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Extrato seco total de vinhos brasileiros: comparação de métodos analíticos

Total dry extract in Brazilian wines: comparison of analytical methods

Resumos

A legislação brasileira não estabelece limites para o extrato seco total dos vinhos, mas determina valores máximos para a relação álcool em peso/extrato seco reduzido. Até 1985, o extrato seco total era determinado pela pesagem do resíduo seco (método direto), causando problemas de enquadramento à legislação brasileira, principalmente os vinhos tintos finos. A partir de 1986, o extrato seco total passou a ser feito pelo método indireto. Esta metodologia analítica, acrescida da modificação na legislação, alterando os valores máximos da relação álcool em peso/extrato seco reduzido permitiu que, de um modo geral, os vinhos se enquadrassem à legislação. Face a isso, procurou-se comparar os dois métodos para vinhos finos secos e comuns secos e suaves; tintos, brancos e rosados. Os resultados mostraram que o método indireto originou valores do extrato seco total para os vinhos secos, em média 2,1 g/l significativamente maiores em relação ao método direto. Mas o efeito não foi significativo para os suaves. Tendo em vista os valores de extrato seco total dos vinhos encontrados pelo atual método oficial, não se justificam os atuais limites máximos na legislação da relação álcool em peso/extrato seco reduzido, por serem excessivamente elevados.

análises de vinho; enologia; composição química


Brazilian legislation does not establish limits for the total dry extract of wines, but it establishes maximum values for the ratio between weight alcohol and reduced dry extract. Until 1985 the total dry extract was determined by weighting the dry residue (direct method), which caused several problems for the Brazilian legislation mainly for red table wines. From 1986, the total dry extract was measured by indirect method, and the legislation was modifica by increasing the parameters of the ratio between weight alcohol and reduced dry extract. This allowed that the majority of wines were in agreement with the legislation. This work had the objective to compare these two methods for dry vinifera wines, dry and sweet current wines; red, white and rose. Results showed that the indirect method originated significant higher volves (21 g/l in average) for the total dry extract. However, the effect was not significant for sweet wines. Based on the values observed for total dry extract in wines using the offïcial method, there is no justification for the current maximum limits been used for the weight alcohol and reduced dry extract ratio.

chemical composition; enology; wine analyses


EXTRATO SECO TOTAL DE VINHOS BRASILEIROS: COMPARAÇÃO DE MÉTODOS ANALÍTICOS

TOTAL DRY EXTRACT IN BRAZILIAN WINES: COMPARISON OF ANALYTICAL METHODS

Luiz Antenor Rizzon1 1 Engenheiro Agrônomo, Doutor, EMBRAPA - Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho, Caixa Postal 130, 95700-000, Bento Gonçalves, RS. Autor para correspondência. Alberto Miele2 1 Engenheiro Agrônomo, Doutor, EMBRAPA - Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho, Caixa Postal 130, 95700-000, Bento Gonçalves, RS. Autor para correspondência.

RESUMO

A legislação brasileira não estabelece limites para o extrato seco total dos vinhos, mas determina valores máximos para a relação álcool em peso/extrato seco reduzido. Até 1985, o extrato seco total era determinado pela pesagem do resíduo seco (método direto), causando problemas de enquadramento à legislação brasileira, principalmente os vinhos tintos finos. A partir de 1986, o extrato seco total passou a ser feito pelo método indireto. Esta metodologia analítica, acrescida da modificação na legislação, alterando os valores máximos da relação álcool em peso/extrato seco reduzido permitiu que, de um modo geral, os vinhos se enquadrassem à legislação. Face a isso, procurou-se comparar os dois métodos para vinhos finos secos e comuns secos e suaves; tintos, brancos e rosados. Os resultados mostraram que o método indireto originou valores do extrato seco total para os vinhos secos, em média 2,1 g/l significativamente maiores em relação ao método direto. Mas o efeito não foi significativo para os suaves. Tendo em vista os valores de extrato seco total dos vinhos encontrados pelo atual método oficial, não se justificam os atuais limites máximos na legislação da relação álcool em peso/extrato seco reduzido, por serem excessivamente elevados.

Palavras-chave: análises de vinho, enologia, composição química.

SUMMARY

Brazilian legislation does not establish limits for the total dry extract of wines, but it establishes maximum values for the ratio between weight alcohol and reduced dry extract. Until 1985 the total dry extract was determined by weighting the dry residue (direct method), which caused several problems for the Brazilian legislation mainly for red table wines. From 1986, the total dry extract was measured by indirect method, and the legislation was modifica by increasing the parameters of the ratio between weight alcohol and reduced dry extract. This allowed that the majority of wines were in agreement with the legislation. This work had the objective to compare these two methods for dry vinifera wines, dry and sweet current wines; red, white and rose. Results showed that the indirect method originated significant higher volves (21 g/l in average) for the total dry extract. However, the effect was not significant for sweet wines. Based on the values observed for total dry extract in wines using the offïcial method, there is no justification for the current maximum limits been used for the weight alcohol and reduced dry extract ratio.

Key words: chemical composition, enology, wine analyses.

INTRODUÇÃO

O extrato seco total do vinho corresponde ao peso do resíduo seco obtido após a evaporação dos compostos voláteis (OFFICE INTERNATIONAL DE LA VIGNE ET DU VIN, 1978; DELANOE et al, 1989). Representa, portanto, a soma das substâncias que em determinadas condições físicas não se volatilizam. Essas condições devem ser estabelecidas de modo que esses compostos tenham uma alteração mínima (HAMELLE, 1965). Entre os principais grupos que compõem o extrato seco total encontram-se os ácidos fixos, sais orgânicos e minerais, poliálcoois, compostos fenólicos, compostos nitrogenados, açúcares e polissacarídeos (NAVARRE, 1991).

O extrato seco total pode ser utilizado como uma importante característica para avaliar o vinho de uma determinada região vitícola, a qualidade da uva e o sistema de vinificação. Sob o ponto de vista organoléptico, o extrato seco total está relacionado com a estrutura e o corpo do vinho.

A legislação brasileira não estabelece um valor mínimo para o teor de extrato seco total dos vinhos de mesa. No entanto, determina valores máximos para a relação álcool em peso e extrato seco reduzido (BRASIL, 1974). Os valores dessa relação eram 4,7 para vinhos tintos, 6,0 para rosados e 6,5 para brancos. O método de determinação do extrato seco total era feito através da pesagem do resíduo seco a 100°C, obtido após um período de três horas de evaporação. Por esse método havia problemas freqüentes de enquadramento dos vinhos, principalmente os tintos finos, pois os valores dessa relação eram superiores ao valor máximo estabelecido pela legislação brasileira. Isso provavelmente ocorria devido ao baixo teor de extrato seco reduzido dos vinhos e à utilização de certas práticas enológicas. Em estudo realizado com mosto da cv. Cabemet Franc, RIZZON & BRESSAN (1982) demonstraram que a intensidade de chaptalização interfere na relação álcool em peso/extrato seco reduzido dos vinhos tintos brasileiros.

A partir de 1988, os valores máximos legais dessa relação passaram para 4,8, 6,0 e 6,5 para vinhos comuns tintos, rosados e brancos; e para 5,2, 6,5 e 6,7 para vinhos finos tintos, rosados e brancos, respectivamente. Desde 1986, o extrato seco total é determinado indiretamente pelo método densimétrico. Essas alterações fizeram com que os vinhos não apresentassem mais problemas de enquadramento e que os valores da relação álcool em peso/extrato seco reduzido fossem excessivamente baixos, não correspondendo à realidade, ou seja, atualmente os valores dessa relação são muito elevados.

Segundo HAMELLE (1965), o método indireto de determinação do extrato seco total tem a vantagem de ser rápido e apresentar alta repetitividade e o inconveniente de substituir por um valor convencional, que nem sempre corresponde à realidade, o conjunto das substâncias não voláteis do vinho. Esse método é adotado nos países da União Européia (COMMUNAUTÉS EUROPÉENNES, 1990) e, no Brasil, foi oficializado a partir de 1986 (BRASIL, 1986).

Em conseqüência das diferenças entre o teor de extrato seco total/relação álcool em peso e extrato seco reduzido dos vinhos brasileiros, este experimento foi realizado para comparar os valores obtidos através do método direto de pesagem do resíduo seco com o método densimétrico indireto.

MATERIAL E MÉTODOS

O teor de extrato seco total foi determinado em 172 amostras de vinhos brasileiros, dos quais 17 eram brancos finos secos; 15 tintos finos secos; 36 brancos comuns secos; 21 rosados comuns secos; 34 tintos comuns secos; 16 brancos comuns suaves; 15 rosados comuns suaves; e 20 tintos comuns suaves. As amostras corresponderam a vinhos comerciais, safras 1992 e 1993, e representaram as principais regiões vitícolas do Estado do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina. As análises foram efetuadas no laboratório de Enoquímica da EMBRAPA-Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho, localizado em Bento Gonçalves, RS.

O extrato seco total foi determinado através de dois métodos: o direto, que consiste na pesagem do resíduo seco de 25ml de vinho, obtido pela evaporação em banho-maria a 100°C, por três horas (RIBÉREAU-GAYON et al., 1976); e o indireto, através da densimetria, utilizando a fórmula de Tabarié (BRASIL, 1986). Nesse caso, a densidade do vinho a 20°C foi determinada com um densímetro digital da marca ANTON PAAR e o álcool por refratometria (MEYER & LEYGUE-ALBA, 1991).

Os resultados foram submetidos ao teste de "t" para a avaliação estatística do contraste entre os dois métodos de determinação do extrato seco total dos vinhos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O teor de extrato seco total de cada tipo de vinho é apresentado na Tabela 1. Com relação às duas metodologias analíticas estudadas, constatou-se que o método indireto (método oficial) originou valores significativamente mais elevados em todos os tipos de vinhos secos; entretanto, nos vinhos suaves a diferença não foi significativa. GONZÁLES et al. (1994), em trabalho semelhante realizado com vinhos uruguaios e utilizando o método indireto, constataram aumentos médios de 6,0 a 7,0g/l no teor de extrato seco total. Na Itália, USSEGLIO-TOMASSET (1961) encontrou, pelo método indireto, teores de extrato seco próximos àqueles obtidos pelo método direto; no entanto, a evaporação foi feita a 70°C.

O teor médio mais baixo de extrato seco total encontrado pelo método direto nos vinhos secos, pode ser explicado pelo fato de que juntamente com a água e outros compostos voláteis pode ter havido, também, evaporação de parte de outros componentes, como o glicerol e o ácido lático, causando perdas de extrato. Essas perdas, segundo RIBÉREAU-GAYON et al (1976), variam conforme os vinhos e geralmente são mais acentuadas nos vinhos velhos.

Nos vinhos suaves, o método direto originou valores de extrato seco total semelhantes àqueles obtidos pelo método indireto. Isso se verificou nos vinhos tintos, brancos e rosados. Segundo HAMELLE (1965), o comportamento dos açúcares no processo de evaporação a 100°C é muito complexo, pois além da caramelização acontecem outras transformações, especialmente no caso da frutose. De outra parte, um teor elevado de açúcar no vinho forma uma camada espessa no fundo da cápsula que impede a evaporação completa, originando valores mais elevados do extrato seco total. Por isso, e como conseqüência das alterações que ocorrem no processo de evaporação, os valores do extrato seco total obtidos pelo método direto não correspondem ao peso teórico da soma de todas as substâncias fixas do vinho. Por outro lado, o método indireto origina valores mais próximos ao extrato seco real dos vinhos (USSEGLIO-TOMASSET, 1961).

Com relação ao tipo de vinho, constatou-se que o teor médio de extrato seco total foi mais elevado nos tintos e nos rosados. Isto foi verificado nos dois métodos de análise utilizados, para vinhos comuns secos e suaves e para vinhos finos. A maior participação da parte sólida da uva (película e semente) no processo de elaboração do vinho tinto, contribuiu para aumentar o extrato seco total desses vinhos. Uma melhor maturação das uvas tintas em relação às brancas, também favorece o aumento do extrato dos vinhos tintos. De outra parte, os vinhos brancos geralmente são submetidos a tratamentos mais intensos para estabilização, fato que concorre para reduzir o extrato desses vinhos.

Os vinhos finos apresentaram teor médio de extrato seco total mais elevado que os vinhos comuns. Isto se deveu, possivelmente, a uma melhor maturação das uvas viníferas e também a uma quantidade maior de açúcar residual nesses vinhos, uma vez que a legislação brasileira estabelece o limite máximo de 5,0g/l de açúcar em vinhos secos. No caso dos vinhos suaves, o teor elevado de extrato seco total foi conseqüência do açúcar adicionado para edulcoração.

O atual método oficial dá origem a valores mais elevados de extrato seco total e conseqüentemente, índices mais baixos da relação álcool em peso e extrato seco reduzido, nos vinhos secos. Desse modo, além de não haver mais problemas de enquadramento os valores da relação ficam abaixo do máximo estabelecido pela legislação brasileira.

CONCLUSÕES

O atual método oficial riensimétrico de determinação do extrato seco total, em comparação com o método direto, origina valores mais elevados para os vinhos secos.

Tendo em vista os valores do extrato seco total dos vinhos encontrados pelo atual método oficial, não se justificam os atuais limites máximos estabelecidos pela legislação brasileira para a relação álcool em peso/extrato seco reduzido, por serem excessivamente elevados.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem aos assistentes de pesquisa da EMBRAPA-CNPUV, Raul Luiz Ben e Vânia M. A. Sganzerla, pela colaboração prestada na determinação analítica dos vinhos.

2 Engenheiro Agrônomo, Doutor, EMBRAPA - Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho, Caixa Postal 130, 95700-000 - Bento Gonçalves, RS. Bolsista do CNPq.

Recebido para publicação em 26.10.95. Aprovado em 08.05.96.

  • BRASIL. Ministério da Agricultura. Laboratório Nacional de Defesa Vegetal, Brasília, DF. Metodologia de análise de bebidas e vinagres Brasília: Imprensa Nacional, 1986. 67 p.
  • BRASIL. Ministério da Agricultura. Secretaria Nacional de Defesa Agropecuária. Secretaria de Inspeção de Produto Vegetal, Brasília, DF. Complementação de padrões de identidade e qualidade para cerveja, vinho, vinho de frutas, fermentado de cana, saque, filtrado doce, hidromel, jeropiga, mistela, sidra, vinagre. Brasília: Imprensa Nacional, 1974. 109 p.
  • COMMUNAUTÉS EUROPÉENNES. Règlement (CEE) n° 2676/90 de la commission des communautés européennes, du 17 septembre 1990, determinant des méthodes d'analyse communautaires applicables dans le secteur du vin. J Of Comm Europ, Bruxelas, p. 1-193, 3 out. 1990.
  • DELANOE, D., MAILLARD, C., MAISONDIEU, D., MICONI, C. II controllo tecnologico del vino attraverso l'analisi Brescia: Edizioni AEB, 1989. 217 p.
  • GONZÁLES, N.G., BARREIRO, L., BOCHICCHIO, R. et al. Estudio comparado entre métodos de determinación del extracto seco de los vinos. Pan Vitiv, Montevideo, n. 8, p. 13-14, 1994.
  • HAMELLE, G. L'extrait sec des vins et des moûts de raisin, sa mesure, son intérêt pour la recherche des fraudes Montpellier: Causse Castelnau, 1965. 170 p.
  • MEYER, C.R., LEYGUE-ALBA, M.M.R. Manual de métodos analíticos enológicos Caxias do Sul: UCS, 1991. 49 p.
  • NAVARRE, C. L'Oenologie Paris: Lavoisier, 1991. 322 p.
  • OFFICE INTERNATIONAL DE LA VIGNE ET DU VIN. Recueil des méthodes internationales d'analyse des vins. Paris: O.I.V., 1978. 348 p.
  • RIBÉREAU-GAYON, J., PEYNAUD, E., RIBÉREAU-GAYON, et al Sciences et techniques du vin Paris: Dunod, 1976. 1 v. 671 p.
  • RIZZON, L.A., BRESSAN, W. Relação álcool em peso/extrato seco reduzido dos vinhos tintos da cultivar Cabemet Franc. Bento Gonçalves: EMBRAPA-UEPAE de Bento Gonçalves, 1982. 3 p. (EMBRAPA-UEPAE de Bento Gonçalves. Pesquisa em andamento, 6).
  • USSEGLIO-TOMASSET, L. Osservazione sull'estratto dei mosti e del vini. Riv Vitic Enol, Conegliano, n. 8, p. 267-273, 1961.
  • 1
    Engenheiro Agrônomo, Doutor, EMBRAPA - Centro Nacional de Pesquisa de Uva e Vinho, Caixa Postal 130, 95700-000, Bento Gonçalves, RS. Autor para correspondência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Set 2008
    • Data do Fascículo
      Ago 1996

    Histórico

    • Aceito
      08 Maio 1996
    • Recebido
      26 Out 1995
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