Acessibilidade / Reportar erro

Uma partida... e uma chegada

A departure... and an arrival

No Editorial que escrevemos para o vol. 30, publicado em 2019, tomamos de empréstimo o título de um seminário sobre a escola pública realizado pela FE-Unicamp1 1 Faculdade de Educação - Universidade Estadual de Campinas : “Tempos difíceis, mas não impossíveis”2 2 Faculdade de Educação - Universidade Estadual de Campinas . Não seríamos capazes de imaginar, àquela altura, as dificuldades que estavam para vir, para a educação, para o mundo, para a vida.

A pandemia de coronavírus que se instalou globalmente em 2020 está provocando muito sofrimento, sobretudo muita perda de vidas. No Brasil o sofrimento se agudiza, pela percepção de que se a gestão da crise sanitária fosse feita de outros modos, a perda de vidas poderia ser menor – no momento em que este editorial é escrito, estamos prestes a atingir a terrível cifra de 500.000 mortes causadas pela COVID-19 no país e que provavelmente estará ainda maior quando de sua publicação.

No meio acadêmico, estamos perdendo colegas, importantes esteios do fazer educativo. De modo especial, chamamos a atenção para a perda de Sandra Mara Corazza, professora que atuou junto à Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que nos deixou no mês de janeiro de 2021. O fazemos porque publicamos neste volume seu artigo O Sonho da Docência: Fantástico Tear que, segundo informações de pessoas próximas a ela, pode ter sido o último texto acadêmico que enviou para publicação.

Este artigo tem a marca da autoria singular de Sandra, que experimentou diferentes caminhos para o pensar em educação e para o escrever academicamente, atravessados por potências da literatura e das artes em geral, das filosofias, das ciências, numa busca incansável por sair do lugar-comum e por dar a pensar, estranhando as ideias prontas que grassam como ervas daninhas em nossa área. Nos últimos anos, aglutinou um interessante grupo de pesquisadores em torno de um projeto que ela coordenou junto ao Programa “Observatório da Educação”, articulados em torno da noção de “escrileituras”, que assim ela caracterizou:

A Didática-Artista da Tradução passa, necessariamente, pela escrileitura, que acontece em atos de ruptura, de desterritorializações e de devires-outros, que são sempre devires-minoritários. Suas formas de expressão precedem as formas de conteúdo. Instalando-se em regiões de ser e de pensamento, que portam problemas que uma didática – não configurada como Artista, nem da Tradução – deixa de formular, pode até revelar aspectos dos seres que estavam ocultos e abrir circuitos inéditos de pensamento.

(CORAZZA, 2012Corazza, S. M. (2012). Didaticário de criação – aula cheia. Porto Alegre: UFRGS (Coleção Escrileituras – caderno de notas 3)., p. 19)

Pro-Posições já publicou outros textos de sua autoria, na medida em que sua produção encontra ressonância no propósito desta revista, que pretende ser, como explicitamos em nossa “Missão”, um “fórum para a apresentação e discussão de novas pesquisas e abordagens teóricas que, independentemente da área de conhecimento, contribuam para a reflexão crítica sobre as várias dimensões da Educação”; o trabalho de Sandra, naquilo que se propôs a ser, foi exemplar na inovação de abordagens teóricas e práticas de escrita,3 3 Sua produção em artigos e livros não foi pequena; chamo a atenção para apenas duas obras, para mim muito representativas de suas explorações teórico-conceituais e de escrita: Para uma filosofia do inferno na educação, que explora os pensamentos de Deleuze e de Nietzsche para pensarmos as educações brasileiras de nosso tempo; e Didaticário de criação – aula cheia, um dos volumes da “Coleção Escrileituras”, que aglutinou alguns de seus trabalhos nos últimos anos, juntamente com orientandos e colaboradores. que esta revista acolheu e pretende continuar acolhendo.

O artigo de Sandra é concluído com a proposição de um “epitáfio coletivo”: “É sinistro como executamos crueldades contra a nossa própria docência”. Essa afirmação, sem dúvida, repercute ainda mais, depois de passarmos mais de um ano enfrentando as práticas do ensino remoto, tendo que reinventar a docência; que novas crueldades foram produzidas neste contexto inusitado? “Sonhar a docência”, como nos desafia Sandra, potencializa nosso trabalho em sala de aula e a pesquisa em educação que realizamos. Sandra se foi, mas seu pensamento e sua voz seguem reverberando em nós e ficamos felizes que Pro-Posições seja um veículo para difundir e amplificar esse pensamento e essa voz.

Enfim, em meio às impossibilidades que se multiplicam nesses últimos tempos – que não comentamos aqui, para que este Editorial não se torne um canto de lamento – preferimos apostar no futuro, na criação de possíveis e nas potências da Educação. Por isso e para isso trabalhamos. E, nesta direção, anunciamos uma importante novidade: Pro-Posições passa a contar, a partir deste volume 32, com dois Editores-Chefes. Saudamos a chegada da Dra. Helena Sampaio, que depois de contribuir com a revista por vários anos como Editora Associada, assume como Editora-Chefe. Temos a certeza de que seu trabalho ajudará a construir novos tempos para Pro-Posições, para que siga sendo um importante veículo para a produção acadêmica no campo da Educação, encontrando caminhos para viabilizar sua existência, além de consolidar iniciativas e possibilidades.

Silvio Gallo
Editor Chefe

  • 1
    Faculdade de Educação - Universidade Estadual de Campinas
  • 2
    Faculdade de Educação - Universidade Estadual de Campinas
  • 3
    Sua produção em artigos e livros não foi pequena; chamo a atenção para apenas duas obras, para mim muito representativas de suas explorações teórico-conceituais e de escrita: Para uma filosofia do inferno na educação, que explora os pensamentos de Deleuze e de Nietzsche para pensarmos as educações brasileiras de nosso tempo; e Didaticário de criação – aula cheia, um dos volumes da “Coleção Escrileituras”, que aglutinou alguns de seus trabalhos nos últimos anos, juntamente com orientandos e colaboradores.

Referencias

  • Krawczyk, N. (Org.). (2018). Escola pública: tempos difíceis, mas não impossíveis. Campinas: FE-Unicamp; Navegando Edições.
  • Corazza, S. M. (2002). Para uma Filosofia do Inferno na Educação. Belo Horizonte: Autêntica.
  • Corazza, S. M. (2012). Didaticário de criação – aula cheia. Porto Alegre: UFRGS (Coleção Escrileituras – caderno de notas 3).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2021
  • Data do Fascículo
    2021
UNICAMP - Faculdade de Educação Av Bertrand Russel, 801, 13083-865 - Campinas SP/ Brasil, Tel.: (55 19) 3521-6707 - Campinas - SP - Brazil
E-mail: proposic@unicamp.br