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PESTE SUÍNA CLÁSSICA: UMA ATUALIZAÇÃO EM MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

CLASSICAL SWINE FEVER: AN UPDATE IN LABORATORY DIAGNOSTIC METHODS

Resumos

RESUMO Neste artigo são revisados os diferentes métodos internacionalmente utilizados no diagnóstico de Peste Suína Clássica (PSC). A detecção rápida de antígenos virais é feita através do exame direto de cortes em criostato dos tecidos de animais, por imunofluorescência direta (IF). O diagnóstico é confirmado pelo isolamento do vírus em cultivos celulares. A detecção de anticorpos contra o vírus é baseada em testes de soroneutralizaçâo seguidos de IF, imunoperoxidase (IPX), ou ensaios imunoenzimáticos. Anticorpos monoclonais são úteis na distinção entre o vírus da PSC e outros pestivírus que podem eventualmente infectar os suínos. Técnicas moleculares, como hibridização, reação de polimerase em cadeia (PCR) e seqüenciamento, ainda não são empregadas rotineiramente no diagnóstico de PSC.

peste suína clássica; diagnóstico


SUMMARY This review is an update on laboratory methods currently available and internationally recognized for virological and serological diagnosis of classical swine fever/hog cholera (HC). Rapid antigen detection is achieved by examination of cryostat sections of tissues of animals by direct immunofluorescence (IF). The diagnosis must be confirmed by virus isolation in cell culture. Fetection of antibodies to HC virus is based on serum neutralization tests followed by IF, immunoperoxidase (IPX), or enzyme immunoassays. Monoclonal antibcdies are extremely useful in distinguishing CSF from other pestiviruses which may eventually infect swine. Molecular techniques such as hybridization, polimerase chain reaction (PCR) and sequencing are not yet routinely used in HC diagnosis.

hog cholera; classical swine fever; diagnosis


PESTE SUÍNA CLÁSSICA: UMA ATUALIZAÇÃO EM MÉTODOS DE DIAGNÓSTICO LABORATORIAL

CLASSICAL SWINE FEVER: AN UPDATE IN LABORATORY DIAGNOSTIC METHODS

Paulo Michel Roehe1 1 Médico Veterinário, MSc, PhD, Equipe de Virotogia, Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Caixa Postal 2076, 90001-970, Porto Alegre. RS. e Professor do Departamento de Microbiologia. Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador bolsista do CNPq. Julio Cesar de Almeida Rosa2 1 Médico Veterinário, MSc, PhD, Equipe de Virotogia, Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Caixa Postal 2076, 90001-970, Porto Alegre. RS. e Professor do Departamento de Microbiologia. Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador bolsista do CNPq. Liliane Guimarães Oliveira2 1 Médico Veterinário, MSc, PhD, Equipe de Virotogia, Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Caixa Postal 2076, 90001-970, Porto Alegre. RS. e Professor do Departamento de Microbiologia. Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador bolsista do CNPq.

RESUMO

Neste artigo são revisados os diferentes métodos internacionalmente utilizados no diagnóstico de Peste Suína Clássica (PSC). A detecção rápida de antígenos virais é feita através do exame direto de cortes em criostato dos tecidos de animais, por imunofluorescência direta (IF). O diagnóstico é confirmado pelo isolamento do vírus em cultivos celulares. A detecção de anticorpos contra o vírus é baseada em testes de soroneutralizaçâo seguidos de IF, imunoperoxidase (IPX), ou ensaios imunoenzimáticos. Anticorpos monoclonais são úteis na distinção entre o vírus da PSC e outros pestivírus que podem eventualmente infectar os suínos. Técnicas moleculares, como hibridização, reação de polimerase em cadeia (PCR) e seqüenciamento, ainda não são empregadas rotineiramente no diagnóstico de PSC.

Palavras-chave: peste suína clássica, diagnóstico.

SUMMARY

This review is an update on laboratory methods currently available and internationally recognized for virological and serological diagnosis of classical swine fever/hog cholera (HC). Rapid antigen detection is achieved by examination of cryostat sections of tissues of animals by direct immunofluorescence (IF). The diagnosis must be confirmed by virus isolation in cell culture. Fetection of antibodies to HC virus is based on serum neutralization tests followed by IF, immunoperoxidase (IPX), or enzyme immunoassays. Monoclonal antibcdies are extremely useful in distinguishing CSF from other pestiviruses which may eventually infect swine. Molecular techniques such as hybridization, polimerase chain reaction (PCR) and sequencing are not yet routinely used in HC diagnosis.

Key words: hog cholera, classical swine fever, diagnosis.

INTRODUÇÃO

Nesta revisão são descritos suscintamente os métodos correntemente recomendados e inter-nacionalmente aceitos para diagnóstico de PSC a nível laboratorial. Foram acrescentados alguns comentários sobre a metodologia, bem como exemplos extraídos de nossa experiência e a dos que nos antecederam no Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF), em quase cinquenta anos de trabalhos com PSC.

O Vírus

O vírus da Peste Suína Clássica (VPSC) pertence ao grupo pestivírus, recentemente retocado na família Flaviviridae. O grupo Pestivírus possui outros dois membros reconhecidos, o vírus da diarréia vírica dos bovinos / doença das mucosas (VDVB) e o vírus da Doença da Fronteira ou "Border Disease" dos ovinos (VBDO). Os pestivírus são vírus dotados de uma fita simples de RNA e três ou quatro proteínas estruturais. Possuem um envelope cuja constituição glicolipoproteica os torna sensíveis a solventes lipídicos (ex. acetona, éter e clorofórmio) e detergentes. Os pestivírus são notoriamente difíceis de purificar, crescem a baixos títulos in vitro e necessitam uma série de cuidados especiais para seu cultivo, principalmente devido à possibilidade de contaminação de cultivos celulares com outros pestivírus, usualmente originários de soros fetais bovinos contaminados. Além disso, são sensíveis a congelamento/descongelamento e a temperaturas superiores a -70°C. Entretanto, em carnes e produtos ricos em proteínas, conservam-se por longo tempo em forma infecciosa. Ocasionalmente, os pestivírus de ruminantes podem infectar suínos. O VPSC não causa infecções em ruminantes.

Uma característica marcante dos vírus deste grupo é sua potencialidade de atravessar a barreira placentária e causar infecções intra-uterinas. As infecções in útero são fundamentais para a perpetuação dos pestivírus na natureza, desempenhando também um importante papel na geração da diversidade genética dos membros do grupo.

Testes para a detecção de vírus ou anticorpos

Dois tipos de testes serão aqui comentados: 1) testes que visam a detecção do vírus ou antígenos virais; e 2) testes que visam a detecção de anticorpos contra o vírus da PSC. No primeiro caso, busca-se a identificação do vírus presente em animais infectados. No segundo, busca-se identificar a resposta sorológica dos animais, frente a vacinação ou contato prévio com vírus de campo.

Material a ser remetido ao laboratório

Material para detecção do vírus

Os órgãos de eleição para diagnóstico de PSC são, em ordem de importância: 1) amígdalas; e 2) baço. As amígdalas são o primeiro órgão a ser infectado quando o suíno entra em contato com o vírus. As amígdalas, juntamente com o baço, sâo considerados essenciais para o diagnóstico virológico (COMISSÃO DAS COMUNIDADES EUROPEIAS, 1980). Outros tecidos a serem remetidos ao laboratório são gânglios retrofaríngeos, parotideanos, mandibulares ou mesentéricos, rim e porções distais do íleo. O sangue de animais em fase aguda da doença é rico em vírus (em especial os leucócitos) e também pode ser enviado para tentativa de isolamento do agente, nesse caso devendo ser coletado com anticoagulante (Heparina ou ácido etileno-diamino tetra-acético, EDTA). Os materiais para exame deverão ser remetidos ao laboratório sob refrigeração, nunca congelados.

Material para testes sorológicos

No caso de testes sorológicos, o material a ser remetido é o soro sanguíneo, podendo ser remetido resfriado ou congelado.

Número de amostras a serem remetidas

A precisão do diagnóstico laboratorial de PSC está ligado ao número de amostras a serem remetidas ao laboratório. Deve-se evitar a remessa de tecidos ou soro de somente um animal. Uma leitegada infectada in útero pode resultar em leitões com diferentes padrões de infecção, alguns apresentando anticorpos, outros albergando o vírus e outros sem nenhuma evidencia de infecção, muito embora o aspecto clínico possa ser uniforme. Portanto, particularmente em casos de suspeita de infecções transplacentárias, é fundamental que sejam coletadas amostras de vários animais suspeitos.

Métodos de detecção do vírus

O diagnóstico de PSC antigamente baseava-se quase que exclusivamente na observação clínico- patológica dos animais, O diagnóstico clínico, no entanto, não é conclusivo. Amostras do vírus de baixa patogenicidade podem estar circulando na população suína e causar infecções intra-uterinas em porcas gestantes. Além disso, enfermidades como a salmonelose e a doença do edema, comuns em nosso meio, podem causar lesões semelhantes ou apresentarem-se associadas à PSC (OLIVEIRA et al., 1987). O apoio laboratorial é, portanto, fundamental para um diagnóstico correio.

As técnicas de detecção de vírus ou antígenos virais (isto é, componentes da partícula viral ou proteínas induzidas pelo vírus) são utilizadas durante o curso da doença, em animais com sinais ou lesões, visando identificar o vírus causador do surto. No caso da PSC, o primeiro teste a ser empregado é chamado Imunofluorescência Direta (IFD). Este é realizado sobre cortes muito finos (4 a 8µ de espessura) de tecidos dos animais suspeitos (preferencialmente amígdalas). Sobre o corte é colocado um soro contendo anticorpos específicos contra o vírus da PSC, marcados com uma substância fluorescente, denominada conjugado (pois a substância fluorescente é conjugada, isto é, ligada aos anticorpos). Controles sobre outros cortes do órgão devem ser feitos: a) colocando-se uma mistura de conjugado e soro positivo contra a PSC, b) colocando-se uma mistura de conjugado e soro negativo contra PSC, e c) corando-se simultaneamente outras amostras sabidamente positivas e negativas. Se houver antígenos virais no material examinado, os anticorpos do soro se ligarão a estes. Ao exame em um microscópio apropriado, observa-se fluorescência verde brilhante difusa no citoplasma das células infectadas, com os núcleos permanecendo escuros.

Para uma correta interpretação na leitura das lâminas, é necessário pessoal experiente, controles e reagentes de boa qualidade. Amostras de vírus diferentes podem apresentar diferentes imensidades de fluorescência. A presença de fluorescência nas células epiteliais das amígdalas é o mais seguro indicador da especificidade da reação. As células positivas usualmente aparecem em grupos ou nos bordos das criptas tonsilares.

Uma variação da IFD utiliza, em vez de cortes em criostato, esfregaços ou "claps" de tecidos sobre lâminas de microscópio (AIKEN et al., 1964). Esta variação, no entanto, não tem o reconhecimento de organizações internacionais como prova diagnostica (TERPSTRA, 1989). Em nossa experiência, testes sobre esfregaços tomam a interpretação do teste bem mais complicada, pois destroem a estrutura dos tecidos, dificultando a avaliação da especificidade da fluorescência. Órgãos linfóides como o baço apresentam centros germinais ricos em linfócitos B, os quais, através de receptores para a porção Fc das imunoglobulinas, podem não-especificamente adsorver o conjugado, e conseqüentemente dar margem a falsos positivos. No esfregaço de tecido, a organização do órgão é perdida e não é possível distinguir centros germinais de células infectadas. No corte com criostato, ao preservar a estrutura dos tecidos, é possível reconhecer os centros germinais e com isso minimizar a ocorrência de falsos positivos.

O baço é o órgão mais freqüentemente remetido ao laboratório para diagnóstico de PSC. Em cerca de 90% das ocasiões, é o único órgão remetido. O diagnóstico baseado única e exclusivamente em lâminas coradas por IFD sobre tecido de baço pode dar margem a falsos positivos, pelas razões expostas acima. A preocupação com a possibilidade de equívocos neste caso já foi comentada por Carbrey, que escreve: ..."É também regra em nosso laboratório nunca confirmar um diagnóstico de PSC se o baço for o único órgão encontrado positivo"... (CARBREY, 1988). Uma outra complicação da IFD é devida ao fato de que outros pestivírus podem eventualmente infectar suínos. A maioria dos conjugados contra a PSC detectarão estes outros vírus, dando origem a reações cruzadas. Os métodos de diferenciação entre VPSC e outros pestivírus serão abordados mais adiante.

Animais vacinados podem apresentar resultados positivos na IFD (isto é presença de vírus vacinal) por um período de até duas semanas (TERPSTRA, 1978), portanto um conhecimento da história de vacinações é também importante na avaliação dos testes diagnósticos.

O diagnóstico através de IFD é usado em todo o mundo para orientar as primeiras medidas de defesa a serem tomadas em focos de PSC. É necessária, no entanto, a confirmação da IFD através do isolamento do vírus. Em especial em casos onde a enfermidade não se apresenta em sua forma clínica clássica, outros pestivírus podem estar envolvidos. Infecções com outros pestivírus em suínos são geralmente de pouco significado clínico e não estão sujeitas às sanções aplicáveis à PSC. A impossibilidade de identificação destes outros agentes aumenta os custos de controle, uma vez que todas as amostras positivas para pestivírus serão consideradas PSC. Isto pode causar maiores prejuízos ao produtor e ao País, e até mesmo comprometer planos de erradicação por torná-los economicamente inviáveis, além, é claro, de refletir dados incorretos sobre a ocorrência de PSC.

Isolamento do vírus em cultivos celulares

O método mais sensível para a detecção do vírus da PSC é a inoculação em suínos sensíveis. Este, no entanto, é impraticável devido ao alto custo e precauções necessárias para evitar possíveis escapes de vírus do laboratório. Atualmente, o diagnóstico mais sensível de PSC é obtido pelo isolamento do vírus em cultivos celulares. Por isso, todos os materiais recebidos para diagnóstico de PSC, tanto positivos como negativos à IFD, deverão ser inoculados em cultivos celulares. A IFD permite a rapidez necessária a tomada de medidas regulatórias; o isolamento em cultivos celulares confere a segurança quanto à correção das atitudes tomadas, e pode até orientar quanto à manutenção ou suspensão das mesmas.

Para o isolamento viral, suspensões de 10% a 20% das amostras são preparadas e inoculadas em culturas de células, usualmente preparadas sobre lamínulas de vidro. Estas culturas são então incubadas a 37°C. A cada dia (24, 48 e 72h) após a inoculação, uma lamínula com células infectadas é corada por IFD, utilizando o mesmo conjugado aplicado em cortes de tecidos, como acima, em busca de fluorescência específica. Lamínulas contendo células não infectadas deverão apresentar uma coloração verde escura.

A presença de fluorescência nos controles invalida a prova. Fluorescência nos controles pode se originar, entre outras causas, de conjugados de má qualidade ou impropriamente titulados. Outra fonte de fluorescência não específica é o uso de células previamente contaminadas com o vDVB.

Em nosso laboratório, em um recente trabalho de seleção de soros de neonatos bovinos obtidos de matadouro para uso em cultivos celulares, foram detectados 8 soros contaminados com vDVB, em um lote de 40 soros testados (OLIVEIRA et al., 1993). Estes 8 isolados foram capazes de multiplicar-se em células de suínos. Embora o número de amostras examinadas não seja estatisticamente significativo, sugere que a contaminação por vDVB em soros pode atingir níveis bastante importantes.

Igualmente, os soros utilizados em cultivos celulares devem ser livres de anticorpos contra vDVB, pois poderão levar à inativação do VPSC. Cada partida de soro deve ser testada para a presença de vírus, bem como anticorpos contra o mesmo. Temos encontrado anticorpos contra vDVB em muitos lotes de soro fetal bovino comercialmente disponíveis.

Outra prova usada para detecção de vírus após seu isolamento em cultivos celulares é a Imunoperoxidase ou PLA (sigla derivada do inglês Peroxidase Linked Assay, ou ensaio ligado a peroxida-se; SAUNDERS. 1977; JENSEN, 1981). O PLA é uma prova indireta, isto é, baseia-se na formação de um "sanduíche", formado pelo conjunto vírus + anticorpo suíno + conjugado anti-anticorpo suíno. Este teste é muito prático e versátil, podendo ser utilizado tanto para detecção de vírus como para a detecção de anticorpos, dependendo do interesse do laboratório. Diluições do material suspeito são inoculadas em cultivos celulares preparados em placas plásticas, chamadas de microtécnica. Após 3 - 4 dias de incubação, as placas são fixadas em acetona a 20% em solução salina tamponada e secas a 37°C por três horas. As placas fixadas podem ser armazenadas a -20°C em sacos plásticos, indefinidamente. Para a a coloração, as placas são re-hidratadas e sobre elas é colocada uma diluição de soro específico contra o vPSC, produzido em suínos hiperimunizados. Sobre este complexo é colocado um segundo anticorpo, previamente conjugado a uma enzima denominada peroxidase (cuja função é hidrolisar água oxigenada, H2O2), e dirigido contra anticorpos de suíno. Caso tenha havido reaçâo do soro específico com o vírus, os complexos antígeno-anticorpo formados serão detectados pelo segundo anticorpo dirigido contra os anticorpos de suíno. A fixação deste segundo anticorpo ao complexo é revelada pela ação da peroxidase em um substrato adequado. Ao exame, em microscópio comum, será observada uma coloração vermelho-carmim no citoplasma das células infectadas. Em caso de isolamento positivo de vírus, o mesmo deverá ser diferenciado de pestivírus de bovinos e ovinos, como segue.

Diagnóstico diferencial entre PSC e infecções por outros pestivírus

A diferenciação entre membros do grupo pode ser obtida por testes de neutralização do vírus com soros produzidos contra os vírus PSC e vDVB, e avaliando qual deles neutraliza com maior eficácia o vírus. Se o vírus isolado for PSC, deverá ser neutralizado com mais intensidade pelo soro contra vPSC do que por soros contra vDVB. A leitura é feita através de IFD. Estes casos são laboriosos e exigem um grande esforço por ocasião da leitura e interpretação dos resultados.

Testes diferenciais bem mais simples podem ser facilmente executados com o auxílio de anticorpos monoclonais (AcM). Estes anticorpos são produzidos em camundongos, sendo dotados de uma especificidade muito grande, capaz de distinguir entre PSC e outros pestivírus. Em nosso laboratório, utilizamos AcM obtidos do Central Veterinary Laboratory, Weybridge, Inglaterra, gentilmente cedidos pelo Dr. Steven Ed-wards (CAY et al.. 1989; EDWARDS & SANDS, 1990). A diferenciação pode ser evidenciada por imunoperoxidase, à semelhança do PLA, porém com um conjugado anti-lgG de camundongo (pois os AcM são anticorpos dessa espécie). AcM específicos para vPSC ou vDVB são colocados sobre placas com células infectadas e fixadas. Caso haja reação dos AcM com o vírus, os complexos antígeno-anticorpo serão detectados por um segundo anticorpo dirigido contra os AcM, como descrito no PLA acima. Se os AcM específicos para PSC reconhecerem (isto é, apresentarem coloração positiva no PLA) a amostra de vírus, então trata-se de vírus PSC "genuíno". Se a amostra for reconhecida por AcM específicos para os demais pestivirus, trata-se de um pestivírus de ruminantes. O mesmo sistema pode ser adaptado para Imunofluorescência Indireta (IR), onde essencialmente as reações são as mesmas do PLA, exceto que o conjugado é feito com uma substância fluorescente, como na IFD. Nesse caso, a reação deve ser examinada em microscópio de fluorescência.

Testes sorológicos

Daqui em diante serão abordados os testes utilizados para detectar a resposta sorológica (i.é, produção de anticorpos) frente ao vírus. A produção de anticorpos contra o vPSC em um animal indica que em algum momento de sua vida ele teve contato com o vírus, seja por vacinação ou por ter sofrido infecção com vírus de campo. Leitões até em torno de seis meses de idade podem, no entanto, apresentar anticorpos provenientes da porca mãe, se esta, por sua vez, tiver sido vacinada. A testagem sorológica é importante, por exemplo, para avaliar a presença de vírus circulando em uma determinada população, independente do fato de haver manifestações clínicas de doença ou não. Portanto, mesmo que não haja doença em um rebanho, os testes sorológicos permitirão detectar a presença de amostras de PSC de baixa virulência (que causam doença leve) ou não virulentas (que não causam doença clínica). Poderão ainda indicar se ocorreu infecção com outro pestivírus não-vPSC. Outros exemplos de usos de testes sorológicos seriam a avaliação da distribuição de anticorpos em populações vacinadas, ou a detecção da ocorrência de vacinação nos rebanhos.

Vírus-neutralização com imunofiuorescência (NIF):

Este era um dos testes mais freqüentemente utilizados, antes do advento das provas baseadas em conjugados com peroxidase. É um teste trabalhoso e demorado, que baseia-se na neutralização, isto é, na destruição da infectividade de uma determinada quantidade de vírus da PSC. Caso o soro do animal em teste tenha anticorpos neutralizantes contra o vírus, ao misturar-se o soro com uma quantidade conhecida de vírus, este deve ser neutralizado. A mistura é então colocada sobre cultivos celulares, para que se possa mais tarde detectar a presença (ou ausência) de vírus por IFD, como visto acima.

Testes de Imunoperoxidase (PLA e NPLA):

No PLA em busca de anticorpos em animais suspeitos, células são infectadas em laboratório e coloca-se os anticorpos dos animais em teste sobre as mesmas. Se houver anticorpos específicos contra a PSC, os mesmos se ligarão às células infectadas. O PLA traz como desvantagem que alguns soros apresentam dificuldade de interpretação dos resultados, devido a reações não-específicas. Controles com células não infectadas são, portanto, essenciais para cada soro em teste.

Das provas de neutralização, o "Neutralizing Peroxidase Linked Assay" (ensaio neutralizante ligado à peroxidase) ou NPLA, é que apresenta maior praticidade e facilidade de leitura dos resultados. O princípio do NPLA é igual ao da vírus-neutralização com IFD, exceto que a prova é identificada e revelada pelo sistema do PLA. Diluições seriadas de soro (a partir de 1:10 para triagem inicial) são colocadas a reagir com 100 doses infectantes de vírus. A presença de vírus é detectada por imunoperoxidase, como no PLA, após incubação de 3-4 dias. O número de amostras passíveis de serem testadas por dia com esta técnica situa-se geralmente entre 10 a 100 amostras/dia/laboratorista.

Testes de ELISA

Uma variedade de testes imunoenzimáticos do tipo ELISA ("Enzyme Linked ImmunoSorbent Assay, i.é, ensaio enzimático imunoadsorvente) tem sido aplicados paro o diagnóstico sorológico de PSC (HAVE et al., 1984, HYERA et al., 1987; WENSVOORT et al., 1988; YU et al.. 1988; LEFORBAN et al.. 1390). Dado a sua praticidade, este é o tipo de teste ideal para aplicação em um grande número de amostras. Os testes de ELISA aplicados à sorologia de PSC tem se baseado em diferentes princípios. Nos testes de bloqueio, o soro a testar é identificado pela capacidade de bloquear a ligação do soro positivo e o antígeno viral. Nos testes indiretos, em seu "formato" mais simples, o soro a testar é identificado, como no PLA, por um segundo anticorpo, dirigido contra imunoglobulinas de suíno. Os testes de ELISA podem ser elaborados de forma a distinguir entre anticorpos induzidos contra o vírus da PSC e demais pestivírus. Todos eles são feitos sobre placas de 96 poços, e tem em relação sobre as demais técnicas sorológicas a vantagem da rapidez em sua execução. Em menos de um dia de trabalho, um grande número de amostras podem ser testadas, podendo chegar a mais de 2000 soros/dia/laboratorista.

Métodos moleculares de diagnóstico

Novos métodos encontram-se atualmente em estudos buscando um aperfeiçoamento das técnicas diagnosticas disponíveis para PSC. Entre eles, a aplicação da reação da polimerase em cadeia (ou PCR, derivado do inglês "Polymerase Chain Reaction") parece bastante promissora (ROEHE & WOODWARD, 1991). Nesta técnica, o material genético viral (composto de RNA) é transformado primeiramente em DNA e amplificado através de vários ciclos de polimerização, em uma máquina apropriada. É uma técnica ainda em experimentação, e seus resultados como técnica diagnostica necessitam ser mais profundamente avaliados com relação à sensibilidade, especificidade e custo.

Situação do diagnóstico da PSC no País

Um diagnóstico correio é o primeiro passo para a tomadas de medidas correias de prevenção, controle ou erradicação. A impossibilidade de execução de todos os testes necessários (virológicos ou sorológicos) pode comprometer o sucesso de tais medidas. Igualmente, a diferenciação entre PSC e outros pestivírus pode economizar uma quantidade significativa de recursos de indenização e permitir eventuais exportações, por manter o "status"de área livre onde não for confirmada PSC. Um sistema eficiente de diagnóstico é também essencial para imprimir credibilidade frente aos mercados importadores de carnes suínas e derivados. Idealmente, um laboratório de diagnóstico de PSC deveria ser capaz de executar pelo menos dois testes de identificação de vírus (IFD e isolamento viral) e pelos menos uma prova para identificação de anticorpos (PLA, NPLA, NIF ou ELISA).

Em nosso País, pouca atenção vinha sendo dada ao aprimoramento e desenvolvimento de técnicas de diagnóstico laboratorial. Apesar do alto nível de recursos humanos disponíveis em várias instituições do País, os laboratórios de diagnóstico de enfermidades como a PSC (geralmente órgãos governamentais estaduais ou federais), carecem do apoio material para a execução da completa bateria de testes necessária para a ultimação do diagnóstico. Poucos laboratórios possuem o criostato necessário para a execução de cortes de tecidos. Os laboratórios capazes de realizar isolamento de vírus em cultivos celulares são também poucos. Técnicas como o PLA e NPLA são ainda praticamente desconhecidas na maioria dos laboratórios. Técnicas de ELISA, que poderiam ser desenvolvidas e implementadas com relativa facilidade, tem seu desenvolvimento atrasado por falta de recursos. A pesquisa nesta área está intimamente ligada a laboratórios de diagnóstico, os quais tem, por vezes, dificuldades em conseguir financiamentos para projetos. Espera-se que a implementação da àrea de erradicação da PSC traga uma maior conscientização quanto à necessidade de investir em uma estrutura laboratorial de diagnóstico eficaz e segura, capaz de proporcionar ao produtor tranqüilidade com relação a esta doença, cuja presença pode causar tamanho impacto econômico.

AGRADECIMENTOS

O trabalho de pesquisa e diagnóstico em pestivírus no IPVDF é executado na Equipe de Virologia do IPVDF pelos autores e auxiliares Antonio Carlos da Silva, Gloria Pacheco e pelos bolsistas de iniciação, aperfeiçoamento e mestrado da FAPERGS e, CNPq: EAS Oliveira, LH Teixeira, VR Gewehr, APF Caldas, LA Vieira, T Calcagnotto e AC Franco. A caracterização de amostras brasileiras de vírus da PSC é um projeto financiado pela Fundação Internacional de Ciência (IFS). Parte do ProjetoPSC tem sido financiada pela FAPERGS e CNPq.

2Médico Veterinário, Equipe de Virologia, Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor.

Recebido para publicação em 27.10.93. Aprovado em 09.11.93

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  • 1
    Médico Veterinário, MSc, PhD, Equipe de Virotogia, Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor, Caixa Postal 2076, 90001-970, Porto Alegre. RS. e Professor do Departamento de Microbiologia. Instituto de Biociências, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisador bolsista do CNPq.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      1994

    Histórico

    • Aceito
      09 Nov 1993
    • Recebido
      27 Out 1993
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