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Estratégias de estimativa numérica de quantidades 1 1 Editor responsável: Carlos Miguel da Silva Ribeiro - cmribas78@gmail.com, https://orcid.org/0000-0003-3505-4431 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Luan Maitan – revisao@tikinet.com.br 3 3 Apoio: Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) ? Campus Canoas

Numerosity strategies

Resumo

Este estudo verificou quais foram as estratégias de estimativa numérica de quantidades realizadas por crianças de uma escola pública e quais foram as mais frequentes e as mais precisas, a partir de entrevistas individuais semiestruturadas. Foram encontradas sete diferentes estratégias, que variavam de simples contagem exata até estratégias mais complexas, de estruturas multiplicativas. Os resultados indicaram que as crianças apresentaram maior frequência e precisão em estratégias de contagem exata para pequenas quantidades, mantendo a alta frequência, mas diminuindo a precisão no uso desta estratégia para grandes quantidades. Conclui-se que as crianças tendem a usar a contagem exata mesmo que isso não seja exigido e mesmo que não seja possível, sugerindo a importância de seu ensino na escola.

Palavras-chave
estimativa numérica de quantidades; estratégias; matemática

Abstract

Based on individual semi-structured interviews, this study indicates the most accurate and frequently-used estimation strategies adopted by children, attending a public school. We found seven different strategies, ranging from simple exact counting to more complex strategies involving multiplicative structures. The results show the children more often adopted exact counting strategies with greater accuracy for small amounts; however, the same strategies were used with diminishing precision for large amounts. It is concluded that children tend to use exact counting even if it is not required and even if it is not possible, suggesting the importance of teaching number estimation in schools.

Keywords
numerosity; numerical estimate of quantities; strategies; mathematics

Introdução

A competência matemática compreende uma grande variedade de diferentes habilidades e processos cognitivos e algumas habilidades matemáticas elementares, como a discriminação de pequenas quantidades ou cálculos aritméticos, com pequenos conjuntos de objetos, observadas em crianças (Sella, Berteletti, Lucangeli, & Zorzi, 2017Sella, I., Berteletti, D., Lucangeli, & Zorzi M. (2017). Preschool children use space, rather than counting, to infer the numerical magnitude of digits: Evidence for a spatial mapping principle. Cognition, 158, 56-67.). Dessa forma, a estimativa numérica de quantidades é considerada um aspecto importante na capacidade matemática, pois envolve diferentes conceitos matemáticos, tais como o sistema numérico e as relações entre diferentes operações aritméticas (Luwel, Lemaire, & Verschaffel, 2005Luwel, K., Lemaire, P., & Verschaffel, L. (2005). Children’s strategies in numerosity judgment. Cognitive Development, 20, 448–471.).

Uma estimativa nada mais é que um palpite matemático inteligente (Smoothey, 1998Smoothey, M. (1998). Atividades e jogos com estimativas. São Paulo: Scipione.). Não se trata de um número qualquer, escolhido ao acaso, mas de um número escolhido pela observação e pelo estabelecimento de estratégias que visem melhor precisão, mesmo que sem exatidão. Então, estimativas mais precisas são aquelas menos desviadas (para mais ou para menos) da quantidade real.

Assim, pesquisadores como Verschaffel e colaboradores (1998)Verschaffel, L., De Corte, E., Lamote, C., & Dhert, N. (1998). The Acquisition and Use of an Adaptive Strategy for Estimating Numerosity. European Journal of Psychology of Education, 13, 347-370., embora afirmem que a estimativa e a quantificação exata não sejam caminhos opostos, considerando, inclusive, que estejam relacionadas, consideram diversos fatores da psicologia cognitiva em suas constatações sobre o desenvolvimento da estimativa numérica. Essa perspectiva dialógica parece ser interessante, tendo em vista que a capacidade matemática pode ter uma origem biológica, mas seu desenvolvimento depende de fatores externos e das interações que possam ocorrer na vida do sujeito para a aquisição de conhecimentos mais complexos.

Dessa forma, quantificar elementos é uma habilidade importante e usual no cotidiano. Por exemplo, para se escolher uma fila para esperar, geralmente, estima-se por aproximação o número de pessoas que estão aguardando e escolhe-se aquela que supomos ter o menor número de pessoas. Portanto, estudar essa capacidade e as estratégias que levam a melhorá-la é importante (Gandini; Ardiale, & Lemaire, 2010Gandini, D., Ardiale, E., & Lemaire, P. (2010). Children’ Strategies in Approximate Quantification. Current Psychology Letters: Behaviour, Brain, & Cognition, 26, 1-14.).

Em tarefas de estimativa de quantidades discretas, precisa-se determinar o número de itens em um conjunto. E, embora essa seja uma atividade frequentemente realizada pelas pessoas, a escassez de estudos sobre aspectos estratégicos desse julgamento é muito surpreendente, dada a sua importância prática e teórica (Luwel, Lemaire, & Verschaffel, 2005Luwel, K., Lemaire, P., & Verschaffel, L. (2005). Children’s strategies in numerosity judgment. Cognitive Development, 20, 448–471.). Assim, compreender as estratégias desse tipo de estimativa pode fornecer informações importantes sobre o desenvolvimento matemático.

Estudos têm mostrado que as pessoas conhecem e utilizam várias estratégias para realizar diferentes tarefas cognitivas (Luwel & Verschaffel, 2003Luwel, K. & Verschaffel, L. (2003). Adapting Strategy Choices to Situational Factors: The effect of time pressure on children's numerosity judgement strategies. Psychologica Belgica.), inclusive para realizar estimativas. A variabilidade dessas estratégias é explicada por Huntley-Fenner (2001)Huntley-Fenner, G. (2001). Children's Understanding of number is Similar to Adults' and Rats': numerical estimation by 5±7-year-olds. Cognition, 78, 27-40. como sendo o resultado do pouco conhecimento sobre estratégias de estimativa, já que grande parte das estratégias utilizadas por pessoas com grande capacidade de realizar estimativas foi desenvolvida independentemente do ensino formal da escola. Uma consequência importante dessa variabilidade estratégica é que, para cada situação, o indivíduo é desafiado a escolher uma estratégia que é mais adaptável para sua solução.

Ainda quanto às estratégias utilizadas, o desenvolvimento cognitivo é caracterizado por dois fatos fundamentais: a coexistência de diferentes procedimentos para realizar uma tarefa e a mudança constante na utilização e na frequência desses procedimentos (Lemaire & Siegler, 1995Lemaire, P. & Siegler, R. (1995). Four Aspects of Strategic Change: Contributions to Children’s Learning of Multiplication. Journal of Experimental Psychology: General, 124(1), 83-97.). Esta variabilidade decorre de mudanças nos fatores internos (cognitivos) e de fatores externos (características individuais dos problemas). De acordo com Lemaire e Siegler (1995)Lemaire, P. & Siegler, R. (1995). Four Aspects of Strategic Change: Contributions to Children’s Learning of Multiplication. Journal of Experimental Psychology: General, 124(1), 83-97., diferentes componentes cognitivos devem ser considerados para melhor descrever o desempenho em estimativa numérica dos participantes: o repertório, a distribuição, a execução e a seleção de estratégias. Essas dimensões referem-se às diferentes estratégias utilizadas por um indivíduo para realizar uma tarefa, o desempenho resultante da utilização de uma determinada estratégia e as variáveis que influenciam a forma como os participantes as escolhem.

Embora grande parte das pesquisas sobre estratégias de estimativa numérica de quantidades elenque diferentes tipos de estratégias e indiquem uma precisão crescente das estimativas com a idade, em sua maior parte, nenhuma delas, até onde se sabe, dedica-se a compreender qual a frequência e eficiência do uso dessas estratégias. Essa é uma resposta importante, considerando que, mesmo com a habitual utilidade dessa habilidade, as crianças não são boas em realizar estimativa (Siegler & Booth, 2004Siegler, R. S., & Booth, J. L. (2004). Development of Numerical Estimation in Young Children. Child Development, 75, 428-444.). Dessa forma, propõe-se aqui responder a seguinte pergunta: como as crianças realizam estimativas numéricas de quantidades discretas, mesmo que não formalmente ensinadas a fazer? Tem-se como principal objetivo elencar as diferentes estratégias de estimativa, verificando sua frequência e eficiência em termos de precisão para realizar estimativas, com intuito de possibilitar o ensino de estimativa numérica nas escolas, considerando sua importância já citada.

Nesse contexto, o presente estudo foi projetado para para: a) avaliar a precisão de 30 crianças do 2o ao 6o ano através de uma tarefa de estimativa numérica de quantidades; b) compreender, através de seus relatos e ações diante da solução dos problemas, as justificativas envolvidas em cada situação para descrever as principais estratégias utilizadas nas diferentes etapas escolares e; c) verificar se existe uma relação entre o tipo de estratégia de estimativa e a precisão do resultado.

Referencial teórico

Os estudos em estimativa numérica vêm sendo foco na pesquisa em educação matemática internacional desde a década de 1980 (senão antes), com objetivo de compreender sua relação com a habilidade matemática dos sujeitos. No caso da estimativa de quantidades, tem-se utilizado tarefas de comparação de quantidades, que consideram essa habilidade como sendo inata e ligada apenas à percepção e que estaria presente em outros animais não humanos (Dehaene, 1997Dehaene, S. (1997). The Number Sense: How the mind creates mathematics. New York: Oxford University Press.; Xu, 2003Xu, F. (2003). Numerosity Discrimination in Infants: Evidence for two systems of representations. Cognition, 89, B15-B25.). Considera-se que a comparação entre quantidades maiores e menores não envolve conhecimentos numéricos simbólicos, o que pode caracterizar uma habilidade unicamente humana de realizar estimativas de quantidades.

Ainda, anterior à quantificação exata mais elaborada, alguns pesquisadores afirmam que a enumeração de objetos brevemente apresentados é precisa para até 3 ou 4 itens, e que o reconhecimento de quantidades entre “um” e “quatro” parece ser anterior à aquisição dos princípios de contagem (Dehaene, 1997Dehaene, S. (1997). The Number Sense: How the mind creates mathematics. New York: Oxford University Press.). Essa capacidade é chamada de “subitizing”. Apesar da concordância geral entre os pesquisadores de que a enumeração é tratada de forma diferente dentro do intervalo de subitizing, tem havido algum debate sobre se o subitizing utilizaria mecanismos iguais ou diferentes daqueles utilizados na estimativa de intervalos numéricos maiores. Dessa forma, tratar-se-á de estimativa numérica de quantidades a habilidade de quantificar simbolicamente elementos em um conjunto, em intervalos maiores que o do subitizing.

Dos estudos que destacam as estratégias elaboradas por crianças ou adultos no estabelecimento de estimativas de quantidades, sabe-se que o número de estratégias que as pessoas usam aumenta com a idade e a experiência (Siegel, Goldsmith, & Madson, 1982Siegel, A., Goldsmith, T. & Madson, C. (1982). Skill in Estimation Problems of Extent and Numerosity. Journal for Research in Mathematics Education, 13, 211–232.), assim como a sofisticação das estratégias que são utilizadas (Siegler & Booth, 2005Siegler, R., & Booth, J. (2005). Development of Numerical Estimation: A Review. In J. I. D. Campbell, Handbook of Mathematical Cognition. Psychology Press: New York. Cap. 2, 197-212.). Talvez, Siegel, Goldsmith e Madson (1982)Siegel, A., Goldsmith, T. & Madson, C. (1982). Skill in Estimation Problems of Extent and Numerosity. Journal for Research in Mathematics Education, 13, 211–232. tenham realizado uma primeira tentativa de mapear estratégias de estimativa numérica. Somente dez anos depois, Crites (1992)Crites, T. (1992). Skilled and Less Skilled Estimators’ Strategies for Estimating Discrete Quantities. Elementary School Journal, 5, 601–619. ampliou esses resultados, identificando que múltiplas estratégias contribuem para melhores estimativas e que estratégias perceptivas são utilizadas por sujeitos que não realizam estimativas tão bem quanto seus pares.

Entretanto, Lemaire e Siegler (1995)Lemaire, P. & Siegler, R. (1995). Four Aspects of Strategic Change: Contributions to Children’s Learning of Multiplication. Journal of Experimental Psychology: General, 124(1), 83-97. verificaram que crianças da 2a e da 6a série não diferiram quanto ao tipo de estratégia de estimativa utilizada para realizar estimativas, mas diferiram na eficiência da aplicação dessas estratégias. Nesse sentido, os pesquisadores consideraram que julgar a melhor estratégia para diferentes situações poderia ser considerada uma “competência estratégica” que abrangeria a aquisição de novas estratégias e abandono das antigas, a utilização com maior frequência de estratégias mais eficientes disponíveis, a melhoria na fluência e de eficiência com que as estratégias são executadas e a melhoria na capacidade de adaptação no momento da escolha de estratégia.

Dois anos depois, os mesmos pesquisadores (Siegler & Lemaire, 1997Siegler, R., & Lemaire, P. (1997). Older and Younger Adult’s Strategy Choices in Multiplication: Testing Predictions of ASCM Using the Choice/No-Choice Method. Journal of Experimental Psychology: General, 126(1), 71-92.) criaram um método bastante utilizado para identificar características das estimativas: o método de escolha/não escolha, no qual o sujeito é solicitado a realizar estimativas podendo escolher a estratégia (escolha) ou sendo exigida a utilização de estratégia específica (não escolha). Entretanto, mais de uma década depois da introdução do método de escolha/não escolha por Siegler e Lemaire (1997)Siegler, R., & Lemaire, P. (1997). Older and Younger Adult’s Strategy Choices in Multiplication: Testing Predictions of ASCM Using the Choice/No-Choice Method. Journal of Experimental Psychology: General, 126(1), 71-92., Luwel e colaboradores (2009)Luwel, K., Onghena, P., Torbeyns, J., Schillemans, V., & Verschaffel, L. (2009). Strengths and Weaknesses of the Choice/No-Choice Method in Research on Strategy Use. European Psychologist, 14(4), 351–362. apresentaram questionamentos sobre o fato de os resultados desse método serem influenciados pelo tipo de problema em que as estratégias são utilizadas e quanto às diferenças individuais de preferência de estratégia, além de o método não permitir estudar a adaptabilidade das escolhas estratégicas.

No estudo de Verschaffel e colaboradores (1998)Verschaffel, L., De Corte, E., Lamote, C., & Dhert, N. (1998). The Acquisition and Use of an Adaptive Strategy for Estimating Numerosity. European Journal of Psychology of Education, 13, 347-370., os estudantes da 2a e 6a série e universitários apresentaram duas estratégias para estimativas de itens apresentados em uma matriz 10×10: adição dos itens e subtração da quantidade de quadrados vazios do total de quadrados da matriz. Além disso, concluíram que a escolha entre as estratégias era determinada pela quantidade de blocos vazios. Dois anos depois, Luwel e colaboradores (2000)Luwel, K., Verschaffel, L., Onghena, P., & Decorte, E. (2000). Children’s Strategies for Numerosity Judgment in Square Grids of Different Sizes. Psychologica Belgica, 40(3), 183-209. encontraram, além das estratégias de adição e de subtração, uma estratégia de estimativa rápida e grosseira, mas imprecisa, em uma pesquisa realizada com estudantes do 2o ano e do 6o ano, em matrizes quadriculadas de três tamanhos diferentes. Essa terceira estratégia foi utilizada em diferentes situações, independentemente da quantidade de quadrados vazios ou cheios.

No ano seguinte, os pesquisadores buscaram compreender os motivos das mudanças de estratégia utilizadas pelos estudantes. Então, Luwel e colaboradores (2001)Luwel, K., Beem, A., Onghena, P., & Verschaffel, L. (2001). Using Segmented Linear Regression Models with Unknown Change Points to Analyze Strategy Shifts in Cognitive Tasks. Behavior Research Methods, Instruments & Computers, 33(4), 470-478. solicitaram às crianças da 2a e da 6a série que determinassem as quantidades de blocos distribuídos em três matrizes de tamanhos diferentes (7×7, 8×8, e 9×9), encontrando três diferentes modelos: 1) o modelo de uma fase (adição para todos os itens); 2) o modelo de duas fases (adição para pequenas quantidades e subtração para grandes quantidades e; 2) o modelo de três fases (estimativa rápida). A frequência do modelo de duas fases aumentou com a idade, enquanto o de uma fase diminuiu com a idade. Além disso, foi encontrada uma relação forte e positiva entre o uso da estratégia de subtração e precisão. Os alunos da 6a série foram mais precisos do que os alunos de 2a série apenas quando eles não receberam informação sobre o tamanho da matriz.

Sobre a frequência relativa com que as estratégias foram aplicadas, Luwel e Verschaffel (2003)Luwel, K. & Verschaffel, L. (2003). Adapting Strategy Choices to Situational Factors: The effect of time pressure on children's numerosity judgement strategies. Psychologica Belgica. observaram que houve uma diminuição significativa da utilização das estratégias de adição e subtração relativamente precisas com o aumento da pressão de tempo e da aplicação de um número de estratégias alternativas relativamente menos precisas. Esse achado está de acordo com os resultados dos estudos de Luwel e colaboradores (2000)Luwel, K., Verschaffel, L., Onghena, P., & Decorte, E. (2000). Children’s Strategies for Numerosity Judgment in Square Grids of Different Sizes. Psychologica Belgica, 40(3), 183-209., que mostraram que, quanto maior o tamanho da matriz, menos as estratégias de adição ou de subtração são utilizadas.

Anos depois de Verschaffel e colaboradores (1998)Verschaffel, L., De Corte, E., Lamote, C., & Dhert, N. (1998). The Acquisition and Use of an Adaptive Strategy for Estimating Numerosity. European Journal of Psychology of Education, 13, 347-370. indicarem três diferentes estratégias de estimativa de quantidades, Gandini, Ardiale e Lemaire (2010)Gandini, D., Ardiale, E., & Lemaire, P. (2010). Children’ Strategies in Approximate Quantification. Current Psychology Letters: Behaviour, Brain, & Cognition, 26, 1-14. investigaram estratégias de alunos da 5a e 7a série em coleções de 11 a 79 pontos, apresentados em configurações aleatórias e canônicas. Ampliando as três estratégias já elucidadas, os pesquisadores elencaram seis estratégias: 1) fixação: contagem de alguns pontos e estimativa visual dos restantes considerando a contagem inicial; 2) referência: comparação da diferença entre a representação codificada e uma representação recuperada da memória de longo prazo; 3) decomposição/recomposição: separação em pequenos grupos de itens (cerca de 4) e estimativa do número de grupos; 4) aproximação de contagem: percepção aproximada de vários grupos de diferentes tamanhos; 5) contagem exata: contagem de todos os pontos e 6) outros: não correspondem a nenhuma das categorias anteriores.

No estudo de Revkin e colaboradores (2008)Revkin, S. K., Piazza, M., Izard, V., Cohen, L. & Dehaene, S. (2008). Does Subitizing Reflect Numerical Estimation? Psychological Science, 19(6), 607-614., adultos realizaram uma tarefa de estimativa de quantidades em matrizes que variavam de 1 a 8 itens e de 10 a 80 itens. Como resultado, obtiveram que na faixa 1-4 a variabilidade da precisão era nula ou muito pequena, mas a variabilidade era alta, com erros frequentes, para quantidades de 10 a 40, nos conjuntos de 10 a 80 elementos. Esses resultados indicam que pode haver um sistema diferenciado que enumera pequenas e grandes quantidades, o que também pode influenciar na escolha estratégica dessas estimativas, assim como antes já discutido, sobre subitizing.

Nos últimos anos, pouco material foi encontrado sobre o estudo de estratégias de julgamento de quantidades em um conjunto. Observa-se que o estudo sobre estimativa numérica de quantidades continuou, porém, voltado a compreender de que forma ela acontece: perceptivamente ou por análise de características. Alguns autores, de vertente inatista, relatam evidências de que apenas números pequenos podem ser percebidos diretamente, enquanto números altos estão apoiados pela análise de características como tamanho e densidade do conjunto (Zimmermann, 2018Zimmermann, E. (2018). Small numbers are sensed directly, high numbers constructed from size and density. Cognition, 173, 1-7.). Entretanto, nos estudos de Pincham e Szucs (2012)Pincham, H. L. & Szucs, D. (2012). Intentional subitizing: Exploring the role of automaticity in enumeration. Cognition, 124, 107-116., seus resultados sugeriram que a enumeração de pequenas quantidades é um tipo de enumeração distinta da que ocorre com números maiores, mas não é automática.

Os resultados de Zimmermann (2018)Zimmermann, E. (2018). Small numbers are sensed directly, high numbers constructed from size and density. Cognition, 173, 1-7. fornecem evidências de que existe um mecanismo diferente para a estimativa de quantidades: números pequenos seriam quantificados por um senso numérico inato, enquanto a estimativa de números altos provavelmente dependa do tamanho da área sobre a qual os objetos são distribuídos. Esses resultados tornam-se importantes para o presente estudo, pois, embora o senso numérico não seja aqui amplamente discutido, acredita-se que a capacidade de estimativa de números maiores possa estar relacionada a fatores não só perceptivos, mas também à capacidade de elaboração de estratégias eficientes para realizá-la. Nessa perspectiva, Jiaying Zhao e Yu (2016)Zhao, J. & Yu, R. (2016). Statistical regularities reduce perceived numerosity. Cognition, 146, 217-222. examinaram as regularidades das estimativas na ausência de sugestões explícitas de agrupamento, sugerindo que regularidades estatísticas reduzem a quantidade percebida, consistente com um possível mecanismo de agrupamento.

Considerando que todas essas pesquisas entendem a estimativa como uma habilidade unicamente perceptiva, esses estudos mostram avanços no sentido de compreender que estimativas de quantidades maiores, bem como de quantidades discretas, ocorrem de maneira distinta de como é discutida na ideia de senso numérico. Isso é importante, pois inicia uma discussão para outros aspectos, que não apenas perceptivos, possam estar relacionados à habilidade de realizar estimativas. Os estudos de estratégia em estimativa numérica de quantidades (ENQ) tem uma forte tradição, considerando-se estudos sobre mudança estratégica, por exemplo.

Analisando os estudos apresentados, percebe-se que se sabe pouco sobre o desenvolvimento da habilidade de realizar estimativas, em especial sobre a grande variabilidade estratégica que pode ser utilizada para realizar estimativas de quantidades mais precisas, mesmo considerando o consenso de que que essa habilidade tem relevante importância para o sucesso na vida adulta. Sobre o uso de estratégias de estimativa numérica, os estudos apontaram diferentes perspectivas: compreender a mudança estratégica e enumerar diferentes estratégias. Para essa segunda parte, ficou claro que as estratégias de soma e de subtração são as mais amplamente utilizadas. Entretanto, há fortes indícios de que não estão aqui esgotadas as possíveis estratégias de estimativa numérica de quantidades.

Método

Este é um estudo amostral misto, quantitativo e qualitativo, realizado com 30 crianças do 2o ao 6o ano de uma escola pública de Porto Alegre/RS e que tem como objetivo, a partir de entrevistas semiestruturadas e análises estatísticas, verificar as estratégias utilizadas pelas crianças em tarefas de estimativa numérica de quantidades, destacando as mais utilizadas em termos de frequência e eficiência.

Paradigma da pesquisa

O grande desafio da pesquisa em educação é descobrir como o ser humano aprende. Tratando-se de estimativa numérica, observa-se que, em maioria, os estudos sobre suas bases cognitivas trazem uma forte ideia inatista da capacidade numérica (Zimmermann, 2018Zimmermann, E. (2018). Small numbers are sensed directly, high numbers constructed from size and density. Cognition, 173, 1-7.; Pincham & Szucs, 2012Pincham, H. L. & Szucs, D. (2012). Intentional subitizing: Exploring the role of automaticity in enumeration. Cognition, 124, 107-116.; Jiaying, Zhao, & Yu, 2016Zhao, J. & Yu, R. (2016). Statistical regularities reduce perceived numerosity. Cognition, 146, 217-222.). Pode-se buscar uma justificativa para isso no fato de que teóricos construtivistas (ou interacionistas) não tenham ainda discutido sobre essa habilidade. Considerando esses aspectos, nesta pesquisa, embora utilizando-se de resultados encontrados por pesquisadores cognitivistas, será proposta uma perspectiva dialógica entre as teorias.

Um diálogo entre a corrente inatista, que trata do conhecimento numérico como sendo inato e de origem biologicamente determinada, e a corrente construtivista, que não discutiu especificamente questões de estimativa numérica, mas que considera a aprendizagem humana como um processo de construção, é possível, tendo em vista que um aspecto não exclui o outro. Também é necessário destacar que existem limitações para esse diálogo à medida que não se considere possível admitir que crianças pequenas e animais possam distinguir quantidades, a não ser que estas sejam tidas como representações puramente visuais e perceptivas que envolvem outros aspectos que não os aspectos quantitativos propriamente ditos. Ou seja, para realizar estimativas, uma gama de estratégias precisa ser elaborada, reelaborada e escolhida, não ao acaso, pelo sujeito, de maneira a suprir as necessidades do problema proposto, considerando a precisão necessária para cada situação apresentada.

Delineamento da pesquisa

Essa pesquisa busca compreender os processos que envolvem a realização de estimativas numéricas de quantidade em crianças do 2o ao 6o ano escolar. Para isso, foram realizadas entrevistas individuais com 30 crianças, seis alunos de cada ano escolar, de uma escola pública municipal de ensino fundamental, na cidade de Porto Alegre/RS, considerando diferentes tarefas de estimativa numérica de quantidades.

A escolha dos anos escolares das crianças desta amostra deu-se, em limite inferior (2o ano), pelo fato de as crianças já terem sido apresentadas às centenas e já serem capazes de reconhecer as magnitudes numéricas até 100. Em limite superior (6o ano), a escolha deu-se considerando que as crianças já possuem conhecimentos matemáticos escolares suficientes para elaborar estratégias mais complexas, como as de fator multiplicativo, por exemplo. A primeira etapa de seleção da amostra da pesquisa deu-se por meio de uma visita da pesquisadora à escola para apresentação da proposta do estudo e a solicitação do espaço físico e da adesão dos professores. Então, um termo de aceite de participação foi enviado aos pais ou responsáveis.

Trata-se, portanto, de uma investigação mista. Ou seja, iniciou-se pela coleta de dados qualitativa (entrevista) e, com base nos dados obtidos, aplicou-se um método quantitativo de análise. Sabe-se que, em uma pesquisa qualitativa, não há a necessidade do cálculo probabilístico da amostra, pois também não necessita de um grande número de participantes (Gil, 1999Gil, A. (1999). Métodos e técnicas de pesquisa social, 5a ed. São Paulo: Atlas.). Sendo assim, os sujeitos desta pesquisa foram selecionados de modo não probabilístico, sem nenhum procedimento estatístico específico.

A técnica selecionada para a coleta de dados qualitativos foi a da entrevista semiestruturada, elaborada a partir de um roteiro de questões abertas baseado em entender como o sujeito estruturou suas respostas a partir de sua própria percepção, e compreender como o sujeito descreve as quantidades observadas e como justifica suas ações, também identificando outras possibilidades (estratégias) de fazer estimativas.

Essa pesquisa pode ser considerada de cunho exploratório, à medida que, após um amplo estudo histórico que procurou abordar as pesquisas existentes nessa área, entrevistas com crianças foram realizadas para que se obtivesse uma visão geral sobre as estratégias de estimativa de quantidades desses sujeitos. Considerando os poucos estudos que avaliam as diferentes estratégias apresentadas por crianças em idade escolar, buscou-se obter padrões a partir de descobertas e não testar ou confirmar uma determinada hipótese.

Tarefas de estimativa numérica de quantidade

Um teste utilizado para verificar a habilidade de realizar estimativas de quantidades configura-se em observar itens dispostos em matrizes quadradas por um determinado período de tempo, de modo que não seja possível contá-los, mas que seja suficiente para o estabelecimento de estratégias que possibilitem uma estimativa mais precisa que a obtida apenas por percepção visual dos itens. Para avaliar o desempenho em estimativa e descrever as principais estratégias utilizadas, verificando se existe uma relação entre o tipo de estratégia de estimativa e a precisão do resultado, foi utilizado o Teste de Estimativa Numérica de Quantidades (TENQ).

Como não há relatos de um teste que avalie o desempenho em estimativa numérica de quantidades de acordo com a precisão relativa individual, o TENQ foi estruturado e organizado pela pesquisadora, primeira autora, e consiste em atribuir um número a um conjunto discreto de pontos pretos, de igual tamanho. O instrumento é composto por 64 tarefas subdivididas em diferentes formas de apresentação e diferentes quantidades de itens, que poderiam estar sobre uma grade regularmente espaçada (matriz) ou aleatoriamente distribuídos na tela projetada com a imagem dos itens.

Para atingir os objetivos a que se propõe, observou-se a necessidade de contemplar diferentes intervalos numéricos (escalas), representados pelas diferentes matrizes (10×1, 10×2 e 10×10), pressupondo diferentes níveis de dificuldade, considerando-se que a habilidade de realizar estimativas é processual e ocorre de forma gradual. A primeira escala (E10), consistia em uma matriz 10×1 de quadrados brancos, contendo as quantidades de 4 e 7 pontos distribuídos. A segunda escala (E20), em uma matriz 10×2, estavam distribuídas as quantidades 4, 7, 9 e 17. Por último, os alunos foram convidados a realizar estimativas das quantidades 4, 7, 9, 17, 25, 49, 78 e 95 em uma matriz 10×10 (E100). Para cada uma das três escalas, os pontos poderiam estar distribuídos de forma aglomerada (A) ou espaçada (E) na matriz, ou de maneira aleatória (AL), sem o auxílio da grade. Em uma primeira apresentação de cada quantidade os alunos desconheciam a quantidade máxima de pontos da matriz (Máximo Desconhecido – MD) e, posteriormente, realizavam as mesmas estimativas conhecendo esta informação (Máximo Conhecido – MC).

O tempo médio de aplicação do instrumento foi de cerca de 45 minutos. Embora o tempo de visualização das quantidades fosse fixo, os alunos dispunham do tempo desejado para pensar e explicar suas respostas. Os participantes foram testados individualmente, sendo necessária apenas uma sessão para cada um. Reflexões sobre aplicabilidade desse instrumento foram realizadas após as conclusões obtidas de um estudo preliminar (Dorneles et al., 2015Dorneles, B., Duro, M., Santos, S., Pisacco, N., Sperafico, Y., & Enricone, J. (2015). Number Estimation in Children Assessed with a No-number-line Estimation Task. In Biennial EARLI Conference, 16, Cyprus.), que possibilitou realizar os ajustes necessários para tornar esse instrumento uma ferramenta mais confiável para a coleta de dados. Além disso, sugere-se que o TENQ pode ser útil para avaliar estimativa numérica pela familiaridade das crianças brasileiras com tarefas de quantificação. Observa-se que são comuns em sala de aula atividades de representação numérica a partir da comparação do símbolo numérico a sua quantidade, utilizando como suporte objetos como pedrinhas ou balas.

Coleta e Análise dos Dados

O foco da análise é compreender os processos estratégicos individuais realizados. Para isso, as entrevistas foram filmadas, a fim de que todos os procedimentos do aluno, sejam eles escritos, verbalizados ou gesticulados, pudessem ser analisados e descritos posteriormente. Após a realização de todas as entrevistas, a pesquisadora, primeira autora, assistiu às gravações, de forma a conseguir realizar uma leitura mais aprofundada sobre as estratégias utilizadas pelos participantes.

A primeira autora participou de todas as etapas da pesquisa, desde a criação do instrumento, do contato com a escola participante e da coleta de dados. A análise dos dados obtidos com a entrevista, incluindo-se as gravações, foi realizada pelas duas autoras, com objetivo de compreender o processo de realização de estimativa dos estudantes pesquisados, considerando que ambas têm interesse na pesquisa em educação matemática.

A análise deu-se a partir das respostas dadas pelos estudantes às perguntas realizadas pela pesquisadora na entrevista. A partir disso, as estratégias puderam ser categorizadas, tendo como base algumas das quais já tinha citadas em Verschaffel e colaboradores (1998)Verschaffel, L., De Corte, E., Lamote, C., & Dhert, N. (1998). The Acquisition and Use of an Adaptive Strategy for Estimating Numerosity. European Journal of Psychology of Education, 13, 347-370., Luwel e colaboradores (2000)Luwel, K., Verschaffel, L., Onghena, P., & Decorte, E. (2000). Children’s Strategies for Numerosity Judgment in Square Grids of Different Sizes. Psychologica Belgica, 40(3), 183-209., Gandini, Ardiale e Lemaire (2010)Gandini, D., Ardiale, E., & Lemaire, P. (2010). Children’ Strategies in Approximate Quantification. Current Psychology Letters: Behaviour, Brain, & Cognition, 26, 1-14.. Cada participante pôde escolher a estratégia que considerasse mais adequada para cada situação. A condição de escolha da estratégia forneceu informações sobre o repertório de estratégias dos participantes e sobre a frequência do uso dessas estratégias. Assim, as crianças foram convidadas a descrever e justificar verbalmente seu raciocínio na resolução das tarefas.

O processo de análise utilizado para descrever e sistematizas os dados qualitativos obtidos através das entrevistas seguiu as seguintes etapas: 1) análise dos registros feitos a partir da observação e das anotações das ações, falas e registros escritos realizadas pelos estudantes no momento da entrevistas; 2) as mesmas análises realizadas pausadamente durante a observação dos protocolos filmados e 3) a separação dos tipos de estratégia observados em categorias.

Por fim, para discutir a frequência e eficácia no uso destas estratégias, foi realizada uma análise estatística descritiva para compreender os dados de forma mais ampla, em especial quanto à ocorrência e precisão de cada estratégia, para conhecer a amostra e obter dados sobre a frequência relativa e absoluta, médias e desvio-padrão das respostas. Para maiores detalhes sobre a eficácia em termos de precisão baseada nas estratégias utilizadas, realizou-se a análise de Modelo de Equações de Estimações Generalizada (GEE) para comparar as médias das precisões relativas. Foi utilizado no modelo uma matriz de correlação trabalho independente e uma matriz de covariância de estimador robusto. As comparações múltiplas foram feitas pelo teste de Bonferroni.

Resultados

Os resultados são relatados em três partes principais. A primeira descreve as estratégias apresentadas pelos estudantes nas entrevistas, categorizadas de acordo com as semelhanças. A segunda analisa qual a frequência de uso das estratégias. Finalmente, a terceira examina a precisão da estimativa de acordo com cada tipo de estratégia apresentada. Os dados obtidos na entrevista e na observação das filmagens foram tratados estatisticamente. Todas essas análises, até onde se sabe, são novidade em estudos brasileiros e com pouco aprofundamento nos estudos internacionais.

Estudos envolvendo a análise estratégica a partir de estratégias pré-determinadas já foram realizados e bem-sucedidos (Siegler & Lemaire, 1997Siegler, R., & Lemaire, P. (1997). Older and Younger Adult’s Strategy Choices in Multiplication: Testing Predictions of ASCM Using the Choice/No-Choice Method. Journal of Experimental Psychology: General, 126(1), 71-92.), mas aqui tem-se o objetivo de verificar a elaboração, a criação da estratégia pelo sujeito a partir do problema apresentado. Foram reveladas sete estratégias utilizadas pelos participantes. A primeira estratégia facilmente observada é a utilizada quando as quantidades apresentadas eram pequenas (4, por exemplo). Nesse caso, os sujeitos tendiam a contar os itens, um a um, de forma a adicioná-los para gerar sua estimativa final. Chamou-se esta estratégia de contagem exata ou adição. Essa estratégia foi observada a partir de relatos como “eu contei” e também pela observação dessa contagem por leitura labial e gestual dos entrevistados enquanto observavam a imagem.

As estratégias baseadas em estimar subgrupos dentro do agrupamento total de itens, sendo esses grupos compostos de quantidades iguais ou diferentes entre eles, geravam estimativas a partir da adição das quantidades apresentadas em cada grupo ou na multiplicação da quantidade de grupos pela quantidade de itens de cada grupo (no caso de subgrupos de mesma quantidade). Por exemplo, ao realizar a estimativa de 25 pontos, um sujeito estimou que a imagem apresentava 2 grupos de 10 itens e um grupo de 5 itens, gerando a estimativa 10+10+5=25. Outro sujeito, nessa mesma situação, estimou que continham 5 grupos de 5 itens cada, gerando sua estimativa a partir da operação 5×5=25. Para esses casos, categorizou-se a estratégia de contagem aproximada por grupos.

Chamou-se de subitizing a estratégia que consistia, assim como no caso anterior, da separação de itens em subgrupos. Entretanto, esses subgrupos eram bastante pequenos (com até 4 elementos), considerando uma enumeração rápida e precisa de até 4 objetos (Dehaene, 1997Dehaene, S. (1997). The Number Sense: How the mind creates mathematics. New York: Oxford University Press.). Ao final dessa subcategorização dos grupos, as crianças poderiam somar as quantidades de cada um deles ou multiplicá-las. Retomando o exemplo dos 25 itens, utilizado para exemplificar a categoria de estratégias anterior, um sujeito estimou que na imagem pudessem estar distribuídos 6 grupos de 4 elementos. Outro, sugeriu 8 grupos de 3 elementos cada, gerando uma estimativa de 6+6+6+6=24, ou 6×4=24, por exemplo.

Outra estratégia encontrada, muito citada na literatura sobre estratégias de estimativa de pontos como estratégia de subtração (Luwel, Verschaffel, Onghena, & De Corte, 2000Luwel, K., Verschaffel, L., Onghena, P., & Decorte, E. (2000). Children’s Strategies for Numerosity Judgment in Square Grids of Different Sizes. Psychologica Belgica, 40(3), 183-209.; Verschaffel, De Corte, Lamote, & Dherdt, 1998Verschaffel, L., De Corte, E., Lamote, C., & Dhert, N. (1998). The Acquisition and Use of an Adaptive Strategy for Estimating Numerosity. European Journal of Psychology of Education, 13, 347-370.), supõe, como o próprio indica, a subtração da quantidade de quadrado vazios da quantidade de quadrados que o sujeito acreditava ser a total da matriz. Em geral, esta estratégia foi apresentada para matrizes quase cheias, em que houvesse poucos quadrados vazios. Por exemplo, para estimar 95 pontos em uma matriz 10×10, alguns sujeitos calcularam os 100 pontos que representaria a matriz cheia e retiraram (subtraíram) os 5 quadrados vazios que estimaram a partir da imagem (100-5=95).

Chamou-se de fixação, mantendo o nome sugerido na literatura (Gandini, Ardiale, & Lemaire, 2010Gandini, D., Ardiale, E., & Lemaire, P. (2010). Children’ Strategies in Approximate Quantification. Current Psychology Letters: Behaviour, Brain, & Cognition, 26, 1-14.), as situações em que as crianças tentavam enumerar as quantidades apresentadas de uma maneira perceptiva ou até por contagem e, devido ao tempo esgotado de observação, realizavam estimativa rápida e geral dos pontos restantes. A soma dessas duas quantidades estimadas geraria a estimativa final. Por exemplo, para estimar 49 pontos, um sujeito identificou quantidades de até 20 por contagem e percebeu que a quantidade não enumerada era maior que a já contabilizada, sendo assim, chegou a um valor estimado maior que o dobro de 20, ou seja, maior que 40 pontos.

Outro tipo de pensamento apresentado pelas crianças foi, após o início da contagem de itens da imagem, a tentativa de prosseguir com a contagem a partir de uma imagem mental criada pela sua memória de curto prazo. Esta estratégia foi chamada de contagem com recuperação de memória. Exemplificando, para estimar uma quantidade de 17 itens, algumas crianças contaram 6 pontos, o que era possível devido ao tempo de apresentação da imagem, e, quando aplicada a tela branca, as crianças seguiam sua contagem pelo tempo que quisessem, a partir da imagem mental por elas construída.

Por fim, algumas crianças não conseguiram elaborar estratégias para determinadas situações, por não se sentirem seguras para tal ou por não obterem estruturas suficientes para elaborá-las, gerando uma estimativa rápida, dada por intuição. Estratégias perceptivas são utilizadas por sujeitos que não realizam estimativas tão bem quanto seus pares (Crites, 1992Crites, T. (1992). Skilled and Less Skilled Estimators’ Strategies for Estimating Discrete Quantities. Elementary School Journal, 5, 601–619.). Essas estimativas, em geral, eram dadas quando o indivíduo não possuía o tempo necessário, a motivação e/ou os conhecimentos e as habilidades necessários para determinar as quantidades. Essas estratégias e suas características definidoras estão listadas na Tabela 1 e foram obtidas a partir das estimativas realizadas pelos 30 estudantes.

Tabela 1
Síntese das Estratégias utilizadas no TENQ

Analisando os dados apresentados na Tabela 1, verificou-se uma predominância da estratégia de contagem exata ou adição (EQ1) em 29,3% dos casos de estimativa, seguida da estratégia contagem com recuperação de memória (EQ6 − 24,9%), mostrando que as estratégias mais utilizadas pelos participantes envolvem a contagem exata dos elementos. Ou seja, na maioria dos casos (54,2%), os participantes preferem realizar a contagem individual dos itens do que estabelecer estratégias multiplicativas ou de subtração para obtê-las. Muitas vezes, a recuperação mental da estratégia de contagem com recuperação de memória (EQ6) incluía certa contagem nos dedos, indicando também uma soma de blocos estimados.

Em seguida seguiu-se a estratégia de contagem aproximada por grupos (EQ2), com 12,3% de frequência. Considera-se essa uma possibilidade de se obter as estimativas por contagem de linhas completas ou pela soma de quantidades diferentes da linha completa. Sabe-se que essas estratégias de contagem envolvem processos viso-espaciais, pois, desde que não se tenha nenhuma boa referência de intervalo para determinada quantidade de pontos apresentados, é preciso decompor o problema. Cada pedaço do todo precisa ser decomposto em pedaços menores que possam ser observados ao mesmo tempo.

Assim como nos achados do estudo de Luwel e colaboradores (2002)Luwel, K. & Verschaffel, L. (2003). Adapting Strategy Choices to Situational Factors: The effect of time pressure on children's numerosity judgement strategies. Psychologica Belgica., aqui também identificou-se que a estratégia de subtração (EQ4) foi utilizada com significativa menor frequência, indicando que, supostamente, seja mais exigente cognitivamente e demanda mais etapas de solução do que as estratégias mais utilizadas pelas crianças. Ainda, as estratégias utilizadas para a estimativa de quantidades variam de acordo com o formato de apresentação do estímulo e a configuração dos pontos.

Assim, considera-se importante discutir a frequência dessas estratégias considerando-se o ano escolar (Tabela 1) e a estimativa realizada (Tabela 2), indicando qual o principal fator que determina a escolha pela estratégia: o ano escolar e, consequentemente, a idade e a experiência (Siegel, Goldsmith, & Madson, 1982Siegel, A., Goldsmith, T. & Madson, C. (1982). Skill in Estimation Problems of Extent and Numerosity. Journal for Research in Mathematics Education, 13, 211–232.), ou se esta escolha se dá independentemente disso, considerando as características do problema apresentado (Lemaire e Siegler, 1995Lemaire, P. & Siegler, R. (1995). Four Aspects of Strategic Change: Contributions to Children’s Learning of Multiplication. Journal of Experimental Psychology: General, 124(1), 83-97.). Nesse caso, as crianças de todos os anos escolares estariam munidas de todo o repertório de estratégia.

Tabela 2
Frequência de utilização das Estratégias por ano escolar

As estratégias de contagem exata ou adição (EQ1) e de contagem com recuperação de memória (EQ6) são as mais frequentes entre os alunos do 2o ao 5o ano, sendo que no 6o ano a EQ6 não se destaca das demais estratégias, em termos de frequência de utilização, mesmo que EQ1 continue sendo a estratégia mais utilizada. Observa-se que todas as estratégias estão presentes no repertório dos alunos, independentemente da idade. Assim, é a sofisticação das estratégias utilizadas que aumenta com a idade e a experiência (Siegler & Booth, 2005Siegler, R., & Booth, J. (2005). Development of Numerical Estimation: A Review. In J. I. D. Campbell, Handbook of Mathematical Cognition. Psychology Press: New York. Cap. 2, 197-212.).

Para verificar a precisão das estratégias e compará-las, usou-se o Teste GEE, verificando possíveis diferenças em termos de precisão das respostas dadas pelas crianças. Esses resultados são apresentados na Tabela 3.

Tabela 3
Médias de Precisão Relativa por Estratégia (p<0,001)

Observando os dados apresentados, foi concluído que EQ1 (estratégia de adição) é a estratégia que leva a resultados mais precisos. Entretanto, essa é a estratégia mais utilizada para pequena quantidade de itens, o que pode influenciar mais a precisão das respostas que a própria estratégia utilizada. As estratégias EQ2, EQ6 e EQ4 foram as que levaram a resultados mais precisos. Essas estratégias envolvem contagem por grupos (EQ2), contagem com recuperação de memória (EQ6) e subtração, indicando que estratégias que envolvem, de certa forma, a contagem, ainda continuam sendo as mais precisas. Na sequência, as estratégias de estimativa rápida (EQ7), subitizing (EQ3) e fixação (EQ5) foram as que levaram a resultados menos precisos, o que já era esperado. Em geral, as estimativas foram mais precisas quando os participantes usaram estratégia de contagem exata do que quando usaram estratégias de contagem aproximada, mas, ao contrário, quando as quantidades eram maiores.

Estatisticamente, a estratégia de contagem EQ1 é mais precisa do que todas as demais estratégias (p<0,001), estando vinculada à contagem exata e, portanto, talvez não devesse ser tratada como estimativa. A contagem aproximada por grupos, que também envolve estratégia de contagem, é mais precisa que EQ5 (fixação) e EQ7 (estimativa rápida); e EQ6 (adição) e EQ4 (subtração) são mais precisas que EQ5 (fixação). Para finalizar a comprovação de que estimativas rápidas são menos precisas que a contagem, EQ1 e EQ6 são estatisticamente mais precisas que EQ7.

Discussão

Esse estudo verificou as diferentes estratégias apresentadas por 30 crianças do 2o ao 6o ano escolar em tarefas de estimativa numérica de quantidades discretas, destacando as mais utilizadas e as mais precisas no fornecimento dessas estimativas. Assim, dependendo da proporção de quadrados vazios na grade, era esperado que os sujeitos aplicassem estratégias diferentes para resolver a tarefa.

O primeiro conjunto de descobertas interessantes neste estudo refere-se a uma nova categorização de estratégias identificadas, indicando que todos os sujeitos têm disponível em seu repertório individual diferentes estratégias e que podem acessá-las de acordo com as variáveis que lhes forem mais familiares. Assim, crianças pequenas, do 2o ano, utilizaram muito mais vezes a estratégia de tentar prosseguir com a contagem de itens a partir de uma imagem mental criada (contagem com recuperação de memória), quando comparada com a frequência de uso dos alunos do 6o ano, por exemplo. Ao contrário, os mais velhos preferiram a estratégia da contagem aproximada por grupos, talvez porque já tinham mais habilidade com suas estruturas operatórias. Esses achados vão ao encontro das ideias discutidas anteriormente, de que o número de estratégias que as pessoas usam aumenta com a idade e a experiência (Siegel, Goldsmith, & Madson, 1982Siegel, A., Goldsmith, T. & Madson, C. (1982). Skill in Estimation Problems of Extent and Numerosity. Journal for Research in Mathematics Education, 13, 211–232.), e a sofisticação das estratégias que são utilizadas, também (Siegler & Booth, 2005Siegler, R., & Booth, J. (2005). Development of Numerical Estimation: A Review. In J. I. D. Campbell, Handbook of Mathematical Cognition. Psychology Press: New York. Cap. 2, 197-212.).

O segundo conjunto de descobertas interessantes diz respeito, justamente, à frequência do uso de cada uma das estratégias. A análise de frequência geral mostrou que estratégias de contagem são as mais utilizadas. Esse tipo de estratégia é citado na literatura como estratégia da adição, e sua utilização é destacada nos estudos de Verschaffel e colaboradores (1998)Verschaffel, L., De Corte, E., Lamote, C., & Dhert, N. (1998). The Acquisition and Use of an Adaptive Strategy for Estimating Numerosity. European Journal of Psychology of Education, 13, 347-370., Luwel e colaboradores (2000) e Gandini, Ardiale e Lemaire (2010)Gandini, D., Ardiale, E., & Lemaire, P. (2010). Children’ Strategies in Approximate Quantification. Current Psychology Letters: Behaviour, Brain, & Cognition, 26, 1-14.. É provável que a preferência por esse tipo de estratégia esteja associada a maior quantidade de tarefas em que as quantidades apresentadas eram pequenas, facilitando o processo de contagem no tempo estabelecido para a tarefa, inclusive por contagem nos dedos. Para essas tarefas, talvez se tenha que repensar o tempo de apresentação dos estímulos, de modo a impossibilitar o processo de contagem. Inclusive, Luwel e colaboradores (2000)Luwel, K., Verschaffel, L., Onghena, P., & Decorte, E. (2000). Children’s Strategies for Numerosity Judgment in Square Grids of Different Sizes. Psychologica Belgica, 40(3), 183-209. e Luwel e Verschaffel (2003)Luwel, K. & Verschaffel, L. (2003). Adapting Strategy Choices to Situational Factors: The effect of time pressure on children's numerosity judgement strategies. Psychologica Belgica. já haviam observado que, quanto maior o tamanho da matriz, menos as estratégias de adição ou de subtração são utilizadas.

Entretanto, a estratégia de maior frequência, quando não consideradas as de contagem exata, foi a de contagem por grupos (embora muito menos utilizada). Nesses casos, os alunos tenderam a dividir os grupos de elementos em grupos que, visualmente, possuíssem a mesma quantidade. Aí também seria possível o uso de estratégias de pensamento multiplicativo, já que, quando se procura observar o todo de uma única vez, é mais difícil estimar com mais precisão. O maior problema dessa situação é que a própria decomposição é uma estimativa. Essa estratégia já havia sido enunciada por Gandini, Ardiale e Lemaire (2010)Gandini, D., Ardiale, E., & Lemaire, P. (2010). Children’ Strategies in Approximate Quantification. Current Psychology Letters: Behaviour, Brain, & Cognition, 26, 1-14. e chamada de aproximação de contagem. Considera-se o nome contagem por grupos mais intuitivo para compreender a essência da estratégia.

Estimativas rápidas (EQ7) foram a quarta mais frequente dentre as sete descritas no ranking de frequência de uso de estratégias. Às vezes a estimativa dada era influenciada pelo número da questão, ou seja, quando o indivíduo não sabia como realizar a estimativa da quantidade apresentada, ele repetia o número da questão. Também, algumas respostas de estimativa rápida eram dadas antes de o tempo terminar. Nesse caso, entendeu-se que verificar que não existe uma estratégia possível também pode ser considerada uma estratégia. Porém, a causa mais provável é que as crianças deixaram de utilizar estratégias de estimativa para as relações mais difíceis e, em vez disso, adivinharam as quantidades aleatoriamente. Esse tipo de estratégia foi também descrito por Luwel e colaboradores (2000)Luwel, K., Verschaffel, L., Onghena, P., & Decorte, E. (2000). Children’s Strategies for Numerosity Judgment in Square Grids of Different Sizes. Psychologica Belgica, 40(3), 183-209..

A estratégia da subtração (EQ4 − Luwel et al., 2000; Verschaffel et al., 1998Verschaffel, L., De Corte, E., Lamote, C., & Dhert, N. (1998). The Acquisition and Use of an Adaptive Strategy for Estimating Numerosity. European Journal of Psychology of Education, 13, 347-370.), aplicada a quantidades maiores, em que se subtrai o número de espaços vazios da matriz, também é uma forma de representação externa de contagem um a um, fundamental para o desenvolvimento aritmético. Essa estratégia faz uso de agrupamentos e exige compreensão sobre a relação entre os números (por exemplo, se tiver 95 pontos na matriz, são necessários mais 5 para ter os 100 que a completam), e a matriz pode ser um instrumento útil para visualizar tais relações entre os números. Eventualmente, isso também pode ajudar a compreensão das crianças sobre o sistema de numeração decimal, no qual o agrupamento por 10 é a ideia fundamental. Esse necessário conhecimento sobre números e suas relações podem ter contribuído para que a estratégia fosse uma das menos utilizadas pelos estudantes, mesmo que haja uma relação forte e positiva entre o uso da estratégia de subtração e precisão (Luwel et al., 2001Luwel, K., Beem, A., Onghena, P., & Verschaffel, L. (2001). Using Segmented Linear Regression Models with Unknown Change Points to Analyze Strategy Shifts in Cognitive Tasks. Behavior Research Methods, Instruments & Computers, 33(4), 470-478.).

Estratégias de estimativa podem envolver pensamentos complexos dependendo de como são utilizadas. Por exemplo, estimar 95 pontos distribuídos em uma grade 10×10 pode ser feito percebendo a falta das 5 unidades no total de itens da matriz ou por multiplicação da quantidade de linhas completas na grade. Essa segunda necessita de um pensamento multiplicativo mais complexo que a subtração necessária na realização da estratégia anterior. Nesse caso, uma das estratégias pode ser realizada com mais sucesso do que outra, independentemente da capacidade de quem está realizando a estimativa.

Porém, observaram-se sutis mudanças quando comparada a frequência geral do uso de estratégias às frequências dessas mesmas estratégias considerando-se o ano escolar. Em geral, as estratégias de contagem exata continuaram a ser as mais frequentes, entretanto, todos os anos escolares apresentaram todo o repertório estratégico. Ou seja, a precisão das estimativas não parece estar relacionada ao ano escolar, mas à boa escolha da estratégia considerando as especificidades do problema a ser estimado. Nesse sentido, observa-se que, mesmo que os estudantes já no 2o ano escolar utilizem estratégias semelhantes aos estudantes do 6o, essas estratégias são utilizadas com melhor eficiência pelos mais velhos, indicando que a habilidade no uso das estratégias é construída pelo sujeito. De fato, as crianças utilizaram várias estratégias para realizar as tarefas de estimativa de quantidades, porém algumas estratégias foram usadas com mais frequência (por exemplo, EQ1 e EQ6) do que outras (por exemplo, EQ2, EQ5 e EQ4), sendo algumas delas com uso quase nulo (EQ3). O uso de cada estratégia foi influenciado por configurações, numerosidades e características dos participantes.

Outro resultado interessante diz respeito às diferenças relacionadas à idade no número médio da frequência das estratégias. Primeiro, embora o repertório de estratégias do segundo ao sexto ano incluísse o mesmo conjunto de estratégias, os alunos mais novos usavam mais estratégias menos elaboradas cognitivamente do que os mais velhos, em todas as condições. Em ordem decrescente de frequência, o 2o ano utilizou as seguintes estratégias − EQ1, EQ6, EQ7, EQ5, EQ2, EQ4 e EQ3 −, enquanto os alunos do 6o ano utilizaram EQ1, EQ2, EQ6, EQ4, EQ7, EQ5 e EQ3. Embora possamos observar que para ambos os grupos a estratégia mais utilizada foi a de adição e a menos utilizada foi a de contagem de grupos de até 4 elementos (subitizing), a contagem aproximada por grupos e a subtração foram muito mais utilizadas pelos mais velhos, e, de fato, essas estratégias envolvem conjuntos mais complexos de processos cognitivos (Gandini et al., 2010Gandini, D., Ardiale, E., & Lemaire, P. (2010). Children’ Strategies in Approximate Quantification. Current Psychology Letters: Behaviour, Brain, & Cognition, 26, 1-14.), enquanto os mais novos utilizavam algum tipo de estimativa rápida e, muitas vezes, imprecisa (EQ7 e EQ5), que exigia menos esforço cognitivo. Assim, lembra-se que Siegler e Booth (2004)Siegler, R. S., & Booth, J. L. (2004). Development of Numerical Estimation in Young Children. Child Development, 75, 428-444. descobriram que as crianças mais jovens têm representações numéricas menos precisas do que as mais antigas.

Esperava-se que as crianças mais novas usassem mais frequentemente estratégias baseadas em contagem, como a de adição e a de contagem com recuperação de memória, tal como ocorreu. Entretanto, o padrão inverso de resultados seria esperado para crianças mais velhas, o que não ocorreu para o caso da estratégia de adição. Uma explicação desses resultados pode se originar nas características da estratégia. É possível que os alunos mais velhos também quisessem ser mais precisos; mesmo se as instruções não enfatizassem a precisão e a estratégia de contagem, seria um bom caminho para alcançar esse objetivo.

A estratégia de estimativa rápida, semelhantemente utilizada pelos estudantes mais novos e mais velhos, em termos de frequência, pode estar relacionada à habilidade perceptiva das crianças, assim como proposto pelos inatistas (Dehaene, 1997Dehaene, S. (1997). The Number Sense: How the mind creates mathematics. New York: Oxford University Press.; Xu, 2003Xu, F. (2003). Numerosity Discrimination in Infants: Evidence for two systems of representations. Cognition, 89, B15-B25.). Assim, as crianças utilizariam fatores perceptivos, tal como a densidade de bolinhas projetadas, para estimar sua resposta. Os resultados encontrados nesse estudo estão de acordo com os resultados da literatura sobre estratégias de estimativa numérica (Lemaire & Siegler, 1995Lemaire, P. & Siegler, R. (1995). Four Aspects of Strategic Change: Contributions to Children’s Learning of Multiplication. Journal of Experimental Psychology: General, 124(1), 83-97.), indicando que as escolhas de estratégia dependem das características dos problemas e do indivíduo. Nesse sentido, os autores (Lemaire & Siegler, 1995Lemaire, P. & Siegler, R. (1995). Four Aspects of Strategic Change: Contributions to Children’s Learning of Multiplication. Journal of Experimental Psychology: General, 124(1), 83-97.) identificaram uma “competência estratégica” que abrangeria a aquisição de novas e mais eficientes estratégias, como adaptação do sujeito no momento da escolha de estratégia.

O terceiro conjunto de descobertas ao qual se propôs este estudo estava relacionado à precisão das estimativas geradas pelas diferentes estratégias. Já era esperado que estratégias de contagem fossem mais precisas que estratégias mais elaboradas, como a de subtração, por exemplo. Pôde-se supor, então, que a estratégia de subtração é cognitivamente mais exigente do que a estratégia da adição, não apenas pela dificuldade maior da operação, mas porque ela exige também mais passos na sua execução, tais como: a) a determinação do tamanho da matriz; b) a determinação do número de quadrados vazios; e c) subtrair o número de quadrados vazios a partir do número total de quadrados na matriz. Em contraste, a aplicação da estratégia de adição envolve apenas um passo, semelhante ao passo b da estratégia de subtração, ou seja, a determinação do número de blocos na matriz (Luwel et al., 2000Luwel, K., Verschaffel, L., Onghena, P., & Decorte, E. (2000). Children’s Strategies for Numerosity Judgment in Square Grids of Different Sizes. Psychologica Belgica, 40(3), 183-209.). Da mesma maneira, a estratégia multiplicativa por grupos exige um conhecimento matemático mais profundo e baseado nas relações de proporção parte-todo.

Enfim, sobre as estratégias da estimativa de quantidades em crianças do 1o ao 6o ano escolar, a partir da estimativa de pontos dispostos em grades quadrículas 10×1, 10×2 e 10×10, concluiu-se que os grupos etários distintos não diferem no conjunto de estratégias utilizadas, mas que os mais velhos aplicam a estratégias mais sofisticadas, como a de subtração, com mais frequência e fluência. O aparecimento precoce e inesperado dessa estratégia entre os alunos do 2o ano sugere que o tamanho das matrizes desse estudo possa ter algumas vantagens em comparação a outros não múltiplos de 10. Na verdade, quase não houve diferença na quantidade de alunos que utilizaram a estratégia da subtração em todos os anos escolares, mas poucos alunos do 2o ano utilizaram estratégias multiplicativas. Essa hipótese vai ao encontro dos achados de Luwel e colaboradores (2001)Luwel, K., Beem, A., Onghena, P., & Verschaffel, L. (2001). Using Segmented Linear Regression Models with Unknown Change Points to Analyze Strategy Shifts in Cognitive Tasks. Behavior Research Methods, Instruments & Computers, 33(4), 470-478., indicando que os alunos da 6a série foram mais precisos do que os alunos de 2a série apenas quando eles não receberam informação sobre o tamanho da matriz.

Considerações finais

Este estudo teve como objetivo compreender e descrever quais as estratégias que 30 crianças do 2o ao 6o ano usam para fornecer estimativas de quantidades discretas, verificando-se frequência e eficiência dessas estratégias, em termos de precisão. Os resultados indicaram que as crianças não diferem quanto ao tipo de estratégia utilizada, mas na eficiência dessa aplicação. Foram categorizados sete diferentes tipos de estratégias: contagem exata, contagem aproximada por grupos, subitizing, subtração, fixação, contagem com recuperação de memória dos itens e outras estratégias de estimativa rápida. Quanto à frequência de estratégias, já era previsto que estratégias de contagem fossem mais utilizadas, devido à grande importância dada à precisão exata na sociedade. Observou-se que os alunos mais velhos aplicam estratégias mais sofisticadas com mais frequência e precisão que os mais novos.

Os dados anteriormente relatados indicam que a criança é capaz de estabelecer estimativas de quantidades mesmo que não tenham sido ensinadas na escola. Entretanto, suas estimativas são frágeis e pouco precisas, em uma busca constante pela contagem, mesmo que o tempo não permita essa estratégia. Porém, como já relatado, a variabilidade de estratégias tem importante implicação educacional e teórica: compreender que os alunos não são habilidosos em realizar estimativas e não combinam as estratégias criadas para melhorar sua precisão indica necessidade de maior atenção para esse tema na sala de aula de matemática das escolas.

Tornou-se evidente que nem sempre há uma forma única ou melhor de resolver uma tarefa de estimativa, superando a ideia de que na matemática sempre há uma única resposta certa com um único procedimento de resolução. Entretanto, a gama de estratégias encontradas aqui pode ser específica para o conjunto de estímulos utilizados nesse estudo e suas diferentes configurações. Isto é, os participantes poderiam ter usado mais ou menos estratégias se tivessem sido apresentados apenas a itens aleatórios, como em muitos estudos anteriores. Também é possível que as decisões numéricas realizadas pelas crianças pequenas nessa tarefa pudessem ser influenciadas pela sensibilidade quanto às propriedades espaciais das matrizes; o aumento da densidade, por exemplo, poderia sugerir estimativas maiores.

Entretanto, como os participantes escolhem e executam suas estratégias permanece em questão. Trabalhos anteriores investigaram as estratégias baseando-se em aliados perceptuais (por exemplo, a superfície coberta pelos estímulos, o tamanho e o arranjo dos estímulos), que muitas vezes é correlacionada com a quantidade. Este estudo demonstra diretamente que, para além de basear as suas estimativas nas características visuais dos estímulos, as crianças usam uma grande variedade de estratégias de estimativa.

Sabe-se que os resultados do presente estudo não permitem chegar a conclusões definitivas sobre o desenvolvimento de estratégias de estimativa, tendo em vista que as entrevistas foram realizadas com apenas 30 estudantes e uma amostra de apenas 6 deles por ano escolar. Além disso, mesmo que os resultados desse estudo tenham sido baseados em relatos verbais realizados a partir da resolução dos itens propostos do TENQ, uma vez que se pediu aos participantes para verbalizar as suas estratégias imediatamente depois de cada tarefa, considera-se que tal procedimento investigativo garantiu uma certa confiabilidade dos resultados.

Sobre o conhecimento adicional que esse estudo acrescenta ao conhecimento produzido no âmbito das estimativas, pode-se destacar, além de novas categorias estratégicas não anteriormente relatadas na literatura e do fato de que pesquisas sobre estimativa numérica de quantidades ainda não tenham sido evidenciadas no Brasil, que as crianças elaboram e utilizam diferentes estratégias de estimativa desde muito novas, mesmo não sendo precisas em suas estimativas ainda quando mais velhas. Nesse ponto, necessita-se de um estudo mais aprofundado que auxilie a compreender o porquê, mesmo tendo no seu reportório distintas estratégias, de os estudantes não saberem utilizá-las com precisão. Assim, este estudo alerta para o fato de que as crianças, nos diferentes anos escolares, não são boas em realizar estimativas, mesmo que essa habilidade tenha reconhecida importância para a capacidade matemática dos sujeitos.

Dessa forma, a busca constante pela contagem exata ou por uma estimativa rápida e imprecisa, sugere uma necessidade emergente do ensino de estimativa na escola, considerando que essa é uma habilidade importante e de uso cotidiano, e que já esteve diversas vezes correlacionada ao desempenho matemático em estudos anteriores. Também por não sabermos ao certo por que as crianças deste estudo preferiram uma estratégia a outra em uma determinada tarefa, por que é mais rápida ou mais precisa, para que se utilize essa habilidade, será necessário realizar esse julgamento a partir da situação apresentada.

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    Normalização, preparação e revisão textual: Luan Maitan – revisao@tikinet.com.br
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    Apoio: Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS) ? Campus Canoas

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Editado por

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Editor responsável: Carlos Miguel da Silva Ribeiro - cmribas78@gmail.com, https://orcid.org/0000-0003-3505-4431

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    17 Dez 2018
  • Revisado
    17 Dez 2019
  • Aceito
    24 Maio 2020
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