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Dilemas de um esporte em construção: uma análise da seção de cartas na revista Overall (1985 - 1990) 1 1 Editor responsável: Carmen Lúcia Soares. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Maria Thereza Sampaio Lucinio – thesampaio@uol.com.br.

Resumo

Este artigo visa investigar os dilemas em torno da prática do skate através das cartas que foram publicadas na revista Overall. Essa revista contou com 19 edições entre 1985 e 1990, sendo que, ao todo, 107 cartas foram publicadas ao longo deste período. A década de 1980 pode ser compreendida como um momento-chave para a esportivização desta atividade, entretanto, ela marca, paradoxalmente, o período no qual se desencadeiam concepções ambivalentes sobre o skatismo, sobretudo acerca de sua prática nas ruas. Tais cartas foram um reflexo desse paradoxo, pois, ao passo que muitos skatistas se sentiam confiantes pela existência da Overall como um elemento de fomento desta atividade como um esporte, muitos também reclamavam das coibições e proibições que a prática ensejava.

Palavras-Chave
Juventude; Skate; Cartas; Década de 1980

Abstract

This article aims to investigate the dilemmas surrounding skateboarding through the letters published in Overall magazine. This magazine had 19 issues between 1985 and 1990, and in all of them, 107 letters were published during this period. The 1980s can be understood as a key moment for the sportivization of this activity, however, it paradoxically marks the period in which ambivalent conceptions about skateboarding are triggered, especially about its practice on the streets. Such letters reflect this paradox, while many skateboarders felt confident that Overall existed as an element to foster this activity as a sport, others complained about the restrictions and prohibitions the practice entailed.

Keywords
Youth; Skateboarding; Letters; 1980s

Introdução

Durante séculos, e até pouco mais de duas décadas atrás, boa parte da comunicação interpessoal a distância no extenso território nacional se fazia através das cartas. Quer se tratasse de uma pessoa se correspondendo com outra, ou de um leitor escrevendo para um jornal ou revista, o fato é que as cartas ocuparam um lugar muito importante na vida social e cultural - embora hoje seu uso tenha se reduzido drasticamente, e elas sejam pouco lembradas como parte da experiência de um período, além de raramente utilizadas como fonte nos estudos históricos do esporte e do lazer. Essa pesquisa utiliza as correspondências que leitores enviaram para a mais importante e longeva publicação específica sobre skate durante a década de 1980 no Brasil, a revista Overall.

O skate tornou-se um esporte olímpico (fez parte dos Jogos de Tóquio, em 2021) e conta com um grande número de praticantes no Brasil (segundo dados da última pesquisa Datafolha, em 2015, eram 8,5 milhões de skatistas3 3 http://www.metodista.br/rronline/noticias/esportes/2017/chega-a-8-5-milhoes-o-numero-de-skatistas-no-brasil-ouca-no-esporte-10, acesso em 03/07/2019. ). Entretanto, nem sempre foi assim. Como qualquer outro esporte, o skate também tem uma história, na qual a década de 1980 representa um momento importante. Isso porque, embora o período apresente avanços consideráveis no tocante à profissionalização do skate como um esporte – com a formação de associações de skatistas com empresários e da própria União Brasileira de Skate (U.B.S.), além de campeonatos de grande porte, como a Copa Itaú de Skate e o Sea Club Overall Skate Show – ele também traz à tona tentativas do poder público de inibir sua prática, sendo a mais conhecida a proibição decretada pelo então prefeito da cidade de São Paulo, Jânio Quadros, em 1988 (Brandão, 2016Brandão, Leonardo (2016). “Andar de skate não é crime!”: Jânio Quadros e a proibição do skate na cidade de São Paulo. In E. Spaggiari, G. M. Carraro, & G. S. Settani (Orgs.), Entre jogos e copas: Reflexões de uma década esportiva (pp. 139 – 157). Intermeios; Fapesp.).

Considerando a década de 1980 como este período-chave, que imprime ao skate uma condição ambivalente – por um lado, crescimento e esportivização; por outro, marginalização4 4 Na década de 1970, no Brasil, o skate era uma novidade – inicialmente chamado de “surfinho” – e praticado por setores da classe média alta. Havia a preocupação dos pais e familiares com os riscos que o esporte oferecia, mas ele não era marginalizado. Essa questão da marginalização surgiu, sobretudo na década de 1980, com o desenvolvimento do street skate, modalidade na qual o skatista passou a interagir com aparelhos urbanos, tais como escadas, corrimãos, guias, muretas etc. Além disso, contribuíram para essa marginalização sua associação com o punk-rock e a adoção de um visual alternativo (Brandão, 2014). –, voltamo-nos para a correspondência dos leitores presente na revista. Através dessas cartas foi possível discutir elementos ligados à história dessa atividade que ainda não foram explorados pela historiografia relacionada ao esporte no país. Isso se deveu, principalmente, ao fato de essa fonte extravasar os atores usuais, pois quem escrevia essas cartas não eram skatistas profissionais, mas sim sujeitos comuns adeptos à prática do skatismo.

A hipótese que levou a este estudo, portanto, é a de que, por intermédio dessas cartas, seria possível entrar em contato com as vivências cotidianas de pessoas comuns, de variadas regiões e cidades do país, em suas tentativas de inserção numa prática de lazer que estava se consolidando como uma opção para setores da infância, adolescência e juventude no período em questão. Evidentemente, não se tratou aqui de investigar o sujeito skatista profissional, que naquele momento se convertia em atleta, geralmente o principal foco da revista. Tais cartas eram escritas, na maioria das vezes, por jovens praticantes de skate,5 5 Elementos recorrentes nas cartas nos permitem afirmar que eram sobretudo jovens e praticantes. Jovens porque caracterizavam a si mesmos como tal ou por outros elementos (como morarem com os pais e/ou dependerem de autorização dos pais para circularem por certas zonas do espaço urbano e/ou para realizarem atividades – por exemplo, andar de skate). E praticantes porque assim se identificavam e também porque o conteúdo de muitas cartas dizia respeito ao universo da prática, incluindo dúvidas (por exemplo, como realizar determinada manobra ou como construir uma rampa de madeira) e relatos de perseguições. vários dos quais se queixavam da não aceitação da família, do preconceito, das brigas e discussões que a atividade do skate gerava.

O que dizem essas cartas? Que histórias contam? O que elas revelam acerca das possíveis tensões que permearam a prática do skate no período? Como o desenvolvimento do profissionalismo foi visto pelos jovens leitores? Como eles se relacionavam com a prática no que diz respeito à construção de identidades culturais? O que estas missivas permitem discutir sobre o lugar desta revista no cotidiano dos jovens leitores? Essas são as indagações a que este artigo busca responder.

Caracterização da revista Overall

A década de 1980 marcou um momento importante para a consolidação dos esportes californianos6 6 Utilizamos aqui a noção de esportes californianos de Pociello (1995), pois a maioria dessas atividades físicas (skate, BMX, surfe, windsurfe, bodyboard etc.) foi desenvolvida e passou - inicialmente - por um processo de esportivização no estado da Califórnia (EUA). no Brasil. Houve, neste período, o aumento exponencial dos praticantes, aliado a uma maior visibilidade nos meios de comunicação (revistas, programas de televisão e rádio) e à profissionalização (no caso do surfe e do skate), fruto da mudança em suas estruturas organizacionais, mas também do esforço de muitos de seus praticantes (Fortes, 2009Fortes, R. (2009). Os anos 80, a juventude e os esportes radicais. In M. D. Priore, & V. A. Melo (Orgs.), História do esporte no Brasil: Do Império aos dias atuais (pp. 417 – 451). Editora UNESP., p. 417).

A consolidação dessas atividades dialoga com o aumento expressivo dos espaços especializados criados nos meios de comunicação. Evidentemente, tais espaços tanto fomentavam essas atividades quanto se beneficiavam, em termos comerciais e de audiência, do apelo destas práticas a segmentos cada vez mais amplos da população – processo, aliás, também presente noutros contextos explorados pela história do esporte (Couto, 2016Couto, A. A. G. (2016). Cronistas esportivos em campo: Letras, imprensa e cultura no Jornal dos Sports (1950-1958) [Tese de Doutorado em História]. Universidade Federal do Paraná, Curitiba.; Fortes, 2011bFortes, R. (2011b). O surfe nas ondas da mídia: Esporte, juventude e cultura. Apicuri/Faperj.; Melo, 2012Melo, V. A. (2012). Causa e consequência: esporte e imprensa no Rio de Janeiro do século XIX e década inicial do século XX. In B. B. Hollanda, & V. A. Melo (Orgs.), O esporte na imprensa e a imprensa esportiva no Brasil (pp. 21-51). 7 Letras.).

Assim, numa lista não exaustiva, podemos citar os seguintes veículos de comunicação voltados para a cobertura e o fomento dessas formas de expressão juvenil nos anos 1980: a) revistas: Fluir, Visual Esportivo, Yeah!, Skatin’, Trip, Inside, Overall, Vital Skate; b) jornais e informativos: Surf News, Skt News e Staff; c) programas, flashes e/ou cobertura de campeonatos em emissoras de rádio FM: Pool, Gazeta, Bandeirantes e 89 (São Paulo/SP), 97 (Santo André/SP), A Tribuna (Santos/SP) e Fluminense (Niterói/RJ); d) programas de televisão: Grito da Rua, Realce, Vibração e Armação Ilimitada; e) filmes: Menino do Rio e Garota Dourada (Fortes & Brandão, 2013Fortes, R., & Brandão, L. (2013) Anárquico, punk, “sem etiqueta”: o skate nas revistas Fluir e Yeah!. Comunicação, mídia e consumo, 10 (27), 211-236., p. 214).

Neste texto, como já indicado, centramos nossa análise na revista de skate que teve a maior duração do período.7 7 Além da Overall (1985/1990), a segunda metade da década de 1980 contou também com as revistas Skatin’ (1988/1990), Yeah! (1986/1988), Vital Skate (1988) e o informativo Skt News (1988/1990). Além delas, vale destacar também o álbum de figurinhas Overall Skate Stamps, que circulou em 1987 e foi responsável pelo primeiro contato de toda uma geração com o skate. Editada na capital paulista, Overall8 8 Nossa preocupação em caracterizar a revista Overall, antes de analisar as cartas propriamente, inspira-se nos estudos de Tânia Regina de Luca (2005). circulou de 1985 até o início de 1990, com um primeiro número em 1985 e tendo periodicidade trimestral entre 1986/87, aumentando para 4 publicações em 1988 e atingindo periodicidade bimestral em 1989. Ao todo, foram 19 edições publicadas entre 1985 e 19909 9 Em 1990, ano que marca o término de Overall, apenas duas edições foram lançadas, a de número 18 e a de número 19. . Sua origem relaciona-se ao sucesso de eventos de skate promovidos durante a primeira metade da década de 80, em especial, os campeonatos ocorridos em Guaratinguetá10 10 Além dos eventos em Guaratinguetá/SP, outros campeonatos de skate, como o “Primeiro Torneio Verão de Skate”, realizado entre 5 e 6 de janeiro de 1985, na Pista de Skate de Campo Grande, Rio de Janeiro, também evidenciam o crescimento da prática no período. Este campeonato foi retratado nas páginas de Visual Esportivo como um acontecimento que envolveu numerosos skatistas, os quais participaram em três modalidades distintas. Fonte: Revista Visual Esportivo, n. 16, 1985, p. 25. . Seu staff, entretanto, é em parte oriundo da equipe que compunha o escritório paulistano da revista Visual Esportivo,11 11 A revista Visual Esportivo era comandada por Nilton Ribeiro Barbosa e seu irmão Nilson Barbosa. Eduardo “Dadá” Borgerth, por sua vez, fora “editor de surf da revista Visual Esportivo” e “fez parte da equipe que concebeu o projeto da Trip”. Em seu auge, a editora dos irmãos Barbosa publicou também Visual Surf e Visual Body Board. Adler, J., & Barbosa, N. Goiabada, 20 dez. 2005. http://julioadler.blogspot.com/2005/12/nilton-barbosa.html. Bittencourt, L. Da casa. Trip, n. 131, p. 35, mar. 2005. https://books.google.com.br/books?id=HWIEAAAAMBAJ&pg=PT33&lpg=PT33&dq=carlos+sarli+visual+esportivo&source=bl&ots=c6ilI-NBFK&sig=ACfU3U2OiCcZRlTk_J8XA1StdWMTDb0SFQ&hl=pt-BR&sa=X&ved=2ahUKEwjcz97dgqjjAhWQKrkGHfqyDhIQ6AEwCHoECAkQAQ#v=onepage&q=carlos%20sarli%20visual%20esportivo&f=false como Paulo Aniz Lima,12 12 Apresentou os programas Visual Esportivo Surf Report (rádio 87 FM, São Paulo/SP, 1984-1986). Em 1986, saiu da equipe de Visual Esportivo para fundar a revista Trip e transformou o programa em Trip 89 (rádio 89 FM, São Paulo/SP). É proprietário da Trip Editora. TRIP FM 25 anos. Trip, 28 ago. 2009. https://revistatrip.uol.com.br/trip/trip-fm-25-anos. RODRIGUES, Alana. Programa de entrevistas "Trip FM" celebra 30 anos e independência editorial. Portal Imprensa, 7 ago. 2014. http://www.portalimprensa.com.br/noticias/brasil/67359/programa+de+entrevistas+trip+fm+celebra+30+anos+e+independencia+editorial. LESSA, Isabella. Trip: a viagem dos 30 anos da revista. Meio & Mensagem, 18 out. 2016. https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2016/10/18/aos-30-trip-alimenta-projetos-customizados-para-marcas.html Carlos G. “Califa” Sarli,13 13 Foi responsável, junto com Paulo Lima, pelo escritório de Visual Esportivo em São Paulo. Fundou a Trip. Em Overall, foi um dos responsáveis pelo planejamento e, posteriormente, diretor administrativo. Cf. Revista Overall, n. 1, 1986. Revista Overall, n.19, 1990. Scheller, F. ‘Éramos uma startup encarando um tsunami’. O Estado de S. Paulo, 22 ago. 2012. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,eramos-uma-startup-encarando-um-tsunami,124147e Cesar Diniz “Cesinha” Chaves14 14 Colaborador editorial nas matérias sobre skate em Visual Esportivo. Fonte: Revista Visual Esportivo, n. 14, 1984. e Flávio Badenes15 15 Colaborador editorial nas matérias sobre skate em Visual Esportivo. Fonte: Revista Visual Esportivo, n. 14, 1984. . Com o sucesso dos campeonatos de skate, esse grupo passou a acreditar na viabilidade mercadológica de uma nova revista específica sobre skate no país – já que a revista Visual Esportivo abordava vários esportes, como surfe, asa-delta etc.16 16 Visual Esportivo continuou existindo, enquanto foram criados títulos específicos para surfe (Visual Surf, Visual Surf Magazine) e bodyboard (Visual Bodyboard).

Mesmo sentindo que a empreitada seria um “desafio”17 17 Revista Overall, (zero), 1985, p. 4. , eles colocaram em circulação uma edição experimental (número zero) como estratégia mercadológica e justificando sua existência em função “do ideal maior: O ESPORTE”18 18 Revista Overall, n. zero, 1985, p. 4. . Assim, caso a resposta dos leitores fosse positiva e a proposta encontrasse seu nicho, seria lançado o número um.

Ao final, os editores consideraram que o teste dera certo. Alguns meses depois, o número um celebrava o sucesso das vendas num editorial de Paulo Lima:

Overall n. 1 nas suas mãos! Real, colorida e alucinante. É assim que a nossa equipe atua: poucas promessas e muito trabalho. E aí está, depois da força dada por todos nossos amigos, colaboradores e anunciantes, nosso número zero foi às bancas no Rio e em São Paulo, cumprindo a função de termômetro, sentindo a temperatura do skate nesses dois grandes centros. E não deu outra: FEBRE, TEMPERATURA OVER CONTROL, SUCESSO absoluto de vendas nas bancas, sucesso entre a galera da interna e sucesso entre os empresários que souberam compreender que aquela revistinha fininha era apenas um começo. É, já deu pra sentir. Dobramos o número de páginas, estamos agora imprimindo no melhor papel existente no mercado, dobramos também o número de páginas coloridas e passamos a imprimir no maior parque gráfico da América Latina: a Editora Abril S/A. O resultado está nas suas mãos: pegue a sua OVERALL, n. 1 e devore as matérias alucinantes que vão desembolorar sua mente e as fotos que farão seu cabelo arrepiar. Você merece esse trabalho, afinal é você que mantém o espírito do SKATE VIVO!19 19 Revista Overall, n. 1, 1986, p. 4.

As regiões metropolitanas do Rio de Janeiro e de São Paulo eram as duas mais populosas do país20 20 Segundo dados do IBGE, no Anuário Estatístico do Brasil de 1980, a cidade de São Paulo contava com 8. 490, 763 habitantes, sendo seguida pelo município do Rio de Janeiro, com 5.039, 496. Em terceiro lugar, destaca-se Belo Horizonte, com 1.774, 712 habitantes. Fonte: Anuário estatístico do Brasil / Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro: IBGE, v. 41, 1980 p. 70. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/20/aeb_1980 , além de contarem com destacado mercado em torno do skate e numeroso contingente de adeptos. A decisão comercial de testá-la nas áreas citadas remete a este contexto, assim como ao sucesso dos campeonatos de Guaratinguetá, situada a cerca de 250km do Rio de Janeiro e de 170km de São Paulo e às margens da Rodovia Presidente Dutra, a qual liga as duas metrópoles.

Conforme Mira (2001)Mira, M. C. (2001). O leitor e a banca de revistas: A segmentação da cultura no século XX. Olho d’Água., “a partir de meados dos anos 80, o processo de segmentação da mídia se acelera de maneira geral” (p. 147). No entanto, publicar uma revista de nicho, setorizada e específica como Overall, podendo pagar para utilizar o “maior parque gráfico da América Latina” sugere uma robustez mercadológica que a edição de número zero dessa publicação ajudou a vislumbrar.21 21 A edição de número 0 ocorreu de modo independente, já as edições de número 1 e 2 foram pela editora Abril. A partir da edição de n. 3, de 1986, a Overall passou a ser editada pela Trip Editora. Tanto isso parece ser verdadeiro que, em 1986, no mesmo ano do lançamento oficial da revista Overall, chegou às bancas brasileiras uma concorrente interessada no mesmo segmento consumidor: Yeah!, publicada pela Editora Visão Ltda.22 22 Ao todo, foram publicadas 11 edições da Revista Yeah!, que circulou nas bancas de 1986 a 1988.

Ao considerarmos a década, geralmente caracterizada como de crise econômica, é importante destacar a especificidade do ano de 1986, em que vigorou o Plano Cruzado (Fortes, 2004Fortes, R. (2004) A torcida precisa e imparcial: Istoé, Veja e o Plano Cruzado [Dissertação de Mestrado em Comunicação]. Universidade Federal Fluminense, Niterói.). As medidas econômicas determinadas pelo governo de José Sarney, especialmente o congelamento de preços, levaram a uma expansão significativa do consumo. Segundo o jornalista Arthur Dapieve (2000)Dapieve, A. (2000). BRock – O rock brasileiro dos anos 80. Editora 34.:

Suas principais medidas ... abriram as portas da sociedade de consumo a cerca de 20 milhões de brasileiros que sobreviviam com um salário-mínimo ou menos. Essa gente saiu comprando, comprando e comprando, inclusive discos. Foi um ano de grandes vendagens: “Selvagem?”, dos Paralamas, logo atingiu a marca de 300 mil cópias; “Dois”, do Legião Urbana, chegou às 800 mil; e, campeão dos campeões, “Rádio Pirata – Ao vivo”, do RPM, comoveu mais de dois milhões de consumidores. Naturalmente, na cola desses números as gravadoras despejaram nas lojas dezenas de outras bandas. Nunca foi tão fácil.

(p. 201)

O disco mais vendido de várias bandas brasileiras com décadas de carreira, incluindo as citadas, foi aquele lançado em 1986, aproveitando o boom de consumo. Além disso, de acordo com reportagem intitulada “Os nanicos da nova geração”, publicada em 1987 na revista Imprensa, essas novas publicações setorizadas, como era o caso da Yeah! e da Overall – as duas mídias “nanicas” abordadas pela reportagem – acabaram por se consolidar no mercado porque resolveram apostar na fidelidade de um novo tipo de leitor, os praticantes de “esportes radicais” (no caso, os skatistas). No entanto, tratava-se de mídias com características bastante particulares, pois seus editores “nunca freqüentaram as grandes redações, não davam nenhuma importância a leads ou sub-leads e desprezavam as mais elementares convenções gráficas e editoriais”23 23 Revista Imprensa, dezembro de 1987, p. 22. . Paulo Lima, editor da Overall, advogado formado pela tradicional Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo, “entrou para o mundo dos ‘revisteiros’24 24 Mira (2001, p. 164-166) usa o termo “revisteiros” para se referir a adeptos de esportes e/ou atividades ao ar livre que criaram revistas nos anos 1980 sem ter formação em Comunicação Social ou experiência com jornalismo. Overall é um dos exemplos citados pela autora de publicações iniciadas por “revisteiros”. por pura ‘tietagem’”25 25 Idem, p. 22. É preciso ponderar a afirmação: a decisão de criar revistas e/ou empresas se dava também pelo desejo de combinar a proximidade da atividade com a viabilização de uma fonte de retorno financeiro (trabalho). Em outras palavras, inserir-se no mercado de trabalho, mas sem se afastar da prática corporal (skate, surfe etc.) de que tanto gostavam. , pois como surfista e skatista, ele se reconhecia como um ávido leitor das publicações destinadas a essas práticas que existiram no final da década de 1970 no país.26 26 Refere-se às revistas Esqueite, Brasil Skate e Brasil Surf. Nem ele nem Anshowinhas27 27 Paulo Anshowinhas de Oliveira Brito começou a escrever matérias em Fluir no ano de 1983 e, em 1986, junto a um grupo de amigos, deu início a uma publicação específica sobre skate, chamada Yeah!, inserindo-se também na equipe de articulistas do Jornal da Tarde, especializando-se em abordar os chamados “esportes radicais”, termo que ele próprio ajudou a popularizar e naturalizar. Além dessas publicações, Anshowinhas trabalhou no Caderno Zap do Jornal Estado de São Paulo, foi colunista do Correio Popular de Campinas e atuou como repórter nas TVs Gazeta, Cultura e Record. (Fortes & Brandão, 2013, p. 215). , editor da revista Yeah!, vieram da grande imprensa ou tinham formação universitária em jornalismo ou comunicação social. Apenas “começaram, ainda adolescentes, a trabalhar com o que gostavam [...] e daí, para criarem suas próprias publicações especializadas, foi apenas uma questão de tempo”28 28 Revista Imprensa, dezembro de 1987, p. 21. .

Para a jornalista Débora Chaves, entretanto, essa falta de formalismo acadêmico teve vários pontos positivos, principalmente porque esses jovens editores, amantes das práticas tematizadas em suas publicações, acabaram permitindo que suas equipes (formadas por skatistas) passassem a experimentar novas linguagens textuais e imagéticas. Tal fato, segundo ela, possibilitou o desenvolvimento de nichos de experimentalismo estético e narrativo que não encontravam espaço na grande imprensa. Em suas palavras,

Autodidatas em jornalismo, esses editores esportistas inovaram não apenas no texto e no visual de suas revistas, mas também no sistema de produção, onde a marca registrada é a improvisação. Na Overall, por exemplo, os membros do ‘conselho editorial’ entregam suas matérias escritas a mão, em bloquinhos de recados ou folhas de computador. Não raro, os próprios editores aparecem nas matérias, como é o caso de Paulo Anshowinhas, na Yeah!. “Além de editor, sou skatista e grande articulador dos movimentos skatistas”, defende-se Anshowinhas. Imparcialidade, de fato, não é o forte dessas revistas.29 29 Ponderamos que aqui a reportagem de Imprensa reproduz a crença – bastante disseminada no âmbito do jornalismo no Brasil – segundo a qual haveria imparcialidade nas revistas feitas por jornalistas com formação específica. “Não são publicações propriamente jornalísticas”, reconhece Otávio Rodrigues, 28 anos, diretor de redação da Overall e único jornalista formado a trabalhar na editora. “O que há é uma saudável mistura de emoção com informação”.30 30 Revista Imprensa, dezembro de 1987, p. 22. Fortes (2011b) considera o conceito de mídia de nicho, elaborado por Sarah Thornton, adequado para caracterizar tais veículos.

Maria Celeste Mira observou que a segunda metade da década de 1980 foi marcada pela presença significativa de veículos direcionados aos skatistas. Segundo ela, em 1988, Overall e Yeah! vendiam “100 mil exemplares bimestrais” cada (Mira, 2001Mira, M. C. (2001). O leitor e a banca de revistas: A segmentação da cultura no século XX. Olho d’Água., p. 165).31 31 É difícil ter fontes confiáveis a respeito da tiragem destas publicações. Mira trabalhou com fontes como relatórios e levantamentos para consumo interno da Editora Abril. Neste trecho, a autora cita como fonte uma matéria do diário O Estado de S. Paulo. Revista mais vendida do Brasil, Veja chegou a “uma tiragem de cerca de quinhentos mil exemplares já em 1981, e atingindo edições com mais de um milhão de exemplares em alguns momentos dos anos seguintes” (Velasquez e Kushnir, 2010). No período também apareceram programas sobre skate na televisão, nas rádios (como na 89.1 Mhz32 32 Tratava-se do programa “89 Overall Skate show”, realizado pelas revistas Trip e Overall, e apresentando no horário das 20 horas, “uma hora de música e informações dedicadas exclusivamente ao skate”. Fonte: Folha de São Paulo (Ilustrada), 27 de junho de 1988, p. A - 36. ) e no mercado dos quadrinhos, com o lançamento, também pela editora Abril e em junho de 1988, da HQ Skatemania, escrita por Spacca (que trabalhava no Jornal “Folha de São Paulo”) e Maurício Villaça.33 33 Folha de São Paulo (Folhinha), 19 de junho de 1988, p. B – 7. Lembramos que a HQ Skatemania teve propaganda veiculada na revista Veja, edição de 22 de junho de 1988, p. 110.

Certamente, os avanços da tecnologia foram favoráveis à difusão de uma maior quantidade de títulos, sendo a informática e as novas possibilidades de impressão, dados que devem ser levados em consideração com o aumento dos fabricantes e comerciantes do ramo de skate. Pois, se “uma só publicação não faz verão” (Bolota, 2000Bolota, F. (2000). Anos 80. In E. Britto (Org.). A Onda Dura: 3 Décadas de Skate no Brasil (pp. 30 – 55). Parada Inglesa., p. 35), o aparecimento da Yeah! disputando mercado com a Overall era um sinal de que o skate estava contando com um número mais expressivo de empresas, fábricas e lojistas que podiam anunciar nessas publicações, sustentando-as como canais de divulgação de seus equipamentos, roupas, peças e acessórios relativos à prática do skate.

O que dizem as cartas?

A seção de cartas esteve presente desde o número 1 de Overall34 34 Lembramos que antes da edição número 1, a Overall havia levado às bancas a edição número zero. , sendo chamada inicialmente de Cartas e Toques e, após o número 4, somente como Cartas. Essa seção ficava nas páginas finais de cada revista, era sempre listada no sumário e continha, dependendo da edição, de uma a três páginas. Ao todo, foram publicadas 107 cartas, sendo a quase totalidade de autores masculinos35 35 Apenas cinco cartas foram escritas por mulheres. As questões de gênero não são exploradas neste artigo porque o conteúdo dessas cinco cartas não nos possibilitou elementos para tanto. Por outro lado, fica evidente que a maior parte do público leitor dessa revista, tendo como base o remetente das cartas, era do sexo masculino. , com a maioria deles residentes no estado de São Paulo.36 36 Diferentemente de outras séries de correspondências, sobretudo aquelas relativas a instituições estatais, não há perspectiva de que tais cartas tenham sido preservadas em arquivos (BACELLAR, 2005). Não conseguimos informações a respeito da quantidade de cartas recebida pela revista. Supomos que a redação recebesse um volume de correspondência superior ao que publicava. Se isto ocorria, os envolvidos precisavam estabelecer critérios de seleção – entre os quais é possível especular alguns: presença de identificação e assinatura do remetente (a Constituição Federal de 1988 proíbe o anonimato); caligrafia legível; clareza de linguagem; diversidade (de pessoas, de regiões/estados do país, de assuntos). Seja como for, não podemos afirmar em que medida, do ponto de vista quantitativo (e, até certo ponto, qualitativo), as cartas publicadas eram representativas do todo recebido pelo correio. Quatro não tinham indicação de sua procedência. Deste modo, foi possível detectar que das 103 cartas que continham procedência, 49 provinham do estado de São Paulo e 44 de outros estados (além de dez do exterior), com destaque para o Rio de Janeiro37 37 Da cidade do Rio de Janeiro foram publicadas sete cartas e os seguintes municípios tiveram uma cada: Búzios, Campos dos Goytacazes e Duque de Caxias. , com 10, e Rio Grande do Sul38 38 Três missivas de Porto Alegre, e uma de cada um dos seguintes municípios: Canoas, Novo Hamburgo, Osório, Sapucaia do Sul e Viamão. , com oito. As demais provinham das seguintes unidades da federação: Paraná (seis cartas, sendo duas de Curitiba, uma de Londrina, uma de Toledo e outra de Astorga), Bahia (quatro cartas de Salvador), Pernambuco (quatro, sendo duas de Petrolina e duas de Olinda), Distrito Federal (duas de Brasília), Minas Gerais (duas, sendo uma de Belo Horizonte e outra de João Monlevade), Alagoas (uma de Delmiro Gouveia), Espírito Santo (uma de Vila Velha), Maranhão (uma de São Luís), Mato Grosso do Sul (uma de Campo Grande), Piauí (uma de Parnaíba), Rio Grande do Norte (uma de Natal), Rondônia (uma carta de Ji-Paraná). Por região, temos Sudeste (62), Sul (14), Nordeste (12), Centro-Oeste (3) e Norte (1). Outro dado interessante foi o envio de cartas de outros países, totalizando 10, sendo quatro de Portugal, três dos Estados Unidos e três da Argentina, o que sugere que exemplares da revista chegavam ao exterior – pelo menos no caso da Argentina, houve a publicação de uma carta que afirmava que a revista chegava às bancas de Buenos Aires.

Embora não seja nosso objetivo discutir essas cartas, chamaram nossa a atenção aquelas provenientes de Portugal, que reclamavam da não existência de pistas e de revistas de skate naquele país. Na edição de n. 2, de 1986, foi publicada uma carta do argentino Daniel Anton, de Buenos Aires, que escrevia sugerindo cooperação entre skatistas latino-americanos, de modo a manter um intercâmbio. Nesta edição, também o norte-americano Dave Ducan, de Cardiff/Califórnia, escreve perguntando sobre o cenário do skate no Brasil (nesta carta é possível compreender que ele já esteve no Brasil antes, pois avisa que fez um artigo sobre o Brasil para ser publicado numa revista norte-americana, chamada Transworld). Na edição de n. 3, de 1988, Brenno, de Los Angeles/EUA, parabeniza a revista e o argentino Fernando Castellana, de Buenos Aires, escreve afirmando que a revista Overall pode ser comprada nas bancas de Buenos Aires, mas reclama que chegavam poucas edições da mesma em seu país. Na edição de n. 5, de 1987, houve a publicação de uma carta de La Matanza/Argentina, na qual seu autor comunica a criação de um zine em sua cidade, chamado Grind, e também de uma banda de skate-rock, chamada Massacre Palestina. Na edição de n. 6, de 1987, há uma carta que apenas agradece a publicação de uma foto, escrita pelo norte-americano J. Brittain. Já na edição de n. 7, de 1989, há uma interessante carta vinda de Lisboa/Portugal, na qual seu autor, chamado Teófilo Augusto, escreve reclamando que em Lisboa não existem pistas e nem revistas de skate (tal fato sugere que a cena do skate estava muito mais evoluída no Brasil do que em Portugal). Na edição de n. 10, de 1988, Carlos, de Portugal, solicita à revista um projeto para a construção de uma pista de skate e, na edição de n. 12, Pedro, de Lisboa, reclama do fato do skate ser fraco em Portugal e pede ajuda aos brasileiros para aumentar a força deste esporte por lá. Por fim, e neste mesmo aspecto, Nuno, de Sacavém/Portugal, escreve reclamando da falta de pistas de skate em seu país.

Esse mapeamento da origem geográfica das cartas, portanto, é um indício de que, durante a segunda metade da década de 1980, a prática do skate já se encontrava presente em muitos municípios de distintas regiões do Brasil. Se, por um lado, houve a predominância de capitais e grandes cidades, por outro, ressaltamos a presença de vários municípios de pequeno e médio porte. A existência de um espaço para leitores se manifestarem, a participação dos leitores enviando as cartas, a seleção e a posterior publicação em edições que, por sua vez, eram distribuídas pelas diferentes regiões, permitiram contatos entre pessoas separadas por grandes distâncias geográficas, pois São Luís/MA dista mais de 4.000 km de Porto Alegre/RS, e leitores dessas duas localidades escreveram para Overall.

Foram diversos os assuntos tratados pelos leitores nas mais de cem cartas publicadas ao longo dos cinco anos da publicação, desde pedidos de projetos de pistas de skate a reclamações sobre a organização de campeonatos, pedidos de patrocínio e até poesias. Entretanto, por uma questão de escolha metodológica, abordaremos aqui os dois temas que apareceram com maior frequência nas cartas e que demonstram a ambivalência que esteve presente nesta atividade, qual seja, o crescimento da prática e sua marginalização. Por esse motivo, destacaremos primeiro o papel da própria Overall como dinamizadora do skate e, num segundo momento, as proibições e perseguições à prática a partir do surgimento e disseminação da modalidade street skate.

A revista Overall como dinamizadora da prática do skate

Fortes (2008)Fortes, R. (2008). De “passatempo de vagabundos” a “esporte da juventude sadia”: surfe, juventude e preconceito em Fluir (1983 – 1988). Anais do XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 4-7. argumenta que uma revista pode influenciar e dinamizar a experiência esportiva e que isto ocorreu com esses novos esportes praticados à maneira californiana. Certamente, ao mesmo tempo em que não podemos responsabilizar uma publicação pelo interesse de milhares de pessoas em se envolver com uma determinada atividade, por outro, também não podemos perder de vista que uma revista especializada, com distribuição ampla, ajuda a “estabelecer parâmetros e despertar interesse em gente de todo o país” (Fortes, 2008Fortes, R. (2008). De “passatempo de vagabundos” a “esporte da juventude sadia”: surfe, juventude e preconceito em Fluir (1983 – 1988). Anais do XIII Encontro de História da Anpuh-Rio, 4-7., p. 6).

A circulação de Overall no extenso território nacional sugere que havia muitos jovens praticando a atividade e que a publicação pode ter ajudado a dinamizá-la. Uma evidência disso é o número de cartas que foram escritas por jovens skatistas com o intuito de simplesmente agradecer pela existência da revista.

Evidentemente, tais cartas se concentraram mais nas edições inicias, uma vez que Overall representava uma novidade por ter sido a primeira revista exclusivamente de skate publicada na década de 1980. Assim, o skatista Luiz Henrique Galliac, de São Paulo/SP, enviou “congratulações pelo primeiro número” (provavelmente referindo-se ao número zero), dizendo que “há tempos que a galera do skate vem aguardando uma publicação como esta”39 39 Revista Overall, n. 1, 1985, p. 29. . Na edição seguinte, houve várias cartas de felicitações. Esse foi o caso, por exemplo, de Antônio Henrique López, da cidade do Rio de Janeiro, que escrevia para “parabenizá-los pela última edição que deixou a galera mais confiante no futuro do esporte aqui no Brasil”, sendo seguido pelo leitor Glauco de Freitas, de Búzios/RJ, que se mostrava “satisfeito com a segurança e a maturidade dos editoriais”, desejando muito sucesso à revista. Julio Hatzenberger, de Canoas/RS, afirmou que “realmente a Overall não está pra brincadeira. O número 1 ficou chocante. A capa e o pôster mataram todas”. E por fim, escrevendo em nome da SUB, abreviação para Skatistas Unidos de Brasília, Robert Lopes Soares explicava que o sucesso da publicação fora tão grande em sua cidade que “quase saiu briga para ver quem é que ficava com o Overall40 40 Revista Overall, n. 2, 1986, p. 36. . Uma expressão de mesmo sentido apareceu anos depois, quando Marcos Alfredo, de Belo Horizonte, comunicou que “a revista nas bancas aqui de Belo são disputadas quase a tapas”41 41 Revista Overall, n. 13, 1989, p. 49. . Tais afirmações permitem pensar que houve, ao menos em certas localidades e em determinados meses, um descompasso entre oferta e demanda. Isto pode se dever a múltiplos fatores, desde a tiragem de cada número até os critérios e métodos de distribuição dos exemplares pelo extenso território brasileiro – tarefa custosa e complexa, aliás. Além disso, destacamos nestas falas o intenso desejo dos jovens entusiastas do skate de adquirir e consumir este objeto impresso. Embora não seja o foco deste artigo explorar tal questão, registramos o fascínio que certas publicações exerceram sobre segmentos da juventude brasileira nos anos 1970 e 1980,42 42 Tal foi o caso da revista Brasil Surf, editada nos anos 1970, conforme vários depoimentos no documentário Brasil Surf Doc (direção: Olivio Petit, 2015). assunto que consideramos merecer a atenção de pesquisas futuras.

Na edição de número 3, continuam as cartas de cumprimentos, e uma, em especial, enfatiza o papel da revista como um estímulo à prática do skate. Quem escreve é Hugo Bellingrodt, de Brasília/DF:

Estou bastante contente e quero parabenizar vocês pela brilhante revista. Contente porque durante alguns anos eu senti o skate ir decaindo como se fosse uma moda passageira, ficando restrito a locais onde só fanáticos ainda mantinham os pés no shape. Com a Overall, a gente se sente gratificado por ter mantido o esporte, ainda que reduzido, durante a estiagem. Realmente, vocês estão dando força total e um impulso bem grande ao skate43 43 Revista Overall, n. 3, 1986, p. 40. .

Esse tom de agradecimento perpassa os números subsequentes. Na edição de número 5, Alex, de Vila Medeiros, um distrito situado na Zona Norte do município de São Paulo, afirmou que a chegada de Overall revitalizou a prática do skate44 44 Revista Overall, n. 5, 1987, p. 48. , e na edição seguinte, George Araki, de São José dos Campos/SP, relatou que a revista vem ajudando no incentivo ao skate, desde o iniciante até o veterano45 45 Revista Overall, n. 6, 1987, p. 49. .

A partir da edição de número 7, de 1987, as cartas parabenizando a existência da publicação vão ficando mais escassas, uma vez que a revista deixa de ser uma novidade. Embora o tom de agradecimento tenha sido encontrado nas demais edições, um acontecimento acabou por concentrar a atenção das cartas em Overall: a repressão à prática do skate nas ruas, em particular, a proibição do skate em São Paulo, decretada no ano 1988 pelo então prefeito, o ex-presidente da República Jânio Quadros.

As proibições da prática do skate a partir da emergência do street skate

Embora o skate praticado em pistas com rampas verticais (half-pipe, banks, bowl) viesse se estruturando como uma modalidade esportiva no país, contando com campeonatos, premiações e investimentos, a ascensão do chamado street skate, durante a segunda metade da década de 1980, acabou se tornando um fenômeno entre muitos jovens, ao propor um outro lugar para essa prática, indo além das pistas. Evidentemente, devemos ter em mente que muitas cidades do país não contavam com tais equipamentos específicos e que, portanto, para um jovem, praticar skate nas ruas e nas praças – nisto consiste o street skate – era a única opção. E, onde não havia pistas, era uma forma mais fácil e rápida de se inserir nesta atividade.46 46 Por exemplo, por poder ser realizada no próprio bairro, evitando os longos deslocamentos até o local em que se situava a pista de skate e possibilitando a redução dos custos com transporte e alimentação.

O street skate, portanto, proliferava em sentido distinto do skate organizado em pistas e campeonatos, protagonizando percursos onde o corpo atuava em territórios com fronteiras menos rígidas. De acordo com alguns pesquisadores norte-americanos, o “street skate enaltecia uma identidade urbana que envolvia liberdade e não conformidade” (Atencio et al., 2009Atencio, M., Beal, B., & Wilson, C. (2009). The distinction of risk: urban skateboarding, street habitus and the construction of hierarchical gender relations. Qualitative Research in Sport and Exercise, 1 (1)., p. 6).

A partir do experimentalismo estético/espacial que os skatistas de rua passaram a realizar a partir da segunda metade da década de 1980, certamente algo inesperado por políticos, urbanistas, arquitetos, designers e demais planejadores e gestores do espaço urbano, podemos identificar nessa atividade uma série de contraposicionamentos que teriam consequências, como veremos adiante. Esse novo uso engendrava uma forma de ver e utilizar o espaço que não era prevista – e nem foi bem aceita – institucionalmente. Fazer de um corrimão um obstáculo, e não um instrumento de ajuda para apoiar o corpo, usar escadas para saltos, e não como um auxílio para se passar de um nível ao outro do pavimento, são exemplos concretos, reais e localizáveis de invenção de outros espaços e de formas de uso alternativas dentro dos próprios espaços urbanos. A revista Overall não apenas retratava essas práticas como também buscava ensinar os iniciantes a se inserirem nesta cultura corporal e urbana.

A questão, entretanto, é que as práticas provenientes do street skate geraram inquietações. Com a emergência do street, os discursos veiculados por Overall já não se faziam exclusivamente em prol de sua efetivação como um “esporte”. Para além dos voos alçados nas pistas, esse novo uso do skate nos espaços urbanos ativava formas de enunciações discursivas até então inexistentes (ou pouco relevantes) nas publicações da década de 1970, como Esqueite e Brasil Skate (Brandão, 2014Brandão, L. (2014). Para além do esporte: Uma história do skate no Brasil. Edifurb.).

Na capa do segundo número de Overall figurava o skatista paulistano Fernandinho que, segundo se afirmava no interior da publicação, estava “horrorizando os obstáculos das ruas de Sampa”47 47 Revista Overall, nº 2, 1986, p. 5. . Nesta edição, em especial, o street foi o tema principal em uma matéria que recebeu o título irônico48 48 A ironia se deve ao fato do skate produzir muito barulho ao ser exercido nas ruas, fato que entrava em contradição com o título da matéria, que dizia: “Não acordem a cidade...”. : “Não acordem a cidade... Street Skate49 49 Possivelmente este título “Não acordem a cidade” também faça alusão a uma canção de mesmo título da banda de punk rock chamada Inocentes. A letra da música, transcrita no livro de Helena Wendel Abramo, diz assim: “De noite quando a cidade dorme/anjos negros de asas sujas e escuras/saem de suas tocas/e tomam conta das ruas/são os reis da diversão/do ódio e da solidão/não têm esperança/nem de viver nem de vingança/em cada esquina que você passar/em cada beco que você entrar/não se espante/eles vão estar lá/vendem sexo e drogas/roubam ou matam/têm vida curta/não importa o que façam” (Abramo, 1994, p. 102). . A matéria, escrita por Fábio Bolota (skatista e um dos articulistas da publicação) se reportava ao street skate da seguinte maneira:

Eu quero mais é asfalto e concreto, para pegar meu skate e sair por aí, gastando minhas rodas, descendo e subindo ladeiras puxado por ônibus, dropar de muros, horrorizar o trânsito, achar transições para uma boa diversão, entrar na contra-mão, subir guias, etc. Por que? Porque nós amamos isto, vivemos disto!!!

Imagine a infinidade de coisas que uma cidade pode ter em suas ruas, postes, carros, guias, shits, bêbados, bitchs, transições, buracos, valas, velhas e muito asfalto. E o que isto significa? Obstáculos?

Talvez sim, para aqueles que não possuem a ousadia de encarar ruas desconhecidas e terrenos inexplorados. Mas para outros, todos esses “obstáculos” se transformam num verdadeiro campo de batalha, em que o objetivo é demonstrar o domínio sobre a arma de ataque: o skate. E o ground de ação: as ruas!50 50 Revista Overall, nº 4, 1986, p. 16.

“Horrorizar os obstáculos das ruas”, “horrorizar o trânsito” e “entrar na contra-mão” não parecem ser atitudes condizentes ao que geralmente identificamos como “esporte”. Se com os campeonatos e o desenvolvimento do skate em pistas a prática dessa atividade estava sendo associada ao termo “esporte radical”, agora, para além dele (mas de modo concomitante), reivindicavam-se certas características que se distanciavam das tradicionais formas de organização esportiva.51 51 Para além disso, há a questão das reclamações de citadinos sobre os adeptos do street skate e dos usos dos equipamentos urbanos feitos pelos mesmos. Trata-se de questão ainda por investigar e que requeriria utilização de fontes como periódicos locais e/ou de bairro, registros policiais e de atendimento médico e processos judiciais.

Simultaneamente ao uso em pistas e em campeonatos, portanto, Overall passou a incentivar a prática nas ruas. Quando essa vertente ganhou uma quantidade grande de adeptos e começou a incomodar transeuntes e autoridades, as cartas de jovens skatistas reclamando sobre a repressão à atividade invadiram a seção Cartas. Nas regiões metropolitanas de São Paulo e do Rio de Janeiro, na década de 1980, havia outras atividades juvenis que causavam incômodo – algumas delas compartilhadas pelos skatistas –, como o envolvimento com o movimento punk e o grafite/pichação. Muitos destes jovens residiam nos subúrbios, mas não ficavam confinados a seus bairros, o que também incomodava setores da sociedade e autoridades (Arce, 1999Arce, J. M. V. (1999). Vida de barro duro: Cultura popular juvenil e grafite. Ed. UFRJ.; Caiafa, 1985Caiafa, J (1985). Movimento punk na cidade: A invasão dos bandos sub. Jorge Zahar.).

Em 1988, o leitor Raphael Bittencourt, de Curitiba/PR, reclamava de pessoas de sua cidade que difamavam os skatistas, pois “existem lugares aqui em que skater52 52 Trata-se de uma apropriação de palavra com outro sentido. Em inglês, skater significa patinador, ao passo que skateboarder equivale a skatista. é pior que maloca”53 53 Revista Overall, n. 9, 1988, p. 70. Maloca e maloqueiro eram (e permanecem) gírias usadas em SP e na Região Sul como sinônimos para bandido, ladrão e/ou marginal. . Entretanto, foi a partir da proibição da prática do skate na cidade de São Paulo, decretada pelo seu prefeito Jânio Quadros no dia 24 de junho de 1988, que as cartas sobre a repressão ao uso do skate ganharam mais espaço. Em sua edição de número 10 deste mesmo ano, quatro das onze cartas publicadas tinham como assunto central a proibição do skate nas ruas.

Luciano Pandinha, de São Paulo/SP, escreveu à redação: “venho criticando o Jânio pelo que fez com os skatistas de São Paulo, proibindo o skate no Ibirapuera e nas ruas”. De modo análogo, Saulo Oliveira Cabral, do mesmo município, explicava que “No Ipiranga não há nenhum lugar pra praticar vertical ou banks, com tanta área da prefeitura vaga por aí. Já tínhamos poucos lugares pra praticar skate a ainda o Sr. Jânio inventa essa lei. Assim não dá!”54 54 Revista Overall, n. 10, 1988, p. 65. .

Na medida em que a repressão ao skate nas ruas de São Paulo se tornou visível e explícita, a partir do decreto de Jânio Quadros, skatistas de outras cidades escreveram para Overall alegando sofrerem coibições semelhantes nos municípios em que moravam. Tal foi o caso, por exemplo, de Arquimedes Nascimento, de Guarulhos/SP, que escreveu denunciando o que vinha acontecendo em sua cidade: “estou meio descontente com a repressão das autoridades para com os skaters”55 55 Idem, p. 65. . Ainda em 1988, Paulo Gomes, de São Luís/Maranhão, desabafou:

Aqui em São Luís (MA), a repressão é uma coisa negativa, pois não podemos evoluir com tanta repressão. Porra! Pra que tanta? Será que somos criminosos? Estamos praticando algum crime andando de skate? Se andamos em lugares públicos, aparece sempre um otário para nos repreender. Oh shit! Assim não dá. Precisamos com urgência de uma pista, senão, mais cedo ou mais tarde, o skate em São Luis acabará. Um repressor onde moro, aqui na Cohama, é uma delegada chamada Marilda. Ela sempre tenta, mas nunca consegue, pois quando eles aparecem na Veraneio, tiramos rápido as rampas e o trilho. Esses policiais com cara de bundão ao invés de procurar ladrão para prender, vem é nos repreender56 56 Revista Overall, n. 11, 1988, p. 64. .

Uma história das proibições e repressões ao skate no Brasil durante a década de 1980 é uma tarefa/pesquisa ainda por fazer. Por isso, carecemos de dados para saber em quais municípios havia leis ou ordenanças que estabeleciam restrições à prática do skate. Este conjunto de correspondências indica que a ideia de serem objeto de repressão era uma percepção presente entre os skatistas e que os motivava a escreverem cartas denunciando tal postura das autoridades. Parece-nos que tal dado pode ser inserido no rol amplo de perseguições das forças repressivas a atividades de lazer da juventude, especialmente quando jovens moradores de bairros periféricos circulam pelo espaço urbano (Arce, 1999Arce, J. M. V. (1999). Vida de barro duro: Cultura popular juvenil e grafite. Ed. UFRJ.).

No caso específico da carta acima, fica clara a discrepância entre o desejo dos jovens de praticar skate – inclusive deslocando-se pela cidade com equipamentos pesados como trilho e rampas e tendo que fugir da polícia carregando-os – e a falta de um espaço adequado para esta atividade de lazer. Numa postura ativa, os jovens demandavam a construção de uma pista. Note-se ainda que o missivista identifica seu nome e sobrenome, a área em que reside e o nome da “repressora”, o que pode sugerir que não passava pela cabeça do autor a possibilidade de a delegada ter acesso à edição da revista com a publicação da denúncia.57 57 Também é possível que o nome do missivista e/ou da delegada tenham sido trocados pelo autor ou pela redação de Overall. Há ainda a hipótese de ser simples irresponsabilidade, característica comum na juventude.

Nesta mesma edição, Allan Ferreira, um skatista do interior de São Paulo, da cidade de Igarapava, dizia que:

Somos do interior (da roça) de São Paulo: Igarapava.58 58 Os censos realizados pelo IBGE em 1980 e em 1991 apontaram, respectivamente, populações de 20.257 e 22.237 pessoas no município de Igarapava. Cf. a p. 91 do documento disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/309/cd_1991_v6_n19_sp.pdf. Acesso em 9 abr. 2019. Estamos querendo o nosso espaço aqui, pois a Lei não permite skate nas ruas. Vamos a 36 km para comprar suas revistas, pois são as melhores do Brasil. O prefeito nos promete todas as semanas a construção de uma pista, mas não passa de ilusão. A nossa única opção é construir rampinhas de street, mas, mesmo assim, os donos reclamam por andarmos nas suas calçadas. Queremos o apoio da Overall, porquanto Skateboarding is not a crime.59 59 Idem, p. 65.

A carta aponta a tomada de iniciativas por parte dos entusiastas. Eles se deslocavam por dezenas de quilômetros para adquirir um exemplar da publicação (o que corrobora nosso argumento de que tais impressos eram objetos de consumo bastante desejados), demandavam do prefeito a construção de um espaço exclusivo para a atividade e escreviam para a revista relatando sua situação e pedindo apoio. Para além de um papel bastante ativo e indicador da importância que tal prática tinha em suas vidas, a postura desses jovens revela simultaneamente uma visão de Overall como um agente com força para ajudá-los na luta por mudanças: por existir e, simplesmente por isso, retroalimentar o desejo desses jovens; mas também por funcionar como um fórum por meio do qual o leitor comum, em Cartas, podia fazer sua voz (e, no caso, queixa) ser ouvida em todo o país. Embora não tenhamos realizado estudo de recepção, não parece exagerado supor que a leitura de tais cartas conferisse a muitos jovens a sensação (e o alento) de não estarem sós, mas sim de compartilharem desejos, angústias, lutas e dificuldades com pares noutras várias cidades do país. É provável que este efeito se desse inclusive com os próprios missivistas, especialmente quando suas cartas eram publicadas.

Portanto, compreendemos que o episódio do skate como uma prática perseguida pelas autoridades não ficou restrita, geograficamente, à cidade de São Paulo. Se, de fato, a reação das autoridades teve tal amplitude, isto indica a abrangência do fenômeno e a quantidade de praticantes. No mesmo sentido, a adoção de uma solução pelo prefeito do município mais populoso do país possivelmente reverberou, estimulando outros a fazerem o mesmo. É o que sugere, ainda em 1988, Edu Salgado, de Sapucaia do Sul/RS, ao explicar que lá o skate estava sendo proibido também:

O vírus recentemente descoberto, o “Jânio Quadrus Chatus”, pega!!! Já chegou aqui no Sul: um idiota que está na prefeitura deste c. de mundo proibiu a nossa única pista, a rua! O que acham? Mimoso, né? O problema é o seguinte, proíbem sem ao menos reservar – por menor que seja –um espacinho para andar. Gostaria muito que dissessem se é legal este tipo de decisão, e se não for, o que poderíamos fazer para resolver...”. Queremos dizer, para a gurizada aí de Sampa que sabemos direitinho pelo que estão passando...e juntos, paulistas e gaúchos, gritemos: Skate or die!60 60 Revista Overall, n. 12, 1988, p. 64. .

À febre do skate se seguira a das proibições por parte dos prefeitos, desde uma das maiores metrópoles da América Latina às “roças” e “cus do mundo”. Novamente a queixa critica a proibição pura e simples, sem que se oferecesse aos skatistas uma área específica, própria e/ou autorizada para a prática.

Na edição seguinte, número 14 do ano de 1989, as cartas publicadas continuam denunciando a proibição do skate em outras cidades, e começam a aparecer as de jovens skatistas queixando-se da repressão familiar. De Cordeirópolis/SP, o skatista Igor Santucci reclamou que a polícia estava apreendendo os skates; Victor Beal, de Toledo/PR, denunciou um pastor da igreja de sua cidade que vinha pedindo para a polícia recolher as rampas e trilhos que os skatistas construíam nas calçadas; Edilson de Oliveira, de Lins/SP, escreve que “em Lins é muito difícil andar, pois não temos nenhuma pista e a polícia proibiu skate nas ruas. Transformaram o esporte em crime”. Fábio Bezzi, de Campinas/SP, abordou outra repressão, a de seu pai, que o proibiu de praticar skate; caso análogo é o de uma das poucas jovens que escreveram para Overall, Adriana Oliveira, de Itaim/SP, que comentou: “Sou uma garota que adora skate e skaters. O problema é que em casa ninguém gosta; não me dão apoio nem um skate. Mas um dia, o esporte vai ser legalizado!!! E meus pais me darão o maior incentivo”.61 61 A frase sugere que a questão de gênero desempenhava um papel no desestímulo, por parte dos pais, ao envolvimento da missivista com o skate. As questões de gênero são um aspecto que pode ser explorado em outros trabalhos a respeito da história do skate. Para este assunto em específico, indicamos a leitura da seguinte tese de doutorado: Figueira, Márcia Luiza Machado. Skate para meninas: modos de se fazer ver em um esporte em construção [Tese de Doutorado em Ciências do Movimento Humano, UFGRS, 2008].

Ao todo, a edição 14 contou com dez cartas publicadas. Cinco reclamavam da proibição ao skate, e as outras cinco pediam a construção de pistas públicas. Este fora o caso de uma carta enviada por Nelson Garcia dos Santos, do município de Cosmópolis/SP, onde se lê:

Não temos uma skatepark para andar. Teve até um vereador que, antes de ser eleito, nos prometeu um half. Agora estamos organizando uma passeata. Estamos desesperados, pois nesta bosta de cidade não tem onde andar. Temos algumas rampinhas de street, mas a vizinhança caipira é muito careta! É um saco!62 62 Revista Overall, n. 14, 1989, p. 69.

O skatista declarava que ele e seus colegas dialogavam com lideranças políticas, organizando uma manifestação para pressionar em favor de suas demandas ou recebendo uma promessa de candidato não cumprida após a eleição. Isto, no mínimo, evidencia que alguns políticos estavam atentos à movimentação destes jovens e/ou ao potencial, em termos de votos, da realização de promessas de incentivo ao skate no âmbito do esporte e lazer. Trata-se também de uma evidência de que a quantidade de adeptos era relevante.

As demais edições da revista continuaram trazendo denúncias contra a proibição e/ou repressão ao street e a falta de pistas e de apoio dos pais. Walney Bastos, de Delmiro Gouveia/AL, reclamou que, além de seu município não ter pista, seus pais não o apoiavam na prática do skate63 63 Revista Overall, n. 15, 1989, p. 62. . O número 16 apresentou um compilado de duas cartas, uma de Santos/SP e a outra de Viamão/RS, que ambas reclamavam da repressão contra o skate nas ruas, e a própria revista se colocava em defesa dos skatistas:

O Alexandre Leão de Santos/SP, reclama que não pode colocar as rampas na rua, pois as pessoas latem que vão chamar a polícia; se vão pra calçada, relincham que vai quebrar o piso e destruirão as rampas ou chamarão a polícia também. Ele pede que a prefeita Telma de Souza construa área própria. Já Tito Lívio de Viamão/RS, denuncia a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, onde quatro guardas (armados) de um lado e dois de outro, cercaram-no e à galera, intimaram e tomaram os skates, só devolvendo dias depois. Que palhaçada! Cuidado, que estes cães ladram e mordem. Xô! Passa!64 64 Revista Overall, n. 16, 1989, p. 62.

Trata-se de um posicionamento da revista, que não era apenas uma arena em que se manifestavam diversas vozes mas também um agente. A tomada de posição possivelmente tem também motivações mercadológicas, buscando contemplar diferentes setores interessados no skatismo. Deste modo, a revista Overall se portava como uma mídia que não apenas divulgava o skate como fomentava todas as vertentes dessa cultura, fosse na forma de campeonatos profissionais em pistas ou na forma da prática nas ruas, como lazer e diversão.

Ademais, parece haver uma contradição interna no discurso da publicação. Afinal, se um dos objetivos dos skatistas do street era “horrorizar” as pessoas e o trânsito, como citado, era previsível que incidisse sobre eles a repressão das autoridades.

Considerações finais

Investigamos neste artigo elementos oriundos da comunicação por cartas como fonte de pesquisa nos estudos sobre o skatismo, em especial, o praticado como lazer não profissional. Neste sentido, lembramos que o avanço das pesquisas sobre lazer pode ocorrer na medida em que o pesquisador busca investigar veículos de comunicação que estão situados para além – ou aquém – da mídia hegemônica, como os veículos de nicho (Fortes, 2011aFortes, R. (2011a) Lazer e meios de comunicação. In H. F. Isayama, & S. R. Silva (Orgs.), Estudos do lazer: Um panorama (pp. 51 – 63). Apicuri., p. 58). Tal justificativa ocorre porque a mídia hegemônica costuma enfatizar determinadas práticas de lazer em detrimento de outras, como no caso do skate durante os anos 1980.

Como frisado no início deste texto, apostamos que as cartas dos leitores poderiam nos oferecer outros ângulos de análise para além dos demais conteúdos dessas revistas, na maioria das vezes, centrados em entrevistas com skatistas profissionais ou na cobertura de campeonatos. Não que tais conteúdos não sejam importantes, mas eles já foram tratados em pesquisas anteriores (Brandão, 2011Brandão, L. (2011). A cidade e a tribo skatista: Juventude, cotidiano e práticas corporais na história cultural. Ed. UFGD., 2014Brandão, L. (2014). Para além do esporte: Uma história do skate no Brasil. Edifurb.).

Após analisar as 107 cartas publicadas em todas as edições de Overall, chegamos à conclusão de que, na segunda metade da década de 1980, o skate teve nesta revista um importante canal de divulgação cultural, uma vez que seus redatores se identificavam com ele, engajando-se no fortalecimento e crescimento deste esporte-lazer. A fundação de Overall foi comemorada por leitores que escreviam cartas para agradecer a existência dessa mídia, além de parabenizar seu corpo de articulistas e fotógrafos. A presença de Overall representava um motivo de alegria para muitos, que disputavam “a tapas” cada número que chegava às bancas. Podemos afirmar que Overall ajudou a fomentar a cena do skate no período, contribuindo para o crescimento dessa atividade em todo o país.

Além deste fato, o aspecto que consideramos mais relevante no universo de cartas foi a reclamação acerca da repressão à prática do street skate, tanto em São Paulo quanto em outras cidades. Diversos skatistas, cansados da repressão, mas também ávidos por praticar skate em pistas especializadas, solicitavam às prefeituras a construção de espaços públicos em suas respectivas cidades.

Deste modo, é possível concluir que a construção de pistas de skate – quando atendida pelos órgãos públicos – não significava (somente) um projeto disciplinador por parte desses órgãos, mas também o atendimento a um anseio dos praticantes de skate, que viam na construção desses espaços uma forma de dar continuidade à prática do skatismo sem sofrer repressões de policiais ou da vizinhança. As cartas sugerem jovens ativos, que demandavam da revista a veiculação de suas reivindicações e, das autoridades, o atendimento às mesmas. Isto incluía não apenas o reconhecimento da prática do skate como legítima, mas também seu reenquadramento do ponto de vista das políticas públicas, com o fim da repressão e a construção de equipamentos de lazer adequados a ela. Um levantamento para identificar os municípios brasileiros onde havia pistas permanentes, os responsáveis por sua construção e se o acesso era restrito/pago ou livre, é algo ainda por fazer. Seja como for, a demanda de construção de pistas por parte do poder público, para andar de skate em segurança e em paz, sugere que muitos não queriam horrorizar a cidade.

Por fim, destacamos que o skate pode ser visto como uma importante atividade de lazer juvenil durante a segunda metade da década de 1980, que fez parte do cotidiano de jovens de diferentes municípios – indo além do eixo RJ-SP, onde se encontrava uma parcela importante dos adeptos –, pois skatistas de todas as regiões escreveram para Overall relatando seus sonhos, paixões, angústias e dilemas. Entre as angústias e dilemas, a proibição e/ou repressão à prática nas ruas foi a que sobressaiu. O skate era uma atividade de lazer, mas um lazer representado como proibido e marginal. Talvez dessa visão de potencial marginalidade (mesmo que fosse, como no caso de um skatista citado, uma repressão por parte da mãe), paradoxalmente, tenha resultado a tamanha adesão que obteve de um setor importante do público juvenil.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Maria Thereza Sampaio Lucinio – thesampaio@uol.com.br.
  • 3
  • 4
    Na década de 1970, no Brasil, o skate era uma novidade – inicialmente chamado de “surfinho” – e praticado por setores da classe média alta. Havia a preocupação dos pais e familiares com os riscos que o esporte oferecia, mas ele não era marginalizado. Essa questão da marginalização surgiu, sobretudo na década de 1980, com o desenvolvimento do street skate, modalidade na qual o skatista passou a interagir com aparelhos urbanos, tais como escadas, corrimãos, guias, muretas etc. Além disso, contribuíram para essa marginalização sua associação com o punk-rock e a adoção de um visual alternativo (Brandão, 2014Brandão, L. (2014). Para além do esporte: Uma história do skate no Brasil. Edifurb.).
  • 5
    Elementos recorrentes nas cartas nos permitem afirmar que eram sobretudo jovens e praticantes. Jovens porque caracterizavam a si mesmos como tal ou por outros elementos (como morarem com os pais e/ou dependerem de autorização dos pais para circularem por certas zonas do espaço urbano e/ou para realizarem atividades – por exemplo, andar de skate). E praticantes porque assim se identificavam e também porque o conteúdo de muitas cartas dizia respeito ao universo da prática, incluindo dúvidas (por exemplo, como realizar determinada manobra ou como construir uma rampa de madeira) e relatos de perseguições.
  • 6
    Utilizamos aqui a noção de esportes californianos de Pociello (1995)Pociello, C. (1995). Os desafios da leveza: as práticas corporais em mutação. In D. B. Sant’anna (Org.), Políticas do corpo: Elementos para uma história das práticas corporais (pp. 115 – 120). Editora Estação Liberdade., pois a maioria dessas atividades físicas (skate, BMX, surfe, windsurfe, bodyboard etc.) foi desenvolvida e passou - inicialmente - por um processo de esportivização no estado da Califórnia (EUA).
  • 7
    Além da Overall (1985/1990), a segunda metade da década de 1980 contou também com as revistas Skatin’ (1988/1990), Yeah! (1986/1988), Vital Skate (1988) e o informativo Skt News (1988/1990). Além delas, vale destacar também o álbum de figurinhas Overall Skate Stamps, que circulou em 1987 e foi responsável pelo primeiro contato de toda uma geração com o skate.
  • 8
    Nossa preocupação em caracterizar a revista Overall, antes de analisar as cartas propriamente, inspira-se nos estudos de Tânia Regina de Luca (2005)Luca, T. R. (2005). História dos, nos e por meio dos periódicos. In C. B. Pinsky (Orgª.), Fontes históricas (pp. 111 – 153). Contexto..
  • 9
    Em 1990, ano que marca o término de Overall, apenas duas edições foram lançadas, a de número 18 e a de número 19.
  • 10
    Além dos eventos em Guaratinguetá/SP, outros campeonatos de skate, como o “Primeiro Torneio Verão de Skate”, realizado entre 5 e 6 de janeiro de 1985, na Pista de Skate de Campo Grande, Rio de Janeiro, também evidenciam o crescimento da prática no período. Este campeonato foi retratado nas páginas de Visual Esportivo como um acontecimento que envolveu numerosos skatistas, os quais participaram em três modalidades distintas. Fonte: Revista Visual Esportivo, n. 16, 1985, p. 25Revista Visual Esportivo, n. 16, 1985..
  • 11
    A revista Visual Esportivo era comandada por Nilton Ribeiro Barbosa e seu irmão Nilson Barbosa. Eduardo “Dadá” Borgerth, por sua vez, fora “editor de surf da revista Visual Esportivo” e “fez parte da equipe que concebeu o projeto da Trip”. Em seu auge, a editora dos irmãos Barbosa publicou também Visual Surf e Visual Body Board. Adler, J., & Barbosa, N. Goiabada, 20 dez. 2005. http://julioadler.blogspot.com/2005/12/nilton-barbosa.html.
  • 12
    Apresentou os programas Visual Esportivo Surf Report (rádio 87 FM, São Paulo/SP, 1984-1986). Em 1986, saiu da equipe de Visual Esportivo para fundar a revista Trip e transformou o programa em Trip 89 (rádio 89 FM, São Paulo/SP). É proprietário da Trip Editora. TRIP FM 25 anos. Trip, 28 ago. 2009. https://revistatrip.uol.com.br/trip/trip-fm-25-anos. RODRIGUES, Alana. Programa de entrevistas "Trip FM" celebra 30 anos e independência editorial. Portal Imprensa, 7 ago. 2014. http://www.portalimprensa.com.br/noticias/brasil/67359/programa+de+entrevistas+trip+fm+celebra+30+anos+e+independencia+editorial. LESSA, Isabella. Trip: a viagem dos 30 anos da revista. Meio & Mensagem, 18 out. 2016. https://www.meioemensagem.com.br/home/midia/2016/10/18/aos-30-trip-alimenta-projetos-customizados-para-marcas.html
  • 13
    Foi responsável, junto com Paulo Lima, pelo escritório de Visual Esportivo em São Paulo. Fundou a Trip. Em Overall, foi um dos responsáveis pelo planejamento e, posteriormente, diretor administrativo. Cf. Revista Overall, n. 1, 1986. Revista Overall, n.19, 1990Revista Overall, n. 19, 1990.. Scheller, F. ‘Éramos uma startup encarando um tsunami’. O Estado de S. Paulo, 22 ago. 2012. https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,eramos-uma-startup-encarando-um-tsunami,124147e
  • 14
    Colaborador editorial nas matérias sobre skate em Visual Esportivo. Fonte: Revista Visual Esportivo, n. 14, 1984Revista Visual Esportivo, n. 14, 1984..
  • 15
    Colaborador editorial nas matérias sobre skate em Visual Esportivo. Fonte: Revista Visual Esportivo, n. 14, 1984Revista Visual Esportivo, n. 14, 1984..
  • 16
    Visual Esportivo continuou existindo, enquanto foram criados títulos específicos para surfe (Visual Surf, Visual Surf Magazine) e bodyboard (Visual Bodyboard).
  • 17
    Revista Overall, (zero), 1985Revista Overall, n. 0, 1985., p. 4.
  • 18
    Revista Overall, n. zero, 1985Revista Overall, n. 0, 1985., p. 4.
  • 19
    Revista Overall, n. 1, 1986Revista Overall, n. 1, 1986., p. 4.
  • 20
    Segundo dados do IBGE, no Anuário Estatístico do Brasil de 1980, a cidade de São Paulo contava com 8. 490, 763 habitantes, sendo seguida pelo município do Rio de Janeiro, com 5.039, 496. Em terceiro lugar, destaca-se Belo Horizonte, com 1.774, 712 habitantes. Fonte: Anuário estatístico do Brasil / Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Rio de Janeiro: IBGE, v. 41, 1980 p. 70. https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/20/aeb_1980
  • 21
    A edição de número 0 ocorreu de modo independente, já as edições de número 1 e 2 foram pela editora Abril. A partir da edição de n. 3, de 1986, a Overall passou a ser editada pela Trip Editora.
  • 22
    Ao todo, foram publicadas 11 edições da Revista Yeah!, que circulou nas bancas de 1986 a 1988.
  • 23
    Revista Imprensa, dezembro de 1987Revista Imprensa, dezembro de 1987., p. 22.
  • 24
    Mira (2001, p. 164-166)Mira, M. C. (2001). O leitor e a banca de revistas: A segmentação da cultura no século XX. Olho d’Água. usa o termo “revisteiros” para se referir a adeptos de esportes e/ou atividades ao ar livre que criaram revistas nos anos 1980 sem ter formação em Comunicação Social ou experiência com jornalismo. Overall é um dos exemplos citados pela autora de publicações iniciadas por “revisteiros”.
  • 25
    Idem, p. 22. É preciso ponderar a afirmação: a decisão de criar revistas e/ou empresas se dava também pelo desejo de combinar a proximidade da atividade com a viabilização de uma fonte de retorno financeiro (trabalho). Em outras palavras, inserir-se no mercado de trabalho, mas sem se afastar da prática corporal (skate, surfe etc.) de que tanto gostavam.
  • 26
    Refere-se às revistas Esqueite, Brasil Skate e Brasil Surf.
  • 27
    Paulo Anshowinhas de Oliveira Brito começou a escrever matérias em Fluir no ano de 1983 e, em 1986, junto a um grupo de amigos, deu início a uma publicação específica sobre skate, chamada Yeah!, inserindo-se também na equipe de articulistas do Jornal da Tarde, especializando-se em abordar os chamados “esportes radicais”, termo que ele próprio ajudou a popularizar e naturalizar. Além dessas publicações, Anshowinhas trabalhou no Caderno Zap do Jornal Estado de São Paulo, foi colunista do Correio Popular de Campinas e atuou como repórter nas TVs Gazeta, Cultura e Record. (Fortes & Brandão, 2013Fortes, R., & Brandão, L. (2013) Anárquico, punk, “sem etiqueta”: o skate nas revistas Fluir e Yeah!. Comunicação, mídia e consumo, 10 (27), 211-236., p. 215).
  • 28
    Revista Imprensa, dezembro de 1987Revista Overall, n. 7, 1987., p. 21.
  • 29
    Ponderamos que aqui a reportagem de Imprensa reproduz a crença – bastante disseminada no âmbito do jornalismo no Brasil – segundo a qual haveria imparcialidade nas revistas feitas por jornalistas com formação específica.
  • 30
    Revista Imprensa, dezembro de 1987, p. 22. Fortes (2011b)Fortes, R. (2011b). O surfe nas ondas da mídia: Esporte, juventude e cultura. Apicuri/Faperj. considera o conceito de mídia de nicho, elaborado por Sarah Thornton, adequado para caracterizar tais veículos.
  • 31
    É difícil ter fontes confiáveis a respeito da tiragem destas publicações. Mira trabalhou com fontes como relatórios e levantamentos para consumo interno da Editora Abril. Neste trecho, a autora cita como fonte uma matéria do diário O Estado de S. Paulo. Revista mais vendida do Brasil, Veja chegou a “uma tiragem de cerca de quinhentos mil exemplares já em 1981, e atingindo edições com mais de um milhão de exemplares em alguns momentos dos anos seguintes” (Velasquez e Kushnir, 2010Velasquez, M. C. C., & Kushnir, B. (2010). Veja. In A. Abreu (coord.), Dicionário Histórico-Biográfico Brasileiro – Pós-1930. CPDOC.).
  • 32
    Tratava-se do programa “89 Overall Skate show”, realizado pelas revistas Trip e Overall, e apresentando no horário das 20 horas, “uma hora de música e informações dedicadas exclusivamente ao skate”. Fonte: Folha de São Paulo (Ilustrada), 27 de junho de 1988Folha de São Paulo (Folhinha), 19 de junho de 1988, p. B – 7., p. A - 36.
  • 33
    Folha de São Paulo (Folhinha), 19 de junho de 1988Folha de São Paulo (Ilustrada), 27 de junho de 1988, p. A - 36., p. B – 7. Lembramos que a HQ Skatemania teve propaganda veiculada na revista Veja, edição de 22 de junho de 1988Revista Veja, edição de 22 de junho de 1988., p. 110.
  • 34
    Lembramos que antes da edição número 1, a Overall havia levado às bancas a edição número zero.
  • 35
    Apenas cinco cartas foram escritas por mulheres. As questões de gênero não são exploradas neste artigo porque o conteúdo dessas cinco cartas não nos possibilitou elementos para tanto. Por outro lado, fica evidente que a maior parte do público leitor dessa revista, tendo como base o remetente das cartas, era do sexo masculino.
  • 36
    Diferentemente de outras séries de correspondências, sobretudo aquelas relativas a instituições estatais, não há perspectiva de que tais cartas tenham sido preservadas em arquivos (BACELLAR, 2005Bacellar, Carlos (2005). Uso e mau uso dos arquivos. In C. B. Pinsky (Org.), Fontes Históricas (pp. 23-79). Contexto.). Não conseguimos informações a respeito da quantidade de cartas recebida pela revista. Supomos que a redação recebesse um volume de correspondência superior ao que publicava. Se isto ocorria, os envolvidos precisavam estabelecer critérios de seleção – entre os quais é possível especular alguns: presença de identificação e assinatura do remetente (a Constituição Federal de 1988 proíbe o anonimato); caligrafia legível; clareza de linguagem; diversidade (de pessoas, de regiões/estados do país, de assuntos). Seja como for, não podemos afirmar em que medida, do ponto de vista quantitativo (e, até certo ponto, qualitativo), as cartas publicadas eram representativas do todo recebido pelo correio.
  • 37
    Da cidade do Rio de Janeiro foram publicadas sete cartas e os seguintes municípios tiveram uma cada: Búzios, Campos dos Goytacazes e Duque de Caxias.
  • 38
    Três missivas de Porto Alegre, e uma de cada um dos seguintes municípios: Canoas, Novo Hamburgo, Osório, Sapucaia do Sul e Viamão.
  • 39
    Revista Overall, n. 1, 1985Revista Overall, n. 0, 1985., p. 29.
  • 40
    Revista Overall, n. 2, 1986Revista Overall, n. 1, 1986., p. 36.
  • 41
    Revista Overall, n. 13, 1989Revista Overall, n. 13, 1989., p. 49.
  • 42
    Tal foi o caso da revista Brasil Surf, editada nos anos 1970, conforme vários depoimentos no documentário Brasil Surf Doc (direção: Olivio Petit, 2015).
  • 43
    Revista Overall, n. 3, 1986Revista Overall, n. 3, 1986., p. 40.
  • 44
    Revista Overall, n. 5, 1987Revista Overall, n. 5, 1987., p. 48.
  • 45
    Revista Overall, n. 6, 1987Revista Overall, n. 6, 1987., p. 49.
  • 46
    Por exemplo, por poder ser realizada no próprio bairro, evitando os longos deslocamentos até o local em que se situava a pista de skate e possibilitando a redução dos custos com transporte e alimentação.
  • 47
    Revista Overall, nº 2, 1986Revista Overall, n. 4, 1986., p. 5.
  • 48
    A ironia se deve ao fato do skate produzir muito barulho ao ser exercido nas ruas, fato que entrava em contradição com o título da matéria, que dizia: “Não acordem a cidade...”.
  • 49
    Possivelmente este título “Não acordem a cidade” também faça alusão a uma canção de mesmo título da banda de punk rock chamada Inocentes. A letra da música, transcrita no livro de Helena Wendel Abramo, diz assim: “De noite quando a cidade dorme/anjos negros de asas sujas e escuras/saem de suas tocas/e tomam conta das ruas/são os reis da diversão/do ódio e da solidão/não têm esperança/nem de viver nem de vingança/em cada esquina que você passar/em cada beco que você entrar/não se espante/eles vão estar lá/vendem sexo e drogas/roubam ou matam/têm vida curta/não importa o que façam” (Abramo, 1994Abramo, H. W. (1994). Cenas Juvenis: Punks e darks no espetáculo urbano. Scritta., p. 102).
  • 50
    Revista Overall, nº 4, 1986Revista Overall, n. 2, 1986., p. 16.
  • 51
    Para além disso, há a questão das reclamações de citadinos sobre os adeptos do street skate e dos usos dos equipamentos urbanos feitos pelos mesmos. Trata-se de questão ainda por investigar e que requeriria utilização de fontes como periódicos locais e/ou de bairro, registros policiais e de atendimento médico e processos judiciais.
  • 52
    Trata-se de uma apropriação de palavra com outro sentido. Em inglês, skater significa patinador, ao passo que skateboarder equivale a skatista.
  • 53
    Revista Overall, n. 9, 1988Revista Overall, n. 10, 1988., p. 70. Maloca e maloqueiro eram (e permanecem) gírias usadas em SP e na Região Sul como sinônimos para bandido, ladrão e/ou marginal.
  • 54
    Revista Overall, n. 10, 1988Revista Overall, n. 11, 1988., p. 65.
  • 55
    Idem, p. 65.
  • 56
    Revista Overall, n. 11, 1988Revista Overall, n. 12, 1988., p. 64.
  • 57
    Também é possível que o nome do missivista e/ou da delegada tenham sido trocados pelo autor ou pela redação de Overall. Há ainda a hipótese de ser simples irresponsabilidade, característica comum na juventude.
  • 58
    Os censos realizados pelo IBGE em 1980 e em 1991 apontaram, respectivamente, populações de 20.257 e 22.237 pessoas no município de Igarapava. Cf. a p. 91 do documento disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/309/cd_1991_v6_n19_sp.pdf. Acesso em 9 abr. 2019.
  • 59
    Idem, p. 65.
  • 60
    Revista Overall, n. 12, 1988Revista Overall, n. 8, 1988., p. 64.
  • 61
    A frase sugere que a questão de gênero desempenhava um papel no desestímulo, por parte dos pais, ao envolvimento da missivista com o skate. As questões de gênero são um aspecto que pode ser explorado em outros trabalhos a respeito da história do skate. Para este assunto em específico, indicamos a leitura da seguinte tese de doutorado: Figueira, Márcia Luiza MachadoFigueira, M. L. M. (2008). Skate para meninas: Modos de se fazer ver em um esporte em construção. [Tese de Doutorado em Ciências do Movimento Humano]. UFGRS.. Skate para meninas: modos de se fazer ver em um esporte em construção [Tese de Doutorado em Ciências do Movimento Humano, UFGRS, 2008].
  • 62
    Revista Overall, n. 14, 1989Revista Overall, n. 14, 1989., p. 69.
  • 63
    Revista Overall, n. 15, 1989Revista Overall, n. 15, 1989., p. 62.
  • 64
    Revista Overall, n. 16, 1989Revista Overall, n. 18, 1989., p. 62.

Documentos

  • Folha de São Paulo (Folhinha), 19 de junho de 1988, p. B – 7.
  • Folha de São Paulo (Ilustrada), 27 de junho de 1988, p. A - 36.
  • Revista Overall, n. 0, 1985.
  • Revista Overall, n. 1, 1986.
  • Revista Overall, n. 2, 1986.
  • Revista Overall, n. 3, 1986.
  • Revista Overall, n. 4, 1986.
  • Revista Overall, n. 5, 1987.
  • Revista Overall, n. 6, 1987.
  • Revista Overall, n. 7, 1987.
  • Revista Overall, n. 8, 1988.
  • Revista Overall, n. 9, 1988.
  • Revista Overall, n. 10, 1988.
  • Revista Overall, n. 11, 1988.
  • Revista Overall, n. 12, 1988.
  • Revista Overall, n. 13, 1989.
  • Revista Overall, n. 14, 1989.
  • Revista Overall, n. 15, 1989.
  • Revista Overall, n. 16, 1989.
  • Revista Overall, n. 17, 1989.
  • Revista Overall, n. 18, 1989.
  • Revista Overall, n. 19, 1990.
  • Revista Visual Esportivo, n. 14, 1984.
  • Revista Visual Esportivo, n. 16, 1985.
  • Revista Imprensa, dezembro de 1987.
  • Revista Veja, edição de 22 de junho de 1988.

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Editado por

1
Editor responsável: Carmen Lúcia Soares. https://orcid.org/0000-0002-4347-1924

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Ago 2020
  • Revisado
    07 Dez 2020
  • Aceito
    11 Fev 2021
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