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A didática e a formação do professor de Educação Física: uma análise a partir da avaliação de alunos concluintes1 1 Apoio: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).

La didáctica y la formación del profesor de educación física: un análisis a partir de la evaluación de alumnos concluyentes

Resumo

Estudo com aproximadamente 80 estudantes de um curso de licenciatura em Educação Física, com o objetivo de analisar a aprendizagem da docência construída no contexto da formação em didática. Constitui recorte de uma pesquisa envolvendo 14 cursos de licenciatura, orientada pelo seguinte questionamento: que contribuições o ensino de didática tem propiciado ao futuro professor visando à construção de sua própria prática profissional? Os dados foram obtidos mediante a aplicação de questionário e a realização de grupos de discussão. Teoricamente, se sustentou na compreensão de que o ato de ensinar envolve a ação especializada do professor para promover a aprendizagem de seus alunos, requerendo a mobilização de saberes específicos, reconhecidos como base de conhecimento profissional docente. As análises evidenciam que as contribuições do ensino de didática, ancoradas na perspectiva crítica, podem ser determinantes para a constituição dos saberes profissionais, visto que prevalece no curso, como um todo, a ênfase na formação técnica.

Palavras-chave
ensino de didática; formação de professores; Educação Física

Resumen

Este artículo resulta de un estudio con 80 estudiantes de un profesorado de Educación Física, cuyo objetivo fue el de analizar el aprendizaje de la docencia construido en las asignaturas de didáctica. Se han obtenido los datos mediante una encuesta y la realización de grupo de discusión. Teóricamente la investigación se ha desarrollado a partir de la comprensión de que el acto de enseñar involucra la acción especializada del profesor para promover el aprendizaje de sus alumnos, requiriéndose la movilización de saberes específicos, reconocidos como base de conocimiento profesional docente. Los análisis evidencian que las contribuciones de la enseñanza de didáctica, ancladas en la perspectiva crítica, pueden ser determinantes para la constitución de los saberes profesionales docentes visto que prevalece en la carrera, de modo general, el énfasis en la formación técnica.

Palabras clave
enseñanza de didáctica; formación de profesores; Educación Física

Abstract

The aim of this study was to analyze the learning of teaching with approximately 80 students from a Physical Education graduation course within the context of the formation in Didactics. It is a research cutout involving 14 teacher formation courses, guided by the following questionnaire: what contributions has the teaching of didactics provided to the future teacher, aiming at the construction of their own professional practice? The data were obtained through the use of a questionnaire and group discussions. Theoretically, it was based on the understanding that the act of teaching involves the specialized action of the teacher to promote the learning of their students, requiring the mobilization of specific knowledge, recognized as a professional teaching knowledge basis. The analysis shows that the contributions of the teaching of didactics, underpinned by the critical perspective, can be crucial for the formation of professional knowledge, since the emphasis in the course, as a whole, is on technical education.

Keywords
Didactics Teaching; Teacher Education; Physical Education

Introdução

O presente artigo é fruto de uma pesquisa mais ampla, denominada “A didática e o aprendizado da docência no processo de constituição identitária de futuros professores”, coordenada pelo GEPED2 2 Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática e Formação de Professores da Faculdade de Educação da UFRJ, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Giseli Barreto da Cruz. , e realizada no período de 2012 a 2015, com o financiamento da FAPERJ3 3 Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro. . Tal investigação buscou averiguar – em 14 diferentes cursos de licenciatura de uma instituição pública de Ensino Superior, localizada na cidade do Rio de Janeiro – as contribuições do ensino de didática para o processo de constituição dos saberes profissionais docentes, no que se refere ao que faz o professor formador para colaborar com o aprendizado da docência. Nesta oportunidade, serão apresentados os resultados referentes a um destes cursos: a licenciatura em Educação Física (EF).

No sentido de contextualizar a proposta, vale a pena olhar brevemente para a constituição do campo da didática no Brasil, marcado por um movimento paradigmático que propôs a superação de uma didática instrumental por uma didática fundamental (Candau, 1983Candau, V. M. (Org.). (1983). A Didática em questão. Rio de Janeiro: Vozes.). Enquanto a primeira pode ser entendida como as concepções e as práticas de ensino marcadas por características estritamente técnicas e prescritivas, calcadas exclusivamente com o que e o como ensinar, a segunda é delineada através da multidimensionalidade, que envolve as dimensões técnica, humana e política na ação de ensinar.

Passados mais de 30 anos do anúncio de Candau (1983)Candau, V. M. (Org.). (1983). A Didática em questão. Rio de Janeiro: Vozes. quanto à didática fundamental, o debate ainda se institui na perspectiva antes mencionada. A ela, somam-se outras tônicas de discussão como, por exemplo, a questão “diversificação versus dispersão temática” da didática (Candau, 2009Candau, V.M. (2009). Didática: questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Forma & Ação.; Libâneo, 2008Libâneo, J. C. (2008). O campo teórico e profissional da didática hoje: entre Ítaca e o canto das sereias. In Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: didática e formação de professores. XV ENDIPE (pp.234-251). Rio Grande do Sul: EDIPUCRS.). Para Candau (2009)Candau, V.M. (2009). Didática: questões contemporâneas. Rio de Janeiro: Forma & Ação., a disciplina didática estaria passando por um processo de diversificação, ou seja, a ampliação das possibilidades no contexto de seu ensino, diante dos novos elementos retraduzidos no campo, quais sejam: as apropriações multiculturais/interculturais, a diversidade de conhecimentos estruturantes e a própria complexidade referente à docência. Não obstante, Libâneo (2008)Libâneo, J. C. (2008). O campo teórico e profissional da didática hoje: entre Ítaca e o canto das sereias. In Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. Trajetórias e processos de ensinar e aprender: didática e formação de professores. XV ENDIPE (pp.234-251). Rio Grande do Sul: EDIPUCRS. faz uma apreensão negativa deste momento, expressa na perda de foco do ensino em didática a partir de um processo de secundarização do “ensinar e aprender”.

Ressaltamos, ainda, o contexto de produção de pesquisas em torno da didática e da formação de professores, que evidencia um quadro de carência no que se refere à dimensão prática na formação docente. Nesse sentido, são flagrantes o peso da formação teórica e a falta de articulação entre as disciplinas de formação específica e a formação pedagógica (André et al., 2010André, M. E. D. A., Almeida, P. C. A. de, Hobold, M. de S., Ambrosetti, N.B., Passos, L. F., & Manrique, A. L. (2010, janeiro/abril). O trabalho docente do professor formador no contexto atual das reformas e das mudanças no mundo contemporâneo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. 91(227), 122-143.; Gatti, 2013Gatti, B. A. (2013, outubro/dezembro). Educação, escola e formação de professores: políticas e impasses. Educar em Revista, 50, 51-67.; Gatti & Barreto, 2010Gatti, B. A., & Barreto, E. S. S. (2010). Professores: aspectos de sua profissionalização, formação e valorização social (Relatório de Pesquisa). Brasília, DF: UNESCO.; Libâneo, 2010aLibâneo, J. C. (2010a). A integração entre didática e epistemologia das disciplinas: uma via para a renovação dos conteúdos da didática. In Â. Dalben, J. Diniz, L. Leal, & L. Santos (Orgs.), Convergências e tensões no campo da formação e do trabalho docente. didática, formação de professores, trabalho docente (pp.81-84, Coleção Didática e Prática de Ensino). Belo Horizonte: Autêntica., 2010bLibâneo, J. C. (2010b, setembro/dezembro). O ensino da didática, das metodologias específicas e dos conteúdos específicos do ensino fundamental nos currículos dos cursos de pedagogia. Revista Brasileira de Est. Pedag., 91(229), 562-583., 2015aLibâneo, J. C. (2015a). Antinomias da formação de professores e a busca de integração entre o conhecimento pedagógico-didático e o conhecimento disciplinar. In A. J. Marin, & S. G. Pimenta (Orgs.), Didática: teoria e pesquisa (pp. 39-65). São Paulo: Junqueira & Marin Editores., 2015bLibâneo, J. C. (2015b, abril/junho). Formação de professores e didática para o desenvolvimento humano. Educação & Realidade. 40(2), 629-650.; Lüdke & Boing, 2012Lüdke, M., & Boing, L. A. (2012, maio/agosto). Do trabalho à formação de professores. Cad. Pesqui. 42(146), 428-451.).

No que tange ao campo de estudos da didática na EF, notamos similaridades com as questões pontuadas anteriormente. Destacamos as inúmeras tentativas de reformulação do curso para a composição de um currículo que abrigasse não só uma formação técnico-instrumental, mas outra, que abrangesse também a dimensão teórico-reflexiva (Vaz, Pinto, & Sayão, 2002Vaz, A. F., Pinto, F. M., & Sayão, D. T. (Orgs.). (2002). Educação do corpo e formação de professores: reflexões sobre a prática de ensino de Educação Física (Vol.1, 110 pp.). Florianópolis: EDUFSC/INEP.). Entretanto, a falta de articulação das disciplinas em torno da formação de professores, e ainda, a herança deixada pelo referencial teórico-epistemológico marxista, na década de 1980, que focalizava estritamente as reflexões pedagógicas sobre a EF, conformaram um cenário no qual as discussões efetivas sobre a didática passaram à margem do debate acadêmico-científico do campo (Caparroz & Bracht, 2007Caparroz, F., & Bracht, V. (2007, janeiro). O tempo e o lugar de uma didática da educação física. Revista Brasileira de Ciências do Esporte, 28, 21-37.).

Reconhecemos o ensino como núcleo central da docência, sendo a didática o domínio de conhecimento que se elabora sobre ele, expresso em disciplinas nos cursos de formação e na ação pedagógica cotidiana do professor. Nesses termos, a formação em didática e a docência de professores formadores, aqui entendidos como todos aqueles que atuam em cursos de licenciatura, são dimensões que carecem de maior relevo nos cursos.

É neste contexto que este estudo se insere, justificando-se pela importância da didática na formação de professores, no caso em questão no curso de licenciatura EF, e da necessidade da passagem do instrumental para o fundamental, buscando contribuir para o aprendizado da docência pelo futuro professor. Ademais, é notória a lacuna de estudos que busquem investigar a didática na formação de professores de EF, como afirmam Betti, Ferraz e Dantas (2011)Betti, M., Ferraz, O. L., & Dantas, L. E. P. B. T. (2011, dezembro). Educação Física Escolar: estado da arte e direções futuras. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, 25, 105-115..

Nesse sentido, o objetivo deste trabalho consiste em discutir o papel da didática na formação de licenciandos do curso de EF de uma Universidade Pública Federal participante do estudo. Qual(is) concepção(ções) prevalecem no ensino de didática no curso de EF em questão? Quais são as contribuições da disciplina didática para a formação desses futuros professores? O que faz o professor formador para ensinar sobre a especificidade docente, ou seja, o próprio ensino? Afinal, o que se ensina na disciplina didática? Essas são questões norteadoras do estudo, sempre ancoradas na perspectiva do aluno. Isto é, a avaliação que o aluno concluinte do curso desenvolve acerca de sua formação em didática constituiu o ponto- chave da investigação.

A didática e a base de conhecimento profissional docente

Em meio aos estudos sociológicos sobre a profissionalização docente (Bourdoncle, 1991Bourdoncle, R. (1991, janeiro/março). La professionnalisation des enseignants: analyses sociologiques anglaises et américaines. Revue Française de Pedágogie, 94, 72-92.; Dubar, 1997Dubar, C. (1997). A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. Porto: Porto Editora.; Lüdke, 1988Lüdke, M. (1988). O educador: um profissional? In V. M. Candau (Org.), Rumo à nova Didática (pp.64-73). Petrópolis/RJ: Vozes.), aparece com força, dentre outras exigências, a necessidade de definição de um conjunto de saberes próprios e específicos ao exercício da profissão. Nesse contexto, emergem estudos voltados para o saber dos professores em relação ao seu trabalho e à perspectiva da profissão (Gauthier, Martineau, Desbiens, Malo, & Simard (1998)Gauthier, C., Martineau, S., Desbiens, J.-F., Malo, A., & Simard, D. (1998). Por uma teoria da pedagogia. pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Ed. Unijuí.; Shulman, 2004Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass.; Tardif, Lessard, & Lahaye, 1991Tardif, M., Lessard, C., & Lahaye, L. (1991). Os professores face ao saber: esboço de uma problemática do saber docente In Dossiê: Interpretando o trabalho docente. Teoria & Educação (Vol. 4, pp.215-233). Porto Alegre: Pannônica, 1991.).

O nosso interesse em investigar o ensino da didática em cursos de licenciatura conduziu-nos ao estudo da base de conhecimento profissional docente porque compreendemos a didática como o domínio de conhecimento sobre o ensino. Nesses termos, os conhecimentos mobilizados pelos professores para o exercício de sua função estão diretamente ligados a ela. Ainda que as sistematizações sobre o conhecimento que um professor deve possuir para ensinar focalizem vários saberes, sendo um deles ligado à especificidade da didática, a síntese do saber docente representa, no nosso entender, o que a própria didática é, envolve e faz.

O Quadro 1 indica as fontes de conhecimentos mobilizados pelos professores para ensinar, segundo Shulman (2004)Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass., Gauthier et al. (1998)Gauthier, C., Martineau, S., Desbiens, J.-F., Malo, A., & Simard, D. (1998). Por uma teoria da pedagogia. pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Ed. Unijuí. e Tardif (2002)Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes..

Quadro 1
Base de conhecimento profissional docente

Uma leitura comparada dos saberes docentes relacionados por Shulman (2004)Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass., Gauthier et al. (1998)Gauthier, C., Martineau, S., Desbiens, J.-F., Malo, A., & Simard, D. (1998). Por uma teoria da pedagogia. pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Ed. Unijuí. e Tardif (2002)Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes. deixa ver três eixos recorrentes de conhecimento: i- conhecimento a ser ensinado, também designado de saberes disciplinares; ii- conhecimento curricular; iii- conhecimento da Pedagogia ou das Ciências da Educação, designado como “conhecimento pedagógico geral”, para Shulman (2004)Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass.; “das ciências da Educação”, para Gauthier et al. (1998)Gauthier, C., Martineau, S., Desbiens, J.-F., Malo, A., & Simard, D. (1998). Por uma teoria da pedagogia. pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Ed. Unijuí.; e “de formação profissional”, para Tardif (2002)Tardif, M. (2002). Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes..

O entendimento de que esses saberes estão na base da prática profissional docente nos leva a esperar que um professor, diante da responsabilidade profissional de ensinar determinados conhecimentos aos seus alunos, se questione sobre o que ele próprio sabe não apenas acerca desse conhecimento (conteúdo), mas, também, sobre a forma de agir didaticamente para que seus alunos desenvolvam sua própria compreensão desse conteúdo. Esse movimento de reflexão, que envolve tomada de decisão sobre como ensinar, denominado por Shulman (2004)Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass. de “raciocínio pedagógico”, integra o processo de ensinar e aprender, objeto da didática, reforçando nossa tese de que os saberes mobilizados pelo professor para ensinar, ainda que originários de diferentes fontes, se articulam invariavelmente com a própria didática.

Detendo-nos especificamente em Shulman (2004)Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass., verificamos que o processo de raciocínio pedagógico do professor se sustenta em esquemas gerais do conhecimento de base para a docência, que podem ser categorizados em sete fontes, conforme apontamos no Quadro 1: (i) conhecimento da matéria a ser ensinada (conteúdo); (ii) conhecimento pedagógico geral; (iii) conhecimento do currículo; (iv) conhecimento pedagógico do conteúdo, esfera exclusiva do professor, visto representar sua forma própria de compreensão profissional; (v) conhecimento dos alunos e de suas características; (vi) conhecimento dos contextos educativos, que vão desde o funcionamento do grupo ou da sala de aula, da gestão e do financiamento da escola até o caráter das comunidades e da culturas; (vii) conhecimento dos objetivos, metas e valores educacionais, e de seus fundamentos filosóficos e históricos. Essas fontes, inter-relacionadas, se manifestam em três grandes frentes da base de conhecimento profissional, assim elencadas: (i) o conhecimento do conteúdo a ser ensinado; (ii) o conhecimento pedagógico; (iii) o conhecimento pedagógico desse conteúdo.

O conhecimento do conteúdo a ser ensinado diz respeito ao entendimento do professor sobre a estrutura da disciplina, sobre como ele organiza cognitivamente o conhecimento da matéria que será objeto de ensino. Essa compreensão requer ir além dos fatos e dos conceitos intrínsecos à disciplina e pressupõe o conhecimento das formas pelas quais os princípios fundamentais de uma área do conhecimento estão organizados. Assim, o domínio da estrutura da disciplina não se resume tão somente à detenção dos fatos e dos conceitos do conteúdo, mas também à compreensão dos processos de sua produção, representação e validação epistemológica, o que requer entender a estrutura da disciplina, compreendendo o domínio atitudinal, conceitual, procedimental, representacional e validativo do conteúdo.

O conhecimento pedagógico abarcaria todo um universo teórico produzido em torno do fenômeno educacional. Shulman (2004)Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass. refere-se, especialmente, aos conhecimentos sobre os princípios e as estratégias de gestão e organização da classe para além do âmbito do sujeito. Entendemos a temporalidade do texto de Shulman e, tal como Mizukami (2004)Mizukami, M. G. N. (2004). Aprendizagem da docência: algumas contribuições de L. S. Shulman. Educação (UFSM), 29(2), 33-49., consideramos que o conhecimento dos alunos e de suas características; o conhecimento dos contextos educativos; e o conhecimento de objetivos, metas e valores educacionais, e de seus fundamentos filosóficos e históricos, são esferas do âmbito pedagógico. As disciplinas aplicadas à Educação, tal como a Psicologia, a Sociologia, a Filosofia, a Antropologia, etc., debruçam seu olhar epistemológico sobre o fenômeno educativo e produzem conhecimento pedagógico. Logo, a partir desse entendimento deslocamos os sentidos de Shulman (2004)Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass. para o momento histórico em curso, compreendendo que o conhecimento pedagógico geral envolve as teorizações sobre o processo ensino-aprendizagem, no que tange aos professores, aos alunos, ao contexto educacional sistêmico, escolar e de sala de aula, ao conhecimento e sua concepção e estrutura curricular.

O conhecimento pedagógico do conteúdo, para Shulman (2004)Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass., possui status diferenciado na base de conhecimentos do professor, pois representa o conhecimento que é de sua alçada. É um conhecimento amalgamado, entre o conhecimento do conteúdo e o conhecimento pedagógico geral. Esse conhecimento elaborado permite ao professor escolher as analogias, as ilustrações e as demonstrações mais poderosas para o entendimento do conteúdo.

O processo de raciocínio pedagógico torna potente a base de conhecimento profissional, no sentido em que age na articulação desses conhecimentos, assim como na sua evocação para a ação, através de um movimento integrado de compreensão, transformação, instrução, avaliação, reflexão e nova compreensão, resultante da análise sistemática do ensino.

Nessa perspectiva, para ensinar, o professor necessita acionar a sua base de conhecimentos para fazer escolhas e desenvolver ações, visando promover a aprendizagem de seus alunos. Logo, ensinar é um processo que requer escolhas adequadamente fundamentadas. Trata-se de trabalho especializado, como defende Roldão (2007)Roldão, M. do C. (2007, janeiro/abril). Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação. 12(34),94-181.. Para essa autora, a função de ensinar é socioprática, porém o saber que envolve é teorizador, compósito e interpretativo. A ação de ensinar é inteligente e fundada em um domínio seguro de saber, que emerge de vários saberes formais e do saber experiencial. Assim sendo, o professor precisa saber mobilizar todo o tipo de saber que possui, transformando-o em ato de ensinar como construção de um processo de aprendizagem de outros e por outros.

Assumir a didática como o domínio de conhecimento sobre o processo ensino-aprendizagem e reconhecer o ensino como a ação que especifica a função docente, os saberes que o professor possui, mobiliza, transforma e recria, a partir de nova compreensão, para ensinar e fazer o aluno aprender é, no nosso entender, a didática em si. Assim, a didática, mais do que aquilo que faz o professor para ensinar, representa também a própria base de fundamentos acerca do que ele reflete, analisa, compara, escolhe, decide, propõe, implementa, avalia e registra para ensinar. Constitui-se, portanto, na síntese da sua base de conhecimento profissional e expressão objetiva de seu raciocínio pedagógico.

Isso posto, interessa-nos investigar que concepções sobre didática têm prevalecido na formação de professores de EF, se o conhecimento profissional docente tem sido considerado no seu processo de formação inicial, de que maneira o ensino de didática tem contribuído para a construção da base de conhecimento profissional docente do futuro professor de EF e que relação estudantes de um curso de licenciatura em EF estabelecem entre a didática e o aprendizado da docência. Para tanto, priorizamos captar dos estudantes participantes da pesquisa o que se ensina em didática, como se ensina e o papel de seus professores formadores nesse processo.

Método

A presente investigação envolveu estratégia de método quantitativo, expressa na utilização de questionário do tipo survey e, também, estratégia de método qualitativo, presente na realização de grupos de discussão e na interpretação dos dados4 4 A pesquisa a qual se subordina este estudo abarcou um conjunto de 14 cursos de licenciatura de uma universidade pública federal, alcançando cerca de 800 estudantes, sendo 89 do curso em análise. . Tal escolha foi feita para ampliar a compreensão sobre o objeto de estudo e revelar sua complexidade (Bauer & Gaskell, 2010Bauer, M. W., & Gaskell, G. (2010). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual prático. Petrópolis, RJ: Vozes.).

Optamos pela licenciatura de um curso de EF oferecido por uma Universidade Pública Federal, localizada no estado do Rio de Janeiro. Em se tratando de um curso de Licenciatura, seria razoável presumir que todas as disciplinas estariam orientadas para o eixo de formação pedagógica em estreita articulação com a formação disciplinar. Contudo, através de uma análise preliminar dos ementários, identificamos, por afinidade com a temática investigada, três disciplinas e dois requisitos curriculares complementares a elas ligados, a saber: Didática; Didática da Educação Física I; Didática da Educação Física II; Prática de Ensino e Estágio Supervisionado I; Prática de Ensino e Estágio Supervisionado II. A primeira disciplina aborda aspectos gerais do campo da Educação e da didática. As outras se detêm a aspectos específicos da didática no campo da EF.

Tendo em vista o propósito de investigar a didática e o aprendizado da docência na visão de estudantes de um curso de EF, o caminho metodológico orientou-se para uma aproximação à perspectiva dos sujeitos. Dessa forma, os instrumentos da pesquisa teriam que ser do tipo que permitisse a captura de suas opiniões e mesmo de seu julgamento. Por essa razão, escolhemos trabalhar com um questionário, através da ferramenta Survey Monkey5 5 Plataforma eletrônica para coleta de dados via questionário. Mais informações em: https://pt.surveymonkey.com/ e com grupos de discussão.

Nossos sujeitos foram os estudantes que cursaram cerca de 70% das disciplinas que integram a organização curricular do curso de EF. Esse percentual foi estabelecido para que alcançássemos estudantes que tinham cursado no mínimo uma das disciplinas referentes ao estudo de didática. Sobre o questionário, trabalhamos com o tipo misto, que conjuga questões fechadas com questões abertas, com a finalidade de obter especificações em relação a um ou mais itens. O instrumento composto de 32 questões, sendo 26 fechadas e 6 abertas, foi organizado em duas partes: perfil do estudante, com 19 questões, sendo 16 delas obrigatórias; e, a segunda parte sobre o licenciando em EF e a docência, que foi subdividida em duas, uma delas contendo 5 questões, das quais 4 eram obrigatórias, e a outra parte, dedicada à especificidade do curso, com 8 questões obrigatórias.

O questionário garantiu total anonimato do respondente, permitindo-nos verificar apenas a quantidade de respondentes do curso. No decorrer do primeiro semestre de 2014, cuidamos da realização de seu pré-teste, a fim de corrigir eventuais inadequações das perguntas formuladas, antes de seu emprego definitivo. No início do segundo semestre do mesmo ano, focamos na implantação do questionário no aplicativo Survey Monkey e o disparamos para os estudantes através de uma parceria com o gerenciamento do sistema de gestão acadêmica da instituição.

Escolhemos como estratégia metodológica a realização de grupo de discussão (GD), com o objetivo de favorecer a obtenção de dados sem desvinculá-los do contexto dos participantes, fazendo emergir suas visões e suas representações. Os GDs, que correspondem a uma espécie de entrevista coletiva, nos ajudaram a problematizar as práticas dos professores formadores, tarefa mais difícil para um questionário.

A discussão em grupo exige um grau de abstração maior do que a entrevista individual, pois os participantes são levados a refletir juntos e a expressar suas opiniões. Assim, o método de construção de dados permitiu reunir estudantes de diferentes cursos de licenciatura, partilhando aspectos comuns, mas, ao mesmo tempo, mantendo características próprias decorrentes de suas trajetórias de formação.

Para a realização do GD, organizamos um roteiro com quatro questões, com o intuito de depreender os sentidos atribuídos ao espaço/tempo da aula de Didática; analisar a prática didática do formador (o modo de fazer a aula acontecer); e captar a compreensão sobre a didática e o aprendizado da docência.

No contexto deste trabalho, discutiremos os resultados, considerando exclusivamente as respostas obtidas com a aplicação do questionário, visto que os grupos de discussão foram constituídos de estudantes de várias licenciaturas, não sendo possível isolar a variável referente à EF.

Perfil dos respondentes: características gerais

Empreendemos o mapeamento do perfil do estudante de licenciatura participante de nosso estudo com a intenção de verificar se este apresentaria traços diferentes daqueles que pesquisas com sujeitos de cursos de licenciatura apontam (André et al., 2010André, M. E. D. A., Almeida, P. C. A. de, Hobold, M. de S., Ambrosetti, N.B., Passos, L. F., & Manrique, A. L. (2010, janeiro/abril). O trabalho docente do professor formador no contexto atual das reformas e das mudanças no mundo contemporâneo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. 91(227), 122-143.; Gatti, 2009Gatti, B. A. (Coord.). (2009). Atratividade da carreira docente no Brasil (Relatório de Pesquisa). São Paulo: FCC, 2009.; Marin & Giovanni, 2006Marin, A. J., & Giovanni, L. M. (2006). A precariedade da formação de professores para os anos iniciais da escolarização: 35 anos depois do início da formalização de novos modelos. In R. L. B. Lazzari (Org.), Formação de educadores (pp.131-149). São Paulo: Unesp.). Como alerta Gatti (2010)Gatti, B. A. (2010, outubro/dezembro). Formação de professores: características e problemas. Educ. Soc.. 31(113), 1.355-1.379., é importante saber quais são as características dos alunos das licenciaturas, visto que elas “têm peso sobre as aprendizagens e seus desdobramentos na atuação profissional” (p.1361).

As pesquisas vêm indicando que ser professor formador de professores hoje representa um exercício mais exigente, visto que são alunos que tiveram dificuldades de diversas ordens para chegar ao Ensino Superior, sendo, em geral, provenientes do sistema público de ensino, que tem apresentado um baixo desempenho nos processos avaliativos.

O curso de Licenciatura em EF investigado apresentou um total de 89 respondentes ao questionário. Nesse universo, 53% deles são do sexo masculino, enquanto 47% são do sexo feminino. Em relação à faixa etária, as maiores concentrações percentuais foram: 49,4% dos respondentes possuem entre 19 e 21 anos; 22,9% entre 22 e 24 anos; e 13,3% entre 23 e 24 anos. No que toca ao estado civil, a maioria – 88% – apresentou-se como solteiro.

No tocante à “quantidade de pessoas que residem em sua casa”, a resposta apresentou percentual mais elevado para a alternativa 4 pessoas, com 36,14%, seguido da resposta 3 pessoas, com 25,3%. O percentual de 79,52% afirmou que sua família contribui financeiramente para seu sustento. Em relação à renda, o maior percentual de respondentes foi de 26,51% para a resposta “entre R$ 2.401,00 e R$ 4.800,00”, seguido de 24,1% para “entre R$ 1.201,00 e R$ 2.400,00”, e 20,5% “acima de R$ 4.800,00”.

A pergunta referente à escolaridade básica do respondente obteve percentuais próximos, nas respostas, respectivamente (mais representativos quantitativamente): 33,7% sempre “estudaram” em escola particular; 28,9% na rede pública e privada; e 27,7% sempre “estudaram” em escola pública (municipal e/ou estadual).

A maioria dos respondentes, 57,8%, cursa a graduação no período da manhã e tarde. Quase 70% afirmam que essa opção ocorre em face da oferta das disciplinas, com maior recorrência neste período do dia, tal como se pode verificar no Gráfico 1:

Gráfico 01
Motivos para estudar durante o dia

Para o item custeio de despesas pessoais para estudar na universidade, os respondentes relataram diferentes fontes, como: auxílio financeiro dos pais, bolsas ou trabalho.

Em relação à pergunta “você trabalha?”, 63,8% afirmaram que sim. Sobre a finalidade do trabalho, 46,6% disseram que seu trabalho era com objetivo de torná-lo mais independente e 43,33% buscavam seu sustento.

Do total de respondentes, 84,34% declararam que desejavam “ser professor”. Dentre os motivos, a maioria apontou gosto por lecionar. Esse resultado difere de pesquisa de Gatti (2010)Gatti, B. A. (2010, outubro/dezembro). Formação de professores: características e problemas. Educ. Soc.. 31(113), 1.355-1.379., que evidenciou que, se a escolha da docência entre os estudantes do curso de Pedagogia decorre do desejo de ser professor, o mesmo parece não se manifestar entre os estudantes dos demais cursos de licenciatura, cuja opção recai mais como uma alternativa ao desemprego. De acordo com nossos respondentes, a escolha do curso está ligada ao desejo pela profissão professor.

Em suma, o perfil geral do licenciando em EF está entre 19 e 21 anos, é ajudado pela família no seu sustento e advém tanto de escolas públicas, quanto particulares. Cursam disciplinas no período da manhã e tarde, realizam estágios remunerados não obrigatórios, e ainda, trabalham, em grande parte, para sustento. A maioria quer ser professor, principalmente pelo gosto por lecionar.

Constata-se que o perfil socioeconômico desafia os formadores de professores a lidar com um contexto social diversificado dos estudantes, convergindo em alguns aspectos para os resultados das pesquisas desenvolvidas por André et al. (2010)André, M. E. D. A., Almeida, P. C. A. de, Hobold, M. de S., Ambrosetti, N.B., Passos, L. F., & Manrique, A. L. (2010, janeiro/abril). O trabalho docente do professor formador no contexto atual das reformas e das mudanças no mundo contemporâneo. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. 91(227), 122-143., Gatti (2009)Gatti, B. A. (Coord.). (2009). Atratividade da carreira docente no Brasil (Relatório de Pesquisa). São Paulo: FCC, 2009., Gatti (2010)Gatti, B. A., & Barreto, E. S. S. (2010). Professores: aspectos de sua profissionalização, formação e valorização social (Relatório de Pesquisa). Brasília, DF: UNESCO. e Marin e Giovanni (2006)Marin, A. J., & Giovanni, L. M. (2006). A precariedade da formação de professores para os anos iniciais da escolarização: 35 anos depois do início da formalização de novos modelos. In R. L. B. Lazzari (Org.), Formação de educadores (pp.131-149). São Paulo: Unesp..

A formação em didática: o que dizem estudantes de um curso de licenciatura em Educação Física?

Captar dos estudantes participantes da pesquisa o que se ensina em didática, como se ensina e o papel de seus professores formadores nesse processo constitui o interesse central deste estudo. Como os licenciandos em EF avaliam o ensino de didática na sua formação docente?

Quando questionados sobre as temáticas trabalhadas em didática, disciplina que tem a finalidade de discutir os fundamentos da prática docente, os respondentes mencionaram: 86% o tema “Planejamento curricular e planejamento de ensino”; 80% o tema “A construção do campo da didática visto como tempo/espaço de reflexão/ação sobre o processo de ensino-aprendizagem”; 75% o tema “Avaliação de ensino”; e, 72% o tema “Teorias educacionais e o contexto sócio histórico, político, econômico e filosófico da prática pedagógica”.

Em sequência foram abordadas as temáticas mais importantes para a prática docente do respondente, dentre as elencadas na pergunta anterior. Foi notória a resposta “todas”. Alguns ressaltaram, ainda, a necessidade de maior investimento nas temáticas específicas sobre planejamento curricular, métodos e técnicas de ensino. Tal aspecto merece ser ressaltado, pois, avançar em direção a uma didática fundamental é, também, abordar e dar relevo à sua dimensão técnica como requisito importante para o fazer docente, contextualizando-a com as dimensões humana, política e social, próprias do processo de “ensinar e aprender” (Candau, 1983Candau, V. M. (Org.). (1983). A Didática em questão. Rio de Janeiro: Vozes.).

Tanto os temas lecionados pelos professores de didática, quanto a hierarquização destes, feita a partir dos respondentes, denotam aspectos que indicam, ainda que de modo inicial, o sentido de uma didática, nos termos de Candau (1983)Candau, V. M. (Org.). (1983). A Didática em questão. Rio de Janeiro: Vozes., importante. Os assuntos elencados, que abordam desde concepções e práticas de ensino e de avaliação até os fundamentos socioculturais da prática pedagógica, apontam para uma concepção de didática mais abrangente, para além da instrumental.

Sobre as estratégias de ensino utilizadas pelos professores para favorecer a apropriação dos conteúdos da disciplina, foram mais representativas – no que toca o quantitativo apresentado – as seguintes respostas: 88,9% afirmaram ser “discussão sobre o conteúdo do texto”; 69,4%, “leitura de textos”; 69,4%, “trabalhos em pequenos grupos; 61,1%, “relato de experiência do professor e dos alunos”; e 58,5%, “seminário”. Apareceram ainda: 52,8%, “exposição feita pelo professor”; 52,8%, “trabalho com base em textos”; e 47,2%, “prova”.

Gráfico 02
Estratégias recorrentes no ensino de didática

As estratégias de ensino utilizadas de forma recorrentes no curso de didática deixam ver a ênfase do formador em atuar para professar um saber (Roldão, 2007Roldão, M. do C. (2007, janeiro/abril). Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação. 12(34),94-181.), perspectiva marcada, principalmente, pelas aulas mais centradas no professor do que no aluno, quando o professor expõe, discute, problematiza, prevalecendo transmissão, assimilação e reprodução de conteúdos. Mas deixam ver também a preocupação em “fazer aprender alguma coisa a alguém” (Roldão, 2007Roldão, M. do C. (2007, janeiro/abril). Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação. 12(34),94-181., p. 95), como expresso nas estratégias que envolvem a discussão sobre o conteúdo de textos, trabalhos em pequenos grupos e relatos de experiência, favorecendo a construção e a discussão coletiva de uma ideia e a socialização de saberes e fazeres. Para a autora, o que diferencia o docente das demais profissões é a ação de ensinar, manifesta ao longo dos tempos de duas formas predominantes: ensinar como professar um saber e ensinar como fazer aprender alguma coisa a alguém, sendo esta uma concepção mais pedagógica e alargada a um campo vasto de saberes, incluindo os disciplinares (Roldão, 2007Roldão, M. do C. (2007, janeiro/abril). Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação. 12(34),94-181.).

Indagados sobre aspectos positivos e/ou negativos das aulas de didática, os respondentes apontaram:

  • Estímulo aos alunos com o conteúdo e a forma de aula aplicada. (EF 01)

  • Disciplina mais ampla mostrando as linhas de pensamento da didática até hoje. (EF 03)

  • Apresentação dos conteúdos com a realização de pequenos trabalhos ao término de praticamente todas as aulas facilitam o processo de aprendizagem. (EF10)

  • Teve muita teoria e pouquíssima prática. (EF 23)

Na sequência avaliativa, destacamos um depoimento que, embora trate de uma questão conjuntural do curso de EF da instituição estudada, dá relevo a pontos cruciais para entendermos o lugar do ensino de didática na formação do professor de EF:

É uma das primeiras disciplinas que cursamos na Faculdade de Educação e devido à diferença de abordagem que temos na Escola de Educação Física, sentimos muita dificuldade. Como disse antes, na Escola de Educação Física são poucas as disciplinas em que os professores trazem esse olhar voltado para o ambiente escolar. Infelizmente alguns professores ainda valorizam o alto rendimento/treinamento e não uma visão para a educação. Na didática subentende-se que saibamos alguns conteúdos que não temos ou ouvimos falar. Mas tive ajuda de monitora e boas referências pela professora durante a disciplina. (EF 13)

O primeiro ponto a ser destacado é que a didática aborda questões gerais do ensino, postergando o estudo de aspectos específicos da EF para as didáticas específicas I e II. Daí a percepção do aluno (EF 13) de que o professor formador ao ensinar didática parece considerar que ele já estudou alguns assuntos próprios do campo educacional, o que necessariamente não aconteceu, visto que o foco na Escola de Educação Física aponta para disciplinas de preparação técnico-profissional, voltadas para o “alto rendimento/treinamento”.

O segundo ponto importante, observado na fala anterior, é que a disciplina em questão, diferentemente das demais disciplinas do curso, que são ofertadas pela Escola de Educação Física, é oferecida pela Faculdade de Educação (FE) da instituição investigada, e representa, em geral, o primeiro contato do licenciando com a área de formação de professores, já na fase final de seu curso de licenciatura. Esse desenho curricular – estudo das disciplinas de cunho técnico-profissional no instituto de origem e das pedagógicas na FE, depois da metade do curso – nos remete ao modelo pautado pela racionalidade técnica. Esse modelo predominou durante muito tempo na organização dos currículos de formação de professores, calcado na separação entre a teoria e a prática e na valorização da área do conhecimento específico que se vai ensinar. Sob o ponto de vista da racionalidade técnica, a solução para os problemas que perpassam a ação docente está posta, bastando, simplesmente, a sua aplicação.

Os achados ressoam na reconstrução história que Betti e Betti (1996)Betti, I. R., & Betti, M. (1996, junho) Novas perspectivas na formação profissional em Educação Física. Motriz, 2(1), 10-15. e Silva, Nicolino, Inácio e Figueiredo (2009)Silva, A. M., Nicolino, A. da S., Inácio, H. L. de D., & Figueiredo, V. M. C. de. (2009, maio/agosto). A formação profissional em Educação Física e o projeto político-social. Pensar a prática. 12(2), 1-16. fazem acerca dos cursos de formação de professores de EF. Para eles, até a década de 1960, o currículo desses âmbitos formativos era denominado como “tradicional-esportivo”, o qual enraizava a dicotomia entre e a teoria e prática na formação inicial: os aspectos teóricos eram majoritariamente encontrados em disciplinas de cunho biológico, como a fisiologia e a anatomia; já os aspectos práticos eram exacerbados em disciplinas vinculadas aos esportes tradicionais, marcadas pelo “praticismo”6 6 Entende-se “praticismo” como a vivência prática do conteúdo de determinada disciplina, sem que haja sua articulação com o processo pedagógico de formação do professor (Betti & Betti, 1996). voltado ao domínio técnico do conteúdo.

Posterior à década de 1980, passou-se a um currículo “técnico-científico”, o qual valorizava a formação teórica em disciplinas atreladas às Ciências Biológicas e às Ciências Humanas e Sociais, mas relegava a vivência da docência à disciplina “prática de ensino”, dificultando a articulação curricular no sentido de garantir ao professor em formação a solidez de um corpo de conhecimentos pedagógicos necessários à sua futura atuação (Betti & Betti, 1996Betti, I. R., & Betti, M. (1996, junho) Novas perspectivas na formação profissional em Educação Física. Motriz, 2(1), 10-15.; Vaz et al. 2002Vaz, A. F., Pinto, F. M., & Sayão, D. T. (Orgs.). (2002). Educação do corpo e formação de professores: reflexões sobre a prática de ensino de Educação Física (Vol.1, 110 pp.). Florianópolis: EDUFSC/INEP.). Essas diferentes perspectivas de formação e de currículo parecem apresentar permanências ainda nos dias de hoje, como foi abordado por EF 13.

Partimos da premissa que a prática pedagógica, no entanto, é marcada de grande complexidade, o que exige mais do que soluções simplistas e produzidas fora do contexto. É preciso fazer emergir outra “crença epistemológica”, cuja proposta recaia sobre a necessidade de as situações práticas serem tratadas em toda a sua complexidade, para que dentro dela se produza conhecimento válido que permita aos sujeitos atuarem de forma construtiva. A prática não será apenas lócus de aplicação de um conhecimento científico e pedagógico, mas espaço de criação e reflexão.

Cabe ressaltar ainda que o relato de EF13, ao denotar a ênfase das disciplinas, no curso de EF investigado, em um conteúdo voltado para a formação de atletas de “alto rendimento”, parece estar discrepante da finalidade de um curso em licenciatura na área. Essa premissa sugere que o professor em formação deve dominar o conteúdo em seus maiores níveis de complexidade, relegando à nulidade outros aspectos fundamentais para a formação profissional. Afinal, seria o professor aquele que, apenas, domina o conteúdo a ser ensinado? Partimos do entendimento que essa concepção, além de equivocada, é um dos grandes entraves para a profissionalização do ofício docente.

Roldão (2007)Roldão, M. do C. (2007, janeiro/abril). Função docente: natureza e construção do conhecimento profissional. Revista Brasileira de Educação. 12(34),94-181. diz que o professor é especialista no ato de ensinar – visão distante desta que preconiza, estritamente, o domínio do conteúdo. Gauthier et al. (1998)Gauthier, C., Martineau, S., Desbiens, J.-F., Malo, A., & Simard, D. (1998). Por uma teoria da pedagogia. pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Ed. Unijuí. são enfáticos ao afirmar que um dos erros da atividade docente é pressupor que basta o professor saber determinado conteúdo para sua profissionalização – se assim o fosse, não haveria a necessidade de construir um conjunto de habilidades específicas ao magistério. Os autores concebem a formação professoral e o ensino como a mobilização de vários saberes, dispostos em uma espécie de reservatório, do qual o professor obtém as respostas para as diversas exigências das situações concretas de ensino.

Shulman (2004)Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass. defende o ato de ensinar a partir da estreita articulação entre os conhecimentos do conteúdo da matéria a ser ensinada, o conhecimento pedagógico geral e o conhecimento pedagógico do conteúdo. Não basta apenas dominar os elementos axiais da disciplina lecionada, mas, também, aqueles referentes ao conhecimento pedagógico geral: o conhecimento dos contextos educativos; o conhecimento dos alunos e suas características; e o conhecimento de objetivos, metas, valores educacionais e de fundamentos filosóficos e históricos da Educação. No conhecimento pedagógico do conteúdo, é onde encontramos o saber amalgamado entre o conhecimento do conteúdo da disciplina e o conhecimento pedagógico geral. É a mobilização desse saber que permite ao docente transpor o conteúdo, realizando analogias, oferecendo ilustrações e demonstrações significativas para a compreensão da disciplina lecionada, por parte do aluno.

Em síntese, esta compreensão reducionista de uma EF voltada apenas para o domínio do conteúdo contribui para o demérito da profissionalização do docente da área. Esta perspectiva legitima o espaço para que profissionais não formados em EF, como técnicos e praticantes de atividades físicas por um longo período de tempo, atuem neste campo sob a premissa que “dominam o conteúdo” de determinado desporto ou atividade.

Retomando o que declararam nossos investigados, os aspectos positivos ressaltados apareceram de outras formas, como os evidenciados nas falas a seguir:

  • Aula boa, trata um pouco da história do ensino que é bom para saber como foi a transformação ao longo do tempo. (EF 18)

  • A forma como a professora conduziu as aulas levando a um entendimento amplo da matéria, seu conteúdo e sua importância no processo pedagógico e utilização no mercado de trabalho. (EF 34)

Como podemos notar, os respondentes ressaltaram ainda uma possível diversificação no conteúdo estudado em didática. Aspectos históricos, atualidades do mercado de trabalho e o “fazer pedagógico” revelam um objeto de estudo da didática que se entende mais amplo, alargado, preocupado com o contexto no qual o licenciando está imerso.

A pergunta seguinte objetivou compreender os pontos altos e baixos das didáticas específicas cursadas pelos respondentes do curso de EF investigado, que ressaltaram mais aspectos positivos do que negativos. Quanto aos positivos:

As discussões se mostravam bastante interessantes ao abordar os temas dos textos que eram disponibilizados para a turma. Como ponto negativo, o pouco tempo de aula que se tinha, principalmente nas didáticas específicas, com apenas dois tempos semanais, sendo que no mínimo o dobro disso seria o necessário para abordar os temas da disciplina de forma satisfatória. (EF 7)

Foi uma das melhores disciplinas que cursei. Com o apoio de artigos pudemos discutir a realidade do meu curso, o que passamos durante a graduação na Escola de Educação Física e o que ocorre atualmente nas escolas (com a experiência da prática obrigatória de alguns colegas, do professor, etc). Foi um esclarecimento sobre o curso de Educação Física como Professor escolar. Pena que cursamos essa disciplina no final do curso. (EF 13)

Destaco como positivo a aproximação da teoria com a prática profissional e, como negativo o pouco tempo que temos para discussões, trabalho de campo, dentre outros. (EF 21)

A relação entre teoria e prática parece mais próxima das didáticas específicas, revelando necessidade de diálogo entre as disciplinas Didática, Didática Específica I e Didática Específica II – como fora já aqui argumentado em Vaz et al. (2002)Vaz, A. F., Pinto, F. M., & Sayão, D. T. (Orgs.). (2002). Educação do corpo e formação de professores: reflexões sobre a prática de ensino de Educação Física (Vol.1, 110 pp.). Florianópolis: EDUFSC/INEP. –, que discutem sobre o currículo do curso de licenciatura em EF, tendo em vista atender às necessidades dos licenciandos em formação.

Com relação aos aspectos negativos, as falas convergiram para aspectos estruturais e de organização curricular do curso, como foi discutido anteriormente, sendo raras as críticas às aulas, como se pode notar a seguir:

Somente nos últimos períodos do curso de Licenciatura que se tem oportunidade de atuar como professor de fato em um campo (escola) e com os alunos do mesmo. Talvez tal fato seja um problema não da didática em si, mas de um currículo ultrapassado. (EF 4)

Indagados se a forma como os professores ensinam ajuda a pensar sobre a futura prática docente, a maioria, 91,7%, respondeu afirmativamente, justificando com aspectos que tocam na docência desses formadores, em especial, na forma como ensinam.

Porque eles focalizam situações reais fazendo com que imaginemos a situação citada e como se estivéssemos de fato na escola (EF 1)

Pois geram debates em aula, indicam textos provocativos e reflexivos. (EF 3)

Procuramos sempre nos espelhar com base no que nossos professores falam/debatem e da maneira como agem. Se não são os maiores influenciadores, os professores, nesse caso, possuem fundamental importância na futura prática docente dos alunos em formação. (EF 4)

Toda forma de atuação de um professor nos influencia. Mesmo quando o professor não possui a conduta ou a metodologia mais adequada, podemos refletir sobre o professor que não queremos ser. (EF 9)

Porque nos faz refletir e questionar sobre o tipo de ensino que nós queremos e qual a necessidade e expectativas da juventude em relação ao ensino de base. (EF 29)

Destacamos, neste ponto, a importância do professor formador como referência para a futura prática docente do licenciando em formação. Ele não forma, apenas, a partir do conteúdo lecionado, mas também, da própria maneira como mobiliza os saberes docentes e os expõe como estratégia de ensino para a aprendizagem do aluno. Isto ocorre tanto em seus

aspectos positivos, quanto em seus aspectos negativos. Ou seja, um licenciando que vivenciou uma formação inicial deficiente poderá reproduzir as práticas vivenciadas no seu processo formativo, tendendo a perpetuar suas experiências como aluno (Gauthier et al., 1998Gauthier, C., Martineau, S., Desbiens, J.-F., Malo, A., & Simard, D. (1998). Por uma teoria da pedagogia. pesquisas contemporâneas sobre o saber docente. Ijuí: Ed. Unijuí.).

Por fim, é imperativo avançarmos para uma formação de professores que apresente um eixo docente robusto e norteador durante todo o curso de licenciatura, não apenas no momento de realização do estágio obrigatório para a conclusão do curso (Marcon, Graça, & Nascimento, 2010; Vaz et al., 2002Vaz, A. F., Pinto, F. M., & Sayão, D. T. (Orgs.). (2002). Educação do corpo e formação de professores: reflexões sobre a prática de ensino de Educação Física (Vol.1, 110 pp.). Florianópolis: EDUFSC/INEP.). Nesse sentido, Marcon et al. (2011)Marcon, D., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2010, julho/setembro). Estruturantes da base de conhecimentos para o ensino de estudantes-professores de Educação Física. Motriz, 16(3), 776-787. são enfáticos:

É enaltecida a necessidade de que os programas de formação inicial em Educação Física, efetivamente, incorporem as práticas pedagógicas em seu cotidiano, acompanhadas de criteriosas e constantes reflexões e “feedbacks” por parte dos professores-formadores, e que as assumam como uma de suas principais estratégias para a construção do conhecimento pedagógico do conteúdo e para a formação docente e profissional dos futuros professores ao longo do curso. Essas questões evidenciam o estreito vínculo estabelecido entre as práticas pedagógicas implementadas pelos programas de formação inicial e o processo de construção do conhecimento pedagógico do conteúdo dos futuros professores de Educação Física. (p. 507)

O licenciado em EF deve ser convidado a refletir acerca dos conteúdos dispostos nas disciplinas cursadas, a fim de contrapor sua vivência anterior em espaços escolares e/ou não formais, com um olhar de professor em formação, superando a estrita dimensão do “saber fazer” em direção à construção de um corpo de conhecimentos que permita a inserção e o desenvolvimento de sua futura prática profissional, tal como defendem Betti e Betti (1996)Betti, I. R., & Betti, M. (1996, junho) Novas perspectivas na formação profissional em Educação Física. Motriz, 2(1), 10-15. e Marcon et al. (2010)Marcon, D., Graça, A., & Nascimento, J. V. (2010, julho/setembro). Estruturantes da base de conhecimentos para o ensino de estudantes-professores de Educação Física. Motriz, 16(3), 776-787..

Conclusão

Na avaliação de estudantes concluintes de um curso de licenciatura em EF, as contribuições do ensino de didática para o processo de constituição dos saberes profissionais docentes podem ser mais determinantes na formação. Imersos em um curso que prioriza a formação técnica do profissional, com forte apelo ao domínio dos saberes disciplinares ou, no dizer de Shulman (2004)Shulman, L. (2004). Knowledge and teaching: foundations of the new reform (1987). In L. Shulman (Org.), The wisdom of practice. essays on teaching and learning to teach (pp. 250-252). San Francisco, Jossey-Bass., do conteúdo da matéria a ser ensinada, pouco se manifesta uma aproximação com a formação pedagógica.

O ensino de didática se desenvolve no âmbito das disciplinas Didática e Didáticas Específicas, assim como através da Prática de Ensino e do Estágio Supervisionado. Tal como

apontamos, os temas estudados, segundo declararam nossos investigados, se equilibram entre fundamentos da docência e estruturantes da prática docente propriamente dita. Planejamento curricular e avaliação do processo ensino-aprendizagem foram dois dos quatro temas mais apontados e se inserem na perspectiva da estruturação do trabalho docente, que, para os alunos, evoca a dimensão prática mais objetivamente. Outros dois temas com forte indicação foram “A constituição do campo da didática no Brasil” e “Teorias educacionais e o contexto sócio histórico, político, econômico e filosófico da prática pedagógica”, com ênfase na fundamentação. Apesar desse aparente equilíbrio, manifestou-se o pouco destaque na organização curricular e nos métodos e nas técnicas de ensino, temáticas clássicas da didática.

Esse quadro permite revelar que o curso de licenciatura investigado, apesar de se organizar em uma perspectiva de cunho mais instrumental, com foco na formação profissional técnica, não se manifesta desta forma no que se refere ao ensino de didática. Este, ainda que de modo insuficiente, segundo apontaram os alunos, trabalha temas que se filiam a uma visão mais progressista de formação docente. É certo que há muito que se investir para que a didática, através de suas disciplinas e atividades curriculares, contribua de forma mais robusta para a constituição dos saberes profissionais docentes. Todavia, parece um caminho vigoroso o trajeto de passagem de uma proposta instrumental para uma mais orgânica, integrada, multidimensional, como defende a tese da didática fundamental, com ênfase nas dimensões político-social, humana e técnica.

Para além, as proposições e as discussões acerca do papel da didática na formação inicial de professores, no campo da EF, parecem fornecer substrato suficiente para a superação de uma concepção calcada no “saber fazer” e no “praticismo”, evidenciados, principalmente, em disciplinas de cunho prático-desportivo. Tal avanço não reside apenas na conformação teórica da área, mas, como argumentado neste artigo, coloca-se como central para a legitimação e a profissionalização do ofício docente na sociedade.

Isso posto, o papel do formador se mostra como um diferencial. Para muitos é ele que faz a disciplina valer a pena ou não. A dimensão prática, tão questionada, aparece na forma como o formador planeja, organiza e propõe as atividades, avalia, problematiza, relaciona os temas. O papel do professor formador é cada vez mais relevado no ensino de Didática, visto que ele é parâmetro, sim, de constituição de identidade docente para os seus licenciandos, seja porque ensina sabendo as razões pelas quais ensina, ou não, o que se revelará como um “modelo às avessas”.

  • 1
    Apoio: Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
  • 2
    Grupo de Estudos e Pesquisas em Didática e Formação de Professores da Faculdade de Educação da UFRJ, coordenado pela Prof.ª Dr.ª Giseli Barreto da Cruz.
  • 3
    Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro.
  • 4
    A pesquisa a qual se subordina este estudo abarcou um conjunto de 14 cursos de licenciatura de uma universidade pública federal, alcançando cerca de 800 estudantes, sendo 89 do curso em análise.
  • 5
    Plataforma eletrônica para coleta de dados via questionário. Mais informações em: https://pt.surveymonkey.com/
  • 6
    Entende-se “praticismo” como a vivência prática do conteúdo de determinada disciplina, sem que haja sua articulação com o processo pedagógico de formação do professor (Betti & Betti, 1996Betti, I. R., & Betti, M. (1996, junho) Novas perspectivas na formação profissional em Educação Física. Motriz, 2(1), 10-15.).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    0 0 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    29 Jul 2016
  • Revisado
    22 Maio 2017
  • Aceito
    20 Dez 2017
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