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“Tempos difíceis, mas não impossíveis”

Difficult, but not impossible, times

Em 2017, a Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas comemorou seus 45 anos de vida, propondo um amplo debate acadêmico sobre a escola pública, através de um seminário que teve um sugestivo título: “Escola Pública: tempos difíceis, mas não impossíveis”. Ao longo de três dias, no final de outubro, início de novembro, convidados externos e pesquisadores da FE debateram o tema com a comunidade interna e com o público presente ao seminário. Recentemente, os principais textos apresentados no seminário foram publicados em livro (Krawczyk, 2018Krawczyk, N. (Org.). (2018). Escola pública: tempos difíceis, mas não impossíveis. Campinas: FE-Unicamp; Navegando Edições.),1 1 Importante destacar que o livro foi publicado em formato impresso e em formato e-book, disponibilizado gratuitamente em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=105858&opt=4. de forma a levar seus efeitos a um público ainda maior.

Sabemos todos que 2018 não foi um ano fácil, e este 2019 iniciou-se com muitas novidades no País, no campo da administração pública em geral e no âmbito da Educação de forma particular. Muitas dessas novidades apontam para direções muito distintas daquelas que temos defendido nas universidades públicas brasileiras nas últimas décadas. Isso nos fez emprestar o título do seminário comemorativo da FE para este Editorial da primeira edição de Pro-Posições em 2019. Mas ampliando-o um pouco: parece que os tempos difíceis não se materializam apenas para a escola pública, mas para a Educação, de modo geral. Basta seguir os anúncios de ações do governo federal que tomou posse em janeiro, para ficarmos inquietos e apreensivos com a situação da Educação no País. Guardamos, porém, a esperança presente naquele título: os tempos podem estar difíceis, mas não são impossíveis; e as dificuldades reafirmam nossa disposição para o combate em torno dos ideais democráticos e republicanos que reafirmamos e que não deixaremos de defender.

Apesar de toda a situação adversa, 2019 é, porém, um tempo de comemoração para a Pro-Posições. No ano de 1990 esta revista começava sua trajetória, fruto do esforço conjunto de alguns docentes da Faculdade de Educação da Unicamp, empenhados em produzir um periódico acadêmico-científico da área de Educação que estivesse aberto à multiplicidade de referenciais de pensamento e de áreas de saber que já caracterizavam a FE naquela época. Pro-Posições constituiu-se nesse espaço de produção e de debate de ideias. Neste ano, atingimos o volume 30, chegando, pois, a 30 anos de publicação ininterrupta. Um fato a ser comemorado, num país como o nosso. Estamos preparando uma edição especial para marcar essa efeméride, o que certamente agradará a nossos leitores assíduos.

No campo da publicação científica e acadêmica os tempos são também difíceis, e lutamos contra muitas adversidades para manter a regularidade e a qualidade da divulgação de parte daquilo que se produz no campo da Educação. Uma revista consolidada e reconhecida como Pro-Posições, há anos classificada no mais alto estrato da avaliação pelo sistema Qualis-CAPES, disponível em acesso aberto na rigorosa plataforma da Scientific Electronic Library Online (SciELO) desde 2008, tem, como é de se imaginar, uma alta taxa de submissão de manuscritos por autores brasileiros e estrangeiros. Embora os altos níveis de exigência de qualidade da revista impliquem que muitos manuscritos sejam rejeitados, ainda assim temos um número bastante grande de artigos aceitos todos os anos, e nossos esforços têm sido na direção de fazer com que os prazos entre submissão e publicação dos textos aprovados seja o menor possível. Por muitos anos, mantivemos a publicação quadrimestral, de três números por ano. Sentindo que esse fluxo já não atendia à alta demanda, e começava a prejudicar o tempo de espera pela publicação do artigo aprovado, em 2017 optamos pela publicação de um número suplementar. A ideia então era a de mudarmos para uma periodicidade trimestral, publicando quatro números ao ano. Em 2018 buscamos uma estratégia distinta: mantivemos a publicação de três edições, porém aumentamos significativamente o número de artigos em cada edição.

Para que o leitor tenha uma ideia mais precisa em termos numéricos: no ano de 2016, com três edições, publicamos um total de 35 artigos. Em 2017, com a introdução do número suplementar, o total de artigos publicados subiu para 48. Já em 2018, com a estratégia de aumentar o número de artigos por edição, chegamos ao recorde de 63 artigos publicados no ano. Um aumento de oitenta por cento, se compararmos com o ano de 2016, que reflete a média histórica publicada anualmente. E note-se que esses números dizem respeito apenas aos artigos publicados, seja em dossiês seja aqueles de submissão livre, não computando aí resenhas e outros textos. Claro que esse significativo aumento na quantidade de artigos publicados só foi possível porque a revista adotou a publicação exclusivamente eletrônica; se mantivéssemos a publicação impressa, isso seria totalmente inviável.

Mesmo com todo o esforço editorial e o trabalho que decorreram desse significativo aumento, e que exigiram enorme dedicação da equipe editorial que produz a revista, terminamos o ano de 2018 ainda com uma significativa lista de artigos aprovados e que não puderam ser publicados naquele ano. E, como é de se esperar, recebendo contínuas e sucessivas cobranças dos autores que, uma vez tendo seus artigos aprovados, ficam ansiosos para vê-los publicados, muitas vezes sem ter a dimensão das dificuldades de manutenção de um periódico científico em nosso país.

Por essa razão, o comitê editorial da revista Pro-Posições tomou a decisão, no final de 2018, de mudar radicalmente nossa sistemática de publicação. Neste ano de 2019, no qual comemoramos os 30 anos da criação de Pro-Posições, passamos a adotar o sistema de publicação contínua. O volume 30 da revista se inicia com este conjunto de 11 artigos agora publicados e permanecerá aberto, recebendo novas publicações de acordo com nossa capacidade de processamento e editoração. O volume será completado apenas ao final do ano, quando for publicado o último lote de artigos. Esperamos, assim, não apenas atender ao anseio de nossos autores de ver reduzido o tempo de espera de publicação de seus artigos, mas também alimentar de forma contínua a inteligência e a reflexão de nossos leitores.

Não nos enganemos, porém. Essa nova sistemática de publicação pode acelerar processos e melhorar o fluxo, mas não extingue todos os “gargalos” que dificultam a publicação e seus tempos. E talvez o mais complicado dos “gargalos” seja também o mais difícil de ser superado: aquele que advém das questões financeiras. Como se sabe, Pro-Posições é uma revista acadêmica de uma universidade pública. Todos os agentes envolvidos em sua produção, por mais que nos esforcemos por fazer um trabalho o mais profissional possível, não se dedicam exclusivamente à produção da revista. São docentes pesquisadores que fazem seu trabalho editorial em meio às demais atividades de ensino, pesquisa e extensão; são funcionários públicos que realizam uma série de atividades na Faculdade de Educação, sendo a tarefa editorial mais uma delas; são estudantes bolsistas que se dedicam à revista em meio à sua rotina de aulas e estudos. Em outra frente: ainda que a publicação seja eletrônica, há uma série de custos envolvidos na publicação de um artigo: revisão profissional na língua original; revisão nos resumos em outras línguas; editoração; conversão para arquivos XML, linguagem usada para publicação na SciELO. Para custear essas etapas, Pro-Posições dispõe apenas de duas fontes: recursos orçamentários da Faculdade de Educação, definidos anualmente, de acordo com a disponibilidade institucional; e financiamentos das agências de fomento. Nestes tempos difíceis e incertos em que vivemos, temos visto ano a ano diminuírem os recursos aprovados por agências como CAPES e CNPq, visto que as verbas disponíveis precisam ser partilhadas por um número sempre crescente de periódicos qualificados. E agora, quando a cada dia o novo governo federal anuncia suas prioridades, fica evidente que a educação pública de qualidade e o investimento em ciência e tecnologia não estão entre elas. Isso significa que os recursos, que já são insuficientes, podem diminuir ainda mais, ou mesmo desaparecer. No tocante à própria Faculdade de Educação, as dificuldades orçamentárias também não têm sido pequenas, agudizadas pela crise financeira que tem vivido a Unicamp nos últimos anos. E o quadro se agrava, quando o governo do estado de São Paulo, além de não aprovar os reiterados pedidos de aumento de recursos para as universidades, anuncia para 2019 o contingenciamento de quarenta por cento dos valores previstos para repasse. Não queremos ser alarmistas nem perder a esperança, mas não podemos vislumbrar um período ameno pela frente.

Reiteramos, no entanto: os tempos são difíceis, mas não impossíveis. Pro-Posições reafirma sua defesa da multiplicidade de perspectivas no campo da Educação, a afirmação das diferenças, da democracia, do livre debate de ideias. Continuaremos a ser um veículo de publicação de artigos de alta qualidade nas mais variadas áreas que compõem o amplo campo da Educação, convictos de que a produção rigorosa do conhecimento científico e filosófico é a arma mais eficaz contra a ignorância, o obscurantismo, o dogmatismo, o conservadorismo de um pensamento único, que não aceita objeções e quer se impor sobre o conjunto da sociedade brasileira, apagando as diferenças, recusando o múltiplo e descartando toda a discordância sob a estúpida pecha de “ideologia”. Pro-Posições reafirma também sua posição de publicação de acesso livre, sem cobrança para leitura, bem como sem cobrança dos autores para publicação de seus artigos. Pensamos que esta é a condição para o avanço e a disseminação do conhecimento.

Na juventude de seus 30 anos, mas já esbanjando tradição de luta democrática, esperamos, com nossa nova sistemática de publicação, melhorar os fluxos e os tempos de espera para que as ideias de nossos autores possam circular entre nossos leitores, provocando o pensamento, a reflexão, a criação, mas também a intervenção direta na realidade educacional brasileira, do pensamento educativo ao “chão da escola”.

Recusamo-nos a esmorecer frente a estes tempos difíceis. Enfrentando as adversidades de todas as ordens, seguiremos fazendo todos os nossos esforços para a criação de possibilidades de pensamento e de ação, agindo em favor da inteligência e contra a pregação da ignorância. Nesta cruzada, contamos com o apoio e o empenho de todos os nossos autores e leitores.

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    Importante destacar que o livro foi publicado em formato impresso e em formato e-book, disponibilizado gratuitamente em: http://www.bibliotecadigital.unicamp.br/document/?code=105858&opt=4.

Referência

  • Krawczyk, N. (Org.). (2018). Escola pública: tempos difíceis, mas não impossíveis Campinas: FE-Unicamp; Navegando Edições.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Abr 2019
  • Data do Fascículo
    2019
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