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O público e o privado na educação superior: uma contribuição para a revisão de conceitos1 1 Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Andressa Picosque (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br

Resumo

No âmbito da educação superior, o debate acerca do caráter público ou privado das instituições e seus serviços tem adquirido grande relevância. Termos como “bem público”, “bem privado” e “esfera pública”, entre outros, passaram a compor essas discussões. Mas o que de fato é público e o que de fato é privado na educação superior? Com o objetivo de contribuir para a construção de respostas a essas questões, neste trabalho buscamos reforçar a sustentação teórica de que a educação superior não é pública ou privada, bem como demonstrar, por meio de sistematização, que a realidade empírica da educação superior adere a tal proposição. Evidenciamos, desta forma, que se faz necessário revisar conceitos sobre público e privado na educação superior, de modo a superar, com isso, tendências de enviesamento ideológico.

Palavras-chave
educação superior; bens públicos; bens privados; esfera pública

Abstract

In the environment of higher education, the debate about the public or private character of the institutions and their services has become relevant. The use of the words such as “public good”, “private good” and “public sphere”, among others, has started to become part of the debates in the field. However, what is in fact public and what is in fact private in higher education? Aiming to contribute to answer these questions, this article tries to reinforce the theoretical argument that higher education is not public or private, as well as to demonstrate through systematization that empirical reality of higher education complies with this proposition. Thus, we have shown that a revision of concepts on what is public and private in higher education is necessary, in order to overcome ideological bias tendencies.

Keywords
higher education; public goods; private goods; public sphere

Introdução

Nas últimas décadas, fenômenos em escala mundial têm impactado de forma significativa a educação superior. De acordo com Altbach (2016)Altbach, P. G. (2016). Global perspectives on higher education. Baltimore: The Johns Hopkins University Press., as forças gêmeas da massificação dos sistemas nacionais e da globalização da economia do conhecimento impulsionam transformações sem precedentes em quase todo o mundo. Nesse contexto, governos de todos os espectros ideológicos têm implantado políticas de expansão dos sistemas. De acordo com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), nos últimos 15 anos a quantidade de matrículas nos cursos de graduação dobrou no mundo todo, chegando aos atuais 200 milhões (Unesco, 2017United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization. (2017). Policy Paper 30: six ways to ensure higher education leaves no one behind. Paris: Unesco.).

O comunicado final da segunda Conferência Mundial sobre Educação Superior, ocorrida em 2009, sintetizou a relevância para o momento atual: “Nunca na história foi tão importante investir na educação superior como força maior na construção de uma sociedade inclusiva e de conhecimento diversificado, além de avançar em pesquisa, inovação e criatividade”3 3 No original: “At no time in history has it been more important to invest in higher education as a major force in building an inclusive and diverse knowledge society and to advance research, innovation and creativity”. As traduções desta e das demais citações em língua estrangeira são nossas. (Unesco, 2010, p. 1). Atualmente, o conhecimento vem substituindo o capital físico, que foi o principal fator determinante para a organização da produção no século XX, se tornando a principal fonte de criação de riqueza, ou seja, o conhecimento está se constituindo no “insumo” mais relevante para o crescimento econômico em longo prazo.

Nesse contexto quase revolucionário, o ensino e a pesquisa passaram a desempenhar um papel ainda mais decisivo em diversas dimensões, fazendo com que as organizações acadêmicas e, em especial, as universidades, assumam maior responsabilidade na sustentação e indução do desenvolvimento. Segundo Slaughter e Rhoades (2004)Slaughter, S., & Rhoades, G. (2004). Academic capitalism and the new economy: markets, state, and higher education. Baltimore: The Johns Hopkins University Press., na passagem de uma economia industrial para uma economia assentada no conhecimento, as universidades são demandadas a transitar de um regime de produção pautado no bem público para o que denominam de “regime do capitalismo acadêmico”, o qual requer das próprias instituições e seus sujeitos um comportamento e empenho pró-mercado.

O novo cenário que se coloca traz consigo certa descrença acerca das configurações, estruturas e condições das atuais instituições de educação superior, acompanhada de uma espécie de perda de identidade (Collini, 2012Collini, S. (2012). What are universities for? London: Penguin Books.). Por um lado, questiona-se se os modelos tradicionais são capazes de responder à necessidade emergente de uma universidade porosa às demandas do contexto externo, capaz de responder com agilidade aos desafios do mundo prático e de inovar no fornecimento de tecnologias aos setores produtivos (Etzkowitz, Webster, Gebhardt, & Terra, 2000Etzkowitz, H., Webster, A., Gebhardt, C., & Terra, B. R. C. (2000). The future of the university and the university of the future: evolution of ivory tower to entrepreneurial paradigm. Research Policy, 29(2), 313-330. doi:10.1016/S0048-7333(99)00069-4
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). De outro, indaga-se se os recentes modelos institucionais caracterizados por aproximação com o mercado têm condições de dar conta das exigências da economia do conhecimento e, ao mesmo tempo, preservar os padrões acadêmicos para o bem público, tais como a pesquisa desinteressada, a colegialidade e a autonomia (Kezar, Chambers, & Burkhardt, 2015Kezar, A. J., Chambers, A. C., & Burkhardt, J. C. (Eds.). (2015). Higher education for the public good: emerging voices from a national movement. New Jersey: John Wiley & Sons.). Em síntese, ao mesmo tempo que são cobradas para manterem valores tradicionais, as instituições também são convocadas a ter mais agilidade, capacidade de inovação e articulação com os mercados.

Por conseguinte, emergem questões como: qual é o modelo de instituição ideal para dar conta das mudanças em curso? Quem deve prover e financiar a educação superior? Quais são os limites do financiamento estatal? Até que ponto este nível de ensino deve ser submetido às leis de mercado? Isto é, ganham relevância interrogações que têm como pano de fundo a temática do público e do privado na educação superior. A literatura tem evidenciado, porém, uma realidade em que as fronteiras entre ambos os termos são cada vez menos nítidas (Jongbloed, 2015Jongbloed, B. (2015). Universities as hybrid organizations: trends, drivers, and challenges for the European university. International Studies of Management & Organization, 45(3), 207-225. doi:10.1080/00208825.2015.1006027
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; Marginson, 2007Marginson, S. (2007). The public/private divide in higher education: a global revision. Higher Education, 53(3), 307-333. doi:10.1007/s10734-005-8230-y
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, 2011Marginson, S. (2011). Higher education and public good. Higher Education Quarterly, 65(4), 411-433. doi:10.1111/j.1468-2273.2011.00496.x
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; Slaughter & Rhoades, 2004Slaughter, S., & Rhoades, G. (2004). Academic capitalism and the new economy: markets, state, and higher education. Baltimore: The Johns Hopkins University Press.).

“Público” e “privado” são termos que compõem um binômio que, de tão naturalizados no domínio do cotidiano, não costumam ter seu significado submetido a exame. São categorias que tendem a ser invocadas de forma generalizada nos distintos âmbitos da vida e, muitas vezes, reduzidas à dicotomia Estado (o público) e mercado (o privado). A recorrência desta associação, bem como seus limites, já foi apontada por autores como Perry e Rainey (1988)Perry, J. L., & Rainey, H. G. (1988). The public-private distinction in organization theory: a critique and research strategy. Academy of Management Review, 13(2), 182-201. doi:10.2307/258571
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, em seu estudo sobre as organizações, e por Weintraub (1997)Weintraub, J. (1997). The theory and politics of the public/private distinction. In J. Weintraub, & K. Kumar. (Eds.), Public and private in thought and practice (pp. 1-42). Chicago: University of Chicago Press., que reconstrói teoricamente os diferentes conceitos de público e privado.

Mas, afinal, no âmbito da educação superior, será que público é sinônimo de estatal? Nesse caso, seria a propriedade legal um critério suficiente para determinar a natureza pública (ou não) de uma instituição? Num olhar dicotômico, que lugar ocupariam as instituições de propriedade privada, mas sem fins lucrativos?

Se na área da economia as respostas a esses questionamentos podem ser mais fáceis, no campo da educação, em especial a superior, a desconstrução de generalizações requer, de um lado, a apropriação de conceitos da própria economia e, de outro, uma problematização a partir de concepções políticas sobre o público e o privado, cuja origem se encontra em áreas do saber como a filosofia ou a sociologia. Exemplos da necessidade de tal desconstrução são abundantes na realidade brasileira, de tal modo que o critério da propriedade é utilizado como determinante do caráter público ou privado de instituições, tanto nas classificações do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2018Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira. (2018). Sinopses estatísticas da educação superior 2017. Brasília, DF: Inep. Recuperado de http://portal.inep.gov.br/web/guest/sinopses-estatisticas-da-educacao-superior
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), do Ministério da Educação, como na produção acadêmica (Durham, 2003Durham, E. R. (2003). O ensino superior no Brasil: público e privado. São Paulo: Nupes-USP.; Lucas & Lehrer, 2001Lucas, L. C. G., & Leher, R. (2001). Aonde vai a educação pública brasileira? Educação e Sociedade, 22(77), 255-266.).

A popular e tradicional associação a priori do público com o estatal e do privado com o mercantil é uma simplificação que pode levar a uma espécie de “cegueira teórica”, impedindo o reconhecimento de uma realidade observável no âmbito empírico. Logo, buscar respostas para as questões colocadas requer um movimento de estranhamento e, pode-se dizer, um exercício de despojamento de pré-concepções arraigadas no imaginário das pessoas.

Nesse sentido, com base na teoria de autores como Norberto Bobbio, Jürgen Habermas, Hannah Arendt, John Dewey e Simon Marginson, revisamos e analisamos os entendimentos de público e privado na educação superior, bem como evidenciamos tais entendimentos na realidade empírica, jogando luz sobre características que não estão dadas de antemão e que contemplam perspectivas econômicas e políticas sobre o tema. Com isso, buscamos sustentar argumentativamente a necessidade de uma revisão de conceitos sobre o público e o privado na educação superior.

O quadro geral da distinção público-privado

Na linguagem contemporânea, a palavra “público” pode significar muitas coisas diferentes. Quando se referem a espaços físicos, como praças e parques das cidades, as pessoas estão falando de público como algo aberto a todos e de compartilhamento comum. Quando, porém, diferenciam preocupações públicas das privadas, as pessoas estão identificando as primeiras como questões de interesse de todos os membros de uma comunidade política, geralmente com alguma relação com as instituições governamentais. As ações do Estado ou de governantes também são comumente designadas como públicas, independentemente do nível de transparência dessas ações. Ainda, o termo “público” pode ser empregado como uma categoria social, num sentido relativamente restrito, para descrever todos aqueles que estão participando de um evento ou formas de expressão, ou, num sentido mais geral, para caracterizar o coletivo de cidadãos, bem como para descrever o conjunto de visões individuais que surgem num setor da sociedade na forma de “opinião pública” (Gripsrud, Moe, Molander, & Murdock, 2010Gripsrud, J., Moe, H., Molander, A., & Murdock G. (2010). Editors’ introduction. In J. Gripsrud, H. Moe, A. Molander, & G. Murdock (Eds.), The idea of the public sphere: a reader (pp. xiii-xxviii). Lanham: Lexington Books.). Portanto, não há dúvida de que o termo “público” é polissêmico e pode ser classificado como portador de certa subjetividade.

Por conseguinte, também são variadas as interpretações existentes a respeito da relação público-privado, a depender do sentido que se pretende abordar e da perspectiva a partir da qual se propõe estabelecer uma distinção (Aboim, 2012Aboim, S. (2012). Do público e do privado: uma perspectiva de género sobre uma dicotomia moderna. Estudos Feministas, 20(1), 95-117. doi:10.1590/S0104-026X2012000100006
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; Perry & Rainey, 1988Perry, J. L., & Rainey, H. G. (1988). The public-private distinction in organization theory: a critique and research strategy. Academy of Management Review, 13(2), 182-201. doi:10.2307/258571
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; Weintraub, 1997Weintraub, J. (1997). The theory and politics of the public/private distinction. In J. Weintraub, & K. Kumar. (Eds.), Public and private in thought and practice (pp. 1-42). Chicago: University of Chicago Press.). Segundo Weintraub (1997, p. 4)Weintraub, J. (1997). The theory and politics of the public/private distinction. In J. Weintraub, & K. Kumar. (Eds.), Public and private in thought and practice (pp. 1-42). Chicago: University of Chicago Press., “para entender o que ‘público’ ou ‘privado’ significam dentro de um dado enquadramento, é preciso saber o que está sendo contrastado (explícita ou implicitamente) e em que base o contraste está sendo desenhado”.4 4 No original: “To understand what either ‘public’ or ‘private’ mean within a given framework, we need to know what is being contrasted (explicitly or implicitly) and on what basis the contrast is being drawn”.

Apesar de serem inúmeras as formas de se conceber e combinar público e privado, o que faz dessa distinção algo que não é banal, algumas das principais perspectivas conceituais advêm da mesma raiz histórica, a Antiguidade clássica, da qual se originam dois modelos básicos de público. Um deles advém do

Império Romano, do qual nós tomamos a noção de soberania: de um aparato centralizado, unificado e onipotente de regras que repousa sobre a sociedade e a governa através da promulgação e administração das leis. O poder “público” das regras de soberania sobre e em princípio em favor de uma sociedade de indivíduos “privados” e politicamente passivos que são portadores de direitos concedidos a eles e garantidos pela soberania.5 5 No original: “Roman Empire, from which we get the notion of sovereignty: of a centralized, unified, and omnipotent apparatus of rule which stand above the society and governs it through the enactment and administration of laws. The ‘public’ power of sovereign rules over, and in principle on behalf of, a society of ‘private’ and politically passive individuals who are bearers of rights granted to them and guaranteed by the sovereign”.

(Weintraub, 1997Weintraub, J. (1997). The theory and politics of the public/private distinction. In J. Weintraub, & K. Kumar. (Eds.), Public and private in thought and practice (pp. 1-42). Chicago: University of Chicago Press., p. 11)

O outro tem como fundamento a “polis ou república (res publica, literalmente ‘coisa pública’) autogovernada [da Grécia], da qual nós herdamos uma noção de política como cidadania, na qual os indivíduos, qualificados como cidadãos, participam de um contínuo processo de autodeterminação coletiva e consciente”6 6 No original: “self-governing polis or republic (res publica, literally ‘public thing’), from which we inherit a notion of politics as citizenship, in their capacity as citizens, participate in an ongoing process of conscious collective self-determination”. (Weintraub, 1997Weintraub, J. (1997). The theory and politics of the public/private distinction. In J. Weintraub, & K. Kumar. (Eds.), Public and private in thought and practice (pp. 1-42). Chicago: University of Chicago Press., p. 11, grifo do autor).

Nessa categorização de Weintarub (1997), duas importantes perspectivas podem ser depreendidas, associadas à raiz histórica anteriormente indicada, sendo a primeira delas de origem econômica e a outra de origem política.

A perspectiva de origem econômica

Norberto Bobbio (1986)Bobbio, N. (1986). Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra. aborda aquilo que chama de “a grande dicotomia”, isto é, a dicotomia entre direito público e direito privado. Relacionada à ideia de propriedade, ela “reflete a situação de um grupo social no qual já ocorreu a diferenciação entre aquilo que pertence ao grupo enquanto tal, à coletividade, e aquilo que pertence aos membros singulares” (p. 14). Nesse sentido, o que diz respeito à coletividade está circunscrito ao âmbito do direito público, enquanto o que diz respeito aos membros singulares é afeito ao direito privado.

A grande dicotomia se duplica em outras, como aquela que trata da relação entre uma sociedade de iguais e uma sociedade de desiguais. Dentro dela, o Estado (que equivale à instância pública) é o lugar das relações entre desiguais, já que são relações entre soberano e súditos, entre governantes e governados, isto é, entre sujeitos assimetricamente relacionados. No lado oposto está a sociedade natural dos jusnaturalistas, ou a sociedade de mercado dos economistas, que diz respeito a uma esfera privada, em que se dão as relações entre os iguais, ao menos no sentido formal do termo – por mais que no campo econômico as relações sejam entre desiguais sob a perspectiva da divisão do trabalho, elas são consideradas como entre iguais no aspecto formal do mercado (Bobbio, 1986Bobbio, N. (1986). Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra.).

Isto remete à formulação da relação público-privado a partir da perspectiva moldada pelo viés da economia política, na qual a distinção entre os termos estudados se configura em uma distinção entre política e economia, em que respectivamente se dão as relações entre os desiguais (esfera política) e os iguais (economia). Assim, conforme Bobbio (1986)Bobbio, N. (1986). Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra., na base da distinção entre a esfera econômica (o mercado) e a esfera política (o Estado) “reaparece a antiga distinção entre a singulorum utilitas e o status rei publicae, com a qual aparecera pela primeira vez a distinção entre a esfera do privado e a do público” (p. 17). Aqui, enquanto o direito público está afeito à coletividade e representado pelo Estado, o direito privado diz respeito à sociedade econômica, ou ao estado de natureza, segundo os jusnaturalistas.

Identifica-se, nesta compreensão econômica, o primado do privado sobre o público. Isso advém da naturalização do direito privado pelos romanos, lugar posteriormente ocupado pela economia clássica. Bobbio (1986, p. 21)Bobbio, N. (1986). Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra. esclarece, assim, que o direito privado romano, amplamente difundido no Ocidente, “adquire o valor de direito da razão, isto é, de um direito cuja validade passa a ser reconhecida independentemente das circunstâncias de tempo e de lugar de onde se originou e está fundada sobre a ‘natureza das coisas’”, um processo que mais tarde vai se dar com a economia clássica, que “será considerada como a única economia possível porque descobre, reflete e descreve relações naturais”.

Na base deste processo se encontra a proposição de John Locke, teórico do liberalismo clássico que toma a propriedade como um direito natural e, assim, inviolável, cabendo ao Estado garantir o seu livre usufruto (Bobbio, 1986Bobbio, N. (1986). Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra.). Dessa ideia fundante decorre a reivindicação pela manutenção do Estado em seu mínimo, na qual se destaca a obra de Adam Smith (2003)Smith, A. (2003). A riqueza das nações. São Paulo: Martins Fontes., escrita ainda no século XVIII. Nela, o autor argumenta que o crescimento econômico resulta da ação dos indivíduos e que, portanto, a iniciativa privada deve ser deixada para agir livre da (ou com pouca) intervenção do Estado.

O debate sobre os bens públicos e privados, encontrado posteriormente na economia neoclássica (Samuelson, 1954Samuelson, P. A. (1954). The pure theory of public expenditure. The Review of Economics and Statistics, 36(4), 387-389. doi:10.2307/1925895
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), trata da ideia de que o Estado deve intervir na medida em que cabe a este superar as falhas de mercado a que a provisão de certos bens está sujeita. Quando o mercado não alcança a eficiência necessária na oferta de algum bem, este deve ser ofertado pelo Estado, o que significa sua provisão pública. Então o público, nessa perspectiva, diz respeito à oferta de bens pela via do Estado, o que, como se vê, ocupa um papel secundário e subsidiário, já que a primazia da oferta é do mercado (nesse caso, entendido como o privado). Os bens públicos são, então, bens sujeitos a falhas de mercado e que, por essa razão, demandam intervenção estatal para a sua provisão.

Nessa concepção, como explicam Kaul, Grunberg e Stern (1999aKaul, I., Grunberg, I., & Stern, M. A. (1999a). Defining global public goods. In I. Kaul, I. Grunberg, & M. A. Stern (Ed.), Global public goods: international cooperation in the 21st century (pp. 2-19). New York: Oxford University Press., 1999b)Kaul, I., Grunberg, I., & Stern, M. A. (1999b). Introduction. In I. Kaul, I. Grunberg, & M. A. Stern (Eds.), Global public goods: international cooperation in the 21st century (pp. xix-xxxviii). New York: Oxford University Press., o mercado é reconhecido como a melhor forma de produzir bens privados – que são aqueles comprados e vendidos em comércios, tais como sapatos, arroz e brinquedos. Mas há bens que o mercado não pode prover sozinho, os quais fazem parte do conjunto dos chamados bens públicos. Os autores explicam:

Bens públicos são reconhecidos como tendo benefícios que não podem facilmente ser confinados a um único “comprador” (ou um conjunto de “compradores”). Mas uma vez que eles sejam providos, muitos podem aproveitá-los gratuitamente. Nomes de ruas são um exemplo. Um ambiente limpo é outro. Sem um mecanismo de ação coletiva, estes bens podem ser subproduzidos.7 7 No original: “Public goods are recognized as having benefits that cannot easily be confined to a single ‘buyer’ (or set of “buyers”). Yet once they are provided, many can enjoy them for free. Street names are an example. A clean environment is another. Without a mechanism for collective action, these goods can be underproduced”.

(Kaul et al., 1999bKaul, I., Grunberg, I., & Stern, M. A. (1999b). Introduction. In I. Kaul, I. Grunberg, & M. A. Stern (Eds.), Global public goods: international cooperation in the 21st century (pp. xix-xxxviii). New York: Oxford University Press., p. xx)

Assim, os bens públicos têm, conforme Samuelson (1954)Samuelson, P. A. (1954). The pure theory of public expenditure. The Review of Economics and Statistics, 36(4), 387-389. doi:10.2307/1925895
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, duas características fundantes: a não disputabilidade (nonrivalry) no consumo e a não excludabilidade (nonexcludability) na demanda. Por “não disputabilidade” entende-se que o bem ou serviço pode ser consumido por qualquer quantidade de pessoas sem se esgotar, sendo então de oferta ilimitada, como é o caso do conhecimento de um teorema matemático, por exemplo. Já a não excludabilidade é caracterizada pela ideia de que o bem não pode ser restrito a alguns poucos compradores individuais, sendo que a sua demanda pode ser ilimitada e, assim, todos podem consumi-lo, como é o caso da tolerância social ou de softwares livres, por exemplo (Marginson, 2006Marginson, S. (2006). Putting ‘public’ back into the public university. Thesis Eleven, 84(1), 44-59. doi:10.1177/0725513606060519
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).

Uma noção importante para compreender bens públicos e privados é a de externalidades – subprodutos gerados na provisão de um bem, podendo ser positivas ou negativas. Kaul et al. (1999aKaul, I., Grunberg, I., & Stern, M. A. (1999a). Defining global public goods. In I. Kaul, I. Grunberg, & M. A. Stern (Ed.), Global public goods: international cooperation in the 21st century (pp. 2-19). New York: Oxford University Press., 1999b)Kaul, I., Grunberg, I., & Stern, M. A. (1999b). Introduction. In I. Kaul, I. Grunberg, & M. A. Stern (Eds.), Global public goods: international cooperation in the 21st century (pp. xix-xxxviii). New York: Oxford University Press. exemplificam, nesse sentido, que a educação das mulheres gera benefícios adicionais, como a redução do número de filhos por casal, o que é uma externalidade positiva. Por outro lado, liberar produtos poluentes em um rio pode ameaçar a humanidade, sendo uma externalidade negativa. Trazendo o caso do acesso à educação, sublinham que, para além dos inquestionáveis ganhos individuais em termos de ampliação de renda que um sujeito passa a ter em decorrência de seus anos de estudo (bens privados), há ganhos adicionais que superam a esfera individual – esses ganhos são as externalidades positivas.

A perspectiva de origem política

Esta, por sua vez, é definida em torno da cidadania republicana e, assim, a relação público-privado é associada às questões de democracia e cidadania, superando a associação ao Estado. Segundo Bobbio (1986)Bobbio, N. (1986). Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. Rio de Janeiro: Paz e Terra., público está relacionado com o que é comum, o que é manifesto, aberto ao público, e o privado com o individual/pessoal, com o que se faz em segredo.

O leque de concepções teóricas que informam este segundo modelo é bastante amplo. Toma-se aqui, como ponto de partida, a concepção desenvolvida por Hannah Arendt (2007)Arendt, H. (2007). A condição humana (10a ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária., para quem “público” denota dois fenômenos associados. Em um deles o público está relacionado à ideia de acessibilidade, de acesso público. No outro, “público” refere-se ao mundo comum, isto é, ao “próprio mundo, na medida em que é comum a todos nós e diferente do lugar que nos cabe dentro dele” (p. 62). A distinção entre as esferas pública e privada, em Arendt (2007)Arendt, H. (2007). A condição humana (10a ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária., “equivale à diferença entre o que deve ser exibido e o que deve ser ocultado” (p. 82). O privado também se associa à ideia de privação, o que acontece quando há a perda do espaço público.

Arendt (2007)Arendt, H. (2007). A condição humana (10a ed.). Rio de Janeiro: Forense Universitária. sinaliza que, na modernidade, emergiu a esfera social, o que acabou por comprometer a diferenciação entre público e privado. Isto porque, para ela, a ascensão do social coincide com a transformação das questões ligadas às necessidades privadas – entre as quais a propriedade privada – em uma preocupação pública. Dessa transformação decorre o risco de a política focar as necessidades e interesses privados, no lugar do bem público.

Analisando isso, Jürgen Habermas (1995)Habermas, J. (1995). Três modelos normativos de democracia. Lua Nova, (36), 39-53. doi:10.1590/S0102-64451995000200003
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diagnostica que, diante de um processo de despolitização dos espaços públicos, o Estado passa a ganhar vida autônoma. Para o autor, “seria preciso revitalizar a esfera da opinião pública até o ponto em que uma cidadania regenerada pudesse (re)apropriar-se, na forma da autogestão descentralizada, do poder burocraticamente autonomizado do Estado” (Habermas, 1995Habermas, J. (1995). Três modelos normativos de democracia. Lua Nova, (36), 39-53. doi:10.1590/S0102-64451995000200003
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, p. 46).

Habermas é o teórico da esfera pública, âmbito da vida em que se forma a opinião pública, cujo acesso é aberto a todos. Os membros dessa esfera são os cidadãos, que “se comportam como público à medida que, espontaneamente, ou seja, sob a garantia de poderem reunir-se, associar-se, expressar e publicar suas opiniões livremente, discutem sobre questões de interesse comum” (Habermas, 2012Habermas, J. (2012). Espaço público (um verbete de enciclopédia). Problemata, 3(2), 218-227. (Trabalho original publicado em 1964). doi:10.7443/problemata.v3i2.15109
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, p. 218). É na esfera pública que o público se constitui e, sendo titular da opinião pública, a ela corresponde o princípio da publicidade, isto é, do tornar público aquilo que diz respeito ao coletivo, o que é pré-condição para o controle democrático.

Essa ideia de “público” de Habermas foi influenciada teoricamente por Arendt, assim como por John Dewey, que argumentou em favor da deliberação pública como premissa para a construção do bem comum. Dewey (1927a)Dewey, J. (1927a). O público e seus problemas: em busca da grande comunidade. Biblioteca John Dewey. Recuperado de http://escoladeredes.net/group/bibliotecajohndewey
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preocupou-se com processos genuinamente democráticos e, nesse sentido, entendeu que a democracia não se limitava a rituais e agências governamentais, sendo ela “a ideia da própria vida em comunidade” (p. 5).

Em sua concepção de democracia, Dewey (1927a)Dewey, J. (1927a). O público e seus problemas: em busca da grande comunidade. Biblioteca John Dewey. Recuperado de http://escoladeredes.net/group/bibliotecajohndewey
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opera com a ideia de opinião pública e entende que a publicidade – no sentido de tornar as coisas públicas e conhecíveis – é fundamental para que, numa sociedade democrática, os sujeitos sejam capazes de se envolver e construir uma opinião comum. Um público organizado passa a existir na medida em que há publicidade.

Em seu entendimento da relação entre o público e o privado, Dewey parte do pressuposto de que as ações humanas podem ter consequências que afetam também outras pessoas para além das envolvidas diretamente, ou seja, consequências indiretas. Este é o caso, por exemplo, de uma conversa entre duas pessoas. Se os resultados dessa conversa se limitam a ambas, trata-se de uma atividade privada. Mas se, diferentemente, esta conversa entre duas pessoas tiver consequências para além delas, afetando o bem-estar de uma coletividade, pode-se reconhecer a existência de uma questão pública. Para o autor, é nessa relação prática que reside a origem da distinção entre público e privado. Sendo assim, o limite entre ambos “deve ser fixado com base na extensão e no escopo das consequências das ações que são tão importantes de modo a precisarem de controle, seja por inibição ou por promoção” (Dewey, 1927bDewey, J. (1927b). O público e seus problemas: em busca do público. Biblioteca John Dewey. Recuperado de http://escoladeredes.net/group/bibliotecajohndewey
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, p. 10).

O público, assim, se refere à ideia de controle público, isto é, diz respeito ao controle realizado pelo público afetado. Esse conceito está na base da origem do Estado, isto é, “quando consequências indiretas são reconhecidas e há um esforço para regulá-las, algo que se assemelha a um Estado ganha existência” (Dewey, 1927bDewey, J. (1927b). O público e seus problemas: em busca do público. Biblioteca John Dewey. Recuperado de http://escoladeredes.net/group/bibliotecajohndewey
http://escoladeredes.net/group/bibliotec...
, p. 8). Porém, observa-se que o Estado, aqui, não é entendido em si, ou seja, como uma instância que ganhou vida própria e autônoma, como criticam Arendt e Habermas, mas sim como o lugar de expressão da cidadania, como o catalizador dos interesses do público, o que também não diz respeito à questão da propriedade legal como no caso da perspectiva econômica. A compreensão de que as matérias públicas são, de algum modo, submetidas ao controle do Estado não significa necessariamente que o Estado é quem assume a execução dessas ações e, nesse sentido, não se trata de uma questão de propriedade legal.

Outra concepção significativa que estrutura a perspectiva política da relação público-privado é a de bem público (no singular), compreendida pelo viés do bem comum. O bem público “pode ser entendido em um sentido mais amplo e é repleto de conotações normativas. Logo, um bem público é geralmente coletivo em sua provisão e considerado uma ‘coisa boa’ para a sociedade como um todo”8 8 No original: “can be understood in a broader sense, and is infused with normative overtones. In this sense, a public good is often collective in its provision and considered a ‘good thing’ for society as a whole”. (East, Stokes, & Walker, 2014East, L., Stokes, R., & Walker, M. (2014). Universities, the public good and professional education in the UK. Studies in Higher Education, 39(9), 1617-1633. doi:10.1080/03075079.2013.801421
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, p. 1618). O debate em torno da ideia de bem público remonta à Antiguidade e, envolvendo a noção de bem comum, contrasta com o ganho privado. O bem comum está ligado a processos de ação coletiva, uma vez que esses só existem em decorrência de ações compartilhadas e solidárias. O que importa, então, não são somente os resultados da ação coletiva, como no caso do conceito econômico de bens públicos, mas a própria relação, o processo coletivo (Deneulin & Townsend, 2007Deneulin, S., & Townsend, N. (2007). Public goods, global public goods and the common good. International Journal of Social Economics, 34(1/2), 19-36. doi:10.1108/03068290710723345
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).

Quadro 1
Quadro-síntese dos conceitos de público e privado: perspectiva econômica e perspectiva política

Desta forma, com base na literatura, é possível dizer que o entendimento teórico da relação público-privado pode ser distinto, dependendo da perspectiva adotada. Conforme exposto no Quadro 1, um conjunto de entendimentos pode caracterizar as perspectivas de origem econômica e as perspectivas de origem política. De maneira sintética, a perspectiva econômica, do ponto de vista da dimensão pública, envolve aspectos de jurisdição do Estado, governo, direito público e os bens públicos, e do ponto de vista da dimensão privada engloba o mercado, o direito privado e os bens privados. A perspectiva política, por sua vez, contempla, na dimensão pública, a comunidade política, o transparente, a esfera pública e o bem comum e, na dimensão privada, a vida familiar, o individual, a privacidade e o ganho individual.

Limites do entendimento tradicional de público e privado na educação superior

Diante de tal distinção teórica existente na literatura, cabe então perguntar: o que, de fato, significa público e o que significa privado no contexto da educação superior? Quais são os bens públicos e os bens privados gerados pelas instituições acadêmicas? Ao buscar responder tais questões, tende-se a princípio a diferenciar a aplicação dos termos, principalmente, por meio da propriedade legal, com definições condicionadas pela experiência e cultura. Nesta distinção, as instituições de propriedade do Estado são classificadas como públicas e, em alguns lugares, como o Brasil, são ainda associadas à gratuidade, ou seja, ao financiamento estatal. As instituições não estatais, por sua vez, sejam elas com ou sem fins lucrativos, tendem a ser indistintamente reconhecidas como privadas e, recorrentemente, associadas ao mercado e à cobrança de mensalidades.

Contudo, com um breve olhar para experiências de organização dos sistemas nacionais da educação superior em alguns poucos países, evidencia-se que o binômio público-privado não cabe em um enquadramento restrito ao critério da propriedade e financiamento. No Reino Unido, por exemplo, apesar de não pertencerem ao Estado, as universidades são consideradas públicas. Na Coréia do Sul e nos Estados Unidos, diferentemente, existem instituições de educação superior pertencentes ao Estado, que, todavia, possuem uma estrutura de financiamento que opera por meio da cobrança de taxas dos estudantes. Ou seja, nesses dois países é possível encontrar o estatal, mas ele está dissociado do gratuito, mesmo em se tratando de instituições administrativamente vinculadas (status legal) ao Estado. No Brasil, muitas instituições não estatais atendem estudantes que são financiados pelo Estado, como, por exemplo, os bolsistas do Programa Universidade para Todos (ProUni) em instituições privadas com e sem fins lucrativos.

Simon Marginson (2006Marginson, S. (2006). Putting ‘public’ back into the public university. Thesis Eleven, 84(1), 44-59. doi:10.1177/0725513606060519
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, 2007Marginson, S. (2007). The public/private divide in higher education: a global revision. Higher Education, 53(3), 307-333. doi:10.1007/s10734-005-8230-y
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, 2011)Marginson, S. (2011). Higher education and public good. Higher Education Quarterly, 65(4), 411-433. doi:10.1111/j.1468-2273.2011.00496.x
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, pesquisador da educação superior, coloca em xeque o dualismo entre público, associado ao estatal, e privado, associado ao mercado, demonstrando que, no mundo real, tal divisão é menos sólida do que aparenta. Nesse sentido, o autor aponta os limites do enfoque no critério da perspectiva econômica da propriedade legal ao recorrer a alguns exemplos, tais como: em vários países do mundo, o Estado tem sido o indutor de processos de mercantilização por meio de suas políticas de educação superior; instituições de propriedade privada produzem bens públicos ao mesmo tempo que instituições de propriedade estatal produzem bens privados; em alguns países, as universidades estatais cobram taxas mais altas que as cobradas por universidades privadas (Marginson, 2006Marginson, S. (2006). Putting ‘public’ back into the public university. Thesis Eleven, 84(1), 44-59. doi:10.1177/0725513606060519
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).

Examinando as associações correntes de público e privado com, por exemplo, propriedade legal estatal e não estatal e com atividade mercantil e não mercantil, Marginson argumenta que elas criam uma série de problemas analíticos e empíricos nos domínios da educação superior. Reflete, assim, que embora não se desconsidere a importância do critério da propriedade legal, mais relevante é “o caráter social e cultural dos resultados ou ‘bens’ produzidos pelas instituições de educação superior: os efeitos destas instituições no ensino/aprendizagem, pesquisa, certificação dos alunos, comunidade e serviços nacionais”9 9 No original: “the social and cultural character of the outcome or ‘goods’ produced by higher education institutions: the effects of these institutions in teaching/learning, research, certification of graduates, community and national service”. (Marginson, 2007Marginson, S. (2007). The public/private divide in higher education: a global revision. Higher Education, 53(3), 307-333. doi:10.1007/s10734-005-8230-y
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, p. 309-310, grifo do autor).

Desse ponto decorre a premissa de que não é producente tomar o público ou o privado como atributos naturais, fixos e universais dos sistemas e instituições. Outrossim, o autor entende que “o trabalho da educação superior pode ser público e/ou privado e manifestar tanto benefícios individuais como coletivos”10 10 No original: “The work of higher education can be public and/or private; and manifest either as individual or collective benefits”. (Marginson, 2007Marginson, S. (2007). The public/private divide in higher education: a global revision. Higher Education, 53(3), 307-333. doi:10.1007/s10734-005-8230-y
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, p. 310). O olhar tradicional, que naturaliza e universaliza, torna-se um problema na medida em que “nos cega quanto ao complexo misto de qualidades públicas e privadas que tomam lugar nas instituições e nos sistemas de educação superior”11 11 No original: “blinds us to the complex mixing of public and private qualities that takes place in actual institutions, and higher education systems”. (Marginson, 2007Marginson, S. (2007). The public/private divide in higher education: a global revision. Higher Education, 53(3), 307-333. doi:10.1007/s10734-005-8230-y
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, p. 310), as quais, a despeito disso, são identificáveis empiricamente.

Na sequência, Marginson propõe que, em vez de tomar o público e o privado como duas faces da mesma moeda, esses deveriam ser apreendidos como qualidades heterogêneas, que têm certa interdependência. Isso porque, diferentemente do enquadramento dual tradicional, que acredita que quanto mais a educação superior é privada, menos ela é pública, ou o oposto, na vida real público e privado não são um conjunto único e homogêneo e, portanto, a sua composição não necessariamente resulta em soma zero. O autor observa, ainda, que um fator limitante na abordagem dos bens públicos dos economistas neoclássicos, como Samuelson (1954)Samuelson, P. A. (1954). The pure theory of public expenditure. The Review of Economics and Statistics, 36(4), 387-389. doi:10.2307/1925895
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, é a existência de uma definição a-histórica dos bens, já que trabalha a partir de uma perspectiva que os naturaliza como intrinsecamente públicos ou privados, a partir de características supostamente imutáveis e inerentes. Para Marginson (2018, p. 325)Marginson, S. (2018). Public/private in higher education: a synthesis of economic and political approaches. Studies in Higher Education, 43(2), 322-337. doi:10.1080/03075079.2016.1168797
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, “isto é correto em relação à luz do sol, que é sempre um bem público”, mas não tem cabimento “quando o caráter do bem é moldado por arranjos políticos ou sociais, e pode ser ou público ou privado, como acontece com a educação superior”12 12 No original: “It is right in relation to sunlight which is always a public good. [It is wrong] when the character of the good is shaped by politics or social arrangements, and can be either public or private, as happens in higher education”. , pois isso desconsideraria o caráter variável e contextual que é próprio desse bem.

Da mesma forma, o autor aponta os limites do que chama “referência tradicional”, que denomina de perspectiva estatista da filosofia política, para a qual uma instituição de propriedade estatal é tomada como uma instituição a priori pública, cujos resultados são, de antemão, considerados públicos, e vice-versa para as instituições de propriedade privada. Marginson, então, ao criticar análises apriorísticas, que desconsideram o caráter variável e contextual da educação, propõe considerá-la potencialmente disputável ou não disputável e potencialmente excludente ou não excludente, o que é politicamente condicionado.

Assim, considerando que a educação superior não é, por natureza, nem pública nem privada, o autor defende que o que se produz neste campo, independentemente da propriedade das instituições, é uma composição variável entre bens públicos e bens privados. Essa composição “é determinada pela política pública, pela gestão institucional, pela prática cotidiana das pessoas”13 13 No original: “is determined by public policy, institutional manager, and the day-to-day practices of personnel”. (Marginson, 2007Marginson, S. (2007). The public/private divide in higher education: a global revision. Higher Education, 53(3), 307-333. doi:10.1007/s10734-005-8230-y
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, p. 315). Por conseguinte, em uma mesma instituição serão produzidos ambos os tipos de bem. E os níveis de bens públicos e privados dentro da composição variam de instituição para instituição, constituindo-se em elementos-chave que, em última instância, as diferenciam entre si.

Por fim, reconhecendo as deficiências das leituras tradicionais, bem como o limitado alcance de concepções isoladas, Simon Marginson (2018)Marginson, S. (2018). Public/private in higher education: a synthesis of economic and political approaches. Studies in Higher Education, 43(2), 322-337. doi:10.1080/03075079.2016.1168797
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propõe uma síntese para a apreensão do público e do privado na educação superior, baseando-se numa combinação entre uma perspectiva de origem econômica e outra de origem política sobre a relação. Sua proposta de complementaridade se dá em razão do reconhecimento dos limites que residem em cada uma das perspectivas quando tomadas isoladamente. Segundo ele, a perspectiva econômica é eficaz para apreender bens no nível individual, mas o mesmo não ocorre com os bens de caráter coletivo; da mesma forma, mostra-se mais adequada para a compreensão das atividades-fim da educação, sendo mais difícil utilizá-la para análise das atividades-meio, incluindo aí a forma como a educação é conduzida nas instituições. Já a perspectiva de origem política é competente para lidar com bens coletivos e o bem público – este entendido em uma acepção normativa, como “bem comum” –, mas tende a sofrer de certa imprecisão para alguns tipos de análise, como aquelas que buscam mensurar resultados.

As duas perspectivas são, geralmente, tomadas separadamente, mas, na prática, elas se apresentam entrelaçadas, sendo que “cada uma contribui para o entendimento das dinâmicas do público e do privado, cada uma preenche uma lacuna da outra, e cada uma fornece uma reflexividade crítica para questionar a outra”14 14 No original: “and each contributes to understanding the dynamics of public and private, each fills a gap in the other, and each provides a critical reflexivity for interrogating the other”. (Marginson, 2018Marginson, S. (2018). Public/private in higher education: a synthesis of economic and political approaches. Studies in Higher Education, 43(2), 322-337. doi:10.1080/03075079.2016.1168797
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, p. 230). Sugere-se, assim, que a dimensão pública da educação superior possa ser mais bem clarificada quando se desenham as duas definições de forma conjunta, em uma composição que é, em essência, interdisciplinar.

A composição público-privada na educação superior

Diante do exposto, é possível analisar o público e o privado na educação superior a partir de um enquadramento mais amplo, capaz de apreender a heterogeneidade de nuances que se fazem presentes na realidade dos sistemas e das instituições na contemporaneidade. Para isso, é necessário considerar a presença tanto da perspectiva de origem econômica quanto a de origem política dos termos, em distintas situações empíricas de processos e de resultados no contexto das instituições estatais e não estatais.

Assim, considerando a revisão da literatura realizada, a perspectiva econômica está evidenciada nos resultados da educação superior, tais como geração de bens públicos e externalidades positivas. A perspectiva política, por sua vez, está demonstrada no compromisso institucional com o bem público (entendido como o bem comum), compreendendo a concepção de universidade e a existência (ou não) de uma proposição de engajamento com as necessidades da sociedade. Essa perspectiva é associada, também, à forma como as instituições conduzem o seu trabalho internamente e com relação a um público mais amplo, considerando a existência (ou não) de orientações democráticas e participativas e as interações que se estabelecem com a sociedade como um todo, operando com a ideia de esfera pública.

Nesse sentido, mapeando os bens produzidos na educação superior desde a perspectiva econômica, os benefícios do status individual obtidos pelos alunos configuram-se como os principais bens privados gerados via ensino. Trata-se de vagas escassas em instituições ou cursos de prestígio que dão aos estudantes status e oportunidade exclusivos, constituindo-se, portanto, no chamado “bem posicional”. Como benefícios privados, a educação superior pode propiciar para cada indivíduo acesso a empregos com maiores salários, reconhecimento social, vantagens comparativas e, até mesmo, uma vida com mais qualidade e saúde. A produção de tal status e o consequente ganho individual dos estudantes pode ocorrer, todavia, independentemente do critério de propriedade legal da instituição.

O conhecimento produzido nas instituições de educação superior por meio de pesquisa é, talvez, o mais conhecido bem público gerado neste âmbito. De acordo com Stiglitz (1999)Stiglitz, J. (1999). Knowledge as a global public good. In I. Kaul, I. Grunberg, & M. Stern, (Eds.), Global public goods: international cooperation in the 21st century (pp. 308-325). New York: Oxford University Press., entretanto, quando o conhecimento é submetido comercialmente – o que leva à adoção de políticas de patentes e outras formas de mantê-lo secreto por mais tempo –, pode ganhar contornos de bem privado. A priorização de pesquisas de caráter comercial, tendência observada na economia do conhecimento com a ênfase nos processos de transferência de tecnologia para o setor produtivo, pode ser observada nas mais variadas instituições acadêmicas. Cabe trazer aqui, como exemplo, a articulação com empresas privadas por meio da criação de parques tecnológicos, prática que vem sendo adotada por instituições estatais e não estatais.

Da mesma forma, as externalidades positivas, ou seja, os ganhos sociais e coletivos decorrentes da educação, também são bens produzidos pelas instituições acadêmicas independentemente da propriedade legal. Quando os cidadãos são mais instruídos, tendem a ser mais participativos, autônomos e criativos (Cabrito, 2004Cabrito, B. G. (2004). O financiamento do ensino superior em Portugal: entre o Estado e o mercado. Educação & Sociedade, 25(88), 977-996. doi:10.1590/S0101-73302004000300016
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). Destacam-se, ainda, os ganhos públicos, como a redução da criminalidade e dos gastos governamentais com o sistema de assistência social (McMahon, 2009McMahon, W. W. (2009). Higher learning, greater good: the private and social benefits of higher education. Baltimore: JHU Press.). A educação superior está relacionada, ainda, com a formação de atitudes positivas e normas sociais, como no que diz respeito à democracia (Shafiq, 2010Shafiq, M. N. (2010). Do education and income affect support for democracy in Muslim countries? Evidence from the Pew Global Attitudes Project. Economics of Education Review, 29(3), 461-469. doi:10.1016/j.econedurev.2009.05.001
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) e à menor tolerância à corrupção (Truex, 2011Truex, R. (2011). Corruption, attitudes, and education: survey evidence from Nepal. World Development, 39(7), 1133-1142. doi:10.1016/j.worlddev.2010.11.003
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).

McCowan e Schendel (2015, p. 29)McCowan, T., & Schendel, R. (2015). A mudança do papel da universidade e seu impacto na sociedade em países de baixa renda. In J. R. Silva Júnior, J. V. Sousa, M. L. N. Azevedo, & V. L. J. Chaves (Orgs.), Educação superior: internacionalização, mercantilização e repercussões em um campo de disputas (pp. 19-48). Belo Horizonte: Fino Traço. apontam, dentre os benefícios públicos da educação superior, “a influência indireta dos atributos adquiridos por graduados (por exemplo, a influência positiva de um médico ou um professor em seus pacientes e alunos)”, os benefícios sociais decorrentes de avanços em pesquisa, além do “papel desempenhado pelas universidades como guardiãs e promotoras do patrimônio cultural”. Assim, do ponto de vista econômico, o ensino, independentemente do tipo de instituição no qual se desenvolve, gera bens públicos que podem ser classificados como externalidades positivas sociais.

Outros estudos, originados na teoria do capital humano (Becker, 1965; Schultz, 1961 citados por McCowan e Schendel, 2015McCowan, T., & Schendel, R. (2015). A mudança do papel da universidade e seu impacto na sociedade em países de baixa renda. In J. R. Silva Júnior, J. V. Sousa, M. L. N. Azevedo, & V. L. J. Chaves (Orgs.), Educação superior: internacionalização, mercantilização e repercussões em um campo de disputas (pp. 19-48). Belo Horizonte: Fino Traço.), indicam associações entre a ampliação da educação superior, seja ela estatal ou não estatal, e o aumento da produtividade e do crescimento econômico. Por exemplo, em sociedades nas quais há maior quantidade de diplomados há também maior arrecadação dos impostos que serão pagos ao longo da vida pelos cidadãos com maior nível de formação e renda mais elevada, gerando o que pode ser denominada “externalidade positiva econômica”.

Diante de tais exemplos empíricos, cabe lembrar de Marginson (2007)Marginson, S. (2007). The public/private divide in higher education: a global revision. Higher Education, 53(3), 307-333. doi:10.1007/s10734-005-8230-y
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quando afirma que aquilo que é produzido pela educação superior em termos de bens públicos ou privados é mais determinado pelos propósitos de uma instituição do que pelo seu status legal. Porém, o autor reconhece que instituições de propriedade estatal são mais propensas a produzir bens públicos do que as demais. Analisa, ainda, que quanto mais a educação superior se movimenta na direção de mercados econômicos, mais se reforça o papel dos bens privados em relação aos públicos, e as forças do mercado tendem a aumentar a disputabilidade e a excludabilidade.

A compreensão da relação entre público e privado com base na perspectiva econômica, embora adequada para a apreensão dos resultados da educação superior, apresenta limites15 15 O documento da Unesco (2016)Repensar a educação: rumo a um bem público mundial? aponta que “a transferência de uma noção essencialmente econômica para o campo da educação sempre foi um pouco problemática” (p. 84). Entre outros aspectos, argumenta que o uso da concepção de viés econômico na educação pode conduzir à interpretação equivocada de que bens públicos devem ser fornecidos pelo setor público. Ao mesmo tempo, sendo um conceito de ordem mais instrumental, “o bem-estar humano se inscreve no quadro de uma teoria socioeconômica individualista” (Unesco, 2016, p. 84). no que diz respeito ao entendimento, por exemplo, das escolhas e decisões sobre o que será tratado como público ou privado, dos propósitos institucionais, e também da forma como a educação superior é conduzida internamente. Nesse sentido, Marginson (2011)Marginson, S. (2011). Higher education and public good. Higher Education Quarterly, 65(4), 411-433. doi:10.1111/j.1468-2273.2011.00496.x
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ressalta que, no debate político, os bens públicos, tais como concebidos por Samuelson, são abertos à contestação em termos de conteúdo e valor. Nas palavras do autor, “o fato de que o conhecimento, no sentido técnico da economia, é um bem público global não exaure questões de conteúdo e valor, tais como ‘bem público de quem?’ e ‘a interesse de quem?’”16 16 No original: “the fact that knowledge, in the technical economic sense, is a global public good does not exhaust questions of content and value, such as ‘whose public good?’ and ‘in whose interests?’”. (p. 417). A busca por respostas a esse tipo de interrogação pode ter um alcance maior quando se lança mão de noções de público-privado originadas em uma perspectiva política, oriundas de áreas do saber como a filosofia ou a sociologia. É este o caso dos conceitos de bem público (no singular), de esfera pública e de público como aquilo que afeta uma coletividade, os quais foram abordados, além de por Marginson, por Walker e McLean (2013)Walker, M., & McLean, M. (2013). Professional education, capabilities and the public good: the role of universities in promoting human development. London: Routledge. e Pusser (2012)Pusser, B. (2012). Power and authority in the creation of a public sphere through higher education. In B. Pusser, K. Kempner, S. Marginson, & I. Ordorika (Eds.), Universities and the public sphere: knowledge creation and state building in the era of globalization (pp. 27-46). New York: Routledge..

Na perspectiva política, a noção de bem público, de ordem normativa, enfatiza benefícios e atividades coletivos da educação superior, estando relacionada com o bem comum. A teorização desenvolvida por Walker e outros autores sobre o conceito de public good professionalism possibilita uma aproximação mais precisa com o significado do bem público na educação superior. Para alcançar este conceito, East et al. (2014)East, L., Stokes, R., & Walker, M. (2014). Universities, the public good and professional education in the UK. Studies in Higher Education, 39(9), 1617-1633. doi:10.1080/03075079.2013.801421
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problematizam o papel da universidade na promoção do bem público e entendem que a formação de profissionais pode ser uma contribuição específica da universidade para tal. Considerando o bem público como um objetivo da educação superior, Walker e McLean (2013)Walker, M., & McLean, M. (2013). Professional education, capabilities and the public good: the role of universities in promoting human development. London: Routledge. o relacionam com o compromisso social das instituições acadêmicas, isto é, o seu compromisso com os interesses gerais da sociedade da qual fazem parte.

Com apoio na teoria do desenvolvimento humano e das capabilities de Martha Nussbaum e Amartya Sen (1993)Nussbaum, M., & Sen, A. (Eds.). (1993).The quality of life. Oxford: Oxford University Press., public good professionalism diz respeito à contribuição dada pelas universidades no que tange a uma formação perpassada pelo bem público. Isso significa que “a universidade, se está a serviço do bem público, deve preparar os estudantes para fazer avançar a justiça social”17 17 No original: “The university, if it is serving the public good, should be equipping graduates to advance social justice”. (East et al., 2014East, L., Stokes, R., & Walker, M. (2014). Universities, the public good and professional education in the UK. Studies in Higher Education, 39(9), 1617-1633. doi:10.1080/03075079.2013.801421
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, p. 1620). Em sua pesquisa, Walker e McLean (2013)Walker, M., & McLean, M. (2013). Professional education, capabilities and the public good: the role of universities in promoting human development. London: Routledge. buscaram, por um lado, identificar as capabilities que deveriam ser consideradas indispensáveis a profissionais orientados para o bem público e, de outro, compreender como a educação universitária poderia contribuir para desenvolvê-las.

Destacam que profissionais orientados para o bem público são aqueles que: reconhecem a plena dignidade de todo ser humano; agem para a transformação social e redução da injustiça; fazem julgamentos profissionais bem informados, reflexivos e imaginativos; e trabalham com os outros para expandir as capacidades compreensivas das pessoas que vivem na pobreza. A formação para o bem público pode, evidentemente, ser desenvolvida tanto em instituições estatais quanto não estatais.

Ainda na perspectiva política, no sentido da prática cotidiana das instituições e de seu envolvimento com a sociedade da qual fazem parte, entra em cena o conceito de esfera pública. Assim, Marginson (2006)Marginson, S. (2006). Putting ‘public’ back into the public university. Thesis Eleven, 84(1), 44-59. doi:10.1177/0725513606060519
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sugere que se olhe para a seguinte questão: em que medida as universidades conduzem seu trabalho de forma pública? Por um lado, tal forma pública diz respeito às relações que se estabelecem dentro da instituição, mas, por outro, estende-se à sua comunicação com um público mais amplo, para além dela, considerando-se as interações tanto entre o trabalho acadêmico e o discurso público maior quanto entre a academia e os elaboradores de políticas. A partir disso, há duas formas de conceber a dimensão pública da instituição: na primeira, de caráter interno, deve-se avaliar em que medida ela fornece espaço para a crítica, ou quão difundida é a crítica na prática institucional; na segunda forma, a universidade é entendida como parte de uma ordem civil comunicativa mais ampla, que abrange os distintos setores sociais e interage com o governo e o mercado sem, contudo, reduzir-se a eles (Marginson, 2011Marginson, S. (2011). Higher education and public good. Higher Education Quarterly, 65(4), 411-433. doi:10.1111/j.1468-2273.2011.00496.x
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).

Em relação à primeira, pode-se destacar, por exemplo, que a transparência, a democracia interna e a abertura à crítica, geralmente presentes em instituições estatais, também podem ocorrer em instituições não estatais, quando possuem estruturas colegiadas de gestão e implementam processos de autoavaliação de natureza formativa e participativa. Na segunda forma, pode-se dizer que a relação de uma instituição com a comunidade e a sua constituição como parte de uma esfera pública mais ampla é uma realidade que independe do formato legal, sendo, por exemplo, uma marca distintiva de instituições estatais e privadas sem fins lucrativos tradicionais (pois presente em seus propósitos institucionais) e, ao mesmo tempo, sendo parcamente identificada em instituições privadas mercantis, o que também pode ser explicado por seus objetivos.

Identificando as condições para criar e preservar uma esfera pública via educação superior, Pusser (2012)Pusser, B. (2012). Power and authority in the creation of a public sphere through higher education. In B. Pusser, K. Kempner, S. Marginson, & I. Ordorika (Eds.), Universities and the public sphere: knowledge creation and state building in the era of globalization (pp. 27-46). New York: Routledge. destaca que se faz necessário reconhecer quatro forças essenciais que moldam a universidade contemporânea: o Estado, o mercado, as instituições em si e os esforços dos atores sociais. O autor sugere, assim, que se compreenda em que medida cada uma destas quatro forças molda a educação superior no sentido de facilitar ou restringir a constituição da universidade como uma esfera pública. A hipótese de supervalorização dos interesses do mercado em detrimento das outras três forças que moldam a universidade pode se dar nas diferentes formas de propriedade institucional – em que pese o reconhecimento de que isso será sempre mais forte em instituições privadas mercantis, muitas delas com capital aberto na bolsa de valores, de modo que a noção de esfera pública, nelas, tende a ser precária ou até nula.

Ainda, refletindo a educação superior a partir do conceito de público como aquilo que afeta uma coletividade, pode-se recorrer a Dewey quando o distingue como algo reconhecido como matéria de interesse comum e, portanto, submetido ao controle estatal. Tal controle, nesse caso, diz respeito ao público no sentido político, numa realidade que incide tanto sobre as instituições estatais quanto sobre as não estatais.

Nesse contexto, cabe trazer a literatura que vem pautando uma realidade crescente na educação superior mundial, marcada pela adoção de comportamentos de mercado por parte de instituições estatais e de seu corpo acadêmico, o que se dá por meio de diversos mecanismos, como políticas nacionais indutoras, adoção de uma gestão empresarial e, especialmente, pela aproximação com o setor produtivo na investigação comercial, o que gera rendas adicionais em um contexto de retração do financiamento estatal. Sobre isso, Slaughter e Rhoades (2004)Slaughter, S., & Rhoades, G. (2004). Academic capitalism and the new economy: markets, state, and higher education. Baltimore: The Johns Hopkins University Press. trabalham com a ideia de “capitalismo acadêmico na nova economia”, enquanto Mouwen (2000)Mouwen, K. (2000). Strategy, structure and culture of the hybrid university: towards the university of the 21st century. Tertiary Education & Management, 6(1), 47-56. doi:10.1023/A:1009645607018
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e Jongbloed (2015)Jongbloed, B. (2015). Universities as hybrid organizations: trends, drivers, and challenges for the European university. International Studies of Management & Organization, 45(3), 207-225. doi:10.1080/00208825.2015.1006027
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, por sua vez, abordam o caráter híbrido que as instituições assumem num cenário de embaçamento das fronteiras entre Estado, mercado e universidade.

Quadro 2
Elementos de composição de público e privado que podem ser encontrados em instituições de ensino superior de propriedade estatal e não estatal

Como é possível observar, ambos os tipos de instituições, estatais e não estatais, estruturam-se a partir de uma combinação híbrida de elementos de dimensão pública e de dimensão privada (Quadro 2), de modo que a intensidade ou o nível de uma ou de outra vai depender do contexto de cada instituição. Como afirma Marginson (2007)Marginson, S. (2007). The public/private divide in higher education: a global revision. Higher Education, 53(3), 307-333. doi:10.1007/s10734-005-8230-y
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, o binômio público-privado é condicionado pelas políticas mais amplas, pelos propósitos e gestão institucional e pela prática cotidiana da comunidade acadêmica. Logo, algumas instituições possuem maior predisposição a desenvolver processos e resultados mais públicos que privados. Esse pode ser o caso, por exemplo, das instituições estatais, bem como das instituições privadas não mercantis (como as sem fins lucrativos), quando seus objetivos institucionais estão alinhados com responsabilidade social e valores acadêmicos. Por outro lado, em sendo os propósitos institucionais determinantes, é possível analisar que nas instituições privadas mercantis, as quais têm o lucro como horizonte, as noções de esfera pública e coletividade, bem como a gestão colegiada ou o compromisso com a formação para o bem público, serão colocadas em segundo plano, porque tais concepções não estão a serviço do propósito da lucratividade – pelo contrário, o ameaçam.

Contudo, como demonstrado até aqui, nenhuma das dimensões, pública ou privada, está circunscrita somente a um tipo específico de instituição em função de sua propriedade legal. Elementos como as externalidades positivas (bens públicos) e o bem posicional (bens privados) da perspectiva econômica, por exemplo, estão presentes em todas as instituições de educação superior. Da mesma forma, na perspectiva política se observa uma quase universalização da regulação estatal, bem como da valorização dos interesses do mercado, que moldam comportamentos da comunidade acadêmica. Trata-se, assim, de uma realidade que corrobora a compreensão teórica ampliada que envolve a questão do público e do privado na educação superior. Por conseguinte, tomando como base o referencial teórico e as evidências empíricas apresentadas, é plausível afirmar que o público e o privado, no âmbito da educação superior, são dimensões que coexistem na forma de uma composição variável.

Conclusão

O enraizamento das ideias pré-concebidas de público e privado no cotidiano irrefletido da vida em sociedade torna complicada (e arriscada) a tarefa de empreender na direção de seu estranhamento. Mas é esse mesmo enraizamento que torna tal tarefa necessária, na medida em que tudo aquilo que passa a fazer parte da rotina tende a ser acomodado como uma espécie de “paisagem natural” e, porque não pensado, pode implicar em pontos cegos que prejudicam a realização de análises mais aprofundadas.

Este artigo buscou realizar esse movimento de estranhamento, por meio de uma construção que revisa teoricamente os conceitos que envolvem o binômio público-privado. O uso de “conceitos”, no plural, decorre do entendimento de que há diferentes formas de se compreender tal binômio, as quais, originando-se em distintos universos discursivos, tiveram desenvolvimentos variados no campo teórico. Assim, o ponto de partida foi a necessária compreensão da polissemia de concepções existentes.

Assim, tornou-se plausível sistematizar e evidenciar duas importantes perspectivas de entendimento da relação público-privado. A primeira, de origem econômica, tem sua raiz associada aos limites entre o direito público e o direito privado e, a partir da economia neoclássica, apresenta-se robusta para a compreensão dos “resultados”, isto é, dos bens que são produzidos. A outra perspectiva opera em torno da cidadania republicana e, assim, a relação público-privado é tomada a partir de uma perspectiva denominada como política, associada às questões da democracia e cidadania. Aqui, o entendimento de público e privado está mais associado aos processos.

No âmbito da educação superior, entretanto, nenhuma das perspectivas isoladamente parece ser suficiente. A realidade concreta da educação superior não cabe dentro de uma suposta fórmula que reduz o sentido de público e privado aos escopos de Estado e mercado, respectivamente. Quando se faz isso, está se fazendo uso, na verdade, de uma perspectiva preponderantemente econômica, que pode, até mesmo, alimentar uma “cegueira ideológica”.

Como evidenciado neste trabalho – não obstante o reconhecimento da variabilidade na composição entre as dimensões pública e privada –, independentemente de as instituições de educação superior serem estatais ou não, ambas geram ganhos individuais e coletivos, ambas podem desenvolver ensino e pesquisa tanto para o bem comum como para interesses utilitaristas e ambas podem empregar práticas democráticas de gestão e valores acadêmicos. Portanto, para que se possa avançar para melhores e mais adequadas políticas educacionais, faz-se necessário, antes de tudo, rever conceitos e reconhecer que o mais producente é pensar na educação superior como “pública e privada” ao mesmo tempo, na forma de modelos híbridos, e não como “pública ou privada”, de modo excludente.

  • 1
    Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Andressa Picosque (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
  • 3
    No original: “At no time in history has it been more important to invest in higher education as a major force in building an inclusive and diverse knowledge society and to advance research, innovation and creativity”. As traduções desta e das demais citações em língua estrangeira são nossas.
  • 4
    No original: “To understand what either ‘public’ or ‘private’ mean within a given framework, we need to know what is being contrasted (explicitly or implicitly) and on what basis the contrast is being drawn”.
  • 5
    No original: “Roman Empire, from which we get the notion of sovereignty: of a centralized, unified, and omnipotent apparatus of rule which stand above the society and governs it through the enactment and administration of laws. The ‘public’ power of sovereign rules over, and in principle on behalf of, a society of ‘private’ and politically passive individuals who are bearers of rights granted to them and guaranteed by the sovereign”.
  • 6
    No original: “self-governing polis or republic (res publica, literally ‘public thing’), from which we inherit a notion of politics as citizenship, in their capacity as citizens, participate in an ongoing process of conscious collective self-determination”.
  • 7
    No original: “Public goods are recognized as having benefits that cannot easily be confined to a single ‘buyer’ (or set of “buyers”). Yet once they are provided, many can enjoy them for free. Street names are an example. A clean environment is another. Without a mechanism for collective action, these goods can be underproduced”.
  • 8
    No original: “can be understood in a broader sense, and is infused with normative overtones. In this sense, a public good is often collective in its provision and considered a ‘good thing’ for society as a whole”.
  • 9
    No original: “the social and cultural character of the outcome or ‘goods’ produced by higher education institutions: the effects of these institutions in teaching/learning, research, certification of graduates, community and national service”.
  • 10
    No original: “The work of higher education can be public and/or private; and manifest either as individual or collective benefits”.
  • 11
    No original: “blinds us to the complex mixing of public and private qualities that takes place in actual institutions, and higher education systems”.
  • 12
    No original: “It is right in relation to sunlight which is always a public good. [It is wrong] when the character of the good is shaped by politics or social arrangements, and can be either public or private, as happens in higher education”.
  • 13
    No original: “is determined by public policy, institutional manager, and the day-to-day practices of personnel”.
  • 14
    No original: “and each contributes to understanding the dynamics of public and private, each fills a gap in the other, and each provides a critical reflexivity for interrogating the other”.
  • 15
    O documento da Unesco (2016)Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. (2016). Repensar a educação: rumo a um bem comum mundial? Brasília: Unesco.Repensar a educação: rumo a um bem público mundial? aponta que “a transferência de uma noção essencialmente econômica para o campo da educação sempre foi um pouco problemática” (p. 84). Entre outros aspectos, argumenta que o uso da concepção de viés econômico na educação pode conduzir à interpretação equivocada de que bens públicos devem ser fornecidos pelo setor público. Ao mesmo tempo, sendo um conceito de ordem mais instrumental, “o bem-estar humano se inscreve no quadro de uma teoria socioeconômica individualista” (Unesco, 2016Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. (2016). Repensar a educação: rumo a um bem comum mundial? Brasília: Unesco., p. 84).
  • 16
    No original: “the fact that knowledge, in the technical economic sense, is a global public good does not exhaust questions of content and value, such as ‘whose public good?’ and ‘in whose interests?’”.
  • 17
    No original: “The university, if it is serving the public good, should be equipping graduates to advance social justice”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    03 Ago 2017
  • Revisado
    19 Dez 2018
  • Aceito
    27 Abr 2019
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