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Fontes para escrita da história da juventude feminina: diálogos entre diários de Helena Morley e Bernardina Constant 1 1 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Bolsa Produtividade 1-B eEdital Universal 2016. 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Caique Zen (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br

Resumo

O artigo analisa o uso de diários na escrita da história da juventude, estabelecendo um diálogo entre dois documentos produzidos por autoras brasileiras na transição da infância para a idade adulta nos últimos anos do século XIX. Tem-se em vista, por um lado, apreender as condições de produção, guarda e publicação e as estruturas dos relatos; por outro, busca-se analisar a experiência social das autoras, considerando a identidade geracional e de gênero, a condição sociorracial e o pertencimento familiar. Através do estudo dos diários é possível apreender as possibilidades e limites da participação na vida social da juventude feminina do período, resgatando as singularidades de cada registro.

Palavras-chave
história; juventude; mulheres; diário

Abstract

The article analyzes the use of diaries on the writing of the history of youth, establishing a dialogue between two documents, written by Brazilian women who were transitioning from childhood to adulthood in the late 19th century. On the one hand, the article analyzes the conditions of production, conservation, and publication of the diaries. On the other hand, it focuses on the authors’ social experiences, considering their generational and gender identities, as well as their social and racial contexts and their familial relationships. By studying these diaries, it is possible to apprehend the possibilities and limits of social participation of the young women of that period, observing the singularities of each narrative.

Keywords
history; youth; women; diary

Os diários constituem potente fonte histórica, destacadamente utilizada pela história social. O recurso a tal fonte contribuiu para ampliar o conceito de ator e de fazer histórico ao dar visibilidade a ações cotidianas de sujeitos comuns. No estudo desta escrita, pode-se apreender a singularidade da participação na vida social de sujeitos definidos por identidades distintas, a partir de marcadores como gênero, classe social, raça/etnia e geração, analisados em seu entrelaçamento.

Neste artigo serão contemplados dois diários, escritos por “meninas-moças”3 3 Optei por utilizar o termo “menina-moça”, comum no período histórico analisado (Del Priore, 2010) brasileiras do mesmo período histórico (final do século XIX). Busca-se apreender, por um lado, como os marcadores de gênero e geração informam as experiências sociais relatadas pelas autoras; por outro, como origem familiar, condição socioeconômica e local de nascimento e moradia, dentre outros fatores, conferem a cada escrita um caráter singular.

De forma a ancorar a descrição e a análise das fontes iremos inicialmente explicitar os conceitos de gênero e geração. Posteriormente caracterizaremos o diário, contemplando as possibilidades e limites do seu uso como fonte. Por fim, será analisada a escrita dos dois diários estudados, entendendo-a como indicadora das experiências femininas juvenis possíveis naquele período histórico no país.

Gênero e geração na análise da juventude feminina

Motta (2010)Motta, A. B. (2010). A atualidade do conceito de gerações na pesquisa sobre envelhecimento. Sociedade e Estado, 25(2), 225-250. define gênero e geração como categorias relacionais biossociais por serem ancoradas em distinções biológicas, tanto entre o corpo feminino e masculino quanto entre o corpo adulto e infantil. A autora destaca que a dimensão biológica é utilizada para justificar relações de dominação, opondo a “fragilidade” do corpo feminino à força do masculino e a imaturidade do corpo infantil à maturidade do corpo adulto.

O termo “geração” evoca dois sentidos distintos nas ciências sociais, ainda que interligados, presentes no clássico estudo de Mannheim (1952)Mannheim, K. (1952). The problem of generations. In Essays on the sociology of knowledge. London: RKP., “The problem of generations” (1923). O autor refere-se, de um lado, a indivíduos que fazem parte de um mesmo grupo, definido pela idade comum e, de outro, a um coletivo que vive o mesmo tempo social, com aproximadamente a mesma idade, compartilhando alguma forma de experiência ou vivência (Motta, 2010Motta, A. B. (2010). A atualidade do conceito de gerações na pesquisa sobre envelhecimento. Sociedade e Estado, 25(2), 225-250., p. 191). É importante dizer que, nesta segunda acepção (mais explorada pelo autor), a idade constitui fator potencial, mas não determinante dos contornos geracionais, sendo a participação em mudanças históricas o elemento central de análise.

A utilização do termo “geração” para referir-se a um grupo etário tem sua origem na antropologia (Motta, 1999Motta, A. B. (1999). As dimensões de gênero e classe social na análise do envelhecimento. Cadernos Pagu, (13), 191-221.), fazendo-se hoje presente no campo dos estudos sociais da infância e juventude. Qvortrup (2011)Qvortrup, J. (2011). Nove teses sobre a “infância como um fenômeno social”. Pro-Posições, 22(1), 199-211., sociólogo da infância, define geração como categoria estrutural que informa processos distintos de participação de sujeitos concretos (crianças, jovens e adultos) na vida social. Em seus estudos o autor destaca que tal categoria é permanente no mundo social, ainda que transitória na trajetória individual.

A centralidade do conceito de idade não pode implicar, como alertam Archad (1998)Archad, D. (1998). John Locke’s children. In S. Turner (Org). The philosophy child (pp. 85-104). Rochester: New York Rochester Press. e Graff (1997)Graff, H. (1997). Conflicting paths: growing up in America. Cambridge: Harvard University Press., uma reificação da dimensão biológica, já que a representação das distinções biológicas entre indivíduos é social e historicamente construída. No dizer de Graff (1997, p. 9, tradução minha), “todo estágio da vida inclui dimensões universais (e suas variações históricas) e os sentidos a elas atribuídas”.

Graff observa nos estudos históricos sobre tempos geracionais uma substantivação da categoria, com criação de campos distintos, como história da infância e da juventude – fator também apontado por Motta (2010)Motta, A. B. (2010). A atualidade do conceito de gerações na pesquisa sobre envelhecimento. Sociedade e Estado, 25(2), 225-250. nos estudos sociológicos. Para o historiador, os diferentes tempos geracionais são analisados de forma estanque ao invés de serem compreendidos no interior do curso da vida. Neste sentido, Graff propõe o que nomeia history of growing up, o estudo histórico de trajetórias individuais da infância à idade adulta. Recorrendo a diários e autobiografias, o autor busca apreender como o indivíduo, ao longo da vida, localiza-se no interior de discursos e práticas que conferem sentido aos diferentes tempos geracionais.

Cabe ter em mente a dimensão relacional destas categorias. Elias (1998, citado por Veiga, 2009Veiga, C. G. (2009). Elaboração de hábitos civilizados na constituição das relações entre alunos e professores (1827-1927). Revista Brasileira de História da Educação, 9(3), 61-92.) já apontava que infância e juventude só podem ser compreendidas no interior de relações de interdependência com outros grupos geracionais, marcadas por posições de poder e controle historicamente construídas.

Na produção de uma história dos tempos geracionais são ainda escassos os estudos sobre mocidade ou juventude. A história defronta-se com a dificuldade de resgatar a experiência de sujeitos na transição da infância para a idade adulta em períodos em que este tempo geracional não tinha a visibilidade e a forte identidade que tem no presente. Levi e Schmitt, na introdução de sua clássica coletânea, História dos jovens (1996), apontam a dificuldade em definir o termo “juventude”, por sua instabilidade e imprecisão. Os autores observam que a juventude é uma construção sociocultural, com margens móveis entre a dependência infantil e a autonomia adulta. Radicalizando, Bourdieu (1983)Bourdieu, P. (1983). A juventude é apenas uma palavra. In Questões de sociologia (pp. 112-121). Rio de Janeiro: Marco Zero. afirma provocativamente no título de um artigo: “A juventude é apenas uma palavra”.

O século XIX destaca-se na construção de uma visibilidade da juventude. A ampliação da educação secundária (especialmente na segunda metade do século) aumentou o período de dependência ao postergar a entrada no mercado de trabalho, principalmente nas camadas médias europeias. Ao analisar a juventude inglesa daquele período, Tebbutt (2006)Tebbutt, M. (2016). Making youth: a history of youth in modern Britain. London: Palgrave. afirma que, diante das mudanças nas formas tradicionais de regulação e controle, a juventude passou a ser compreendida como tempo da vida problemático. Se o conceito é histórico, é também sociologicamente situado. A experiência deste tempo geracional mostra-se distinta de acordo com a classe social e o gênero de sujeitos da mesma idade.

Se Mannheim é considerado o pai do uso do termo “geração” nos estudos sociológicos, a emergência do conceito de gênero é tributária dos movimentos feministas da década de 1960 e de autores do campo da antropologia, o que redundou numa renovação dos estudos feministas. Joan Scott (1986, citada por Pinsky, 2009Pinsky, C. (2009). Estudos de gênero e história social. Estudos Feministas, 17(1), 159-189.) trouxe o conceito para a reflexão historiográfica, ao criticar o que considerava um tratamento reducionista da condição feminina, circunscrita à temática da história das mulheres. Tilly (1994)Tilly, L. (1994). Gênero, história das mulheres e história social. Cadernos Pagu, (3), 29-62., embora destacasse a importância das investigações iniciais do campo da história das mulheres e sua contribuição para ressignificar a noção de ator histórico, avaliava que a condição feminina era compreendida nestes estudos a partir da distinção biológica do corpo masculino.

Scott propunha superar a substantivação da condição feminina nas análises, recorrendo ao conceito de gênero como categoria histórica que deveria contemplar a “diversidade das formas de relações entre os sexos e as representações distintas do masculino e do feminino existentes em vários contextos e culturas” (Pinsky, 2009Pinsky, C. (2009). Estudos de gênero e história social. Estudos Feministas, 17(1), 159-189., p. 194).

O recurso ao conceito de gênero, compreendido como categoria sociológica, deu visibilidade aos processos de constituição e ressignificação da identidade feminina ao longo da trajetória de vida de mulheres. Além disso, tal recurso conferiu ao conceito uma dimensão relacional, em que os polos masculino e feminino são tomados não como opostos, mas em diálogo, informando a construção identitária de homens e mulheres.

A perspectiva construcionista e relacional do conceito de gênero na história possibilita apreender como mulheres e homens de gerações e identidades de gênero distintas relacionam-se na vida social, produzindo diferentes experiências de feminilidade e masculinidade. É importante destacar que tais relações se caracterizam pela assimetria e hierarquia nas posições de gênero e geração.

Retornando à escrita da história da juventude feminina, Tebbutt (2016)Tebbutt, M. (2016). Making youth: a history of youth in modern Britain. London: Palgrave. observa que os estudos se concentram na construção de uma cultura juvenil ao longo dos séculos XIX e XX, caracteristicamente pública e masculina. Isto definiria uma invisibilidade das experiências juvenis femininas, submetidas ao ideário da domesticidade.

Diante de tal invisibilidade faz-se necessário recorrer a documentos que possibilitem acessar o domínio da vida privada. Neste sentido, escritos autobiográficos (Lejeune, 2008Lejeune, P. (2008). O pacto autobiográfico: de Rousseau a internet. Belo Horizonte: Editora UFMG.), como memórias, autobiografias e diários, constituem poderosas fontes. Porém, há que questionar se o culto da domesticidade, historicamente construído, define as distintas experiências femininas. Michelle Perrot (1998)Perrot, M. (1998). Mulheres públicas. São Paulo: Unesp. já demonstrava que mulheres de camadas populares ocupavam espaços públicos por força do trabalho e de formas de sociabilidade distintas do ideário das mulheres das camadas médias e superiores.

A instigante historiografia sobre a experiência de mulheres ao longo do século XIX no Brasil demonstra que o ideário da domesticidade (Del Priore, 1997Del Priore, M. (Org.). (1997). História das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto.) confrontava-se com experiências de participação na vida social, não apenas por parte de mulheres negras e pobres (Figueiredo, 1997Figueiredo, L. (1997). Barrocas famílias: a vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec.) como também por parte de mulheres da elite que exerciam atividades de mando e administração de terras (Samara, 1989Samara, E. M. (1989). As mulheres, o poder e a família: São Paulo, século XIX. São Paulo: Marco Zero.).

Cabe estar atento às complexas relações entre vida pública e privada na experiência feminina. Pinsky (2009)Pinsky, C. (2009). Estudos de gênero e história social. Estudos Feministas, 17(1), 159-189. chama atenção para a dimensão política da vida privada. A relação com a cultura escrita, neste sentido, tensiona a rigidez da separação entre público e privado na história das mulheres, pois muitas delas, ainda que circunscritas ao espaço doméstico, participavam da vida pública através da escrita. Observa-se no Brasil, especialmente na segunda metade do século XIX, a ampliação das práticas de leitura e escrita por mulheres, com a produção de revistas e jornais escritos ou destinados ao público feminino, alguns defendendo maior participação feminina. Destaca-se também a emergência de escritoras que alcançam sucesso no crescente mercado editorial. É neste contexto que emergem os diários escritos por mulheres, grande parte deles esquecidos ou ignorados.

Os diários na escrita da história da infância e juventude

A produção de diários relaciona-se com a construção histórica da concepção moderna de indivíduo, envolvendo um processo de reflexividade e interiorização. Swindells (1995)Swindells, J. (Org.). (1995). The uses of autobiography: feminist perspectives of the past and present. London: Routledge. considera que o aparecimento do diário está ligado à decadência dos laços comunitários tradicionais, no interior de sociedades cujo foco concentra-se cada vez mais no indivíduo. Siegel (2005)Siegel, A. (2005). The idea of self. Cambridge: Cambridge University Press. nomeia-os “escritos de si”, em que o autor busca dar um sentido para a vida cotidiana a partir de um olhar introspectivo que estabelece uma distância do vivido.

Lejeune (2008)Lejeune, P. (2008). O pacto autobiográfico: de Rousseau a internet. Belo Horizonte: Editora UFMG. identifica dois momentos históricos de individualização na escrita dos diários. O primeiro, caracterizado por uma intenção de autovigilância, contempla o registro dos pecados, de forma a purgá-los. Trata-se de um olhar ao mesmo tempo interiorizado e repressivo, cujo exemplo seria a escrita de Santo Agostinho. Um segundo momento de interiorização, o do “olhar amigo” (oposto ao de autovigilância), teria emergido na segunda metade do século XVIII. Para o autor, não se tratava mais de incorporar um confessor, mas um confidente, interiorizando a troca de carta entre amigos. Nas palavras de Lejeune, “aquilo que aconteceu na Europa durante a segunda metade do século XVIII, a ideia incrível de pegar um papel para não escrever a ninguém, para escrever a si mesma” (Lejeune, 2008Lejeune, P. (2008). O pacto autobiográfico: de Rousseau a internet. Belo Horizonte: Editora UFMG., p. 352).

Lejeune define o século XIX como momento de proliferação deste tipo de escrita, em que se observa uma “febre autobiográfica”. Com a difusão do letramento, a prática estendeu-se a homens de grupos sociais populares e a mulheres das camadas médias. Para Perrot (2005 citada por Jinzenji, 2010Jinzenji, M. (2012). Leituras e escritas femininas no século XIX. Cadernos Pagu, (38), 367-394.) o diário constitui uma das únicas escritas facultadas à mulher no século XIX, aspecto também apontando por Lejeune (2008)Lejeune, P. (2008). O pacto autobiográfico: de Rousseau a internet. Belo Horizonte: Editora UFMG. e Swindells (1995)Swindells, J. (Org.). (1995). The uses of autobiography: feminist perspectives of the past and present. London: Routledge., que destacam a progressiva feminilização deste tipo de escrita.

Além de histórico, o diário apresenta forte caráter cultural, sendo menos frequente nos países católicos, dados os índices inferiores de letramento e a menor presença do escrito. Lejeule destaca também sua dimensão geracional, uma vez que o diário é progressivamente caracterizado como escrita presente na transição da infância para a idade adulta. Tal produção, portanto, teria um caráter efêmero, que tende a desaparecer após a juventude. Cabe observar, neste caso, a mediação da instituição escolar, em que crianças e jovens são incentivados a registrar suas experiências e pensamentos como estratégia de letramento.

Faz-se necessário, no entanto, problematizar a potência deste registro. Jerome Bruner (1983)Bruner, J. (1983). In search of mind: essays in autobiography. New York: Harper & Row. já afirmava que os diários são uma reconstituição da experiência, e não sua transcrição. Seu autor seleciona o que é objeto de escrita de acordo com códigos socioculturais vigentes, e os acontecimentos podem ser objeto de esquecimento, censura ou fabulação. Cox (1996)Cox, R. (1996). Shaping childhood: themes of uncertainty in the history of adult-child relations. London: Routledge. também critica, no trabalho com esse tipo de fonte, o entendimento de que a escrita espelha o vivido, afirmando o caráter idiossincrático do diário e destacando que a experiência é variável, contingente e pouco transparente.

Trajetórias do registro, guarda e publicação

A partir destas reflexões, será construído um exercício de análise dos dois diários, produzidos por meninas-moças (entre 13 e 16 anos) no mesmo período histórico e país (transição e primeiros anos da república no Brasil). Cabe inicialmente situar as condições de produção, guarda e publicação, bem como a materialidade das fontes. Posteriormente serão caracterizados os objetos de registro, retratando os distintos contextos socioculturais que informam sua singularidade. Analisarei os diários à luz de categorias comuns, construindo uma dialogia entre as fontes.

O primeiro diário é um clássico da literatura nacional: Minha vida de menina, de Helena Morley (pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant), escrito entre 1893 (quando a autora tinha 13 anos) e 1895. A obra está em sua 13ª edição e já foi traduzida para diversas línguas.

Seja como fonte ou objeto de pesquisa, Minha vida de menina tem sido analisado pelos campos da crítica literária, dos estudos de gênero, da história e da história da educação4 4 Existe uma vasta produção a respeito da obra, com teses, dissertações, livros, capítulos e artigos em periódicos (para um levantamento mais detalhado, vide Pinto, 2016). Neste artigo vamos concentrar no diálogo com dois trabalhos. O primeiro, o instigante ensaio de Roberto Schwarz, Duas meninas (2007), em que o autor também faz uma análise comparativa, neste caso entre o diário de Alice e a personagem Capitu, do clássico romance de Machado de Assis, Dom Casmurro. O segundo, a excelente tese de doutorado de Helder Pinto (2016), que recorre ao diário para estudar a juventude em Diamatina no período. . Nas análises, uma primeira questão se destaca: a publicação da obra, que ocorreu 49 anos depois de sua escrita.

Em nota à primeira edição dos diários diz a autora: “não sei se poderá interessar ao leitor de hoje a vida corrente de uma cidade do interior, no fim do século passado, através das impressões de uma menina, de uma cidade sem luz elétrica, água canalizada, telefone, nem mesmo padaria, quando se vivia contente com pouco, sem as preocupações de hoje”. E Alice fecha a apresentação dirigindo-se às netas: “vocês que já nasceram na abastança e ficaram tão comovidas quando leram alguns episódios de minha infância, não precisam ter pena das meninas pobres, pelo fato se serem pobres. Nós éramos tão felizes!” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 3)5 5 Schwarz (1997) questiona se Alice seria a autora do texto de apresentação, atribuindo-o ao marido. .

O relato da pobreza da autora deve ser historicamente situado. Alice escreveu o diário na cidade de Diamantina, até então maior produtor mundial de diamante, cuja exploração teve início ainda no século XVIII. Porém, na época da escrita, haviam sido descobertas jazidas na África do Sul, o que fez despencar o preço das pedras brasileiras, com reflexos diretos no cotidiano da cidade de 8.000 habitantes. O núcleo familiar da autora foi especialmente atingido, já que seu pai era administrador de garimpo.

Quatro anos depois da escrita do diário, Alice se deslocou ao Rio de Janeiro para casar com um primo mais abastado, que se tornaria presidente do Banco do Brasil, maior instituição financeira do país. A decisão de publicar o diário ancora-se na intenção de apresentar aos prováveis leitores (destacadamente as netas) a contraposição entre uma infância marcada pela precariedade material e o presente de condições privilegiadas. Ao concluir a introdução, a autora afirma: “A felicidade não consiste em bens materiais, mas na harmonia do lar, na afeição entre a família, na vida simples, sem ambições – coisas que a fortuna não traz e muitas vezes leva” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 3).

A autora destaca também a contraposição entre a pobreza do núcleo familiar e a opulência da família materna, especialmente a avó, que frequentemente a acolhia diante dos percalços. Ainda que financeiramente privilegiada, a avó detinha parco capital cultural (segundo Alice, era praticamente analfabeta). A situação se invertia no lado paterno, sendo o avô um médico inglês6 6 O avô de Alice, nascido em Barbados, imigrou para o Brasil já formado em medicina, vindo a residir inicialmente na mina de Morro Velho e posteriormente em Diamantina. Sua trajetória não é única; Gilberto Freyre (2000, p. 99) destaca a forte presença de médicos ingleses no país ao longo do século XIX, definindo-os como uma “instituição britânica na cultura nacional”. que gozava de prestígio e distinção na cidade. Ainda que detivesse capital cultural, a família paterna também era descrita como pobre, em que as tias, professoras primárias, valorizavam a capacidade de poupar, comportamento compreendido pela sociedade diamantinense como um exótico hábito cultural ligado a raízes protestantes.

A decisão de socializar o diário manuscrito para além do círculo doméstico, tornando-o impresso, implicou tornar pública uma experiência privada. Tal decisão foi à época justificada pela autora pela pressão do marido (ele próprio um escritor frustrado), que ao ler os cadernos reconheceu neles uma qualidade literária.

A publicação do diário não acarretou a impressão do texto inalterado dos originais. Como parcialmente reconhecido pela autora, a publicação envolveu a edição da obra: “Nesses escritos nenhuma alteração foi feita, além de pequenas correções e substituições de alguns nomes, poucos, por motivos fáceis de compreender” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 3). Tais alterações são justificadas pela autora pela presença de erros ortográficos e gramaticais e por referências pouco elogiosas a alguns moradores de Diamantina (Schwarz, 1997Schwarz, R. (1997). Duas meninas. São Paulo: Companhia das Letras., p. 49)

As tradutoras da obra (a poeta norte-americana Elizabeth Bishop e a acadêmica Marlyse Meyer) relatam nunca terem tido acesso aos originais. Marlyse Meyer (2006, p. 283)Meyer, M. (2006). Uma tradução e suas circunstâncias. Literatura e Sociedade, 11(9), 278-290. descreve um jantar em que o marido corrige Alice quando esta relatava um dos eventos do livro, sublinhando: “lembra, não foi isto o que realmente aconteceu”. Schwarz (1997)Schwarz, R. (1997). Duas meninas. São Paulo: Companhia das Letras. também questiona a extensão da edição da obra, atribuindo interferências no texto tanto ao marido quanto ao escritor Cyro dos Anjos e o prefaciador Alexandre Eulalio. Assim, não é possível aos historiadores recuperar o manuscrito, circunscrito ao domínio familiar, o que compromete a análise da materialidade da fonte. As características morfológicas da escrita, a distribuição do texto e as marcas de correção permanecem desconhecidas dos estudiosos da obra7 7 Meyer (2006) relata um encontro acadêmico em Diamantina, em 1995, que celebrou o centenário da obra e contou com a presença de familiares. Segundo a tradutora, o incômodo era evidente entre os estudiosos, pela impossibilidade de acesso aos originais e pela dúvida não apenas quanto às interferências no texto mas também quanto à conclusão abrupta do diário publicado. .

No que tange às condições de produção, a autora apenas registrou os locais e tempos de escrita: no quarto, antes de dormir, deitada na cama, na casa da avó e até mesmo na horta, em cima de uma árvore cuja descoberta como lugar para a escrita é comemorada pela autora como conquista de uma intimidade e de um distanciamento do cotidiano ausentes noutros espaços. Nada é dito sobre a dificuldade de adquirir os cadernos, embora fossem sistemáticos os registros de inacessibilidade a outros produtos, como roupas ou mesmo alimentos.

O segundo diário analisado tem 97 páginas em sua versão impressa, foi escrito em 1889 e publicado apenas em 2009. Sua publicação não respondeu a um desejo familiar ou da autora, falecida em 1928. Na verdade, esta redigiu quatro cadernos que relatam o período da Proclamação da República, dos quais apenas dois foram preservados, sendo impressos pelo historiador Celso Castro8 8 Cabe retomar o questionamento de Meyer (2006) sobre a existência de um único diário de Alice Dayrell. Teria sido realmente interrompida a escrita autobiográfica da autora? . A impressão dos manuscritos deve-se não à qualidade literária do material (caso do diário de Helena Morley), mas à posição social e ao pertencimento familiar da autora, bem como ao contexto histórico da escrita.

Bernardina, nascida em 1873, contava com 16 anos quando escreveu o caderno publicado. Era filha de Benjamin Constant, figura-chave no movimento republicano brasileiro, professor, general e um dos mais importantes divulgadores da doutrina positivista no Brasil. Constant integrou o primeiro governo republicano na condição de segundo vice-presidente, ministro da Guerra e da Instrução Pública, Correios e Telégrafos.

Benjamim Constant, apesar da posição de destaque político, não pertencia às elites econômicas; e aparece no diário de sua filha o tema da contenção de gastos, coerente com o registro de dívidas naquele período (Castro, 2009Castro, C. (2009). Introdução. In B. M. Magalhães. O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant (pp. 7-35). Rio de Janeiro: Zahar.). Na verdade, Benjamin Constant experimentou dificuldades econômicas ao longo de toda a vida. Seu pai era padeiro e mestre-escola, e sua família deslocava-se frequentemente em busca de melhores condições. Em razão do precoce falecimento paterno, a família experimentou uma precariedade econômica que redundou no adoecimento mental da mãe e numa tentativa de suicídio de Benjamin. Visando garantir condições de acesso ao ensino superior (inviável para alguém de sua posição) e ascensão social, Constant decidiu entrar para o Exército e lutar na Guerra do Paraguai.

Diferentemente de Alice, que dá destaque à precariedade financeira, Bernardina registra apenas um episódio relativo a esta questão: “Tia Olímpia quis por força dar-me 10 reis de um dinheirinho que ela pediu emprestado, visto estar perto do aniversário do papai” (Constant citada por Magalhães, 2009Magalhães, B. M. (2009). O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant. Rio de Janeiro: Zahar., p. 34).

Os cadernos que deram origem ao diário publicado constituem parte do acervo do Museu Casa Benjamin Constant, sendo, portanto, públicos. Como destaca Celso Castro no prefácio da obra, a autora não nomeou como “diário” os cadernos, que têm em sua capa apenas o registro: “continuação das notas de 1899” (Castro, 2009Castro, C. (2009). Introdução. In B. M. Magalhães. O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant (pp. 7-35). Rio de Janeiro: Zahar., p. 19). Nas palavras do historiador: “o registro diário de informações, definição mínima de diário, engloba um contínuo que vai de uma simples agenda de acontecimentos ao registro de pensamentos íntimos de seu autor. Essas notas de Bernardina ficam em algum lugar do meio do caminho” (Castro, 2009Castro, C. (2009). Introdução. In B. M. Magalhães. O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant (pp. 7-35). Rio de Janeiro: Zahar., p. 11).

Para Castro, a guarda do material pela família após a morte da autora investe-o de um sentido de objeto de memória, depositário da lembrança de um ente querido. Ao mesmo tempo, sua presença no arquivo revela sua condição de prova documental que registra eventos históricos a partir de uma perspectiva situada na esfera privada.

A escrita

Celso Castro (2009, p. 11)Castro, C. (2009). Introdução. In B. M. Magalhães. O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant (pp. 7-35). Rio de Janeiro: Zahar. supõe que Bernardina registrou seu cotidiano por sugestão do pai, tendo ele mesmo produzido uma extensa caderneta onde anotou acontecimentos cotidianos ao longo da década de 1860. Como comentado anteriormente, Constant vinha de família pobre, porém letrada, tendo investido esforços na acumulação de capital cultural (coerente com sua perspectiva positivista).Tanto Alice quanto Bernardina, portanto, tinham pais que valorizavam a cultura letrada e incentivavam a prática da escrita.

Alice deixa clara a intenção da narração de seu cotidiano. Em registro no dia 24 de julho de 1893, ela afirmava:

cada dia acho mais sentido na razão do conselho de meu pai de escrever no meu caderno o que penso ou vejo acontecer... Escrevas o que passa com você, sem precisar contar às suas amigas e guarde neste caderno para o futuro as suas recordações.

(Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 47).

Ou em 25 de novembro do mesmo ano:

este conselho que meu pai me deu de deixar de contar às amigas a minha vida e os meus segredos e escrever no caderno é na verdade bom por um lado e ruim por outro …. Escrevo tudo neste caderno que é o meu confidente e amigo único …. Eu sou a única menina da Escola que escreve tudo que pensa e que acontece, nas cartas e redações para Seu Sebastião. Sei que ele não se incomoda e até gosta, mas mesmo assim há muita coisa que eu não tenho coragem de levar para ele (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 78).

Podemos inferir que o diário de Alice ancorava-se numa tradição cultural anglo-saxônica de valorização da escrita reflexiva, para além do mero registro do vivido. Embora frequentemente anotasse atos banais, Alice anexava-lhes reflexões e comentários que envolviam um distanciamento dos acontecimentos. É interessante observar que, ao publicar o diário, a autora usou como pseudônimo o nome da avó materna (embora não a tenha conhecido e esta não tenha sido sequer citada no diário), evocando, talvez, a matriz cultural que informou a escrita.

Num trecho, Alice tece comentários críticos ao tronco familiar brasileiro, de que se diferenciaria, imputando-lhe a ausência de uma postura reflexiva:

Vou fazer 14 anos e já raciocino mais que todos da família. Comecei a tirar conclusões desde os 10 anos mais ou menos, eu penso. E juro que nunca vi uma pessoa da família da minha mãe pensar nas coisas. Ouvem uma coisa e acreditam e aquilo fica para o resto da vida. São tão felizes assim!

(Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 174).

Alice estabeleceu contraposições também entre a narrativa oral e a escrita. Num trecho, relatava:

mamãe nunca olha o que eu escrevo, mas vovó quer que eu leia tudo para ela e também para as pessoas de fora …. Coitada, ela é muito inteligente, mas mal aprendeu a ler e escrever e por isso fica pensando que é uma coisa do outro mundo contar as coisas com pena. Engraçado é que ela não se admira de eu contar com a boca. É que ela pensa que escrever é mais custoso. (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 86).

Observa-se aí como num contexto de predomínio da oralidade (86,63% da população brasileira do período não dominava a leitura e a escrita, segundo o censo de 1890 (Ferraro, 2002Ferraro, A. (2002). Analfabetismo e níveis de letramento no Brasil: o que dizem os censos? Educação e Sociedade, 23(81), 21-47.)), a escrita era socialmente valorizada. Alice, aluna da Escola Normal, entendia tal prática como uma habilidade “natural”, não compreendida como “custosa”.

Ampliando para outras práticas sociais de reflexão presentes naquele contexto, o ritual católico da confissão é apreendido pela autora a partir da tradição cultural africana, que conferia à noção de pecado e ao ritual da confissão outro sentido. Assim é que a autora relata o episódio em que temeu cometer pecado mortal por achar o padre “feio”, como lhe ensinara uma ex-escrava. Alice, depois de muito torturar-se, confessa ao padre seu pecado, o que lhe rende censuras pela idiotice do seu entendimento. Ou seja, Alice não parece emprestar à confissão um sentido de análise da consciência (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 269).

Já a escrita de Bernardina tem como objeto as atividades cotidianas do núcleo familiar ou das pessoas a ele relacionadas. O registro se centra no espaço doméstico, como no exemplo a seguir, do dia 31 de agosto de 1889:

Papai foi às Laranjeiras votar e veio almoçar; aqui no Instituto houve eleições. A Elvira veio hoje da casa da Aldina. O Benjamim teve feriado. Consertei um corpinho. Mamãe mandou comprar, a meu pedido, uma garrafa de água de colônia para eu levar amanhã à Tia Leopoldina, que faz anos; custou 3$. Alcina também comprou uma caixa de sabonetes finos para levar-lhe.

(Magalhães, 2009Magalhães, B. M. (2009). O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant. Rio de Janeiro: Zahar., p. 31).

A descontinuidade dos dois materiais não nos autoriza, porém, a dizer que suas autoras fossem dotadas de condições diversas de reflexividade. Claramente, Bernardina não atribuía a este material um sentido de interiorização, reflexividade e distanciamento do vivido, característico da escrita de Alice. Talvez o fizesse em outras escritas que não permaneceram ou, quem sabe, a reflexividade se desenvolvesse em outros espaços sociais.

A condição feminina

No seu estudo sobre o diário de Alice Dayrell, Schwarz (1997)Schwarz, R. (1997). Duas meninas. São Paulo: Companhia das Letras. comenta que, ao longo dos três anos de registro, observa-se a adultização da autora, expressa na crescente angústia com a formatura na Escola Normal e a inserção na vida adulta, dada a fragilidade de sua posição econômica, preocupação não presente no primeiro ano de registro. Ou seja, o diário – que se inicia quando a autora tem 13 anos e se mostra mais próxima do universo infantil, descrevendo brincadeiras e o mundo familiar – paulatinamente adquire mais densidade diante das preocupações com o futuro. Neste sentido, o diário aproxima-se da descrição do que Graff definiu como history of growing up, em que se observa, mesmo que num período curto, uma trajetória de vida. Já o diário publicado de Bernardina não nos permite avaliar sua progressiva adultização, restringindo-se ao registro de um ano de vida.

Em estudo sobre a história das emoções, Blauvelt (2002)Blauvelt, M. (2002). The work of the heart: emotion in the 1805-1835 diary of Sarah Connell Ayer. Journal of Social History, 35(3), 577-592. analisa um diário de setecentas páginas de uma menina de 14 anos do estado de Massachusetts, seguindo sua trajetória para a idade adulta até os 45 anos. Blauvelt destaca como os diários constituem um registro do escopo de emoções possíveis a um grupo social numa determinada época. Neste sentido, os comportamentos descritos refletem o universo possível ao futuro das mulheres daquele grupo social.

A descrição do lugar social feminino faz-se presente nos dois diários aqui estudados, no entrecruzamento com a posição econômica e o pertencimento racial. No caso de Alice, na empobrecida Diamantina do final do século XIX, observa-se o registro de certo protagonismo feminino ou autonomia na gestão da vida.

Furtado (2003, p. 129)Furtado, J. (2003). Chica da Silva e o contratador de diamantes. São Paulo: Companhia das Letras. registra que, segundo o censo de domicílios do Arraial do Tejuco de 1774, das 510 residências, 229 eram chefiadas por mulheres livres ou ex-escravas. Figueiredo (1997)Figueiredo, L. (1997). Barrocas famílias: a vida familiar em Minas Gerais no século XVIII. São Paulo: Hucitec. destaca a originalidade da história das mulheres na província mineira, onde, desde o período colonial, a participação feminina nas práticas sociais e na economia confrontava-se com o ideário de submissão e passividade.

Este parece ter sido o caso da avó de Alice, então rica viúva que, ao longo de todo o diário, dá demonstrações de gestão matriarcal da parentela. A avó administrava e distribuía os recursos financeiros entre os filhos, protegendo os menos afortunados (caso da mãe de Alice), ao mesmo tempo que emitia ordens e conselhos.

Na família paterna a autonomia feminina também é relatada na vida das tias solteiras, pobres professoras primárias. Entre ex-escravas, é frequente a descrição de atividades de trabalho que lhes garantiam o sustento e independência. Morley descreve relações distantes do ideário feminino de submissão neste grupo sociorracial. Entre outras situações, Alice narra a surra que uma ex-escrava deu no companheiro, o que parecia ser frequente naquela relação afetiva (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 145).

Alice analisou os dilemas da identidade feminina no entrecruzamento com a condição social, demarcando as alternativas de construção de um lugar social. Neste sentido, o diário expressa uma tensão própria deste grupo geracional, entre a dependência infantil e a autonomia adulta. O horizonte de possibilidades afigurava-se mais restrito que o masculino, o que é objeto de crescente ansiedade da autora, que se defronta com duas alternativas presentes naquele universo.

Por um lado, a profissão docente. Alice preparava-se para a vida adulta na condição de estudante da Escola Normal, o que lhe possibilitaria, caso permanecesse solteira, atuar como professora. A autora temia e rejeitava seguir a trajetória das tias inglesas solteiras, que se dedicavam a ensinar as primeiras letras para crianças em grande parte negras e bastante pobres, vivendo em condições precárias. Forçada a substituir uma das tias por alguns dias, Alice não consegue controlar os alunos e se horroriza (sem perder o humor com que desenvolve a escrita) com a possibilidade de ter que exercer a profissão docente. Alice desiste da sala de aula, dizendo à tia: “tia Madgie, é que eu não dou para mestra. Foi Deus que fez acontecer isto para eu saber e procurar outro meio de vida. Já estive pensando, vou fazer quitanda” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 233). Como atestam pesquisas sobre docência naquele período (Gouvea, 2004Gouvea, M. C. (2004). Os fios de Penélope: a mulher e a educação feminina no século XIX. In L. Faria Filho, & R. Fernandes (Orgs.) História da criança: materialidades, práticas e representações (pp. 105-132). Belo Horizonte: Autêntica., Veiga, 2014Veiga, C. G., & Lacerda, T. B. S. (2014). Presiones por la moralidad de los profesores: Brasil, siglos XVIII-XX. Clío & Asociados: La Historia Enseñada, (18-19), 106-124.), ser professora constituía uma alternativa de trabalho para as jovens das camadas pobres da população.

A docência se feminiliza no Brasil no final do século XIX, quando são atribuídas à profissão caraterísticas que a aproximam da maternagem, numa visão coerente com o ideário dominante de domesticidade. É a partir de 1872 que as escolas normais na província mineira se ampliam, organizando-se como espaço formador docente e tendo seu currículo estendido, o que conferia à profissão maior legitimidade (Veiga, 2014Veiga, C. G., & Lacerda, T. B. S. (2014). Presiones por la moralidad de los profesores: Brasil, siglos XVIII-XX. Clío & Asociados: La Historia Enseñada, (18-19), 106-124.).

A outra possibilidade era o casamento. Alice refletia sobre a instituição, situando-a historicamente na trajetória familiar. Assim descreveu a experiência das tias brasileiras, que tiveram seus maridos escolhidos pelo pai: “As únicas que casaram por seu gosto, conhecendo os maridos, foram mamãe e tia Aurélia, porque casaram depois da morte do vovô. Para as outras vovô escolhia o marido que ele queria” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 267). A autora confronta a experiência das tias com a da mãe que, num casamento escolhido por amor, via-se a todo tempo fragilizada pela precariedade financeira.

Alice percebia-se como responsável pela escolha matrimonial, ao mesmo tempo que lhe emprestava um sentido de ascensão social e econômica, o que retrata as mudanças nas definições matrimoniais do período. Del Priore (2005)Del Priore, M. (Org.). (2005). História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto. destaca também este deslocamento, em que, a partir da segunda metade do século XIX, o matrimônio arranjado (que ainda se fazia presente) foi confrontando com o casamento romântico. De instituição destinada à manutenção da linhagem, a cargo do patriarca, o casamento passou a ser cada vez mais identificado como fundado no afeto, cuja escolha seria definida pelos nubentes. Cabe observar, no entanto, a ausência no diário de qualquer referência a um ideal de amor romântico ou expressão de desejo afetivo.

A percepção do projeto de futuro e das relações de gênero do período era mediada por uma característica pessoal da autora, reiteradamente descrita na narrativa: a crítica ao universo social que habitava. Alice não apenas registrava seus estranhamentos, mas os manifestava verbalmente, o que lhe conferia um lugar de moça questionadora e algo excêntrica (características que temia comprometerem seus planos de casamento). Vista como pouco atraente por ser excessivamente branca e sardenta, reconhecida como moça de maus modos, a quem os rapazes deram apelido de Tempestade, mostrava-se insegura de suas condições no mercado matrimonial da cidade. São frequentes as descrições de comportamentos estouvados, de gostar de vadiar ao invés de estudar e de apresentar comportamentos masculinizados (“tudo que meus irmãos fazem eu invejo, e enquanto não faço eu não sossego”), tendo ganho do irmão a alcunha de “menino-homem” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 88).

Sua visão de mundo questionadora parece ter sido absorvida pela família e pela escola, uma vez que Alice descreve-se como predileta da avó materna e da tia paterna e aluna valorizada não pelo estudo, mas por sua memória e personalidade. Como comenta: “Meu pai diz sempre que gosta mais do meu gênio do que de Luisinha, que sou franca, que eu sou o que penso e faço” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 197). O comportamento de Alice não era, portanto, fonte de rejeição social – ainda que lhe causasse exasperações eventuais –, mas, pelo contrário, parecia conferir-lhe distinção. Para além da descrição de suas atitudes, Alice retratava, nas demais moças, comportamentos que fugiam ao ideário feminino, como na colega que “tinha dado falta de um cravo e estava com uma navalha, dizendo que ia cortar a mão da ladrona que o tinha roubado” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 197); ou noutra ocasião, em que descreve uma briga coletiva na Escola Normal: “As outras caíram nela de murros sem ela me largar…. Se o Diretor não chega na hora, ela me rasgava a cara toda com as unhas” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 207).

Helder Pinto (2016)Pinto, H. (2016). Entre a casa e a rua: uma história da mocidade de Diamantina-MG no final do século XIX. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte., em seu estudo sobre a juventude de Diamantina do período, recorre ao diário de Alice Dayrell e o entrecruza com outras escritas autobiográficas e publicações de jovens nos jornais da cidade, demonstrando como a crítica ao mundo adulto e suas contradições, bem como as manifestações de iconoclastia, não constituía expressão idiossincrática da autora. Em sua tese de doutorado, Pinto resgata, entre outros registros, o jornal Voz Feminina, de 1901, redigido por moças do município e voltado à defesa do voto feminino, revelando a presença de uma visão crítica do mundo social em outras jovens da cidade.

Miriam Moreira Leite (1997)Leite, M. M. (1997). Livros de viagem (1803-1900). Rio de Janeiro: Editora UFRJ., em sua análise de escritos de viajantes estrangeiros no Brasil, comenta que as qualidades atribuídas às mulheres – como fragilidade e vocação para o trabalho doméstico e o lar – nem sempre se fizeram presentes, embora fossem comportamentos esperados. Para a autora, sempre houve comportamentos destemidos por parte das mulheres brasileiras, capazes de arrostar padrões culturais arraigados, reforçando a análise de que Alice não era exceção naquele universo social. Também Del Priore (2005)Del Priore, M. (Org.). (2005). História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto. destaca a presença de comportamentos que rompiam com o ideário de feminilidade caracterizado pela doçura e submissão, embora este continuasse hegemônico entre as camadas dominantes.

As expressões verbais e corporais de Alice chocam-se com os materiais que informavam a educação para a vida adulta – literatura, revistas, jornais e guias de conduta em circulação no Brasil –, dirigidos a meninas e moças de grupos sociais abastados. Estas publicações centravam-se na valorização do recato, na contenção de gestos, na obediência e na domesticidade. A narrativa de Alice permite-nos visualizar um leque maior de expressões de comportamento feminino possíveis naquele universo, muito além do prescrito (o que lhe facultou, inclusive, um casamento bem-sucedido).

Já Bernardina não registrou nenhuma ansiedade em relação ao futuro, nem analisou suas possibilidades, tampouco evocou o passado. Sua escrita concentrava-se no presente. Como destacado, não se trata de um diário que apresente as condições de reflexividade e distanciamento do vivido. A preocupação parece ser o registro objetivo e sintético dos acontecimentos diários, e Bernardina não utiliza em suas notas um único adjetivo para se referir a si mesma ou aos demais (o que se destaca na escrita de Alice).

A formação da sensibilidade das autoras não remete à leitura. Alice pouco relatou o que lia, o que dificulta perceber a influência de outros textos na construção de sua visão de mundo. A autora limitou-se a uma interessante análise crítica do papel da leitura na sua formação, ao comentar que, por indicação de sua tia professora, havia lido de Smiles: O poder da vontade (s.d.) e O caráter (1875)9 9 Segundo Bastos (2000) tais obras tiveram enorme circulação entre a intelectualidade brasileira do final do século XIX e primeiras décadas do século XX, difundindo, entre as elites, o ideário do sucesso individual. , obras que externavam valores morais ligados à ética do trabalho e que, segundo Turmina e Shiroma (2014)Turmina, A., & Shiroma, E. (2014). “Se você não mudar, morrerá”: a (con)formação de um trabalhador de novo tipo no discurso de autoajuda. Revista Brasileira de Educação, 19(56), 165-180., constituem um dos primeiros exemplos de literatura de autoajuda. Alice comentou:

Tenho certeza de que esses livros não me valeram de nada. Força de vontade não adquiri nem um pingo mais do que tinha. Caráter não mudei em nada. Bondade, nada mais do que eu já tinha. Só uma coisa que eu penso que lucrei, mas não tenho certeza se foi Samuel Smiles que me ensinou …: foi aprender a ser poupada e a guardar tudo que tenho.

(Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 39)

Noutro trecho, Alice contrapõe o comportamento aético de uma tia à sua formação literária, ironizando-a: “Iaiá, que é a tia mais civilizada, que até lê romances e conta à gente direitinho, virou uma demônia por causa do dinheiro” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 251). Ao longo da obra, ao comentar sua formação, a autora destaca os conselhos e opiniões dos adultos, especialmente do pai, da avó e da mãe (esta em menor medida).

Bernardina também não arrolava cotidianamente o que lia, embora registrasse cada peça de roupa bordada e doce confeccionado, bem como cada aula de piano recebida. Além das histórias lidas pela mãe à noite, a autora registra a leitura de óperas, antecipando o espetáculo, certamente como estratégia de compreensão do enredo. Por fim, a leitura de uma única obra é registrada: “Comecei à noite a ler O Coração” (Magalhães, 2009Magalhães, B. M. (2009). O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant. Rio de Janeiro: Zahar.; p. 115). Segundo Castro, em nota de pé de página, trata-se provavelmente de Coração: diário de um menino (1886), do autor italiano De Amicis. A obra teve larga circulação no período, narrando episódios diários da vida de um menino de 8 anos, constituindo uma leitura de formação moral e cívica para jovens.

Cabe observar que embora as práticas de leitura não fossem presentes em ambos registros, Alencastro (1997)Alencastro, A. (1997). Vida privada e ordem privada no Império. In História da vida privada no Brasil (Vol. 2, pp. 32-67). São Paulo: Companhia das Letras. e D’Incao (1997)D’Incao, M. A. (1997). Mulher e família burguesa. In M. Del Priore. História das mulheres no Brasil (pp. 223-240). São Paulo: Contexto. chamam atenção para o crescimento da circulação do texto escrito e dos hábitos de leitura na corte no período. D’Incao (1997)D’Incao, M. A. (1997). Mulher e família burguesa. In M. Del Priore. História das mulheres no Brasil (pp. 223-240). São Paulo: Contexto. destaca a ampliação da leitura feminina, com publicações de novelas românticas, surgimento de revistas femininas e aumento de jornais destinados a este público leitor. A ausência do registro de leituras por Bernardina e sua rarefação por Morley, enquanto outras ações eram cuidadosamente anotadas, nos faz indagar se tal ausência seria resultante da falta de hábito de leitura literária no núcleo familiar.

Os diários se aproximam na ausência de temas que iriam tornar-se cada vez mais frequentes nos diários femininos de jovens ao longo do século XX: o registro da menarca, os primeiros interesses afetivos e mesmo manifestações da sexualidade. Neste sentido, embora fosse pródiga nos comentários sobre suas características individuais, destacando sua rebeldia e independência na capacidade de analisar o mundo à sua volta, Alice não registrou questões ligadas ao corpo e suas transformações nem a emergência da sexualidade, observando-se o mesmo no diário de Bernardina. Nem mesmo olhares dirigidos a rapazes com quem conviviam eram objeto de registro pelas autoras, ainda que ambas tenham relatado, por exemplo, idas a bailes. Em um desses eventos, Bernardina retorna com a família às cinco horas da manhã e, na descrição da dança, conta que: “eu dancei apenas uma quadrilha e uma polca, e , como vi que de todo não sabia, não quis mais dançar” (Magalhães, 2009Magalhães, B. M. (2009). O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant. Rio de Janeiro: Zahar., p. 101). Ou seja, nada é dito sobre os rapazes presentes. Alice, por sua vez, relata um baile em que se exasperou com o português incorreto de um dos rapazes, terminando com o comentário: “não é de se perder a esperança com estes rapazes ?” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 211), destacando a ausência de interesse pelos jovens da cidade.

Neste sentido, cabe indagar em que medida o silêncio é expressão de uma censura de vivências por demais íntimas para serem objeto de relato, de acordo com os códigos da época. A ausência constitui expressão daquilo que, mesmo presente, não se fala, nem para si mesma.

O cotidiano

Um aspecto bastante distinto entre os dois textos é o registro do cotidiano. Vivendo as autoras em cidades diferentes, a circulação pelos espaços urbanos mostra-se também diversa.

Bernardina centrou o foco do seu registro no cotidiano familiar. Como destaca Castro (2009)Castro, C. (2009). Introdução. In B. M. Magalhães. O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant (pp. 7-35). Rio de Janeiro: Zahar., as mulheres da casa nunca saíam sozinhas e, durante a noite, a autora se movimentava acompanhada pelo pai ou outro adulto.

Os registros centram-se no espaço doméstico, em que as atividades tinham como objeto, no caso de Bernardina, a costura (para si e para os demais), o bordado, as aulas de piano e as conversações entre os membros do núcleo familiar e as constantes visitas, numa sociabilidade centrada na circulação entre as casas. A descrição do cotidiano é expressão do “culto da domesticidade” (Louro, 1997Louro, G. L. (1997). Mulheres na sala de aula. In M. Del Priore (Org.). História das mulheres no Brasil (pp. 443-482). São Paulo: Contexto.), característico do período no grupo social da autora. Tal culto “representava uma valorização da função feminina no lar, através da construção de vínculos entre o espaço doméstico e a sociedade mais ampla... na medida em que o lar passava a adquirir um conjunto de papéis na ordem social, política, religiosa e emocional mais ampla do que tivera até então” (Louro, 1997Louro, G. L. (1997). Mulheres na sala de aula. In M. Del Priore (Org.). História das mulheres no Brasil (pp. 443-482). São Paulo: Contexto., p. 454).

O culto da domesticidade não é incoerente com o alargamento das expressões de sociabilidade e da presença feminina na vida social. A circulação se fazia, no caso deste grupo social, na reprodução do mundo doméstico no espaço público. Como destaca D’Incao (1997)D’Incao, M. A. (1997). Mulher e família burguesa. In M. Del Priore. História das mulheres no Brasil (pp. 223-240). São Paulo: Contexto., a ideia de intimidade assume um sentido mais largo, em que as mulheres tiveram sua circulação ampliada para outros espaços de sociabilidade, mas submetida à avaliação dos outros em termos de comportamento público.

No registro de atividades de sociabilidade, Bernardina deu destaque a idas a espetáculos de ópera, o que coincide com os comentários de Alencastro (1997)Alencastro, A. (1997). Vida privada e ordem privada no Império. In História da vida privada no Brasil (Vol. 2, pp. 32-67). São Paulo: Companhia das Letras. e Priore (2005)Del Priore, M. (Org.). (2005). História do amor no Brasil. São Paulo: Contexto. sobre a centralidade deste tipo de atividade cultural entre as elites da corte no período. Esta atividade era largamente valorizada pela família Constant, que compareceu quatro vezes à encenação da ópera O Guarani, preparando-se para o espetáculo através da socialização prévia, entre os membros da família, do enredo da encenação.

Chama atenção, neste caso, como a escola se faz ausente. Bernardina não faz referência à sua formação, informando se esta ocorreu no espaço doméstico ou em alguma instituição formal. A autora registra apenas as aulas matinais de piano, tipo de aprendizado comum entre moças abastadas, “bem visto à época pelo entendimento de que a habilidade musical (exposta apenas em ambientes privados) contribuiria positivamente para a apresentação da família, sublinhando um status social de bom nível” (Freire, 2012Freire, V. B., Zecca, R. V., & Penello, P. R. (2012). Educação musical da mulher no segundo reinado. Anais do II Simpósio Nacional de Musicologia, Pirenópolis. Recuperado de http://www.academia.edu/3407934/Educa%C3%A7%C3%A3
http://www.academia.edu/3407934/Educa%C3...
, p. 6).

O irmão ainda estudava, e o registro de que frequentemente deixava de ir às aulas por estar chovendo ou não ter acordado se repete ao longo do texto, o que não parece ser objeto de censura familiar. No diário de Bernardina, a escola parece pertencer ao passado, sem efeitos no presente ou relação com a qualificação para o trabalho, como no caso de Alice. A autora cita uma única atividade relacionada ao seu aprendizado escolar, ao relatar tomar lição dos irmãos, ajudando-os em uma atividade escolar em que emprega tempo e esforço.

Já Alice relata deslocamentos constantes pela cidade e arredores, experimentando enorme prazer na rua. Esta questão é também objeto de censura pela mãe e demais familiares, no contraste com o comportamento da irmã Luísa, mais restrita ao espaço doméstico.

Pinto (2016, p. 311)Pinto, H. (2016). Entre a casa e a rua: uma história da mocidade de Diamantina-MG no final do século XIX. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte., em seu trabalho sobre a juventude de Diamantina do período, resgata a seguinte quadra, num dos jornais da cidade: “A mulher e a galinha nunca devem passear. A galinha o bicho come. A mulher dá o que falar”. O registro indica o tipo de comportamento esperado da mulher, restrito à casa, mas Alice não narra nenhum cerceamento à sua circulação; ao contrário, defende suas escolhas, questionando os valores maternos ligados à domesticidade:

Eu é que não compreendo que a senhora tenha me criado com tanta liberdade desde pequena e agora queira me prender em casa. É inútil mamãe …. Não há outro jeito a não ser a senhora também ir e deixar dessa bobagem de ficar de noite em casa, à toa, remoendo tristeza

(Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 250).

Novamente verifica-se que, mesmo que Alice não apresentasse um comportamento social compatível com os modelos de domesticidade feminina das camadas médias e altas do período, havia uma aceitação social de suas atitudes, ainda que estas fossem tomadas como expressão de sua excentricidade.

Alice não apenas se deslocava pela cidade como o fazia na companhia de outras moças, o que reforça uma maior permissividade em relação à presença feminina nos espaços públicos. Cabe sublinhar que tais deslocamentos se restringiam a certos locais acessíveis às mulheres, como casa de parentes e de famílias de diferentes grupos sociorraciais, em direção à igreja, à escola normal, ao rio, à venda. Não há referência à frequência (ou desejo de frequência) a espaços ligados à sociabilidade masculina, como bares e botequins da cidade, comum no registro autobiográfico dos moços de Diamantina do período, segundo a pesquisa de Pinto (2016)Pinto, H. (2016). Entre a casa e a rua: uma história da mocidade de Diamantina-MG no final do século XIX. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte..

Na sociabilidade descrita por Alice destaca-se a intensa convivência com ex-escravos, especialmente na chácara da avó, ou na proximidade da casa familiar. Tal comportamento sim foi fonte de censura e proibição: Alice relata que gostava de embalar os bebês negros dos vizinhos, o que foi proibido pela mãe, que interviu “nesta mania de embalar negrinho”.

Esta convivência não se faz presente no diário de Bernardina, que apenas relata a visita de uma ex-ama a quem dá alguns tostões, posteriormente repostos pela mãe. Trata-se de universos familiares distintos, e a estratificação e a distância entre as classes sociais e os grupos raciais no cotidiano de Bernardina diferenciava-se da proximidade relatada por Alice. Tal proximidade, no entanto, não significa o rompimento de barreiras, mas apenas seu caráter tênue. Em diversas situações no diário de Alice, quando há ameaça de ruptura das hierarquias, a condição racial é nomeada, de forma a marcar interdições.

No caso de Bernardina, cujo diário é centrado no universo familiar, não é possível descortinar o cotidiano feminino no espaço público da corte, em que mulheres pobres e ex-escravas garantiam seu sustento nas ruas. O relato das atividades do dia a dia fornece-nos um retrato parcial e restrito do universo social da corte, ao mesmo tempo que torna acessível a descrição do cotidiano feminino do grupo social da autora. O centramento no universo familiar não foi questionado por Bernardina, que não registra nenhum desejo de maior autonomia e independência.

História e registro

Bernardina localizava-se no epicentro de um dos mais importantes acontecimentos da história política brasileira. Embora as referências tivessem como cenário o espaço doméstico, os eventos invadiam a cena familiar, com a presença de conspiradores que pouco tempo depois ocupariam o poder. Bernardina não ultrapassou o olhar doméstico na análise do evento público. Celso Castro analisa como aparecem no diário fatos históricos importantes do período, como o baile da Ilha Fiscal, visto através da descrição do passeio de barco da família para acompanhar a chegada e saída dos convidados ao baile. Outros registros indicam como a cidade participou do evento, assistindo a partida dos barcos.

Neste sentido, os registros deslocam-se. Se de início Bernardina fazia uma narração repetitiva de um cotidiano centrado no mudo familiar, com o desenrolar do movimento republicano, os acontecimentos invadem o texto. Á medida que se aproxima a Proclamação da República, os registros ganham em tamanho, mas não em densidade. No dia 15 de novembro de 1889, Bernardina narra, seguindo a narrativa factual a partir do espaço doméstico:

Acordei hoje ao toque de trombetas dos soldados e assustada levantei-me e soube então por mamãe que vieram de madrugada alguns oficiais para irem com papai para o quartel general, pois receavam que o movimento para a República rebentasse hoje; com efeito, pelo meio dia o Exército em peso, ligado à Armada, prendeu os ministros em reunião do Conselho.

(Magalhães, 2009Magalhães, B. M. (2009). O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant. Rio de Janeiro: Zahar., p. 84)

Continuando a descrição do dia, mais adiante a autora registra: “Dr. Alvaro veio ter com papai e almoçar, o Dr. Macedo também almoçou cá, o Dr. Agilberto veio cá cumprimentar papai, porém não o encontrou” (Magalhães, 2009Magalhães, B. M. (2009). O diário de Bernardina: da Monarquia à República pela filha de Benjamim Constant. Rio de Janeiro: Zahar., p. 85). Ou seja, altera-se o objeto das notações, mas o ritmo da escrita e a perspectiva doméstica permanecem.

Bernardina buscou dar destaque ao protagonismo do pai na Proclamação da República, citando seu nome cada vez mais. Observa-se um contraste com o início das notações, onde o pai era referido ao tempo e espaço do trabalho, distanciado do mundo da casa. Com os acontecimentos, a rotina doméstica foi alterada pela presença de atores políticos, o que é destacado pela autora, que deixa clara a admiração pelo pai (perceptível pela repetição de elogios e homenagens).

Os acontecimentos políticos nacionais tomam dimensões distintas nos dois diários. Alice não se referiu à Proclamação da República, mas à disputa entre Floriano Peixoto e Custódio de Mello pela presidência do país, já no período posterior. Em uma ocasião, ao discutir os acontecimentos políticos, ouve de uma colega: “Para que você se importa com a vitória ou derrota de qualquer deles? Eles sabem lá quem é você? … Para mim, vencesse o que vencesse, seria o mesmo” (Morley, 1971Morley, H. (1971). Minha vida de menina. Rio de Janeiro: José Olympio., p. 104). Evidentemente, dada a distância geográfica dos centros de poder, os efeitos do fim da monarquia mostram-se amortecidos, pouco afetando a ordem dos dias.

Outras profundas transformações do país no período impactaram o cotidiano de Alice, com destaque para o fim do regime escravista. A autora escreveu num contexto em que a ordem escravocrata imprimia marcas no cotidiano, mesmo depois de sua extinção. As permanências destacam-se para além dos deslocamentos, impactando os valores e as relações entre brancos e negros no cotidiano da pequena cidade.

São diversos os registros de tensões raciais diante do fim da escravidão: o negro “insolente” que apanha por ousar questionar seu patrão; os negros da avó, repreendidos firmemente por comemorarem a Lei Áurea; a família vizinha de negros que contrata o pai de Alice para ensinar suas crianças a ler e escrever; e o uso do termo “aluguel” de um negro, ao invés de “contratação”, mesmo depois do fim da escravidão.

Já Bernardina não mencionou a Abolição nem registrou a convivência inter-racial para além da visita de uma antiga ama a quem dá alguns tostões. Os efeitos do fim do regime escravista mostram-se distintos, dada sua presença diversa naquele contexto. É interessante observar que Lima Barreto, então criança residente na Corte, comenta que a Abolição não teve para ele maior significado, pois não conhecia pessoalmente nenhum escravo, num Rio em que a maior parte dos negros já gozava de liberdade (Schwarz, 2017Schwarcz, L. M. (2017). Lima Barreto: triste visionário. São Paulo: Companhia das Letras.).

Conclusão

O exercício de análise das fontes buscou realçar o que foi apontado por Cox (1996)Cox, R. (1996). Shaping childhood: themes of uncertainty in the history of adult-child relations. London: Routledge.: o caráter idiossincrático de produções autobiográficas. Mais do que a escrita de uma história da mocidade no período, elas nos falam de um elenco de comportamentos, sensibilidades, emoções e projetos de vida possíveis naqueles contextos. Neste sentido, num universo pré-freudiano, os diários constituem expressão do que se fala e do que se cala no registro da experiência feminina.

A análise dos diários possibilitou descortinar um espectro mais amplo de formas de participação na vida social e de comportamentos femininos em grupos sociais letrados, para além do que fontes como livros, revistas e romances dirigidos às mulheres do período indicam. É possível perceber um universo feminino bem mais complexo e menos normativo que estas fontes fazem supor. Reafirma-se, na análise dos diários, que os sujeitos são atores históricos, que reinterpretam os discursos sociais em circulação. Como aponta Theriot (1996)Theriot, N. (1996). Mothers & daughters in nineteenth-century America: the biosocial construction of femininity. Lexington: University Press of Kentucky., discursos não são indicativos das ações dos sujeitos. Estes criam significados mediados pelas experiências possíveis no seu universo social. Neste sentido, na escrita da história das mulheres, cabe contemplar fontes diversas, que deem visibilidade não apenas aos discursos, mas às experiências sociais.

Por outro lado, cabe ter cautela ao analisar a relação entre experiência e linguagem. Scott (1987, citada por Pinsky 2009Pinsky, C. (2009). Estudos de gênero e história social. Estudos Feministas, 17(1), 159-189.) aponta que não existe uma experiência para além da linguagem. Para a autora, “não há realidade social fora ou anterior à linguagem”, ou seja, “é impossível separar significados de experiências, não há experiência social separada da percepção das pessoas sobre ela” (citada por Pinsky, 2009Pinsky, C. (2009). Estudos de gênero e história social. Estudos Feministas, 17(1), 159-189., p. 164). Assim, os diários constituem discursos sobre a experiência, e não sua tradução.

Os diários permitem também complexificar a visão sobre as diferenças entre os sexos, especialmente no caso do diário de Alice. A construção da identidade feminina da autora mostra-se mais complexa, destacando-se o trânsito entre comportamentos tidos como masculinos e femininos, o que demonstra que as fronteiras eram mais maleáveis nas relações de gênero. Isto nos aproxima daquela que Pinsky (2009)Pinsky, C. (2009). Estudos de gênero e história social. Estudos Feministas, 17(1), 159-189. define como a questão central a ser respondida pelos pesquisadores: como, em situações concretas e específicas, as diferenças sexuais são invocadas e perpassam a construção das relações sociais?

Evidentemente tal questão é mediada por outros condicionantes, como classe social. Tilly (1994)Tilly, L. (1994). Gênero, história das mulheres e história social. Cadernos Pagu, (3), 29-62. aponta como, nas camadas dominantes, existe maior controle e rigidez na compreensão das diferenças sexuais e nos papéis atribuídos a cada sexo, o que parece se refletir no universo feminino mais restrito de Bernardina. Embora ao longo deste artigo a categoria classe social não tenha sido tratada com maior aprofundamento, ela informa, no entrecruzamento com outras categorias identitárias, como as diferenças sexuais são significadas em situações concretas e específicas.

Por fim, a leitura dos diários de Alice e Bernardina nos permite visualizar a riqueza da tessitura social de um país saído do regime escravista e recém-entrado na República, em que os efeitos das radicais transformações se fazem tão presentes quanto o registro das permanências. Os diários permitem apreender como aquelas meninas-moças deram sentido aos acontecimentos históricos, visualizando seu impacto na vida cotidiana.

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    Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Bolsa Produtividade 1-B eEdital Universal 2016.
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    Normalização, preparação e revisão textual: Caique Zen (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
  • 3
    Optei por utilizar o termo “menina-moça”, comum no período histórico analisado (Del Priore, 2010Del Priore, M. (Org.). (2010). História das crianças no Brasil. São Paulo: Contexto.)
  • 4
    Existe uma vasta produção a respeito da obra, com teses, dissertações, livros, capítulos e artigos em periódicos (para um levantamento mais detalhado, vide Pinto, 2016Pinto, H. (2016). Entre a casa e a rua: uma história da mocidade de Diamantina-MG no final do século XIX. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte.). Neste artigo vamos concentrar no diálogo com dois trabalhos. O primeiro, o instigante ensaio de Roberto Schwarz, Duas meninas (2007), em que o autor também faz uma análise comparativa, neste caso entre o diário de Alice e a personagem Capitu, do clássico romance de Machado de Assis, Dom Casmurro. O segundo, a excelente tese de doutorado de Helder Pinto (2016)Pinto, H. (2016). Entre a casa e a rua: uma história da mocidade de Diamantina-MG no final do século XIX. Tese de Doutorado, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte., que recorre ao diário para estudar a juventude em Diamatina no período.
  • 5
    Schwarz (1997)Schwarz, R. (1997). Duas meninas. São Paulo: Companhia das Letras. questiona se Alice seria a autora do texto de apresentação, atribuindo-o ao marido.
  • 6
    O avô de Alice, nascido em Barbados, imigrou para o Brasil já formado em medicina, vindo a residir inicialmente na mina de Morro Velho e posteriormente em Diamantina. Sua trajetória não é única; Gilberto Freyre (2000, p. 99)Freyre, G. (2000). Os ingleses no Brasil. Rio de Janeiro: Topbooks. destaca a forte presença de médicos ingleses no país ao longo do século XIX, definindo-os como uma “instituição britânica na cultura nacional”.
  • 7
    Meyer (2006)Meyer, M. (2006). Uma tradução e suas circunstâncias. Literatura e Sociedade, 11(9), 278-290. relata um encontro acadêmico em Diamantina, em 1995, que celebrou o centenário da obra e contou com a presença de familiares. Segundo a tradutora, o incômodo era evidente entre os estudiosos, pela impossibilidade de acesso aos originais e pela dúvida não apenas quanto às interferências no texto mas também quanto à conclusão abrupta do diário publicado.
  • 8
    Cabe retomar o questionamento de Meyer (2006)Meyer, M. (2006). Uma tradução e suas circunstâncias. Literatura e Sociedade, 11(9), 278-290. sobre a existência de um único diário de Alice Dayrell. Teria sido realmente interrompida a escrita autobiográfica da autora?
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    Segundo Bastos (2000)Bastos, M. H. C. (2000). Leituras da ilustração brasileira: Samuel Smiles (1812-1904). Ícone, 6(1), 117-134. tais obras tiveram enorme circulação entre a intelectualidade brasileira do final do século XIX e primeiras décadas do século XX, difundindo, entre as elites, o ideário do sucesso individual.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    01 Set 2017
  • Revisado
    01 Abr 2018
  • Aceito
    22 Abr 2018
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