Palotina, Palotina, PR. Alceu Gaspar Raiser3 1 Acadêmico de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Paraná, Campus Palotina, Palotina, PR. Liandra Cristina Vogel Portella4 1 Acadêmico de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Paraná, Campus Palotina, Palotina, PR.

- RELATO DE CASO -

RESUMO

Relata-se o caso de um cão macho, sem raça definida, com cinco anos de idade, 23kg, que apresentava transtornos digestivos periódicos e dispnéia. Diagnosticada hérnia peritônio-pericárdica descompensada, foi feita redução de conteúdo volumoso (parte do estômago distendido, baço, dois lobos hepáticos, porção proximal do duodeno e pâncreas) e reconstituição simultânea do pericárdio e diafragma com poliglactina 910. Houve completa recuperação com remissão dos sinais clínicos.

Palavras-chave: cirurgia, má formação congênita, diafragma.

SUMMARY

A male, five years old mongrel dog weighting 23kg, was refered presenting periodic digestive disturbs and dispnoea. A descompensated peritoneopericardical hernia was diagnosticated and a voluminous content (distended stomach, two liver lobes, partial spleen and a segment of the duodenum with pancreas) was reduced. The diaphragm and pericardium were sutured simultaneously with poliglactin 910. The animal had a complete postoperative recovery without complications.

Key words: surgery, diaphragm, congenital malformation.

INTRODUÇÃO

As hérnias peritoneopericárdicas são resultantes de defeitos no desenvolvimento do diafragma e pericárdio (HARVEY,1983). Ocorrem tanto nos cães como nos gatos, afetando mais as raças Weimaraner e Persa (HOSGOOD, 1996; SHERTEL, 1996).

Os órgãos mais encontrados no saco pericárdico são: fígado, ligamento falciforme, omento, baço, intestino delgado e, raramente, estômago (JOHNSON, 1998). SHERTEL (1996) também observou a presença da vesícula biliar. Pode não ocorrer alteração patológica apreciável nos órgãos torácicos ou nos órgãos herniados de alguns animais, que permanecem assintomáticos, e o defeito pode ser diagnosticado acidentalmente (SHERTEL,1996; JOHNSON,1998).

Eventualmente, os órgãos herniados podem sofrer encarceramento, obstrução ou estrangulamento, podendo resultar em efusão e, ocasionalmente, o estômago pode timpanizar dificultando o retorno venoso (JOHNSON,1998). Os sinais clínicos são variáveis, mas, comumente, relacionam-se com alterações gastrintestinais e respiratórias (HAY et al.,1989). Os sinais respiratórios podem ser: dispnéia, tosse, ou respiração ofegante (chiados), e os sinais gastrintestinais: anorexia, polifagia, vômito ou diarréia. Outros sinais inespecíficos são perda de peso, dores abdominais, ascite, intolerância ao exercício, choque e colapso (JOHNSON,1998).

O diagnóstico pode ser confirmado acidentalmente em radiografia torácica ou por ocasião da necropsia. A auscultação pode revelar sons cardíacos abafados que se devem, principalmente, à transudação proveniente dos lobos hepáticos encarcerados. Essa complicação provoca sinais de insuficiência cardíaca direita (JOHNSON,1998).

Ao exame radiográfico, a silhueta cardíaca está aumentada e, comumente, assume perfil arredondado. A traquéia elevada, presença de alça intestinal repleta de gás ou fezes ao redor da silhueta cardíaca confirmam o diagnóstico (JOHNSON, 1998). Pequenos defeitos diafragmáticos são suturados com pontos interrompidos ou com sutura contínua, iniciando dorsalmente e prosseguindo ventralmente. Essa técnica resulta na oclusão simultânea do saco pericárdico e da hérnia, porque as duas estruturas estão conjugadas (JOHNSON, 1998).

O objetivo do presente relato é contribuir para o estudo das hérnias peritoneopericárdicas, já que se encontrou a presença de várias vísceras herniadas incluindo o estômago que, segundo JOHNSON (1998), é incomum.

RELATO DO CASO

Foi recebido, no Hospital Veterinário (HV) da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), um cão macho, sem raça definida, com cinco anos de idade, apresentando otite crônica no ouvido esquerdo. Não tinha histórico de trauma e, periodicamente, apresentava dificuldade respiratória e perda de apetite. Durante o exame clínico, mostrou-se dispnéico, cianótico e com tensão abdominal. Pela percussão, verificou-se som timpânico no quadrante costal correspondente ao abdome cranial e tórax caudal. Após a estabilização do quadro respiratório, foi encaminhado para estudo radiográfico no qual foram observados aumento de radiopacidade na porção ventral do tórax e indefinição da cúpula diafragmática e borda caudal do coração (Figura 1).


O cão foi pré-anestesiado com acepromazina (0,1mg/kg) e cloridrato de fentanila (0,005mg/kg), por via intravenosa; a anestesia foi induzida com propofol (6mg/kg), por via intravenosa, e mantida com halotano, vaporizado com oxigênio, em sistema semi-fechado. Trinta minutos antes do procedimento cirúrgico, foi administrada ampicilina sódica (20mg/kg), intravenosa, e preparação do paciente para cirurgia asséptica.

O animal foi contido em decúbito dorsal, e a hérnia abordada por laparotomia mediana pré-umbilical e esternotomia caudal de 4cm. Os órgãos foram reposicionados anatomicamente e, o pericárdio e diafragma, suturados simultaneamente com poliglactina 910, nº 0, em pontos de Wolf, passados a 0,5cm das bordas, no diafragma, e a 2,5cm das bordas no saco pericárdico. Logo após, foi feita aspersão de lidocaína (2mg/kg) na cavidade torácica. A esternorrafia foi realizada com fio de aço-0 em ponto tipo Sultán e os tecidos moles toracoabdominais foram suturados com poliglactina 910, nº 0. A dermorrafia foi realizada com pontos isolados simples com mononáilon 2-0. A pressão negativa foi restabelecida através da aspiração do ar com uma seringa conectada a uma sonda por meio de uma torneira de três vias.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Logo após a cirurgia, o animal já apresentou melhora no padrão respiratório e o exame radiográfico permitiu delinear a silhueta do diafragma já reconstituída (Figura 2). O acesso pela linha média, seguido de esternotomia foi o método eleito, pois a imagem radiográfica sugeria comprometimento bilateral da porção caudal do tórax. A extensão cranial da incisão facilita a transecção de eventuais aderências, favorece a redução do conteúdo herniário, permite ampla visualização de ambas as cavidades e acesso irrestrito sobre o defeito no diafragma. No caso aqui relatado, o saco pericárdico estava distendido em duas vezes o seu tamanho normal, permitindo o contato do coração com o abdome sem permitir visualização dos pulmões, pois a abertura no diafragma era ampla (12cm x 8cm). Quando da sutura, os pontos envolveram o diafragma e porção generosa do saco pericárdico, o que dispensou a ressecção da porção excedente do mesmo.


O pericárdio e diafragma foram suturados com poliglactina 910 nº 0 devido ao longo tempo de absorção desse fio, alta resistência tênsil, e baixa reatividade tecidual. HOSGOOD (1996) não recomenda para esta sutura, o uso de fios absorvíveis como categute, poliglactina 910, e ácido poliglicólico, dando preferência a fios monofilamentares, não absorvíveis como polipropileno, entretanto, a poliglactina tem sido utilizada na síntese de hérnias diafragmáticas de origem traumática, no HV da UFSM, mantendo a tensão por longo tempo (90 dias) sem ocorrência de recidiva. Após um mês, o animal foi radiografado, não apresentando nenhum tipo de alteração na silhueta do diafragma e saco pericárdico.

Nesta cirurgia foi utilizada lidocaína na cavidade torácica para obter analgesia local, embora JOHNSON (1998) recomende o uso de bupivacaína pela sua rápida absorção comparada a lidocaína. No entanto, o paciente recuperou-se rapidamente sem sinal de desconforto no pós-operatório.

As vísceras encontradas no saco pericárdico foram 1/3 do estômago, que estava distendido, baço, dois lobos hepáticos, porção proximal do duodeno e pâncreas, algumas delas já descritas por JOHNSON (1998) como de incidência comum. A presença do pâncreas e parte do estômago distendido, no entanto, não é freqüente e, no caso, o último foi o fator etiológico que determinou o aparecimento dos sinais clínicos de dispnéia, conforme citado por HAY et al. (1989), perda de apetite e tensão abdominal que levaram ao diagnóstico de hérnia. A imagem radiográfica, demonstrando a silhueta diafragmática íntegra apenas na porção dorsal do tórax e indefinição na porção caudal da silhueta cardíaca, foram sinais sugestivos de hérnia peritônio-pericárdica a qual foi confirmada na abordagem cirúrgica. Não fosse a timpanização gástrica, a hérnia, apesar do conteúdo volumoso, teria um diagnóstico eventual, conforme citaram SHERTEL (1996) e JOHNSON (1998), ou não seria diagnosticada. Isso sugere uma prevalência maior de hérnia peritoneopericárdica do que tem sido informada. Foi efetuado controle radiográfico 30 dias após a herniorrafia, confirmando-se a completa recuperação do paciente que não evidenciava qualquer complicação clínica detectável.

CONCLUSÕES

A laparotomia mediana pré-umbilical seguida de esternotomia caudal permite uma visualização de todo o diafragma e das vísceras herniadas, facilitando o reposicionamento anatômico das mesmas e sutura do defeito do pericárdio e diafragma. A poliglactina 910 é eficiente para a síntese de defeitos peritoneopericárdicos no cão.

Hérnias peritoneopericárdicas, embora congênitas, podem ser assintomáticas se não houver comprometimento das vísceras herniadas.

2Acadêmico de Medicina Veterinária, Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Santa Maria, RS.

3Médico veterinário, Professor Titular, Departamento de Clínica de Pequenos Animais, Centro de Ciências Rurais, UFSM, 97105-900 Santa Maria, RS. Autor para correspondência. E-mail: raisermv@lince.hcv.ufsm.br.

4Médico veterinário, anestesista, Hospital Veterinário, UFSM.

Recebido para publicação em 19.10.99. Aprovado em 19.01.00

  • HARVEY, H.J. Peritoneopericardial hernia. In: BOJRAB, M.J. Current techniques in small animal surgery 2. ed. Philadelphia : Lea & Febiger, 1983. Sec.G. Chap.30. p.407-408.
  • HAY, W.H. WOODFIELD, J.A. MOON, M.A. Clinical echocardiographic and radiographic findings of peritoneal pericardial diafragmatic hernia in two dogs and cat. J Am Vet Med Assoc, v.195, n.9, p.1245-1248,1989.
  • HOSGOOD, G. Diagnosis and management of diseases of the diaphragm. Waltham Focu, v.6, n.3, p. 2-8, 1996.
  • JOHNSON, K.A. Hérnia diafragmática, pericárdica e hiatal. In: SLATTER, D. Manual de cirurgia de pequenos animais. 2. ed. São Paulo : Manole, 1998. Cap.37. V.1. p.559-577.
  • SHERTEL, E.R. Pericárdio. In: BOJRAB, M.J. Mecanismo da moléstia na cirurgia de pequenos animais. 2. ed. São Paulo: Manole, 1996. Cap.54. p.370-377.
  • 1
    Acadêmico de Medicina Veterinária, Universidade Federal do Paraná, Campus Palotina, Palotina, PR.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2006
    • Data do Fascículo
      Out 2000

    Histórico

    • Aceito
      19 Jan 2000
    • Recebido
      19 Out 1999
    Universidade Federal de Santa Maria Universidade Federal de Santa Maria, Centro de Ciências Rurais , 97105-900 Santa Maria RS Brazil , Tel.: +55 55 3220-8698 , Fax: +55 55 3220-8695 - Santa Maria - RS - Brazil
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