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Grupo de interlocução na pesquisa em educação: produção, análise e sistematização dos dados 1 1 Texto produzido a partir de projeto desenvolvido com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processo 306603/2019-5), da Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (Processo 18/2551-0000550-9). ,2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Lucas Giron (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br

Group of interlocution in the research in education: production, analysis and systematization of data

Grupo de interlocución en la investigación en educación: producción, análisis y sistematización de los datos

Resumo

Aborda-se o grupo de interlocução (GI) como técnica de produção, análise e sistematização de dados na pesquisa em educação, a partir de pesquisa histórica, que retomou a gênese dessa técnica. Quanto à perspectiva teórica e procedimental, aplicou-se a abordagem analítica dos movimentos de sentido e estudo. Realizaram-se análise documental e grupo de interlocução para estudar semelhanças e diferenças, avanços e desafios encontrados pelos pesquisadores na aplicação da técnica entre 2006 e 2017. Participaram da pesquisa onze pesquisadores na área da educação. Pensa-se ter contribuído para indicar o quão práxica é essa técnica, ao permitir que interlocutores e pesquisadores produzam sentidos juntos em um processo interativo de pesquisar sobre os fenômenos educacionais.

Palavras-chave
grupo de interlocução; dialética; pesquisa em educação

Abstract

The Interlocution Group (GI) is approached as a technique for producing, analyzing and systematizing data in research on education, based on historical research, which has resumed the genesis of this technique. Regarding the theoretical and procedural perspective, the analytical approach of the movements of meaning and study was applied. Documentary analysis and Interlocution Group were carried out to study similarities and differences, advances and challenges encountered by the researchers in the application of the technique between 2006 and 2017. Eleven researchers in the area of Education participated in the research. It is thought to have contributed to indicate how praxical this technique is by allowing interlocutors and researchers to produce meanings together in an interactive process of researching on educational phenomena.

Keywords
interlocution group; dialectic; research in education

Resumen

Se aborda el Grupo de Interlocución (GI) como técnica de producción, análisis y sistematización de datos en la investigación en educación, a partir de la investigación histórica, que retomó la génesis de esa técnica. En cuanto a la perspectiva teórica y procedimental, se aplicó el abordaje analítico de los movimientos de sentido y estudio. Se realizó análisis documental y Grupo de Interlocución para estudiar semejanzas y diferencias, avances y desafíos encontrados por los investigadores en la aplicación de la técnica entre 2006 y 2017. Participaron de la investigación, once investigadores en el área de Educación. Se piensa haber contribuido a indicar lo práctico que es esta técnica, al permitir que interlocutores e investigadores produzcan sentidos juntos en un proceso interactivo de investigar sobre los fenómenos educativos.

Palabras clave
grupo de interlocución; la dialéctica; investigación en educación

Notas introdutórias

Este texto se propõe a abordar o grupo de interlocução (GI), entendido como uma técnica relevante para as pesquisas de cunho social, em especial pesquisas no campo da educação. Parte-se do suposto de que esse campo, por sua complexidade e dado o fato de as pesquisas em educação serem recentes no Brasil, cerca de sessenta anos, necessita de aprofundamento quanto aos procedimentos científicos que o orienta. Assim, a abordagem sobre o GI como técnica de produção, análise e sistematização de dados aqui apresentada converge para esse aprofundamento.

Começa-se por explicitar que se entende interlocução como a vivência da linguagem em grupos, em interação, pressupondo-se que os sujeitos estejam em uma ação dialógica, em uma relação eu-tu: “Interlocução que não é simples amálgama de saberes prévios, o trespasse de uns nos outros; mas é aprender contra o previamente aprendido, negação do que já se sabe na constituição do novo saber, de saberes outros” (Marques, 1996Marques, M. O. (1996). Educação/ interlocução, aprendizagem/ reconstrução de saberes. Ijuí: Editora Unijuí., p. 14). Acrescenta-se esta explicação de Werle (2012)Werle, F. (2012). Pós-graduação e suas interlocuções com a educação básica. Educação, 35(3), 424-433. Recuperado de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/11939/8400
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/...
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… implica conversação entre duas ou mais pessoas, duas ou mais instituições, dois ou mais grupos. Este “dois ou mais” contém o diverso e o múltiplo. Este “dois ou mais” pode-se tornar-se muitos mais, com o que se transversalizam uma diversidade de interesses, intensidades e direcionalidades. (p. 424)

Por isso, a técnica se denomina grupo de interlocução e não de conversa, interação, pesquisa etc. Trata-se, portanto, de uma espécie de metalinguagem. Para explicitar o que se entende por GI e, ao mesmo tempo, exemplificar, foram analisadas as produções acadêmicas que aplicaram essa técnica e, além disso, realizou-se essa técnica com os autores dessas produções. Do movimento dialético entre essas ações é possível estabelecer considerações para ampliar o conhecimento e a prática que já se tem sobre o GI. Nesse sentido, poder-se-ia afirmar que se trata de uma sistematização3 3 Sistematização na perspectiva de ser produção do conhecimento. “Sistematizar somente é possível a partir de estudo. E toda sistematização encerra um sentido e projeta a necessidade de outros, em um movimento, essencialmente dialético, com vistas à compreensão dos sentidos como evidências dos sujeitos” (Ferreira, 2016, p. 179). e, ao mesmo tempo, uma análise, na qual se retoma e argumenta sobre vivências, aplicando metodologias para configurá-las também como dados produzidos. Os argumentos são elaborados pela análise documental e esta é sistematizada em interlocução com os sujeitos que produziram os documentos analisados. Resulta outra análise construída dialeticamente em conjunto com os próprios autores dos documentos analisados. Tal análise somente é possível por se entender a interlocução como princípio que articula a técnica ora aprofundada, a pesquisa em educação e a organização do grupo de pesquisa4 4 Os grupos de pesquisa são experiências de interlocução nos quais um grande desafio se apresenta. O desafio da sistematização e teorização de experiências, o do afastamento das ações diretamente realizadas … o desafio de sistematizar relatos de prática, teorizando-os sem os congelar e sem deles retirar a riqueza do vivido (Werle, 2012, p. 432). , aqui denominado de comunidade acadêmica:

Entende-se que a comunidade acadêmica acolhe sujeitos em diferentes níveis nos estudos e professores, com os quais passam a conviver e a trabalhar juntos .… Decorre desses vínculos, da subjetividade, uma condição de cooperação. Cooperação que se apresenta como a proximidade entre os sujeitos que, então, transcendem sua individualidade e vão ao encontro do outro para, juntos, produzirem algo que contém características de ambos .… Na comunidade, então, vai-se além, produzindo-se o entrecruzamento de leituras, argumentos, experiências, subjetividades que, ao se movimentarem, se recriam e demandam análise, interpretação, sistematização. Tudo isso acontece em movimentos dialéticos do individual ao coletivo. No individual, há a historicidade dos sujeitos e, no coletivo, certa necessidade de estabelecer vínculos. Tais vínculos, obviamente, se fazem por afetividade, desejo e necessidade de se representar.

(Ferreira, 2017Ferreira, L. S. (2017). Comunidade acadêmica: a orientação como interlocução e como trabalho pedagógico. Acta Scientiarum: Education, 39(1), 103-111., p. 106)

A pesquisa que deu origem a este texto caracteriza-se por ser histórica, na medida em que retoma a gênese da técnica do grupo de interlocução. Quanto à perspectiva teórica e procedimental, aplicou-se a abordagem analítica dos movimentos de sentido5 5 Trata-se de uma abordagem teórica desenvolvida comunidade acadêmica que protagonizou esse estudo, que tem o discurso como centralidade, entendido como materialidade possível de ser analisada em suas contradições, movimentos, sentidos, indicando por meio destes suas características, que podem sintetizadas sob a forma de categorias. , e, quanto ao procedimento, constituiu-se em estudo6 6 Diferencia-se pesquisa e estudo. Aquela diz respeito somente à produção e análise de dados. O estudo, pelo que se entende, inclui a pesquisa e vai além, analisando não somente os dados produzidos, mas as condições de produção, os sujeitos interlocutores e as produções de outros autores, na comunidade acadêmica. , adentrando em um contexto espaço-temporal, para entendê-lo em suas relações e prospectar os impactos daqueles fenômenos na gênese e aplicação do GI. Entende-se também a abordagem analítica dos movimentos de sentidos como um modo de pesquisar, no qual os sujeitos pesquisadores atribuem sentidos ao real e, ao fazê-lo, criam condições de transformá-lo. No caso, entende-se a técnica de GI como síntese dos fenômenos que o constituíram. A elaboração do percurso metodológico que deu origem a este artigo incluiu: (i) análise documental das teses e dissertações da comunidade acadêmica, no período entre 2006 e 2017, desenvolvida conforme as seguintes etapas: leitura do material, seleção dos conteúdos semânticos relativos à aplicação de GI; (ii) análise dos dados produzidos, que considerou a recorrência das categorias, os movimentos de sentidos, a comparação descritiva entre estes sentidos, de modo sistemático, por meio da elaboração de tabelas; (iii) realização de GI com os autores dos trabalhos analisados; (iv) reanálise e sistematização dos dados na forma deste artigo.

Portanto, como metodologia de produção de dados, inicialmente, neste trabalho realizou-se uma ampla análise documental de relatórios de pesquisadores, integrantes de uma comunidade acadêmica dentro de uma universidade pública gaúcha, que aplicaram o GI como metodologia de produção, análise e sistematização de dados nas suas pesquisas de mestrado e doutorado em Educação. Foi organizado um quadro com os trechos dos textos que tratam do GI, em uma ordem cronológica, por ano de defesa/publicação dos trabalhos. A partir de então, realizou-se uma análise comparativa, a fim de identificar semelhanças e diferenças, avanços e desafios nas diferentes produções. Para subsidiar a interpretação dos resultados sistematizados no quadro, buscaram-se artigos e capítulos de livros publicados, em que integrantes do grupo se dedicaram à sistematização teórico-metodológica da técnica.

Em seguida, em um exercício metalinguístico, realizou-se um GI com os autores dos textos analisados na primeira etapa, abordando a experiência com a técnica do GI nas suas pesquisas. Ao todo, até aquele momento, nove pesquisadores da comunidade acadêmica (quatro de mestrado e cinco de doutorado) já tinham privilegiado o GI como técnica de produção, análise e interpretação dos dados, entre os anos de 2006 a 2017. Todos foram convidados a participar do GI realizado para esta pesquisa e quatro compareceram, um de mestrado (2014) e três de doutorado (2006, 2015, 2017). Além deles, outros dois pesquisadores do grupo participaram da atividade: um de doutorado (2017) e um de pós-doutorado (2018), para conhecer a técnica e dela se apropriarem em seus próprios trabalhos de pesquisa. A realização desse GI teve como ponto de partida os registros analisados, encontrados nas dissertações e teses, adicionados a outros elementos surgidos durante a interlocução, como inquietações das autoras, provocadas pelo tema abordado. Iniciou-se o encontro com a apresentação das primeiras análises, a partir de questões provocadoras7 7 a) A partir dos dados produzidos previamente, retorna-se ao GI e, no seu retorno aos sujeitos, o que ocorreu?; b) Como aconteceu a sistematização dos dados após eles terem sido ressignificados no GI?; c) Quais as relações/ contribuições desta técnica para no movimento dialético da pesquisa em educação?; d) Nela, como se explicitam as categorias: historicidade, contradição e a totalidade?; e) A técnica oportuniza maiores possibilidades/ condições de se realizar a práxis? , na intenção de potencializar a interlocução entre os(as) participantes8 8 É ressaltado que os(as) participantes do GI estão nomeados neste trabalho como sujeitos, seguidos do número, conforme a ordem em que defenderam/ publicaram os seus trabalhos. .

Assim, são sistematizadas neste artigo as descobertas das autoras e, em decorrência disso, os aspectos apreendidos a partir da pesquisa, contribuindo para um maior conhecimento sobre GI. Além dessa introdução, o texto está estruturado em outras duas seções inter-relacionadas: a primeira apresenta o GI como técnica de pesquisa e as características dialéticas que o diferenciam de outras técnicas classicamente aplicadas na pesquisa na educação; a segunda expõe, a partir da análise das produções existentes, a maneira como a comunidade acadêmica tem constituído e aplicado a técnica. Por fim, as Conclusões Provisórias têm o intuito de provocar reflexões sobre a relevância dessa técnica de produção, análise e sistematização de dados na pesquisa em educação.

Grupo de interlocução (GI): descrições, possibilidades e dialética

O GI, como técnica de pesquisa, constituiu-se coletivamente como uma possibilidade de dialetização de dados nas pesquisas e, por isso, tem na dialética, um arcabouço teórico e metodológico. Tal perspectiva teórica implica compreender as múltiplas relações que constituem a linguagem dos sujeitos como materialidade9 9 Esta consideração parte do pressuposto teórico-metodológico orientado pela crença de que a linguagem, sob a forma de discurso, é entendida como a própria materialidade da consciência dos sujeitos, produzida histórica e socialmente. , nos movimentos que partem das dimensões: (i) individual-individual; (ii) individual-coletivo; e (iii) coletivo como síntese do individual. Nesse processo, a sistematização é fundamental como momento de atribuir sentidos aos dados produzidos de acordo com a perspectiva teórico-metodológica e a trajetória da pesquisa.

Nesse entendimento, o GI, embora adotado adicionalmente a outras técnicas mais tradicionais e de algumas se aproxime, especialmente da “entrevista reflexiva” (Szymanski, 2002Szymanski, H. (Org). (2002). A entrevista na pesquisa em educação: a prática reflexiva. Brasília: Plano.) e do “grupo focal” (Gatti, 2005Gatti, B. A. (2005). Grupo focal na pesquisa em ciências sociais e humanas. Brasília: Líber Livro.), delas se diferencia em forma e conteúdo. Enquanto as entrevistas reflexivas e o grupo focal compreendem tão somente a dimensão da coleta/ produção10 10 A partir daqui, produção de dados. Nas pesquisas, avançou em relação à compreensão das expressões “coleta de dados” e “produção de dados”. Com argumentos alinhados à perspectiva dialética, a comunidade acadêmica entrevistada decidiu, a partir de 2008, pela substituição da primeira pela segunda. Isso afeta a maneira como o pesquisador reconhece sujeitos e conhecimentos como históricos que, em interação, (re)significam a totalidade. A expressão “produção de dados” se constitui e se legitima ao se compreender sujeito e conhecimento “não como algo estanque dado à coleta, mas sim os sujeitos como ativos e concretizados a partir da práxis que constitui, por conseguinte, o conhecimento” (CALHEIROS et al., 2017, p. 45). de dados de uma pesquisa, o GI se constitui como um instrumento que vai além dessa dimensão, uma vez que a sua natureza compreende o movimento dialético de produção, análise e sistematização de dados. Sobre “produção de dados”, Corrêa e Ferreira (2017)Corrêa, M. B., & Ferreira, L. S. (2017). Grupos de interlocução e a “história a contrapelo”: contribuições para se pensar a Pesquisa em Educação. Cadernos de Pesquisa, 24(2), 1-12., assim se pronunciam:

Reforçamos que, neste contexto [o da pesquisa em educação], não há “coleta” de dados em pesquisa, pois os únicos dados aos quais temos acesso, são, na realidade, produto de nossas relações histórico-sociais e por esta razão, estão propícios a alterações que impossibilitem um conhecimento estanque, pronto para ser “coletado”. Relações histórico-sociais estas constituídas, pois, pela pseudoconcreticidade, que salta à frente dos pesquisadores, intencionando antes o produto de sua pesquisa. Com efeito, não há pesquisa neutra, por não haver linguagem independente de algum horizonte conceitual e de relações de poder dados os antagonismos próprios de cada classe social. (p. 5)

Em relação aos modos de produção dos dados, os pesquisadores realizam várias técnicas reconhecidas na pesquisa científica, como aliadas do GI. Conforme afirmam Calheiros, Corrêa, Arruda e Machado (2017)Calheiros, V., Corrêa, M., Arruda, T. J., & Machado, D. M. (2017). A produção de sentidos nas pesquisas do Grupo Kairós. In L. S. Ferreira, D. L. P. De Toni, C. R. do Nascimento, & A. Vedoin, Da relação entre educação e trabalho ao trabalho pedagógico: possibilidades e desafios (pp. 33-50). Curitiba: Editora CRV. sobre essa escolha: “Dentre os instrumentos de pesquisa que optamos, encontram-se entrevistas, questionários, pesquisas survey, observações, grupo focal …” (p. 41). Trata-se de técnicas de produção de dados. A estas se combinam uma técnica de análise com a qual atribuem sentido ao produzido e então podem produzir o GI, pois já realizaram a análise prévia dos dados. É por isso que o GI é técnica de produção (os discursos dos sujeitos nesse momento também são considerados dados), análise (em diálogo, os interlocutores analisam os dados e as análises apresentadas) e sistematização (buscam-se consensos e sínteses sobre as análises e os dados).

O GI foi concebido, originalmente, pelo Sujeito 1/2006, em sua tese de doutorado. A partir de então, foi replicado, expandido e descrito em trabalhos de mestrado e doutorado de pesquisadores na comunidade acadêmica, o que tem possibilitado seu aperfeiçoamento sucessivo em diferentes percursos, legitimando-o e consolidando-o, teórica e metodologicamente. Nesse sentido, a repetida aplicação da técnica tem revelado uma possibilidade de dialetização dos dados das pesquisas, primando pelo movimento de diálogo entre sujeitos participantes, sempre partindo do individual para o coletivo.

Com o GI, pesquisadores e sujeitos envolvidos nas pesquisas possuem participação ativa no movimento de produção, análise e sistematização de dados. Esta questão será melhor detalhada no texto, ao discorrer sobre o movimento dialético que o GI proporciona nos sujeitos, individual e coletivamente, ao longo dos trabalhos de pesquisa.

Cabe destacar ainda haver uma sequência de passos sugeridos para a aplicação do GI, que pode ser reconstruída a cada pesquisa, pelos sujeitos pesquisadores. É indicada sobretudo para os iniciantes, porém não se trata de uma imposição, pois pode ser reconstruída e ampliada:

  1. exposição da proposta do grupo de interlocução para os sujeitos da pesquisa;

  2. apresentação de slides com os resultados da pesquisa e da coleta de dados inicial;

  3. discussão sobre os resultados da pesquisa;

  4. apresentação de questões que surgiram após a análise dos dados;

  5. discussão sobre as novas questões apresentadas buscando ampliar a pesquisa e suprir algumas lacunas que possam ter ficado em relação à coleta de dados inicial;

  6. oportunizar um espaço em que os sujeitos exponham dúvidas sobre o tema ou sobre a pesquisa;

  7. esclarecimentos e sistematização. (Fiorin, 2012Fiorin, B. P. A. (2012). Trabalho e pedagogia: considerações a partir dos discursos de pedagogas na escola. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria., p. 20)

Tal sequência prevê continua e reiterada interação entre os sujeitos, objetivando que possa efetivamente dialogar, debater e reescrever os sentidos das análises elaborados pelos pesquisadores sobre os dados produzidos.

Nesse propósito de discutir o GI como uma técnica de pesquisa eminentemente dialética, potencializadora da práxis11 11 O termo práxis, referenciado no decorrer do texto, está relacionado à obra de Vázquez (1977). Portanto, práxis é um conceito central, o qual designa “a atividade consciente objetiva … não só como interpretação do mundo, mas também como elemento do processo de sua transformação ...”. (Vázquez, 1977, p. 30) , tornam-se relevantes os seguintes questionamentos: (i) Quais as relações/ contribuições dessa técnica para o movimento dialético da pesquisa em educação?; (ii) Nela como se explicitam as categorias dialéticas historicidade, contradição e totalidade?; e (iii) A técnica oportuniza maiores possibilidades/ condições de se realizar a práxis?

Da forma como se tem agido em pesquisa, a técnica do GI permite avanços conceituais e práxicos, produzidos no movimento dialético que vai do individual para o coletivo: de encontros individuais e isolados dos pesquisadores com cada sujeito participante da pesquisa (no momento da entrevista individual, por exemplo) a encontros coletivos (no GI), que reúnem os sujeitos pesquisadores e os sujeitos participantes de uma mesma pesquisa.

Durante o GI realizado pelas autoras com os pesquisadores da comunidade acadêmica, uma das interlocutoras, ao apresentar o resgate das origens da técnica, observa que os pesquisadores na área da educação fazem escolhas no início do trajeto da pesquisa para a produção e análise dos dados e prosseguem, em um movimento de reflexão sobre a necessidade de se avançar com os instrumentos de pesquisa e produção de dados: “apropriamo-nos de dados … fazemos perguntas que interessam para nós e nem sempre interessam para aquele que é perguntado. Então, se é assim, se somos nós os protagonistas, como esses dados acabam contribuindo para aquele que participa da pesquisa?” (Sujeito 1/2006, GI com pesquisadores). O GI, como técnica, permite avançar dialeticamente no enfrentamento desse dilema, quando, para além da aplicação solitária de uma técnica/ instrumento de pesquisa, produção, análise e interpretação dos dados (por decisão unilateral), os pesquisadores promovem o encontro coletivo dos sujeitos entrevistados, de maneira intencional e planejada, com a finalidade de apresentar-lhes as análises dos dados até então produzidas. Vale dizer: informações e dados produzidos e sistematizados ao final do processo de análise das entrevistas são apresentados aos sujeitos, no GI, para que eles participem e, coletivamente, no movimento de reflexão sobre as suas concepções ante as questões apresentadas, contribuam no processo de análise e interpretação, de dialetização dos dados. Este movimento contribui para o adensamento dos resultados da pesquisa, de alguma forma, também, funciona como um retorno dos resultados da pesquisa aos sujeitos pesquisados.

Os estudos da comunidade acadêmica têm sido realizados com a preocupação de compreender criticamente o trabalho dos professores e demais sujeitos que produzem pesquisa em educação; os modos de produção das suas existências, que constituem suas histórias e a história da sua classe; as relações que estabelecem com a totalidade social; as mediações e contradições que os constituem como seres sociais, sujeitos da sua historicidade. Em suas atividades, os pesquisadores encontram, entretanto, em larga medida, o desafio de uma ruptura com os níveis de compreensão do real, impregnados pelo positivismo, idealismo, materialismo vulgar e estruturalismo, os quais prescindem da análise das contradições imanentes dos fatos e fenômenos sociais.

A comunidade acadêmica tem potencializado a materialidade da pesquisa dialética, situada no “plano da realidade, no plano histórico, sob a forma de trama de relações contraditórias, conflitantes, de leis de construção, desenvolvimento e transformação dos fatos” (Frigotto, 2010Frigotto, G. (2010). O enfoque da dialética materialista histórica na pesquisa educacional. In I. Fazenda (Org.), Metodologia da pesquisa educacional (pp. 69-89). São Paulo: Cortez., p. 82). Esta perspectiva permite a compreensão de que a sociedade, ao longo dos tempos, foi se constituindo por uma história marcada por contradições engendradas pelo capitalismo, modo de produção da existência humana na sociedade em que a força de trabalho dos seres humanos e seus processos de produção sofrem as influências dos movimentos econômicos, políticos e culturais provocados pela acumulação do capital por uma pequena parcela hegemônica da sociedade. Wood (2011)Wood, E. M. (2011). Democracia contra capitalismo: a renovação do materialismo histórico. São Paulo: Boitempo. acredita ser iminente a compreensão crítica do capitalismo, justamente por reconhecer a especificidade histórica e sistêmica dos fatos sociais e por abordá-los em suas ambiguidades, conflitos e contradições. Ranieri (2011)Ranieri, J. (2011). Trabalho e dialética: Hegel, Marx e a teoria social do devir. São Paulo: Boitempo., ao abordar o contraditório, considera que

… a proposição de que a contradição é o motor do movimento da realidade não repousa em uma simples petição de princípio, muito menos em um beco sem saída, mas, ao contrário, em uma sagaz interpretação de que todo movimento é, por definição, contraditório, no sentido de que todo avanço, sendo ou não sinônimo de progresso, se contrapõe a forças que o contradizem. Essa operação é responsável pela definição da identidade de qualquer objeto: nas categorias lógicas, há um movimento que as unifica, uma vez que a função da lógica é corresponder a realidade para depois, fazer desta seu objeto e articulá-lo segundo suas potencialidades, libertadas da contingência. (p. 12)

A partir deste modo de pensar, o qual prima pela compreensão do movimento, do contraditório, se inscreve o GI, no contexto da pesquisa em educação: como forma de dar concreticidade dialética aos dados produzidos durante as pesquisas. Nessa perspectiva, estudos desenvolvidos passaram a adotar esta técnica, com vistas a envolver os sujeitos pesquisados com os dados e análises produzidos pelas pesquisas. De modo coletivo, dialético e dialógico, esses estudos criam novos espaços como os sujeitos, a fim de problematizar e ressignificar os resultados, fazendo emergir o que há de substancial e significativo daquilo que foi inicialmente encontrado. Dessa maneira, os interlocutores afinam, entre si, o quanto de concreto, contraditório, completo e contínuo se apresenta nos fenômenos estudados. Pensar o GI tem se apresentado como uma possibilidade sistematizada de ressignificação pedagógica da pesquisa, pois se reconhece, nessa referência teórica e metodológica, uma tríade no movimento de construção do conhecimento, a qual articula: “1. Concepção de mundo, 2. Método de análise da realidade e 3. Práxis transformadora” (Calheiros et al., 2017Calheiros, V., Corrêa, M., Arruda, T. J., & Machado, D. M. (2017). A produção de sentidos nas pesquisas do Grupo Kairós. In L. S. Ferreira, D. L. P. De Toni, C. R. do Nascimento, & A. Vedoin, Da relação entre educação e trabalho ao trabalho pedagógico: possibilidades e desafios (pp. 33-50). Curitiba: Editora CRV., p. 39). Então, o GI como técnica reúne matéria (as produções dos sujeitos e o objeto de estudo dos pesquisadores), consciência (as análises e produções realizadas por sujeitos e pesquisadores no processo de análise da matéria) e prática social, que se revela na produção material de novos conhecimentos que podem permitir a mudança de consciência dos sujeitos sobre o mundo.

O GI, como técnica articuladora dos sujeitos da pesquisa, da análise e validação de resultados encontrados, configura-se como uma grande oportunidade de produção coletiva sistematizada e sistematizadora de conhecimento. Juntos, os sujeitos da pesquisa se reconhecem como produtores de sentidos importantes para a compreensão dos fenômenos em que estão envolvidos, o que nem sempre é consensual. Entretanto, ainda que não se pretenda estabelecer um consenso entre eles, os interlocutores, entre si e em conjunto com os pesquisadores, de forma coletiva, produzem saberes importantes para o relatório de pesquisa que está sendo elaborado e, não menos importante, para a sua compreensão sobre o tema.

No processo de elaboração deste artigo, a partir das leituras teóricas e após análise documental das teses e dissertações, a realização de um GI com os próprios pesquisadores, egressos da comunidade acadêmica, os quais podem ser considerados como coautores dessa técnica, foi extremamente significativa para a ampliação e aprofundamento dos argumentos sobre a técnica. Desse modo, foi possível produzir novas contribuições e sistematizações teórico-metodológicas sobre esse instrumento de pesquisa, validando-o cientificamente. No encontro desse coletivo de sujeitos, evidenciaram-se também os discursos sobre os sentidos individuais de cada pesquisador (os quais podem ser considerados como síntese de sentidos e significados produzidos em outros movimentos coletivos anteriores) e, nesse processo relacional, ao se encontrarem também com o próprio discurso, os pesquisadores tiveram a possibilidade de se renovar na elaboração de novos significados12 12 Considerando os estudos de Costas e Ferreira (2011), a partir da premissa de que os sujeitos humanos “são situados e construídos historicamente meio da linguagem” (p. 208), em que a fala é fundamental para a organização do pensamento, a interação se torna uma condição para o desenvolvimento humano. A partir desses apontamentos, as autoras desenvolvem importantes considerações conceituais que diferenciam os termos significados de sentidos, a saber: o primeiro “é a estabilização de ideias por um determinado grupo. Estas ideias são utilizadas na constituição do sentido” (p. 214), a palavra confere movimento dialético entre pensamento e linguagem, na relação com o contexto sociocultural; por sua vez, “Os sentidos são elaborações ainda inconstantes que buscam estabilizar-se”, portanto têm caráter provisório, “mudará sempre que mudarem os interlocutores, os eventos” (p. 216). . Dessa maneira, no GI realizado com pesquisadores da comunidade acadêmica, o Sujeito 2, assim, conclui: “… aspectos que pareciam menores, começavam a aparecer … foi determinante para ver a forma que o fenômeno tomou para mim … fez eu [sic] evidenciar e abandonar ideias” (Sujeito 8/2017, GI com pesquisadores).

Ao discursivizar sobre a organização e a realização do GI, os pesquisadores expressaram concordância sobre a intencionalidade dessa técnica; o diálogo coletivo; e a interação para análise e sistematização de dados com os sujeitos da pesquisa. Nesse sentido, o Sujeito 3 considera a técnica uma oportunidade de perceber as análises dos resultados no coletivo: “Eu realizei as entrevistas no grupo, porque eu queria saber a prática e, se eu fizesse entrevista com cada um, seria individual, e eu queria o coletivo” (Sujeito 6/2015, GI com pesquisadores).Ou seja, na relação social entre pesquisador e sujeitos pesquisados, juntos, como interlocutores, há a sistematização do conhecimento, atribuindo novos sentidos para os dados, elaborando novos significados. Ficou expresso tanto na análise, quanto nos dados produzidos a partir da realização do GI com os pesquisadores, que esse encontro possibilita a apresentação prévia pelos pesquisadores, aos sujeitos participantes da pesquisa, dos resultados construídos até o momento, provocando a (re)problematização e discussões, em um movimento de reflexão e produção de conhecimento.

Assim, no GI, o movimento dialético se processa sob uma dinâmica que vai do individual/ particular para o coletivo/ plural, sendo este último compreendido como síntese de discursos individuais. Nessa relação unidade-totalidade, os discursos são entendidos como a materialidade da consciência dos sujeitos, sendo, por conseguinte, um produto histórico-social. Uma das pesquisadoras, entretanto, alerta para o risco de que ocorra uma interpretação equivocada e uma fragmentação das etapas de produção e análise de dados quando do uso da técnica. De acordo com ela:

A questão aí está nestas duas palavras. Quando é produção e quando é que é análise? E não é uma e outra, são ambas. Porque a análise é produção. Por exemplo: eu entrevistei o Sujeito 3, o Sujeito 4 e entrevistei o Sujeito 5. Agora estamos todas na mesma sala e eu argumento: “Sobre o que o Sujeito 3 disse eu pensei isso e isso, que é diferente do que o Sujeito 4 disse”. Aí o Sujeito 4 afirma: “Não, espera aí, não é diferente. Talvez, tu não estejas percebendo que ali tem um elemento diferenciado …” Então, nesse momento, estou trazendo a minha análise, para a produção de outra análise. É isso que é o movimento dialético do GI, o sentido não se encerra na interpretação que eu pesquisadora apresento. Ele se renova …

(Sujeito 1/2006, GI com pesquisadores)

A partir das discussões realizadas no GI com os pesquisadores da comunidade acadêmica, manifesta-se a necessidade de ampliar a compreensão teórica sobre a linguagem, entendida não como locução, mas em sua dimensão relacional. Os discursos, por sua vez, se concretizam pela linguagem, portanto pode-se compreender que os sujeitos se relacionam por meio desta no momento do diálogo e da interação. No artigo “Grupos de interlocução como técnica de produção e sistematização na pesquisa em educação”, de Ferreira, Fiorin, Amaral e Maraschin (2014), a primeira publicação sobre o assunto em uma em revista científica, as autoras partem da abordagem de Marques (1996)Marques, M. O. (1996). Educação/ interlocução, aprendizagem/ reconstrução de saberes. Ijuí: Editora Unijuí. sobre linguagem como o pressuposto de interlocução, anunciando que:

… através da linguagem, cada um dos sujeitos da pesquisa apresentará as suas concepções, influenciados por suas experiências, mas, a partir deste momento de diálogo e interação, terão a possibilidade de socializar e problematizar o tema pesquisado com sujeitos que, possivelmente, tem algo comum entre si devido a sua proximidade com a pesquisa desenvolvida. (pp. 204-205).

É sobre essa materialidade dos discursos presentes nas interlocuções entre os sujeitos que está o sentido de linguagem. Assim sendo, a linguagem ganha sentido como consciência, a qual se constitui no próprio processo histórico real, a partir da materialidade produzida, vivida. Reitera-se: os discursos dos sujeitos interlocutores nas pesquisas produzidos em entrevistas e grupos focais, ou com base em outras técnicas, indicam a materialidade de suas próprias vidas, seus modos de se relacionarem entre si, com os outros sujeitos sociais, como o mundo do qual fazem parte. Aquilo que as pessoas dizem sobre si, sobre o trabalho que realizam, representa sua classe, suas necessidades, superações e demandas políticas, epistemológicas, formativas, entre outras.

No caso da pesquisa realizada para elaborar este artigo, as novas evidências produzidas a partir das imbricações entre a análise documental de dissertações e teses, artigos publicados em revistas e capítulo de livro, e surgidas nos diálogos (relação indivíduos-coletivos) dos sujeitos sobre GI, tornam-se materialidades reconhecidas como o ponto de partida e não de chegada. A partir dos próprios discursos produzidos no GI, realizado com os pesquisadores, o movimento dialético é ressaltado por essa técnica e é evidenciado nas pesquisas que têm sido construídas no grupo. O Sujeito 2 assim compreende o exercício dialético feito no GI:

… eu mantenho aquilo que escrevi; mantenho as impressões que elaborei de uma primeira entrevista, de uma primeira interlocução, só que mais individualizada. E, no GI, surgirão novas questões e, a partir daí, então, vou olhar para o que escrevi, já com as significações que eu produzi, e produzir outras novas, mais ainda novas.

(Sujeito 2/2012, GI com pesquisadores)

A forma como os dados, antes produzidos, são ressignificados pode ser considerada como análoga ao que Harvey (2013)Harvey, D. (2013). Para entender o capital: livro I. São Paulo: Boitempo. concebe quando analisa o método de investigação do descenso e ascenso:

É isso o que ele chama de método de descenso – partimos da realidade imediata ao nosso redor e buscamos, cada vez mais profundamente, os conceitos fundamentais dessa realidade. Uma vez que equiparados com esses conceitos fundamentais, podemos fazer o caminho de retorno à superfície – o método de ascenso – e, descobrir quão enganador o mundo das aparências pode ser. Essa posição vantajosa nos permite interpretar o mundo em termos radicalmente diferentes.

(Harvey, 2013Harvey, D. (2013). Para entender o capital: livro I. São Paulo: Boitempo., pp. 17-18)

O GI, no modo como tem sido pensado, pode propiciar esse caminho dialético, no qual o processo primeiro de produção e análise dos dados representa o descenso, pois parte de uma realidade que a priori se mostra em sua existência imediata, aparente, “tal como é experimentada” pelos sujeitos histórico-sociais, procurando conhecer, por meio de uma “crítica rigorosa” (Harvey, 2013Harvey, D. (2013). Para entender o capital: livro I. São Paulo: Boitempo., p. 17), os conceitos mais simples que são fundamentais para explicar essa realidade. Após a realização do GI, com os resultados iniciais consolidados, os pesquisadores terão a oportunidade de analisar e produzir novos dados, podendo fazer “o caminho de retorno à superfície”, no trajeto de ascenso. Ao partir da materialidade concreta da realidade e do coletivo de sujeitos no GI, os pesquisadores ascendem novamente ao relatório inicial da pesquisa para ressignificá-lo. Esse caminho de ascenso implica a transformação dos próprios participantes da pesquisa, sujeitos e pesquisadores, porque, em um ambiente de pura linguagem, interagem, dialogam, questionam, revisitam suas memórias e seus saberes, tensionam os conflitos e as contradições e produzem conhecimento a partir da compreensão da realidade, elaborando novos significados, que servirão para a produção de renovados sentidos, na pesquisa e fora dela.

O Sujeito 1, na primeira das suas pesquisas aplicando GI, assim descreveu o processo de trabalho que realizou junto aos interlocutores e o sentido do conhecimento ali produzido:

Uma vez que realizei entrevistas, análise e reflexão com interlocutores – professoras dos anos iniciais do ensino fundamental – acerca dos dados analisados, penso ter contribuído, não apenas utilizando materiais para fins acadêmicos, sem haver um retorno aos interlocutores da pesquisa. Ao contrário procurei privilegiar a participação de todas, em todo o processo, dialogando e elaborando os sentidos conjuntamente e, também, sob a forma de grupo de interlocução. Foi uma maneira de redimensionar diferentemente a pesquisa, extraindo-lhe a aparência de ser mero aproveitar-se do discurso da interlocutora e com a pesquisa se beneficiar, sem contribuir e socializar os resultados. Além do mais é um caminho da pesquisa capaz de torná-la atividade que congrega os sujeitos envolvidos, tendo a linguagem como ambiente da produção coletiva dos sentidos e do contínuo redimensionamento da ação, visando a encontrar respostas ao problema.

(Sujeito 1/2006, primeira pesquisa em que aplicou o GI como técnica)

É importante considerar que o espaço e o tempo da interlocução resultam na capacidade de prática social e interação, em que a interlocução se manifesta como processo na análise, produção e sistematização. Prestes (2012)Prestes, Z. R. (2012). Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil. Campinas: Autores Associados., ao analisar o texto O instrumento e o signo no desenvolvimento da criança, da obra de Vigotski, assim se reporta à relação entre a palavra e a ação: “Vigotski diz que as pesquisas que investigam a relação entre a palavra e a ação demonstram que a fala (anteriormente independente da ação) eleva a ação a um estágio superior” (p. 173) e, para reforçar o que diz, cita Vigotski: “Se, no início do desenvolvimento, está o fazer, independentemente da palavra, então no final, está a palavra que se torna o fazer. A palavra que faz as ações do homem livre” (Vigotski, 1984, p. 90 citado por Prestes, 2012Prestes, Z. R. (2012). Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil. Campinas: Autores Associados., p. 173). A leitura de Prestes (2012)Prestes, Z. R. (2012). Quando não é quase a mesma coisa: traduções de Lev Semionovitch Vigotski no Brasil. Campinas: Autores Associados. sobre a relação entre a palavra e ação em Vigotski remete a mediações existentes entre a palavra e a ação dos sujeitos humanos como o centro da dialética. Entende-se, assim, a materialidade do discurso e, ao analisá-lo, produzem-se sentidos sobre como vivem os sujeitos, as manifestações ideológicas que os orientam e sua participação social. Isso acontece porque os discursos explicam e relacionam o social exterior e a historicidade do sujeito. Por serem as palavras a matéria-prima dos discursos e estes não serem individuais, contribuem para formações coletivas que, em si, contêm historicidade, um antes e um depois. A interlocução implica o discurso e este a palavra, e todos são indicativos de como os sujeitos vivem e produzem historicidade. Assim, no GI, esses indicativos se apresentam como discursos, que são analisados como materialidades, na medida em que indicam modos de vida e sentidos históricos. Por esse motivo, pode-se afirmar a dialeticidade do GI e entender como se faz tão significativo na pesquisa em educação, quando se está trabalhando com uma abordagem analítica dos movimentos de sentido.

Os argumentos apresentados nesta seção objetivaram descrever o grupo de interlocução e caracterizá-lo como técnica dialética de produção, análise e sistematização de dados. A seguir, focar-se-á na experiência com essa técnica na comunidade acadêmica, interlocutora dessa pesquisa.

Da “coleta” à produção de dados no grupo de interlocução: o que é e como se tem feito?

Conforme já apontado na introdução, foi elaborado um quadro analítico a partir da produção existente, por meio do qual foi possível compor um estado do conhecimento referente à aplicação do GI nas pesquisas de mestrado e doutorado, entre 2006 e 2017. Esse quadro foi, em seguida, submetido a uma análise e interpretação à luz de artigos e capítulos de livros escritos e publicados por integrantes do grupo que se dedicaram teorizar sobre a técnica, como alternativa metodológica para a pesquisa em educação. Como etapa final, os resultados produzidos na pesquisa documental foram submetidos em um GI realizado com pesquisadores. De forma detalhada, esse percurso está descrito na introdução deste artigo.

Nesta seção, será apresentada uma síntese dos resultados produzidos no percurso da pesquisa, inicialmente dos encontrados na análise das produções da comunidade acadêmica e, em seguida, dos produzidos após sua realização.

Os diferentes sujeitos, autores dos trabalhos com os quais se elaborou o quadro-síntese, declararam que o GI é planejado e realizado de modo que viabilize o diálogo entre os sujeitos. Conforme declararam, foram aplicados recursos audiovisuais para registro da atividade e, em circunstâncias pontuais, os pesquisadores tiveram o suporte de uma pessoa externa, que auxiliou nos registros. Foi informado, ainda, que nos diferentes GIs realizados nem todos os sujeitos entrevistados puderam comparecer (por diferentes motivos de ordem pessoal ou profissional), mas que o GI ocorreu como planejado com os sujeitos presentes.

De acordo com os pesquisadores, logo no início dos encontros, geralmente, os sujeitos participantes se apresentam livremente ou a partir de critérios pré-estabelecidos pelos pesquisadores. Em seguida, os pesquisadores informaram que, para início do processo de interlocução com os sujeitos e entre os sujeitos presentes, eles apresentam as finalidades da pesquisa e os dados já produzidos, com as pré-análises por eles realizadas, problematizando-os para provocar a participação dos sujeitos presentes. Conforme aponta o Sujeito 1/2006, durante o GI realizado com os pesquisadores:

Então, eu apresento meus argumentos aos sujeitos e digo: “Eu pensei isso! O que vocês pensam sobre?” E para mim isso foi tão intenso. Foram dois GIs. Foi tão intenso que eu tive que reescrever os sentidos produzidos previamente, incluindo novos sentidos produzidos no GI.

Entretanto, ao ser provocado pelo Sujeito 4 para esclarecer a forma como fez a abordagem dos sujeitos da sua pesquisa, no GI que realizou, o Sujeito 8, assim declarou:

Sujeito 8 – Porque também esses sujeitos que vão participar do GI, eles não leram o texto na íntegra. Eles receberão um sumário desse texto, uma apresentação sucinta desse texto …

Sujeito 4 – Pelos olhos do pesquisador?!

Sujeito 8 – Pelos olhos do pesquisador; sempre pelo ombro do pesquisador que eles ficarão sabendo …

(Sujeito 4/2014 e Sujeito 8/2017, pesquisa em que aplicou o GI como técnica)

Ainda conforme o Sujeito 2, esse é “um momento de interação entre pesquisador e sujeitos da pesquisa a fim de socializar os resultados do estudo e discutir sobre estes dados e sobre questões que ainda necessitam ser ampliadas” (Sujeito 2/2012, pesquisa em que aplicou o GI como técnica).

Segundo o Sujeito 6, para a construção dos dados da sua tese, o GI “objetivou ser um complemento da pesquisa e serviu para a reflexão sobre os dados construídos a partir das técnicas de observação, entrevista e grupo focal analisados pela pesquisadora” (Sujeito 6/2015, pesquisa em que aplicou o GI como técnica). E complementa: “Assim, pode-se perceber o caráter complementar do GI no processo de produção dos dados” (Sujeito 6/2015, pesquisa em que aplicou o GI como técnica). Outra pesquisadora que desenvolveu a técnica aponta que esta “… se diferencia de outras propostas porque não é um momento de ‘coleta’ de dados, e sim uma maneira sistemática de dar retorno aos participantes, lhes permitindo acompanhar e participar também dos encaminhamentos” (Sujeito 3/2013, pesquisa em que aplicou o GI como técnica).

Quanto à etapa que precedeu a realização do GI na pesquisa que realizou, o Sujeito 2/2012 revelou que, em sua dissertação, o GI foi realizado após a aplicação de questionários com os sujeitos. O Sujeito 6/2015, quanto a sua tese, narrou que, inicialmente, desenvolveu outras técnicas e somente depois realizou o GI, reunindo os participantes dos momentos anteriores. Por sua vez, o Sujeito 7/2016 registrou que trabalhou com diferentes grupos, realizou a técnica do grupo focal e o GI. A partir dos registros no texto da tese, esse sujeito apresentou uma interessante passagem sobre sua experiência: “Esse percurso permitiu evidenciar os (des)encontros dos sentidos resultantes das relações entre a historicidade dos sujeitos”(Sujeito 6/2015, GI com pesquisadores). Ainda que tenham sido esses os caminhos aqui relatados, é muito mais comum, nos registros dos demais pesquisadores, encontrar a anotação de que a realização do GI ocorreu após entrevistas semiestruturadas. Neste trabalho, a produção de dados na primeira etapa para a realização do GI se deu a partir da análise das dissertações e teses produzidas no âmbito da comunidade acadêmica. As diferentes formas de produção de dados na etapa inicial da pesquisa, portanto, não são elementos que impactem diretamente na realização do GI. Observou-se, entretanto, que é fundamental que os pesquisadores estejam dispostos a expor os resultados produzidos na primeira etapa da pesquisa para os seus sujeitos, permitindo o diálogo com todos e entre todos, sobre os achados da pesquisa. Isto posto, reitera-se: de caráter complementar no processo de produção dos dados, o GI denota possuir um caráter transformador da prática, uma vez que influencia na constituição dos novos sentidos e significados que os sujeitos das pesquisas atribuem e sistematizam para si, a partir dos próprios discursos e do outro.

Após as interlocuções ocorridas no GI, o grupo é levado à sistematização dos debates realizados, como forma de construção de sentidos aos significados antes interpretados pelos pesquisadores. Durante o GI realizado com os pesquisadores, ao serem provocados a falarem sobre como os resultados do GI são trazidos para o relatório/ texto final da pesquisa, o Sujeito 8/2017 assim concluiu:

Eu não devo também reescrever tudo o que eu escrevi, mas ressignificar … mantenho aquilo que escrevi, as impressões da primeira entrevista, da primeira interlocução, só que estas foram mais individualizadas. No grupo, surgirão novas questões e, a partir daí, vou olhar para o que escrevi, já com as significações que produzi, e produzir outras, mas ainda novas. Isso, sim, me parece que é o avanço, é uma questão de soma mesmo, de agregar, não de refazer, nem de melhorar, nem de consertar …

(Sujeito 8/2017, GI realizado com pesquisadores)

Em artigo, esses argumentos são corroborados ao abordarem metodologicamente a forma como se concretiza o GI, destacando que os dados produzidos e as análises dos dados, realizadas em uma versão preliminar, são problematizados no GI e “… ocorre o encontro entre os envolvidos na pesquisa com aquilo que foi produzido pelo pesquisador” (Calheiros et al., 2017Calheiros, V., Corrêa, M., Arruda, T. J., & Machado, D. M. (2017). A produção de sentidos nas pesquisas do Grupo Kairós. In L. S. Ferreira, D. L. P. De Toni, C. R. do Nascimento, & A. Vedoin, Da relação entre educação e trabalho ao trabalho pedagógico: possibilidades e desafios (pp. 33-50). Curitiba: Editora CRV., p. 42). Tal afirmação está de acordo com as evidências expressas nas sistematizações de experiências de pesquisas pela comunidade acadêmica. A partir desses elementos, linguagem e ação, as dimensões que partem do individual para o coletivo também são redimensionadas, por meio da interação.

Nas considerações feitas sobre o seu trabalho, o Sujeito 7/2016 aponta o caráter dialético da técnica, ao denominar os encontros e desencontros dos sentidos atribuídos pelos sujeitos interlocutores. Ele parece expressar melhor um dos aspectos dialéticos do GI, pois se refere ao caráter práxico, transformador dessa técnica, uma vez que ela demonstra avançar as finalidades meramente científicas, constituindo assim como uma possibilidade política de mudança nos sujeitos, seus discursos e interações com a própria “pesquisa, com a Educação e com a sociedade em geral” (Amaral, 2012Amaral, C. L. C. (2012). Pertença profissional, trabalho e sindicalização de professores: mediações e contradições nos movimentos do capital. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria., p. 35).

No que se refere a semelhanças e diferenças entre as pesquisas analisadas, as quais precederam os GIs, pode-se destacar: (i) Sujeito 2/2012, no trabalho dissertativo ainda se referia à “coleta de dados”, enquanto, diferentemente, o Sujeito 4/2014 já incorporou na escrita, de maneira justificada, a expressão “produção dos dados”; (ii) considerando a perspectiva da dialética, os trabalhos expressam a relevância do diálogo, da interação e da produção de novos sentidos para os objetos estudados, propiciando o retorno social da pesquisa e possibilitando novas sistematizações no coletivo de sujeitos; e (iii) os trabalhos descrevem de forma semelhante a maneira como os GIs foram realizados, sendo um primeiro momento de apresentação da proposta da pesquisa, seguido da análise prévia dos dados e da retomada de questões relevantes no processo de estudo, havendo finalização do texto com a inclusão das sistematizações no coletivo.

Quanto à análise dos avanços até aqui percebidos com a técnica do GI, pode-se ressaltar que: (i) é notável a evolução do GI como uma técnica de pesquisa, considerando sua consolidação no tempo histórico, com a primeira vivência do Sujeito 1, que originou a técnica no ano de 2006, e retomada contínua em pesquisas concluídas até 2017; (ii) observa-se uma historicidade, em que a escrita sobre o GI vai se aprofundando a cada pesquisa, sendo melhor explicitados os sentidos e significados dessa técnica na perspectiva da dialética; (iii) os pesquisadores, a cada trabalho, parecem burilar as questões relacionadas aos aspectos metodológicos na forma de realização da técnica e modos de produzir as análises dos dados e sistematizações dos estudos.

No que se refere aos desafios, percebeu-se a relevância de envolver a maior parte dos sujeitos que participaram das etapas anteriores, pois nota-se, sempre, uma quantidade menor no GI, do total de participantes das pesquisas, os quais são considerados os protagonistas reais. Além disso, os pesquisadores têm em mente a previsão do tempo da pesquisa de forma organizada, tendo em vista a necessidade de realizar uma análise prévia, que vai ser submetida à discussão no GI e depois será seguida por apontamentos finais, em um ir e vir no texto final. Por fim, cabe ainda apontar para a atenção por parte do pesquisador em relação à forma de registrar os resultados do GI no seu texto final, pois tal processo não pode ocorrer mecanicamente, como uma justaposição de depoimentos de diferentes sujeitos, sendo preciso estar atento ao exercício dialético do processo de retorno ao texto e registro dos novos sentidos produzidos a partir dos inicialmente encontrados.

Assim, o GI é legitimado para muito além de uma técnica de “coleta de dados”, como já foi argumentado anteriormente, pois apresenta-se como “… um momento de problematização e socialização acerca da pesquisa” (Ferreira et al., 2014Ferreira, L. S., Fiorin, B. P. A., Amaral, C. L. C., Maraschin, M. S. (2014). Grupos de interlocução como técnica de produção e sistematização na pesquisa em educação. Revista Diálogo Educacional, 14(41), 191-209., p. 206). Vale destacar que as experiências com essa técnica reforçam a ideia de ressignificação dos modos de produzir conhecimento em educação, rompendo com simplificações, redutivismos ou meras cogitações que não se fundamentam no cotidiano e nos discursos dos sujeitos que vivenciam a educação. Nessa perspectiva, o instrumento pode ser compreendido como um elemento complementar, apropriado ao processo de produção e sistematização dialética na pesquisa em educação (Ferreira et al., 2014Ferreira, L. S., Fiorin, B. P. A., Amaral, C. L. C., Maraschin, M. S. (2014). Grupos de interlocução como técnica de produção e sistematização na pesquisa em educação. Revista Diálogo Educacional, 14(41), 191-209.), em um processo vivo, dinâmico em que se constituem as interlocuções, novas intervenções se revelam e outras evidências são reforçadas, esclarecendo e ampliando as questões abordadas nas pesquisas. Portanto, entende-se que, ao apreender a perspectiva da dialética, os dados são produzidos, construídos no decorrer do estudo, uma vez que as informações sobre os fatos e fenômenos não são simplesmente retiradas ou extraídas do contexto em que se pesquisa, mas se constituem entre os sujeitos histórico-sociais, a partir da produção da própria existência, por meio da linguagem. Isso significa compreender a concreticidade dos fenômenos em seus aspectos diferenciados, sem deixar de perceber a totalidade do objeto pesquisado e as contradições que formam a sociedade (Calheiros et al., 2017Calheiros, V., Corrêa, M., Arruda, T. J., & Machado, D. M. (2017). A produção de sentidos nas pesquisas do Grupo Kairós. In L. S. Ferreira, D. L. P. De Toni, C. R. do Nascimento, & A. Vedoin, Da relação entre educação e trabalho ao trabalho pedagógico: possibilidades e desafios (pp. 33-50). Curitiba: Editora CRV.).

Conclusões provisórias

O que seria do ato de escrever sem a interlocução? Mesmo estando por vezes imerso no espaço acadêmico, o trabalhador intelectual – o pesquisador – se percebe solitário, confuso entre ideias, pensamentos que se constituem na palavra, na fala dita ou silenciada, no rico processo de comunicação entre sujeitos sociais, que se apresentam no encontro físico para os diálogos ou na distância, mediados pela leitura do que já foi escrito. O tempo e o espaço se tornam palco da história dos seres humanos em sociedade, sob uma trama de contradições, e cabe e vale a pesquisa em educação apreender tal movimento, em sua dialeticidade. Por isso, os sentidos sobre GI que se revelam neste texto são as compreensões elaboradas até o momento, com a contribuição das sistematizações construídas individual e coletivamente, portanto sentidos ainda provisórios no caminho de novas significações.

Contudo, reitera-se a relevância da referida técnica para as pesquisas em educação. Há de se considerar a necessidade de seguir promovendo interlocuções entre os sujeitos histórico-sociais, para que se possa provocar a reflexão, a problematização, de modo a elaborar novos sentidos e conceitos relacionados às ações instrumentais na produção de dados da e para a pesquisa científica em educação, sob fundamentos teóricos e metodológicos condizentes com a humanização do trabalho, ou seja, a humanização da vida, da existência dos sujeitos e suas realidades de formas não alienantes. O trabalho do pesquisador (na sua dimensão intelectual) não pode sonegar essa materialidade histórica; ao contrário, precisa estar consciente de maneira a enfrentar as indagações relativas às condições e relações materiais dos seres humanos no mundo. Por isso, é valioso pensar o trabalho intelectual como o ponto de partida e chegada da práxis, transformadora de sujeitos e realidades concretas. Esse caráter pedagógico, de natureza dialética, se relaciona intimamente com o significado da interlocução entre os sujeitos, logo com a dinâmica pensada a partir dos grupos de interlocução.

Após esse exercício metalinguístico que envolveu análise documental, realização de GI para aprofundar o conhecimento sobre essa técnica de produção, análise e sistematização de dados na pesquisa em educação a partir da abordagem analítica dos movimentos de sentido, pensa-se ter contribuído para: (i) explicitar a dialeticidade na produção de GI; (ii) induzir a refletir sobre a necessidade, na pesquisa em educação, de descrição acurada dos aspectos metodológicos; (iii) relacionar as perspectivas teórica e prática em uma práxis de pesquisa; (iv) apresentar uma técnica que analise os dados de modo dialógico; (v) contribuir para a divulgação dessa técnica que tem se mostrado como práxica, sobretudo porque possibilita aos interlocutores e pesquisadores produzirem sentidos juntos em um processo interativo de pensar sobre os fenômenos educacionais. Desse modo, pensa-se ter atingido o objetivo central dessa proposta, qual seja, contribuir para o aprofundamento teórico-metodológico sobre grupo de interlocução e, em paralelo, para a pesquisa em educação.

  • 1
    Texto produzido a partir de projeto desenvolvido com financiamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (Processo 306603/2019-5), da Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) (Processo 18/2551-0000550-9).
  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Lucas Giron (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
  • 3
    Sistematização na perspectiva de ser produção do conhecimento. “Sistematizar somente é possível a partir de estudo. E toda sistematização encerra um sentido e projeta a necessidade de outros, em um movimento, essencialmente dialético, com vistas à compreensão dos sentidos como evidências dos sujeitos” (Ferreira, 2016Ferreira, L. S. (2016). “Ser” ou “não ser” professora/professor? Eis uma questão em busca de respostas”. Educar em Revista, (59), 175-192., p. 179).
  • 4
    Os grupos de pesquisa são experiências de interlocução nos quais um grande desafio se apresenta. O desafio da sistematização e teorização de experiências, o do afastamento das ações diretamente realizadas … o desafio de sistematizar relatos de prática, teorizando-os sem os congelar e sem deles retirar a riqueza do vivido (Werle, 2012Werle, F. (2012). Pós-graduação e suas interlocuções com a educação básica. Educação, 35(3), 424-433. Recuperado de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/faced/article/viewFile/11939/8400
    http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/...
    , p. 432).
  • 5
    Trata-se de uma abordagem teórica desenvolvida comunidade acadêmica que protagonizou esse estudo, que tem o discurso como centralidade, entendido como materialidade possível de ser analisada em suas contradições, movimentos, sentidos, indicando por meio destes suas características, que podem sintetizadas sob a forma de categorias.
  • 6
    Diferencia-se pesquisa e estudo. Aquela diz respeito somente à produção e análise de dados. O estudo, pelo que se entende, inclui a pesquisa e vai além, analisando não somente os dados produzidos, mas as condições de produção, os sujeitos interlocutores e as produções de outros autores, na comunidade acadêmica.
  • 7
    a) A partir dos dados produzidos previamente, retorna-se ao GI e, no seu retorno aos sujeitos, o que ocorreu?; b) Como aconteceu a sistematização dos dados após eles terem sido ressignificados no GI?; c) Quais as relações/ contribuições desta técnica para no movimento dialético da pesquisa em educação?; d) Nela, como se explicitam as categorias: historicidade, contradição e a totalidade?; e) A técnica oportuniza maiores possibilidades/ condições de se realizar a práxis?
  • 8
    É ressaltado que os(as) participantes do GI estão nomeados neste trabalho como sujeitos, seguidos do número, conforme a ordem em que defenderam/ publicaram os seus trabalhos.
  • 9
    Esta consideração parte do pressuposto teórico-metodológico orientado pela crença de que a linguagem, sob a forma de discurso, é entendida como a própria materialidade da consciência dos sujeitos, produzida histórica e socialmente.
  • 10
    A partir daqui, produção de dados. Nas pesquisas, avançou em relação à compreensão das expressões “coleta de dados” e “produção de dados”. Com argumentos alinhados à perspectiva dialética, a comunidade acadêmica entrevistada decidiu, a partir de 2008, pela substituição da primeira pela segunda. Isso afeta a maneira como o pesquisador reconhece sujeitos e conhecimentos como históricos que, em interação, (re)significam a totalidade. A expressão “produção de dados” se constitui e se legitima ao se compreender sujeito e conhecimento “não como algo estanque dado à coleta, mas sim os sujeitos como ativos e concretizados a partir da práxis que constitui, por conseguinte, o conhecimento” (CALHEIROS et al., 2017Calheiros, V., Corrêa, M., Arruda, T. J., & Machado, D. M. (2017). A produção de sentidos nas pesquisas do Grupo Kairós. In L. S. Ferreira, D. L. P. De Toni, C. R. do Nascimento, & A. Vedoin, Da relação entre educação e trabalho ao trabalho pedagógico: possibilidades e desafios (pp. 33-50). Curitiba: Editora CRV., p. 45).
  • 11
    O termo práxis, referenciado no decorrer do texto, está relacionado à obra de Vázquez (1977)Vázquez, A. S. (1977). Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra.. Portanto, práxis é um conceito central, o qual designa “a atividade consciente objetiva … não só como interpretação do mundo, mas também como elemento do processo de sua transformação ...”. (Vázquez, 1977Vázquez, A. S. (1977). Filosofia da práxis. Rio de Janeiro: Paz e Terra., p. 30)
  • 12
    Considerando os estudos de Costas e Ferreira (2011)Costas, F. A. T., & Ferreira, L. S. (2011). Sentido, significado e mediação em Vygotsky para a constituição do processo de leitura. Revista Iberoamericana de Educación, (55), 205-223, a partir da premissa de que os sujeitos humanos “são situados e construídos historicamente meio da linguagem” (p. 208), em que a fala é fundamental para a organização do pensamento, a interação se torna uma condição para o desenvolvimento humano. A partir desses apontamentos, as autoras desenvolvem importantes considerações conceituais que diferenciam os termos significados de sentidos, a saber: o primeiro “é a estabilização de ideias por um determinado grupo. Estas ideias são utilizadas na constituição do sentido” (p. 214), a palavra confere movimento dialético entre pensamento e linguagem, na relação com o contexto sociocultural; por sua vez, “Os sentidos são elaborações ainda inconstantes que buscam estabilizar-se”, portanto têm caráter provisório, “mudará sempre que mudarem os interlocutores, os eventos” (p. 216).

Referências

  • Amaral, C. L. C. (2012). Pertença profissional, trabalho e sindicalização de professores: mediações e contradições nos movimentos do capital Tese de Doutorado, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria.
  • Calheiros, V., Corrêa, M., Arruda, T. J., & Machado, D. M. (2017). A produção de sentidos nas pesquisas do Grupo Kairós. In L. S. Ferreira, D. L. P. De Toni, C. R. do Nascimento, & A. Vedoin, Da relação entre educação e trabalho ao trabalho pedagógico: possibilidades e desafios (pp. 33-50). Curitiba: Editora CRV.
  • Cezar, T. T. (2014). Um estudo sobre o trabalho das pedagogas no Instituto Federal Farroupilha: historicidades, institucionalidades e movimentos Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria.
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Out 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    22 Mar 2019
  • Revisado
    22 Jul 2019
  • Aceito
    20 Set 2019
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