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Interferências na aula: dinâmica e percepção dos professores1 1 Editora responsável: Ana Lúcia Guedes Pinto. https://orcid.org/0000-0002-0857-8187 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Luan Maitan – revisao@tikinet.com.br 3 3 Apoio: o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de financiamento 001.

Resumo

Instâncias da instituição escolar intervêm diretamente nas escolas públicas (estaduais e municipais) localizadas no município de São Paulo. Trata-se de uma “dinâmica de interferências”: conjunto de intervenções diretas e frequentes na aula, comumente ligadas à aplicação de políticas educacionais. Esse acúmulo de projetos implantados nas escolas leva a constantes interrupções no trabalho docente. Investigamos as consequências desse contexto para os professores e a educação escolar a partir da análise de textos oficiais e de enunciados de professores. Verificamos que, ainda que tais políticas se apoiem no discurso da qualidade da educação, segundo os professores a dinâmica de interferências vem prejudicando o trabalho docente e, possivelmente, também a educação escolar.

Palavras-chave
escola pública; tendências da política educacional; condições do trabalho docente; São Paulo (SP)

Abstract

Instances of school institutions directly intervene on the public schools (state and municipal) in the city of São Paulo. There is a “dynamic of interferences”: a set of frequent and direct interventions in the class, normally connected to the enactment of educational policies. This accumulation of projects in the schools lead to constant interruptions in teachers’ work. We have researched its consequences on teachers and school education, based on the analysis of official texts and teachers’ statements. We have found that, though such policies are supported by a discourse of quality in education, according to the teachers the dynamic of interferences hinders teachers’ work and, possibly, school education.

Keywords
public school; trend in educational policy; teacher’ work conditions; São Paulo (SP)

Introdução

No Brasil, muitas políticas educacionais são elaboradas e aplicadas segundo um modelo top-down5 5 Nos referimos aqui ao modelo de análise desenvolvido no âmbito da Ciência Política, segundo o qual há uma clara distinção entre a etapa de formulação de uma política pública e a etapa de sua implementação. À etapa de formulação cabe definir objetivos, estabelecer critérios de aplicação de políticas, fazer concessões etc. Já à etapa de implementação caberia apenas aplicar a política nos moldes estabelecidos na etapa anterior. O modelo top-down já foi muito criticado ao desconsiderar que o processo legislativo não encerra toda a fase de elaboração e aprovação de políticas, já que os atores responsáveis pela implementação alteram aspectos da proposta original da política pública (Hill, 2013). Nós empregamos aqui o termo para indicar que a maioria das políticas públicas educacionais no Brasil é elaborada nos moldes dessa perspectiva, ou seja, esperando que os demais atores que participam de sua aplicação não devem alterar aspectos da proposta original, ou participar ativamente de sua formulação. , considerando pouco as vozes de sujeitos que lidam com o cotidiano da escola, como o corpo docente, os alunos ou a comunidade escolar. Em São Paulo, nos sistemas estadual e municipal de ensino, não é diferente. Apesar de promoverem oficialmente uma gestão democrática nas escolas e reiterarem em documentos oficiais a importância do trabalho docente para a qualidade de ensino, as secretarias de educação promovem políticas sem discutir previamente com esses sujeitos – e as consequências disso, ao menos para os professores, são preocupantes. Isso porque diversas instâncias da instituição escolar, com o objetivo de aplicar tais políticas, intervêm diretamente nas aulas, interrompendo o trabalho que os professores realizam com seus alunos.

Essas intervenções e suas consequências para o trabalho docente foram o foco desta pesquisa, desenvolvida no âmbito de um mestrado acadêmico em geografia humana. Iniciamos a investigação ao perceber que o discurso da necessidade de melhorar o ensino público em São Paulo parece caminhar na contramão da afirmação de que é necessário garantir que o professor tenha autonomia em seu trabalho. A autonomia do trabalho docente é prevista legalmente6 6 Referimo-nos aqui ao artigo 206 da Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece, entre outras coisas, que o ensino será ministrado com base no princípio de liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como de pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. e, ao mesmo tempo, realizam-se práticas que favorecem sua diminuição.

Para entender esse aspecto, consideremos primeiramente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB, Lei nº 9.394, de 1996Brasil. Congresso Nacional. (1996, 20 de dezembro). Lei nº 9.394 – LDB. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Recuperado de http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/L9394.htm
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), na qual se estabelece que o professor está encarregado de zelar pela aprendizagem dos seus alunos (Art. 13, Inciso III). A aprendizagem, cujo zelo foi incumbido ao docente, não ocorre na escola isoladamente. Ela é parte de um processo mais amplo e complexo, que se efetiva na relação entre professor, alunos e conhecimento, que denominamos de processo de ensino e aprendizagem. E, se o professor deve zelar pela aprendizagem dos seus alunos, a preservação da instância na qual se dá o processo de ensino e aprendizagem (ou seja, a aula) é de fundamental interesse para o professor. Se admitimos que o ensino e a aprendizagem são centrais na escola, admitimos igualmente que a preservação da aula, seu tempo e seu espaço7 7 Consideramos aqui a aula enquanto o tempo-espaço primordial da aprendizagem escolar. Não se trata de um lugar específico da escola ou de um tempo que se encerra em seu aspecto cronológico, mas sim um tempo-espaço complexo, que envolve conhecimento, métodos, objetivos, interações dialógicas e intersubjetivas orientadas pela finalidade da aprendizagem, além de outros elementos. Aprofundamos esse conceito de tempo-espaço da aula em Lemes, 2017. , é (ou deveria ser) objetivo de todos que atuam ou mantém relação com a escola (incluindo o corpo administrativo e pedagógico, pais e responsáveis, a comunidade escolar etc.).

Em outros termos, a importância dessa questão também está na própria LDB, artigo 12, inciso IV: “Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de velar pelo cumprimento do plano de trabalho de cada docente”. Disso podemos depreender que é fundamental que a equipe de cada unidade escolar busque garantir as condições necessárias à aplicação do plano de trabalho docente. Mesmo assim, professores apontam que sentem dificuldades para realizar o seu trabalho, descrevendo um cenário no qual suas aulas são frequentemente interrompidas em decorrência da aplicação de diversos tipos de intervenções8 8 Esclarecemos que entendemos intervenção como uma ação realizada na escola por um sujeito externo à aula (mas não necessariamente externo à escola), e que interrompe o trabalho sendo realizado pelo professor com seus alunos. Não se trata, portanto, de uma alusão ao intervencionismo de Estado na escola, perspectiva essa que requereria uma fundamentação teórica diferente da que adotamos, além de outros caminhos de análise. .

O objetivo central que nos colocamos na pesquisa foi o de analisar esse cenário no contexto das escolas públicas localizadas no município de São Paulo, das redes municipal e estadual, buscando compreender quais são as consequências que as intervenções têm para o trabalho docente e para a educação escolar.

Plano empírico

Identificamos a questão das interferências na aula ao participar do Círculo de Pesquisas e Estudos de Fronteiras Teóricas para a Formação de Professores de Geografia e Outras Áreas do Currículo, grupo de estudos e pesquisa coordenado pela profª dr.ª Maria Eliza Miranda, no âmbito do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP). Os professores de escolas públicas, principais participantes do grupo9 9 Além de professores de escolas estaduais e municipais, participaram também professores de escolas particulares, além de alunos da graduação e pós-graduação (bolsistas e não bolsistas). , foram convidados a refletir sobre sua prática a partir de fronteiras teóricas, e elaboraram sequências didáticas para aplicar em suas escolas. As temáticas trabalhadas foram diversas, englobando diferentes componentes curriculares10 10 Ao longo dos anos em que o grupo se reuniu, participaram professores de língua portuguesa, língua inglesa, informática educativa, história, geografia e biologia. Cada professor escolheu o conteúdo que seria desenvolvido ao longo da sequência didática, elaborou os materiais e atividades que seriam utilizados em sala de aula e organizou o seu plano de trabalho a partir dos estudos e discussões realizados no âmbito do grupo. . O objetivo, nesse momento, era que os professores pudessem planejar sua prática de maneira livre, considerando as necessidades de seus alunos e o contexto de sua escola, mas baseados em uma fundamentação teórico-metodológica construída em conjunto, buscando possíveis aproximações entre determinadas correntes11 11 Dentre as principais vertentes teóricas utilizadas nesse processo de aprofundamento, podemos citar: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004), com a sua proposta de sequências didáticas; Bakhtin (2016 [1953]) e os gêneros do discurso; a teoria da experiência da aprendizagem mediada, de Feuerstein (2010); e as concepções de Vigotski (2010) sobre o desenvolvimento de conceitos científicos na idade escolar. .

Ainda que não fosse o enfoque central do grupo discutir o cotidiano escolar, as contínuas reuniões realizadas durante a aplicação das sequências didáticas promoveram reflexões conjuntas sobre diferentes aspectos do trabalho docente. As questões abordadas envolveram desde a dinâmica da aula até o âmbito administrativo da escola. Foi nesse contexto que ouvimos dos professores os relatos sobre as interferências na aula e as interrupções no processo de seu trabalho.

Essas questões, referentes às condições de trabalho nas escolas, puderam surgir nesses encontros porque, dentre outros aspectos, as sequências didáticas elaboradas pelos professores foram aplicadas sem alterar essas condições, ou seja, buscou-se verificar a aplicabilidade do que foi proposto pelo grupo em condições reais de trabalho das escolas públicas:

A escolha das condições de realização da pesquisa considerou a possibilidade dos marcos teórico e metodológico serem desenvolvidos com o próprio grupo de professores envolvidos, e também a possibilidade de a pesquisa ocorrer em tempo real, isto é, ser aplicada em condições cotidianas de ensino e das práticas escolares. A abrangência envolvida se refere à prática didática e pedagógica em si, do professor em sala de aula, não interferindo diretamente nas dinâmicas previstas nos Projetos Políticos Pedagógicos das escolas, nem no plano de ensino inicial preparado para o desenvolvimento do trabalho curricular previsto para a disciplina que o professor está ministrando no ano letivo

(Miranda, 2014Miranda, M. E. (2014). A reinvenção da prática docente: Interfaces e aproximações para a ressignificação da prática docente. Recuperado de http://observatoriogeografico americalatina.org.mx
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, p. 8).

Além disso, buscou-se garantir nas reuniões do grupo de estudos e pesquisa um ambiente com maior abertura para os professores, proporcionando momentos de reflexão que não fossem caracterizados pelo controle institucional12 12 Nos referimos aqui às reuniões que ocorrem em espaços e momentos previamente estabelecidos nas escolas, como o ATPC (aula de trabalho pedagógico coletivo), nas escolas estaduais, e as reuniões pedagógicas de hora-atividade, nas escolas municipais. . Assim, os professores puderam falar sobre diversos aspectos relacionados à escola e ao trabalho docente.

É nesse contexto que a questão das interferências na aula veio à tona, e os contornos da nossa investigação começaram a ser traçados. Como plano empírico, utilizamos principalmente as gravações audiovisuais das reuniões13 13 Todos os professores assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido de participação, e sabiam que os registros audiovisuais das reuniões, bem como o material obtido durante a aplicação das sequências didáticas, poderiam ser utilizados na realização de estudos articulados à pesquisa. , feitas ao longo das três etapas da pesquisa desenvolvida pelo grupo, além de questionários de caracterização e registros de interferências preenchidos pelos docentes. Para análise, consideramos também documentos oficiais e textos publicados nos websites das secretarias de educação estadual14 14 Website da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo: http://www.educacao.sp.gov.br/. Acesso em julho e agosto de 2017. e municipal15 15 Portal da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/. Acesso em julho e agosto de 2017. , além de textos elaborados no âmbito das diretorias regionais, publicados em websites de domínio próprio ou em blogs e páginas oficiais no Facebook 16 16 As diretorias de ensino (DE) da SEE/SP possuem páginas com domínio próprio na internet. Já as diretorias regionais de educação (DREs), da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, nem todas possuem endereço eletrônico. A maioria tem páginas oficiais no Facebook ou blogs. . Sistematizando, temos o seguinte quadro:

Quadro 1
Principais materiais que compõem o plano empírico da pesquisa

Metodologia

Baseamos nossa pesquisa, principalmente, na análise de enunciados que compõem textos orais (reuniões com os professores) e escritos (textos institucionais, planos de trabalho etc.). Para seguir esse caminho investigativo, nos baseamos em obras bakhtinianas17 17 Adotamos o conceito de obras bakhtinianas para nos referirmos a um conjunto de obras produzidas entre as décadas de 1920 e 1970, na União Soviética. Elas foram elaboradas no contexto de um grupo de intelectuais de diversas áreas que se reuniam para dialogar sobre diferentes temas (Brait & Campos, 2009). , considerando suas contribuições para a metodologia em ciências humanas.

Quanto às contribuições do pensamento bakhtiniano para a metodologia que adotamos, destacamos o fato de que nas ciências humanas o olhar do pesquisador se volta para um sujeito, que é cognoscente. Ele fala, se expressa, e não pode ser moldado pelo pesquisador. No caso de nossa investigação, esse outro é o professor. O cuidado de lidar com os enunciados desse sujeito envolveu buscar compreender os aspectos verbais e não verbais para identificar como o professor pensa e lida com as interferências em suas aulas. Também a análise que fizemos dos enunciados não partiu de uma estrutura rígida. Afinal, para os autores do pensamento bakhtiniano: “Não há categorias a priori, aplicáveis de forma mecânica a textos e discursos, com a finalidade de compreender formas de produção de sentido num dado discurso, numa dada obra, num dado texto” (Brait 2012Brait, B. (2012 [2006]). Análise e teoria do discurso. In B. Brait (Org.). Bakhtin: Outros conceitos-chave. (pp. 09-31) 2a ed. São Paulo: Contexto. [2006], p. 14). Por isso, a investigação que realizamos com base nos enunciados fez parte de um processo dinâmico, no qual identificamos categorias de análise a partir da aproximação que tivemos com os textos.

Os procedimentos que adotamos podem ser divididos em três etapas: i) Estabelecer os contextos próximo e distante dos enunciados – ou seja, identificar as características da situação social mais imediata e do meio social mais amplo que envolveram os enunciados proferidos pelos professores; ii) Selecionar e transcrever trechos das reuniões; iii) Analisar os enunciados transcritos.

Na primeira etapa, analisamos primeiramente o contexto próximo dos enunciados, ou seja, as condições das reuniões nas quais eles foram proferidos. Considerar esse aspecto foi fundamental, pois as reuniões constituem textos com falas em interação imediata, ou seja, diálogos face a face. Enunciados elaborados nessas condições são fortemente determinados pelas condições de comunicação discursiva imediata, onde a tomada de posição axiológica em resposta ao que foi dito ganha rapidamente expressão enunciativa. Isso proporciona um tipo importante de intersecção de vozes, no qual o heterodiscurso e a polissemia ficam ainda mais evidentes.

Nesse momento, verificamos que a maioria dos participantes do grupo de pesquisa era formada por professores que ministravam aulas em escolas da rede pública (estadual e municipal) de São Paulo. Assumia-se, então, um ponto de partida comum: o grupo era formado por profissionais que conheciam a realidade das escolas públicas, e lidavam com questões comuns em seu trabalho. Os alunos participantes (de graduação e pós-graduação) também foram envolvidos nas atividades, o que contribuiu para que todos os integrantes interagissem e desenvolvessem certa proximidade. As reuniões analisadas ocorreram, em sua maioria, em salas de aula previamente reservadas do Departamento de Geografia (FFLCH/USP), entre 2010 e 2013, aos sábados.

Quanto ao contexto mais distante dos enunciados, esse envolveu o meio social mais amplo dos professores participantes do grupo. Verificamos uma pluralidade de contextos distantes – mas há elementos comuns. Dos 19 professores participantes, apenas quatro não ministravam aulas de geografia, apenas uma professora aplicou sua sequência didática em uma escola particular, e só um professor desenvolveu o seu trabalho no Ensino Fundamental I (atualmente denominado Anos Iniciais do Ensino Fundamental). A grande maioria dos professores do grupo exercia seu cargo em escolas públicas, ministrando aulas para o Ensino Fundamental II (atualmente Anos Finais do Ensino Fundamental) e o Ensino Médio.

Logo, os enunciados que analisamos refletem o meio social desses sujeitos, e podemos admitir que os resultados obtidos em nossa investigação são mais representativos da realidade vivida por professores de geografia de escolas públicas municipais e estaduais, que ministram aulas para alunos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio no município de São Paulo. Identificamos ainda que a percepção das interferências independe do tempo de experiência em sala de aula dos professores participantes – os que lecionavam há mais de onze anos apontaram problemas comuns aos professores com menos de dois anos de experiência.

Terminadas essas etapas, passamos à transcrição de trechos das reuniões. Para selecionar os trechos, partimos das considerações do pensamento bakhtiniano sobre o conceito de tema do enunciado. Os enunciados são compostos por variáveis linguísticas (palavras, sons, entonações etc.) e expressões não verbais. Quando tomados em toda a sua complexidade, possuem um tema, que é “… o sentido da totalidade do enunciado” (Volóchinov, 2017Volóchinov, V. (Círculo de Bakhtin). (2017 [1929]). Marxismo e filosofia da linguagem: Problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. São Paulo: Editora 34. [1929], p. 227). Como o tema só pode ser apreendido ao se considerar o enunciado como um todo – seus elementos verbais e não verbais, seus contextos mais próximo e mais distante – utilizamos os dados já sistematizados da situação social imediata de comunicação e do meio social mais amplo dos professores participantes para fazer a seleção. Com esses dados em mãos, assistimos a seis reuniões e identificamos todos os trechos com enunciados que abordavam interferências na aula.

Concluída a transcrição18 18 Para os elementos técnicos da transcrição (símbolos e códigos utilizados para registrar aspectos não verbais dos enunciados), escolhemos adotar, de forma adaptada, os sinais de transcrição propostos por Marcuschi (1986), em seu livro Análise da conversação. Optamos por utilizar sinais que indicam aspectos da oralidade que consideramos necessários à interpretação dos enunciados, como pausas ((+)), truncamentos (/), entre outros. Para garantir o anonimato dos participantes do grupo cujos enunciados foram transcritos, substituímos seus nomes por códigos. dos trechos pré-selecionados, fizemos uma análise prévia do material para identificar se determinados aspectos da problemática que estávamos investigando eram recorrentes nos enunciados. Logo, foi possível ter uma visão global das questões que poderiam ser aprofundadas, e a partir disso criamos categorias para analisar o conjunto dos relatos dos professores.

Após essa análise inicial do material, procuramos textos oficiais que poderiam apresentar um contraponto aos enunciados dos professores. Para tanto, pesquisamos no site oficial da SEE/SP e no portal da SME, além das páginas oficiais das diretorias regionais (DREs e DEs) e do conteúdo disponível no Curso para Professores Integrantes (2015 – estado de São Paulo). Com os textos em mãos, pudemos fazer a dialogização entre eles e os enunciados dos professores, identificando pontos de concordância e discordância de diferentes sujeitos sobre a dinâmica de interferências.

Resultados

Partimos inicialmente da noção de que, dado o atual modelo de gestão em rede, as interferências na aula constituiriam um fenômeno sistêmico, ou seja, ocorreriam praticamente em todas as escolas públicas estaduais e municipais da cidade de São Paulo. Dessa maneira, interrupções no trabalho seriam uma condição enfrentada por quase todos os professores da rede pública paulistana. Os resultados aos quais chegamos na investigação corroboram essa ideia inicial. A organização do atual modelo de gestão, com estrutura em rede, parece garantir em cada unidade escolar a realização de ações, programas e projetos que causam interferências na aula.

Pudemos verificar isso a partir da sistematização do conteúdo dos enunciados dos professores. Dos 18 professores (de escolas públicas) que falaram sobre seu trabalho nas reuniões que analisamos, 15 deles apontaram verbalmente em seus enunciados que interferências prejudicaram o trabalho desenvolvido com os alunos. Se considerarmos as diretorias regionais de educação (DRE – sistema municipal) e as diretorias de ensino (DE – sistema estadual) das escolas desses professores, temos o seguinte quadro de distribuição espacial da problemática:

Figura 1
Diretorias regionais de educação (sistema municipal), à esquerda, e diretorias de ensino (sistema estadual), à direita

Durante a pesquisa não participaram professores de escolas das outras diretorias19 19 No caso do sistema municipal, não tivemos participação de professores de escolas das DREs de Pirituba, Freguesia/Brasilândia, Jaçanã/Tremembé, Guaianases, São Mateus, Santo Amaro e Capela do Socorro. No caso do sistema estadual, não tivemos participação de professores de escolas das DEs Norte 2, Leste 1, Leste 2, Leste 3, Leste 4, Sul 2 e Sul 3. , por isso não podemos afirmar categoricamente que em todas elas há casos de interferências na aula. Porém, os dados apontam para um quadro de distribuição relativamente homogênea da dinâmica. Das 12 diretorias regionais dos professores participantes da pesquisa, todas tiveram ao menos um relato de interferência. Podemos então induzir que, muito provavelmente, professores das escolas públicas (estaduais e municipais) de todo o município de São Paulo lidam com interferências nas suas aulas20 20 Há inclusive casos de professores que citaram interferências em escolas estaduais localizadas fora do município de São Paulo, na região metropolitana (DREs Guarulhos Sul e Suzano) – o que sugere que a dinâmica de interferências não é restrita ao município de São Paulo, estando articulada à gestão em rede do sistema estadual de ensino. .

A análise dos textos oficiais também apontou que há incentivos para que as equipes gestoras realizem projetos que intervenham na escola – contribuindo para o padrão homogêneo de distribuição. Essas intervenções surgem como inevitáveis consequências da aplicação de programas e propostas de ação desenvolvidos no âmbito das secretarias. Mesmo as intervenções elaboradas e aplicadas pela equipe gestora da escola não são estranhas à lógica em rede, pois as programações encabeçadas por ela são realizadas respondendo a prescrições advindas de outras instâncias, que incitam a realização de projetos “inovadores” nas unidades escolares. Na rede estadual, por exemplo, espera-se que o diretor tenha capacidade de liderar a elaboração de planos e ações, coordenando projetos na unidade escolar21 21 Segundo documento oficial, o diretor de escola da rede estadual de ensino deve ter capacidade de “Liderar a elaboração, a implementação, a avaliação e o redirecionamento de planos e ações em consonância com os princípios, as diretrizes e as normas educacionais da SEE-SP, do Currículo e da proposta pedagógica nos diferentes níveis, etapas, modalidades, áreas e disciplinas” (São Paulo [Estado] – Resolução SE-56, 2016). , enquanto na rede municipal considera-se que a equipe gestora “… tem um papel fundamental tanto para a organização administrativa e pedagógica como para o pleno desenvolvimento e implementação dos projetos na Unidade Educacional” (São Paulo [Município], 2017São Paulo (Município). Secretaria Municipal da Educação. (2017). Encontro com as equipes gestoras. São Paulo, SP: Prefeitura de São Paulo., p. 11). Os projetos propostos pela gestão, assim, ainda que diferentes em cada unidade, fazem parte de uma política educacional em rede, pautada em ações diretas na escola.

Verificamos que há vários tipos de intervenções que causam interrupções na aula, resultado de propostas encabeçadas pelas secretarias de educação22 22 Podemos citar aqui ações de conscientização da população (é o caso de campanhas de saúde direcionadas a doenças virais, como a dengue), avaliações externas, reuniões de planejamento etc. e pelas equipes gestoras das escolas23 23 Tais como festas abertas à comunidade ou passeios com alunos para parques temáticos (com o objetivo de arrecadar fundos para reparos, compra de material escolar etc.), palestras de conscientização da população sobre diversos temas, projetos didático-pedagógicos, entre outros. . Elas atendem a diversos objetivos, e não foi possível nos debruçarmos sobre cada uma delas. Mas é importante destacarmos que elas não devem ser pensadas indistintamente. Algumas das ações são fundamentais para o funcionamento da escola – tais como os conselhos de classe e as reuniões de pais/responsáveis e professores –, e não podemos descartar a relevância de projetos que envolvam a participação de professores em culturas colaborativas. Em nossa investigação, assim, não nos ocupamos em qualificar a relevância das intervenções, mas em verificar como o seu acúmulo gera interferências frequentes na aula e qual é o seu impacto para o trabalho docente.

A forma como a equipe gestora define o calendário de projetos por ela encabeçados é um dos fatores que mais prejudica o trabalho docente, segundo os enunciados dos professores. Um dos motivos para isso é que, muitas vezes, o corpo docente não é avisado com antecedência sobre as interferências, e fica difícil lidar com suas consequências. Afora isso, a gestão pode promover um número de projetos que inviabiliza o trabalho já encaminhado pelo professor. Como exemplifica o Trecho 01:

Trecho 01 (pE2): a escola tem uma quantidade absurda de projetos’ sarau’ é questões étnico-raciais’ três coisas que tão acontecendo agora’ e eu também tô envolvida nessas outras coisas dos projetos da escola’ [...] são tantas coisas/ essa semana’ dia dois é o dia do fa/ do sarau’ dia quatro é reunião de pais’ na outra semana dia dez é o dia do circo/ circo o dia inteiro ((risos dos professores participantes)) ’ e ainda tenho o projeto do rádio o projeto do jornal ((ri)) ’ e eu fico no meio de tudo isso’ (28 set. 2013)

pE2 classifica como “absurda” a quantidade de projetos encabeçados pela escola. A professora estava envolvida com as atividades, mas o adjetivo adotado sugere que o número de propostas é exagerado no entender de pE2.

Outro problema comentado pelos professores é a realização de atividades às quintas-feiras. O resultado, muitas vezes, é que os alunos não vão à escola no dia seguinte, já emendando com o fim de semana. Segundo os professores, ações encabeçadas pela equipe gestora (como, por exemplo, reunião de pais), ao serem realizadas durante uma quinta-feira, interrompem por dois dias o trabalho realizado em sala de aula.

Além desses casos, segundo os professores, também são comuns ações não planejadas nas escolas, decididas no próprio dia em que serão realizadas, como a dispensa de alunos. Há, por exemplo, a dispensa não oficial de alunos nas últimas semanas de aula que precedem férias escolares. Após a aplicação de avaliações externas, é comum que não se exija mais a presença dos alunos, e os professores são por vezes instruídos a não registrar as faltas. Como ilustra o enunciado a seguir:

Trecho 02 (pM3): a minha::: (+) a minha coordenadora me ameaçou ((ri)) se eu desse a/ cheguei nela e falei assim “dia cinco tem aula ainda né? é ano letivo” ’ porque já acabou as provas já acabou o saresp né’ nenhum aluno viria mais’ aí ela “você não vai dar aula dia cinco” ’ eu falei “por quê?” ’ “não’ porque se você der aula dia cinco vão te denunciar e você não vai ser bem vista” eu falei “mas onde tá escrito que eu não posso?” ’ “não dezembro não pode mais dar falta pra aluno” (+) eu falei assim “como assim?” ’ “não você não pode você não me faça isso”(17 dez. 2011)

Reservadas as particularidades do caso, essa é uma das interferências mais citadas pelos professores: após uma determinada data (que muitas vezes coincide com a aplicação das avaliações externas), os professores são incentivados a não ministrar aulas, e os alunos são incitados a não irem mais à escola. Até na semana em que ocorrem as avaliações externas, apesar de essas durarem no máximo dois dias, o resultado é um esvaziamento da escola:

Trecho 03 (pF1): o saresp também’ atrapalhou’ ((acenos de cabeça dos professores pC1 e pM1, concordando)) porque saresp é semana (de não ter aula) ((rindo))(pK1): não tem aula(pF1): só tem os alunos (no) saresp’ então’(8 dez. 2010)

Esse esvaziamento, ao final do ano letivo, condiz com outro aspecto das interferências: sua distribuição temporal. Os enunciados dos professores revelam que a aplicação de intervenções é algo que se intensifica a partir de outubro. Consequentemente, o último bimestre é o mais turbulento para os professores, que têm de garantir a realização do seu trabalho com muitas interrupções e poucas aulas – mas com dias letivos garantidos:

Trecho 04 (pK1): até o dia vinte e dois de dezembro’ é letivo (+) no diário’ né? ((professores acenam que sim com a cabeça))(08 dez. 2010)

O fato de se garantirem oficialmente “dias letivos”, mas não aulas, é também uma questão recorrente na fala dos professores. Isso porque dias letivos são registrados nos diários de classe, mesmo que não ocorram aulas como previsto no calendário escolar. Trata-se de uma diferença conceitual fundamental: “dia letivo” (ou “dia de efetivo trabalho escolar”) não é sinônimo de “dia com aulas”, apesar da definição oficial de 2010:

Art. 2º – Consideram-se como de efetivo trabalho escolar os dias em que, com a presença obrigatória dos alunos e sob orientação dos professores, sejam desenvolvidas atividades regulares de aula e outras programações didático-pedagógicas, que visem à efetiva aprendizagem.

§ 1º – É vedada a realização de eventos ou de atividades não programadas no calendário escolar, em prejuízo das aulas previstas.

§ 2º – Os dias letivos e/ou aulas programadas que deixarem de ocorrer por qualquer motivo deverão ser repostos, conforme a legislação pertinente, ainda que essa reposição venha a se efetivar aos sábados.

(São Paulo [Estado] – Resolução SE-74, 2010)

A Resolução SE-74 (2010) estabelece com sua definição de dia de efetivo trabalho escolar a importância do cumprimento do trabalho desenvolvido pelos professores e reforça, ainda que em outros termos, a necessidade de se preservar a aula, assim como as atividades já programadas. Na verdade, textos oficiais dos sistemas estadual e municipal indicam dar grande importância ao trabalho que o professor desenvolve com seus alunos durante as aulas24 24 No caso do sistema municipal, podemos citar a seguinte portaria: “Art. 7º – O Calendário de Atividades das Unidades Educacionais deverá ser aprovado pelo Conselho de CEI/Conselho de Escola/CIEJA e encaminhado à Diretoria Regional de Educação …, para análise e aprovação do Supervisor Escolar e homologação do Diretor Regional de Educação. … Idêntico procedimento deverá ser adotado no decorrer do ano letivo, quando houver necessidade de alteração e/ou adequação do Calendário de Atividades, decorrente de suspensão de aulas e outras formas de descaracterização de dia/hora de efetivo trabalho escolar ….” (São Paulo [Município] – Portaria 5969, 2012). . Mas, quando olhamos para o cotidiano da escola, como descrito nos enunciados de professores, a realidade não é bem essa: existe em São Paulo uma dinâmica de interferências que leva à suspensão e compressão do tempo-espaço da aula. Ou seja, apesar da determinação oficial, há dias letivos em que a aula não se realiza (fica em suspensão), e o professor tem menos aulas para desenvolver o seu trabalho com os alunos – e esse cenário, segundo os enunciados que analisamos, é ainda pior no quarto bimestre:

Trecho 05 (pK1): não’ é porque assim’ chega em novembro né é: complicado tanto quanto outubro né’ então(pA2): a escola para em outubro e não volta mais’ só em fevereiro(pK2): tem isso né(28 set. 2013)

Quanto à aplicação dessas intervenções, os enunciados que analisamos indicam que a equipe gestora das escolas faz um importante papel. Isso pode ser entendido quando consideramos o caráter fortemente prescritivo da política educacional realizada pelas secretarias. Apesar de oficialmente reconhecerem a importância do trabalho docente, a política educacional adotada é permeada de intervenções que buscam pré-determinar aspectos da educação escolar. Assim, com o intuito de garantir a aplicação de diversos programas e projetos, as secretarias se utilizam das instâncias intermediárias25 25 Como as diretorias regionais. No caso do sistema estadual, as equipes de supervisão de ensino de cada diretoria regional devem “… apresentar à equipe escolar as principais metas e projetos da Secretaria, com vista à sua implementação …” (São Paulo [Estado], Decreto nº 57.141, 2011 – art. 72). e tentam controlar o processo de implementação com uma combinação de prescrições. Quando tais prescrições chegam na escola, elas se acumulam, e a equipe gestora é quem primeiro lida com as exigências de sua aplicação26 26 Alguns documentos oficiais que explicitam essa exigência é o Decreto nº 54.453, de 2013 (São Paulo [Município] – art. 11), que afirma ser uma atribuição do coordenador pedagógico “… promover e assegurar a implementação dos programas e projetos da Secretaria Municipal de Educação …” . Para cumpri-las, realizam interferências diretas na aula, interrompendo o trabalho desenvolvido pelos professores – mas garantindo os duzentos dias letivos previstos na constituição.

Apesar do importante papel que as equipes gestoras têm na realização das interferências, os professores participantes da pesquisa não demonstraram ter grandes problemas na interação com diretores, vice-diretores e coordenadores pedagógicos. Afinal, há também relatos de vários casos de colaboração, e a convivência leva os professores a evitarem conflitos. Isso é o que aponta os enunciados que analisamos: ainda que existam casos em que os professores abertamente discordam das interferências realizadas pela gestão, sempre que possível eles buscam evitar o embate com outros sujeitos da escola. Mesmo que isso dê abertura para a realização de mais interferências e/ou interrupções em seu trabalho, os professores evitam expressar uma opinião dissonante. Isso vai ao encontro daquilo que Hargreaves identificou em sua pesquisa: professores preferem trabalhar sem explicitar antagonismos, pois discordar de projetos (missões) da escola pode afastá-los do resto da equipe docente:

… se missões desenvolvem lealdade entre os que acreditam nelas e convicção entre os que se comprometem, elas também criam heresia entre os que questionam, divergem e duvidam delas. … A construção social da heresia é, nesse sentido, uma força ideológica poderosa. Reprime discussões efetivas sobre escolhas e alternativas possíveis ao desconsiderar condescendentemente sua seriedade ou ao debilitar a credibilidade individual daqueles que promovem as discussões. Heréticos, então, não são apenas dissidentes ou pessoas desagradáveis. Eles são falhos. Fraqueza, loucura ou maldade são as características que os separam dos demais

(Hargreaves, 2000Hargreaves, A. (2000). Changing teachers, changing times: Teachers’ work and culture in the postmodern age. New York: Continuum., tradução nossa27 27 No original: “… if missions develop loyalty among the faithful and confidence among the committed, they also create heresy among those who question, differ and doubt. … The social construction of heresy is, in this sense, a powerful ideological force. It suppresses proper discussion of choices and alternatives by patronizingly disregarding their seriousness or by undermining the personal credibility of those who advance them. Heretics, then, are not merely dissenting or disagreeable. They are personally flawed. Weakness, madness or badness are the hallmarks of the heretic, the qualities that mark him or her out from the rest” (Hargreaves, 2000, p. 163). ).

Independentemente de como o professor lida com a gestão, é inevitável que a aplicação de intervenções prejudique o trabalho que ele realiza com os seus alunos. Assim, o corpo docente cria estratégias para lidar com as interferências, buscando maneiras de minimizar os seus impactos negativos. Classificamos as estratégias citadas pelos professores em três grupos, mostrados adiante.

No primeiro, estão as táticas utilizadas principalmente para contornar ações e projetos encabeçados pela equipe gestora. A vantagem dessas estratégias é não ter de alterar aspectos do plano de trabalho28 28 Denominamos de plano de trabalho docente o plano que organiza o trabalho a ser realizado pelo professor com suas turmas ao longo de um determinado período (como um bimestre). Essa definição vai ao encontro daquela utilizada pelos sistemas estadual e municipal de ensino de São Paulo. . A desvantagem é que elas comumente levam ao embate entre professor e equipe gestora – e por isso são pouco utilizadas.

Uma dessas estratégias envolve o professor se posicionar diretamente contra uma atitude da gestão, impedindo interferências em suas aulas. Essa estratégia nem sempre é bem-sucedida e pode desgastar a relação entre professor e equipe gestora. Outra estratégia é a que busca garantir a presença de alunos nos dias letivos que seriam esvaziados em decorrência de outras programações. Segundo os enunciados dos professores, essa manobra é principalmente adotada ao final do ano letivo. Os professores chamam ou convocam os alunos para irem à escola, apesar das pressões e/ou da cultura já estabelecida na unidade escolar de dispensar o corpo discente ao final do ano letivo:

Trecho 06 (pL2): tive que mandar convocação’ foi uma sugestão da pK1 pra eles virem um dia depois da feira cultural porque eles já costumam não vir mais’ [...] eles vieram e eu chorei de alegria’ “a’ vocês não sabem como cês são importantes” ’ e aí foi legal’ foi o último dia/ eles fizeram metacognição do módulo quatro e dissertação final e e diss/ e metacognição da sequência didática na sequência’ puff’ o dia inteiro (17 dez. 2011)

O resultado, porém, segundo os próprios professores, é longe do ideal, e mesmo adotando manobras para contornar esse tipo de interferência, ela ainda acarreta consequências para a aula. As condições de trabalho na escola, por exemplo, mudam consideravelmente, e não é incomum a equipe gestora pressionar o professor para que ele conclua o seu trabalho o quanto antes. Além disso, nem todos os alunos vão e é difícil garantir a presença deles para além de um dia após a dispensa.

O segundo grupo de estratégias envolve fazer alterações no plano de trabalho docente. Esse tipo de estratégia é utilizado quando os professores acham que não conseguirão terminar o trabalho desenvolvido com os alunos. Com isso, são evitados embates entre o corpo docente e a gestão (comuns nas estratégias que indicamos anteriormente). Mas há outras consequências. Dinâmicas que, para os professores, eram importantes para a aprendizagem dos alunos são suprimidas ou sofrem grandes alterações29 29 Esclarecemos que não nos referimos aqui a alterações pensadas de acordo com a necessidade dos alunos, mas por causa das interferências. Afinal, muitas vezes o plano de trabalho é modificado pelo professor, buscando garantir a aprendizagem dos alunos. Durante as reuniões sobre o processo de aplicação das sequências didáticas, os professores indicaram alterar aspectos dos seus planos de aula com esse objetivo. Mas a sistematização dos enunciados indica que foram mais frequentes as alterações realizadas em decorrência de interferências na aula. , prejudicando o trabalho encaminhado com as turmas.

O terceiro grupo de estratégias utilizadas para contornar as consequências das interferências envolve garantir a aplicação do plano de trabalho sem grandes alterações, apesar das intervenções na escola que interrompem o trabalho desenvolvido com os alunos. A análise dos enunciados dos professores aponta que esse é o tipo de estratégia mais utilizado – talvez porque com ele seja possível se distanciar de embates com a equipe gestora e, ao mesmo tempo, evitar mudanças no plano de trabalho. Os professores fazem isso, majoritariamente, de três maneiras:

A primeira envolve pedir a outro professor que aplique as atividades elaboradas. Essa manobra, então, interfere na aula de outro professor. Trata-se de uma estratégia que envolve um professor aplicar voluntariamente a atividade de outro – e não de uma ação pautada em pressões institucionais.

Apesar de existir uma colaboração entre professores, nesse caso, a manobra que descrevemos não proporciona um tempo-espaço ideal à realização das atividades previstas. Ainda que sejam aplicadas por alguém da equipe docente durante a aula, a relação entre professor-alunos-conhecimentos é modificada: o professor que dá prosseguimento à aplicação não é o autor do plano de trabalho e não detém o mesmo domínio sobre o conteúdo e a dinâmica, e os alunos também estabelecem interações diferentes com cada professor. Assim, apesar de a estratégia garantir a aplicação das atividades previstas, as interferências têm consequências para o processo que se realiza em aula:

Trecho 07 (pK1): a quinta série b’ eu tive um::: assim’ eu não ia ter aula com eles e aí eu pedi pra uma professora levar e fazer a aí foi o caos’ não/ ((ri)) a produção final/ pedir pra outra pessoa aplicar isso é besteira’ melhor (+) ((acena negativamente com a cabeça)) porque aí você queima a etapa do trabalho tão importante e:::’ e aí eles escreveram qualquer coisa pra ficar livre(16 dez. 2010)

Outra estratégia, a segunda desse mesmo tipo, envolve trocar aulas com professores. Isso ocorre quando o professor deixa de ministrar aula em uma turma para dar aula em outra, com o objetivo de cumprir a aplicação do plano de trabalho. Como o ritmo de aprendizagem dos alunos e das turmas não é uniforme, há casos em que os professores decidem ministrar mais aulas para a turma de alunos cujo processo de aprendizagem demanda mais tempo de trabalho. Além disso, é comum que as interferências na aula prejudiquem mais as aulas de uma determinada turma.

De todas as estratégias descritas pelos professores, segundo eles, a troca de aulas é a que proporciona o cenário mais adequado para o cumprimento do plano de trabalho docente. Dos professores participantes que realizaram essa manobra, nenhum relatou que dinâmicas ou atividades previstas foram prejudicadas durante a troca de aulas. O principal problema dessa estratégia é que ela deixa de ser factível quando o professor precisa trabalhar com todas as suas turmas, não podendo deixar de ministrar aulas a alguma delas.

A terceira e última estratégia desse tipo que verificamos envolve os professores usarem momentos de ATPC e horas-atividade para dar aulas, ou trabalharem na escola fora do seu horário para garantir o cumprimento do plano de trabalho, aproveitando aulas vagas das suas turmas. No caso de professores da rede municipal, muitos usam também o horário que cumprem na escola sem ter aula:

Trecho 08 (pK1): foram duas oitavas séries que eu/ que eu trabalhei’ com quatro aulas semanais’ mas como a pL2 é:: no primeiro semestre eu:::: só tinha as duas salas’ então em toda aula vaga que eu podia entrar eu entrava e trabalhava com isso’ (17 dez. 2011)

Desse terceiro conjunto de estratégias, os enunciados que analisamos indicam que as duas últimas manobras (trocar aulas com outros professores e utilizar aulas vagas) prejudicam menos a aplicação do plano de trabalho docente, permitindo ao professor desenvolver as aulas com as turmas de acordo com os objetivos previstos. Isso ocorre porque quando o professor troca aulas ou trabalha com as turmas durante aulas vagas, a dinâmica das atividades previstas ocorre com a presença do professor-autor do plano. Assim, essas estratégias proporcionam o cenário mais próximo daquele prospectado pelo professor quando da elaboração do seu plano de trabalho.

Mas adotar essas manobras causa problemas em outros aspectos do trabalho docente. Para realizá-las, o professor, muitas vezes, trabalha mais na escola, e/ou deixa de realizar outros afazeres (extraclasse), que também são importantes para a prática docente em sala de aula. Como ilustra o enunciado de pE2:

Trecho 09 (pE2): a hora atividade que é uma aula que nós temos pra fazer planejamen::to se organizar não existe mais na minha/ na minha semana’ porque meu período inteiro tá preenchido com aula(09 nov. 2013)

Sobre essas estratégias, é importante ainda destacarmos que apesar de abordarmos separadamente cada uma delas, os enunciados dos professores indicam que elas normalmente são adotadas em conjunto. Ou seja, durante o ano letivo, um mesmo professor se utiliza de mais de uma estratégia. Adotadas de maneira articulada, elas ajudam os professores a garantir a aplicação do seu plano de trabalho, apesar da realização de programas e projetos na escola.

O resultado, entretanto, é longe do ideal. Em decorrência das interferências na aula, há menos tempo para trabalhar com as turmas aquilo que foi pensado e planejado com antecedência. Segundo os enunciados dos professores, por falta de tempo, uma grande parte do conteúdo não é abordada, o ritmo de aprendizagem dos alunos não é respeitado, e deixam de ser exploradas potencialidades que surgem na interação entre professor e alunos.

É necessário fazermos uma ressalva: os professores participantes estavam envolvidos em um grupo de pesquisa, e a preocupação em garantir a amostragem necessária apareceu em alguns enunciados como fator importante para a adoção de estratégias. É possível que esse contexto tenha levado a uma mobilização ainda maior dos professores, com o objetivo de garantir que todas as atividades elaboradas e previstas fossem cumpridas. Entretanto, seria incorreto afirmar que, sem a pesquisa, os professores não realizariam manobras para contornar as consequências da dinâmica de interferências. As estratégias são citadas pelos professores como algo comum, e não são vistas como inusitadas pelos integrantes do grupo ou (segundo os enunciados) pelos outros sujeitos da escola – o que sugere que essas fazem parte do repertório e da prática dos professores.

Considerações finais

Desse cenário que descrevemos, subentendemos que a dinâmica de interferências dificulta a realização de um ensino dialógico, que considere o enunciado do aluno para rever aspectos do plano de trabalho. Além da falta de tempo, decorrente (entre outras coisas) da utilização da aula para aplicação de projetos e programas de diversas instâncias, há o problema da interrupção da aplicação do plano de trabalho, que desarticula atividades que foram originalmente planejadas em um encadeamento.

Oficialmente, os sistemas municipal e estadual admitem que o ensino, assim como a aprendizagem, é um processo30 30 O termo “processo de ensino e aprendizagem” aparece em vários documentos oficiais, como o Decreto nº 54.453 (2013), no caso da rede municipal, e o caderno que trata da Nova Estrutura Administrativa da Secretaria do Estado de São Paulo (2013), no caso da rede estadual. . A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, inclusive, justifica da seguinte maneira as situações de aprendizagem31 31 Situações de Aprendizagem são planos de trabalho organizados por aula, propostos pelo Currículo Oficial do Estado de São Paulo. , e propõe:

Essa reflexão em um sistema que organiza sua grade curricular por aulas é muito importante. Em primeiro lugar, porque cada aula deve ter sua potencialidade máxima de aprendizagem. Em segundo lugar, porque o controle da improvisação da aula é uma condição vital para se organizar o processo de ensino-aprendizagem. E, finalmente, porque a sistematização e a sequência das aulas devem ser cuidadosamente planejadas de forma a respeitar o tempo de aprendizagem do aluno e atender aos objetivos previstos

(São Paulo [Estado] – Caderno do Gestor, 2010, p. 11 – itálico do autor).

Apesar de tal concepção oficial, as constantes interferências na aula interrompem esse processo, culminando no cenário contrário ao descrito no trecho destacado. A potencialidade da aula nem sempre é garantida, o professor constantemente se vê obrigado a improvisar diante das interferências, e a sequência prevista de aulas visando garantir a aprendizagem dos alunos perde a continuidade. Esses aspectos contribuem para um processo fragmentado de ensino.

Os professores participantes do Círculo de pesquisa também abordaram a questão da interrupção dos processos de ensino e aprendizagem escolar. Segundo enunciados que analisamos, quando o processo sendo desenvolvido com os alunos sofre longas interrupções, os professores precisam retomar ainda mais aspectos, já vistos em aulas anteriores, com as turmas. Isso porque, quando o aluno fica dias (ou semanas) sem ter a aula que daria continuidade ao trabalho desenvolvido pelo professor, ele não retorna ao processo do mesmo ponto – é necessário retomar questões já trabalhadas. Mas isso toma tempo e nem sempre é efetivo. Especialmente se consideramos que novas interferências podem acontecer. Assim, o ensino, entendido enquanto processo, fica prejudicado com as interrupções.

Os dados de que dispomos indicam que isso muitas vezes frustra o professor, que em vários momentos tem que se colocar contra as pressões exercidas por várias instâncias da instituição escolar. Como demonstram os trechos a seguir, os professores parecem desmotivados quando descrevem para o grupo como foi a aplicação das sequências didáticas em meio a interferências. Os percalços são muitos, e ter de agir contra uma dinâmica que se estabelece em rede é desgastante:

Trechos 10 e 11 (pC1): teve aí uma série de (+) problemas externos que dificultaram a aplicação e as oitavas ainda foram mais conturbadas’ eu trouxe o trabalho até onde eu consegui chegar’ [...] os alunos que já (eram tudo pra fazer o paredão32)’ é:: eu cheguei até falar pra pS1 que não ia dar porque’ tava tendo insônia’ aí não conseguia desenvolver(08 dez. 2010 – sublinhado nosso) (pK1): vou concluir no dia vinte e nove de novembro/ NÃO vou avançar pra primeira semana de dezembro porque:: (+) não existe’ de verdade’ não existe/ aí vou ficar enlouquecida lá e:: (+) e os meninos não vão ma:is’ aí é uma reuniã:o’ aí é’ ((entonação que indica que eventos continuam acontecendo. pL2 concorda com o comentário, acenando com a cabeça))(26 out. 2013 – sublinhado nosso)

Esse contexto de frequente suspensão e compressão do tempo-espaço da aula, dessa forma, tem consequências negativas para trabalho docente e, provavelmente, prejudica também a aprendizagem dos alunos. É então perfeitamente possível que a dinâmica de interferências seja nociva à qualidade da educação escolar – ainda que a busca por essa qualidade fundamente muitas das ações, programas e projetos aplicados nas escolas.

Ainda assim, dificilmente as intervenções que se realizam nas escolas são percebidas como um problema por outros sujeitos (que não o professor). Em nossa investigação, encontramos indícios de que isso ocorre por dois motivos: a multissemia do conceito de dia letivo e o caráter prescritivo da política educacional. A dinâmica de interferências, apesar de suspender com frequência a realização de aulas na escola, não descaracteriza o dia letivo para a gestão, as diretorias regionais ou as secretarias. Consequentemente, dias sem aulas não são aparentes, e é mais difícil identificar, estando fora da escola, um padrão de interferências. Além disso, como a política educacional é implementada principalmente a partir de normas e ordens que são passadas de instância para instância, seguindo a estrutura hierarquizada de um modelo de gestão em rede, o que acontece na instância de base (escola) raramente chega ao conhecimento de quem está nas secretarias ou em seus órgãos centrais.

É importante também destacar que esse cenário persiste apesar do discurso de se garantir autonomia e gestão democrática nas escolas. Esses pontos estão presentes em legislação, e mesmo a LDB já previa, em 1996, autonomia pedagógica e administrativa às unidades escolares, bem como participação dos profissionais da educação na sua gestão33 33 Nos referimos aqui mais especificamente aos artigos 14 e 15 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996. . No entanto, as realidades descritas pelos professores indicam que essas condições ainda não foram alcançadas. O modelo de educação organizado em rede pode ser eficiente para a realização de políticas públicas de larga escala (respondendo a objetivos e interesses diversos), mas não garante as condições necessárias à autonomia e à gestão democrática. Mesmo dentro de cada comunidade escolar, a estrutura hierarquizada dos sujeitos colabora para a intensificação desse cenário, propiciando que diferentes ações se acumulem desordenadamente no tempo-espaço-aula, podendo prejudicar a aprendizagem escolar entendida enquanto processo.

Por isso, consideramos que é necessário rever a atual política educacional adotada pelos sistemas estadual e municipal de ensino em São Paulo. O modelo prescritivo dificulta às secretarias perceberem quais são os impactos que os programas que desenvolvem causam na aula. Os sujeitos responsáveis pelas interferências, assim, podem não saber que o volume de ações propostas prejudica o trabalho docente – e, talvez, a educação escolar. Há, de fato, projetos cuja importância é reconhecida pelos professores, pois tratam de aspectos que impactam diretamente a comunidade escolar34 34 Podemos citar aqui o caso das campanhas de vacinação: em 2018, o Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Educação, promoveu a vacinação contra HPV e meningite nas escolas de São Paulo. (Recuperado de www.saude.gov.br, acesso em: 9 out. 2019). Outro exemplo é o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), que tem oficialmente por objetivo realizar uma educação preventiva quanto ao uso de drogas (Recuperado de www4.policiamilitar.sp.gov.br, acesso em: 7 jun. 2017). , muitas vezes contribuindo para a formação integral dos alunos. Assim, para os professores, os programas em si não são o problema – mas sim a maneira como são aplicados, interrompendo com frequência o trabalho desenvolvido com os alunos.

Pensamos que a política educacional poderia ser mais efetiva se os sujeitos responsáveis pela sua elaboração considerassem as contribuições dos sujeitos da escola. No caso da problemática das interrupções, ouvir a voz do professor torna-se fundamental, pois ele é quem melhor pode indicar como as ações aplicadas na escola impactam a aula – instância primordial do trabalho docente. Informações como essa podem ser úteis na elaboração de programas e projetos que não prejudiquem sobremaneira o trabalho realizado com os alunos. Afinal, a dinâmica de interferências não só prejudica o trabalho dos professores, como também contraria a concepção oficial de ensino e aprendizagem enquanto processo. Parece-nos que, se o objetivo é o de melhorar a qualidade da educação escolar, é coerente que se reveja a maneira como essas intervenções são realizadas, para que o tempo-espaço da aula seja resguardado e para que o professor possa planejar e organizar os elementos da aula, visando principalmente a aprendizagem escolar dos alunos.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Luan Maitan – revisao@tikinet.com.br
  • 3
    Apoio: o presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de financiamento 001.
  • 4
    English version: Viviane Ramos- vivianeramos@gmail.com
  • 5
    Nos referimos aqui ao modelo de análise desenvolvido no âmbito da Ciência Política, segundo o qual há uma clara distinção entre a etapa de formulação de uma política pública e a etapa de sua implementação. À etapa de formulação cabe definir objetivos, estabelecer critérios de aplicação de políticas, fazer concessões etc. Já à etapa de implementação caberia apenas aplicar a política nos moldes estabelecidos na etapa anterior. O modelo top-down já foi muito criticado ao desconsiderar que o processo legislativo não encerra toda a fase de elaboração e aprovação de políticas, já que os atores responsáveis pela implementação alteram aspectos da proposta original da política pública (Hill, 2013Hill, M. (2013). The public policy process. Harlow: Pearson Education.). Nós empregamos aqui o termo para indicar que a maioria das políticas públicas educacionais no Brasil é elaborada nos moldes dessa perspectiva, ou seja, esperando que os demais atores que participam de sua aplicação não devem alterar aspectos da proposta original, ou participar ativamente de sua formulação.
  • 6
    Referimo-nos aqui ao artigo 206 da Constituição da República Federativa do Brasil, que estabelece, entre outras coisas, que o ensino será ministrado com base no princípio de liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber, bem como de pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas.
  • 7
    Consideramos aqui a aula enquanto o tempo-espaço primordial da aprendizagem escolar. Não se trata de um lugar específico da escola ou de um tempo que se encerra em seu aspecto cronológico, mas sim um tempo-espaço complexo, que envolve conhecimento, métodos, objetivos, interações dialógicas e intersubjetivas orientadas pela finalidade da aprendizagem, além de outros elementos. Aprofundamos esse conceito de tempo-espaço da aula em Lemes, 2017Lemes, M. M. (2017). Interferências no tempo-espaço da aula: percepções dos professors sobre a política educacional de São Paulo. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo..
  • 8
    Esclarecemos que entendemos intervenção como uma ação realizada na escola por um sujeito externo à aula (mas não necessariamente externo à escola), e que interrompe o trabalho sendo realizado pelo professor com seus alunos. Não se trata, portanto, de uma alusão ao intervencionismo de Estado na escola, perspectiva essa que requereria uma fundamentação teórica diferente da que adotamos, além de outros caminhos de análise.
  • 9
    Além de professores de escolas estaduais e municipais, participaram também professores de escolas particulares, além de alunos da graduação e pós-graduação (bolsistas e não bolsistas).
  • 10
    Ao longo dos anos em que o grupo se reuniu, participaram professores de língua portuguesa, língua inglesa, informática educativa, história, geografia e biologia. Cada professor escolheu o conteúdo que seria desenvolvido ao longo da sequência didática, elaborou os materiais e atividades que seriam utilizados em sala de aula e organizou o seu plano de trabalho a partir dos estudos e discussões realizados no âmbito do grupo.
  • 11
    Dentre as principais vertentes teóricas utilizadas nesse processo de aprofundamento, podemos citar: Dolz, Noverraz e Schneuwly (2004)Dolz, J., Noverraz, M., & Schneuwly, B. (2004) Sequências didáticas para o oral e a escrita: apresentação de um procedimento. In B. Schneuwly, & J. Dolz, Gêneros orais e escritos na escola. (pp. 95-128). Campinas: Mercado de Letras., com a sua proposta de sequências didáticas; Bakhtin (2016 [1953])Bakhtin, M. (2016 [1953]). Os gêneros do discurso. São Paulo: Editora 34. e os gêneros do discurso; a teoria da experiência da aprendizagem mediada, de Feuerstein (2010)Feuerstein, R., Feuerstein, R. S., & Falik, L. H. (2010) Beyond smarter: mediated learning and the brain’s capacity for change. Londres: Teachers College Press.; e as concepções de Vigotski (2010)Vigotski, L. S. (2010). Psicologia pedagógica. São Paulo: wmf Martins Fontes. sobre o desenvolvimento de conceitos científicos na idade escolar.
  • 12
    Nos referimos aqui às reuniões que ocorrem em espaços e momentos previamente estabelecidos nas escolas, como o ATPC (aula de trabalho pedagógico coletivo), nas escolas estaduais, e as reuniões pedagógicas de hora-atividade, nas escolas municipais.
  • 13
    Todos os professores assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido de participação, e sabiam que os registros audiovisuais das reuniões, bem como o material obtido durante a aplicação das sequências didáticas, poderiam ser utilizados na realização de estudos articulados à pesquisa.
  • 14
    Website da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo: http://www.educacao.sp.gov.br/. Acesso em julho e agosto de 2017.
  • 15
    Portal da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo: http://portal.sme.prefeitura.sp.gov.br/. Acesso em julho e agosto de 2017.
  • 16
    As diretorias de ensino (DE) da SEE/SP possuem páginas com domínio próprio na internet. Já as diretorias regionais de educação (DREs), da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, nem todas possuem endereço eletrônico. A maioria tem páginas oficiais no Facebook ou blogs.
  • 17
    Adotamos o conceito de obras bakhtinianas para nos referirmos a um conjunto de obras produzidas entre as décadas de 1920 e 1970, na União Soviética. Elas foram elaboradas no contexto de um grupo de intelectuais de diversas áreas que se reuniam para dialogar sobre diferentes temas (Brait & Campos, 2009Brait, B., & Campos, M. I. B. (2009). Da Rússia czarista à web. In B. Brait (Org.). Bakhtin e o círculo. (pp. 15-30). São Paulo: Contexto.).
  • 18
    Para os elementos técnicos da transcrição (símbolos e códigos utilizados para registrar aspectos não verbais dos enunciados), escolhemos adotar, de forma adaptada, os sinais de transcrição propostos por Marcuschi (1986)Marcuchi, L. A. (1986). Análise da conversação. São Paulo: Ática., em seu livro Análise da conversação. Optamos por utilizar sinais que indicam aspectos da oralidade que consideramos necessários à interpretação dos enunciados, como pausas ((+)), truncamentos (/), entre outros. Para garantir o anonimato dos participantes do grupo cujos enunciados foram transcritos, substituímos seus nomes por códigos.
  • 19
    No caso do sistema municipal, não tivemos participação de professores de escolas das DREs de Pirituba, Freguesia/Brasilândia, Jaçanã/Tremembé, Guaianases, São Mateus, Santo Amaro e Capela do Socorro. No caso do sistema estadual, não tivemos participação de professores de escolas das DEs Norte 2, Leste 1, Leste 2, Leste 3, Leste 4, Sul 2 e Sul 3.
  • 20
    Há inclusive casos de professores que citaram interferências em escolas estaduais localizadas fora do município de São Paulo, na região metropolitana (DREs Guarulhos Sul e Suzano) – o que sugere que a dinâmica de interferências não é restrita ao município de São Paulo, estando articulada à gestão em rede do sistema estadual de ensino.
  • 21
    Segundo documento oficial, o diretor de escola da rede estadual de ensino deve ter capacidade de “Liderar a elaboração, a implementação, a avaliação e o redirecionamento de planos e ações em consonância com os princípios, as diretrizes e as normas educacionais da SEE-SP, do Currículo e da proposta pedagógica nos diferentes níveis, etapas, modalidades, áreas e disciplinas” (São Paulo [Estado] – Resolução SE-56, 2016São Paulo (Estado). Secretaria da Educação. (2016, 14 de outubro). Resolução 56. Recuperado de http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/arquivos/56_16.HTM?Time=04/06/2017%2017:25:14
    http://siau.edunet.sp.gov.br/ItemLise/ar...
    ).
  • 22
    Podemos citar aqui ações de conscientização da população (é o caso de campanhas de saúde direcionadas a doenças virais, como a dengue), avaliações externas, reuniões de planejamento etc.
  • 23
    Tais como festas abertas à comunidade ou passeios com alunos para parques temáticos (com o objetivo de arrecadar fundos para reparos, compra de material escolar etc.), palestras de conscientização da população sobre diversos temas, projetos didático-pedagógicos, entre outros.
  • 24
    No caso do sistema municipal, podemos citar a seguinte portaria: “Art. 7º – O Calendário de Atividades das Unidades Educacionais deverá ser aprovado pelo Conselho de CEI/Conselho de Escola/CIEJA e encaminhado à Diretoria Regional de Educação …, para análise e aprovação do Supervisor Escolar e homologação do Diretor Regional de Educação. … Idêntico procedimento deverá ser adotado no decorrer do ano letivo, quando houver necessidade de alteração e/ou adequação do Calendário de Atividades, decorrente de suspensão de aulas e outras formas de descaracterização de dia/hora de efetivo trabalho escolar ….” (São Paulo [Município] – Portaria 5969, 2012São Paulo (Estado). Secretaria Municipal de Educação. (2012, 12 de novembro) Portaria nº 5.969. Recuperado de http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/secretarias/negocios_juridicos/cadlem/integra.asp?alt=13112012P%20059692012SME
    http://www3.prefeitura.sp.gov.br/cadlem/...
    ).
  • 25
    Como as diretorias regionais. No caso do sistema estadual, as equipes de supervisão de ensino de cada diretoria regional devem “… apresentar à equipe escolar as principais metas e projetos da Secretaria, com vista à sua implementação …” (São Paulo [Estado], Decreto nº 57.141, 201São Paulo (Estado). Governo do Estado. (2011, 18 de julho). Decreto nº 57.141. In São Paulo (Estado). Secretaria da Educação. (2013). A nova estrutura administrativa da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo: Por uma gestão de resultado com foco no desempenho do aluno. São Paulo: SEE.1 – art. 72).
  • 26
    Alguns documentos oficiais que explicitam essa exigência é o Decreto nº 54.453, de 2013 (São Paulo [Município] – art. 11), que afirma ser uma atribuição do coordenador pedagógico “… promover e assegurar a implementação dos programas e projetos da Secretaria Municipal de Educação …”
  • 27
    No original: “… if missions develop loyalty among the faithful and confidence among the committed, they also create heresy among those who question, differ and doubt. … The social construction of heresy is, in this sense, a powerful ideological force. It suppresses proper discussion of choices and alternatives by patronizingly disregarding their seriousness or by undermining the personal credibility of those who advance them. Heretics, then, are not merely dissenting or disagreeable. They are personally flawed. Weakness, madness or badness are the hallmarks of the heretic, the qualities that mark him or her out from the rest” (Hargreaves, 2000Hargreaves, A. (2000). Changing teachers, changing times: Teachers’ work and culture in the postmodern age. New York: Continuum., p. 163).
  • 28
    Denominamos de plano de trabalho docente o plano que organiza o trabalho a ser realizado pelo professor com suas turmas ao longo de um determinado período (como um bimestre). Essa definição vai ao encontro daquela utilizada pelos sistemas estadual e municipal de ensino de São Paulo.
  • 29
    Esclarecemos que não nos referimos aqui a alterações pensadas de acordo com a necessidade dos alunos, mas por causa das interferências. Afinal, muitas vezes o plano de trabalho é modificado pelo professor, buscando garantir a aprendizagem dos alunos. Durante as reuniões sobre o processo de aplicação das sequências didáticas, os professores indicaram alterar aspectos dos seus planos de aula com esse objetivo. Mas a sistematização dos enunciados indica que foram mais frequentes as alterações realizadas em decorrência de interferências na aula.
  • 30
    O termo “processo de ensino e aprendizagem” aparece em vários documentos oficiais, como o Decreto nº 54.453 (2013), no caso da rede municipal, e o caderno que trata da Nova Estrutura Administrativa da Secretaria do Estado de São Paulo (2013)São Paulo (Estado). Prefeitura do Município. (2013, 10 de outubro). Decreto nº 54.453. Recuperado de http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/leis/decreto-54453-de-10-de-outubro-de-2013/
    http://legislacao.prefeitura.sp.gov.br/l...
    , no caso da rede estadual.
  • 31
    Situações de Aprendizagem são planos de trabalho organizados por aula, propostos pelo Currículo Oficial do Estado de São Paulo.
  • 32
    O professor está se referindo à prática, já estabelecida na escola, de os alunos faltarem em conjunto (uma turma inteira) em dias letivos do último bimestre, quando aumentam os números de ações diretas na escola.
  • 33
    Nos referimos aqui mais especificamente aos artigos 14 e 15 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394/1996.
  • 34
    Podemos citar aqui o caso das campanhas de vacinação: em 2018, o Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Educação, promoveu a vacinação contra HPV e meningite nas escolas de São Paulo. (Recuperado de www.saude.gov.br, acesso em: 9 out. 2019). Outro exemplo é o Programa Educacional de Resistência às Drogas (Proerd), que tem oficialmente por objetivo realizar uma educação preventiva quanto ao uso de drogas (Recuperado de www4.policiamilitar.sp.gov.br, acesso em: 7 jun. 2017).

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Editado por

1
Editora responsável: Ana Lúcia Guedes Pinto. https://orcid.org/0000-0002-0857-8187

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2018
  • Revisado
    16 Out 2019
  • Aceito
    02 Dez 2019
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