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Brincadeira e educação infantil: discussões necessárias.

Play and Early Childhood Education: necessary discussions.

Para iniciar a apresentação da obra, é pertinente considerar que as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (Brasil, 2013Brasil. (2013). Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC.) asseveram que o professor de Educação Infantil (e de anos iniciais do Ensino Fundamental) deve ou deveria ser especialista em infância. Em outras palavras, pode-se dizer que, para se tornar professor de crianças, dever-se-ia ter a infância e tudo aquilo que se liga a ela como o pilar dos processos pedagógicos. Apesar disso, o que se percebe na prática dos professores é a quase ausência de conhecimentos relativos ao desenvolvimento infantil e, sobretudo, de como brincam e por que brincam as crianças. É imprescindível que a brincadeira seja compreendida como a primeira, e deveras significativa, forma de expressão criativa na infância.

O livro Vamos brincar de quê? apresenta aos professores de Educação Infantil um apanhado de textos de autores da área da psicologia do desenvolvimento, a respeito da importância da brincadeira no desenvolvimento infantil. A obra, que faz parte da coleção “Imaginar e criar na Educação Infantil”, está organizada em seis capítulos e tem, segundo a organizadora da coleção e do volume em tela, a intenção de ampliar a discussão sobre as atividades criadoras que ocorrem na infância e, ainda, sobre os desdobramentos educacionais dessas atividades na Educação Infantil.

Logo no primeiro capítulo, Ivone Oliveira e Anna Maria Padilha atentam para o papel do professor nas intervenções em brincadeiras de crianças da Educação Infantil. Fazem um breve apanhado das condições de acesso às vagas dessa etapa de ensino, discutindo as perspectivas assistencialista e escolarizante de atendimento. Além do que, ressaltam a desigualdade de oportunidades educacionais significativamente salientada na Educação Infantil, que ainda não garante vagas aos mais necessitados. As autoras revelam que a brincadeira dá condições à criança de lidar, no plano imaginário, com diversos sentimentos, e o adulto, neste caso o professor, exerce um papel importantíssimo de mediação nesse processo. Conclui-se, entretanto, que, apesar de no discurso os professores afirmarem a necessidade de as crianças brincarem, na prática demonstram conhecimentos superficiais sobre criança e brincadeira.

No segundo capítulo, Clícia Conti apresenta uma proposta de debate entre a perspectiva histórico-cultural de Vigotski e a perspectiva psicanalítica de Winnicott. A autora propõe uma transdisciplinaridade no pensamento científico sobre a infância e acredita que as instâncias sociais constitutivas podem ser abordadas com a perspectiva de Vigotski e as necessidades emocionais, pela perspectiva de Winnicott. Trata-se, assim, a criança de forma global e não sectária. Segue o texto, discutindo a visão sobre infância desde a época medieval até a contemporaneidade, e o capítulo finaliza com considerações sobre o papel do educador.

Maria Nazaré Cruz assina o terceiro capítulo. Inicia, problematizando o fato de a prática docente ir de encontro aos documentos oficiais que orientam a Educação Infantil e também à abordagem de diversos educadores e pesquisadores. Portanto, a prática docente não condiz com a teoria educacional. No decorrer do capítulo, a autora enfatiza que a brincadeira é aprendida e, por conseguinte, não é algo espontâneo e natural da criança; que é importante a presença do adulto para a brincadeira ser significada, porque quem atribui significado ao faz de conta infantil é o outro; e que há uma relação estreita entre a imaginação e os processos cognitivos, visto que a criança elabora e reelabora o conhecimento em meio aos processos imaginativos.

No quarto capítulo, Silviane Barbato e Gabriela Mieto apresentam o brincar no contexto da escolarização e nas interações inclusivas entre alunos e professores. Acrescentam exemplos retirados de algumas pesquisas de campo para ilustrar suas ponderações. Salientam que a brincadeira é uma atividade-ponte entre os conhecimentos formal e informal, além de ressaltar que, infelizmente, as práticas lúdicas tendem a ser diminuídas com o ingresso das crianças no Ensino Fundamental.

No quinto capítulo, que é assinado pelos organizadores da obra e por Marina Costa, o foco da atenção está no “corpo que brinca”. Ressaltando que as pesquisas relacionadas à imaginação infantil ainda são escassas, os autores argumentam que o brincar precisa ser valorizado, porque ele propicia à criança alargar suas experiências culturais, indo além de suas competências rotineiras. Os autores afirmam que, quando a criança brinca, ela transita entre temas lúdicos diferentes e cria infinitas cenas dramáticas de representação. Nesse sentido, a brincadeira assemelha-se ao teatro, pois, estando em situações de brincadeira, papéis são assumidos. A brincadeira é performática e impulsiona o corpo a se adequar a ela. As expressões corporais são exploradas e recriadas no contexto da brincadeira.

O sexto e último capítulo é de autoria de Lavínia Magiolino, que centra sua atenção na dimensão afetiva da brincadeira e discute o papel da dramatização no processo de constituição subjetiva. Ela observa a relação da dramatização com a brincadeira e acredita que, ao experienciar a mudança de papel ou de posição, a criança consegue se colocar no lugar do outro, como um exercício importante de alteridade. Utilizando-se das perspectivas de Wallon e de Bakhtin fazendo um cruzamento entre elas, a autora tece considerações importantes sobre uma educação estética e ética baseada nas brincadeiras e nas atividades imaginativas das crianças.

Em suma, além da temática, a pertinência do livro está assentada na forma de organização dos textos; nos resumos e nas sugestões de atividades no final de cada capítulo; e nos exemplos retirados de experiências observadas em sala de aula por meio de pesquisas. É leitura importante para todos os professores que desejam tornar-se especialistas em infância, para muito além de um título acadêmico, como sugerem as Diretrizes citadas no início desta resenha. A obra é importante para, no mínimo, instigar a pensar nas ações criadoras da criança, reveladas nas brincadeiras. Estas últimas, que têm sido tão subvalorizadas na experiência das práticas pedagógicas, precisam urgentemente ser mais bem tratadas nas salas de aula de Educação Infantil.

  • Silva, Daniele, & Abreu, Fabrício (Orgs.). (2015). Vamos brincar de quê?: cuidado e educação no desenvolvimento infantil. São Paulo: Summus. De acordo.

Referências

  • Brasil. (2013). Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica Brasília: MEC.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    01 Maio 2016
  • Aceito
    17 Out 2017
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