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Transformação do espaço: a poética na ação de crianças e jovens1 1 Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES

Space transformation: the poetics of the actions of children and young people

Stuart Campbell Aitken lançou em 2014 The ethnopoetics of space and transformation: young people's engagement, activism and aesthetics, destacando a estética poética das ações políticas infantis e explorando as emoções que as sustentam. O livro compila as pesquisas realizadas pelo autor ao longo de quase trinta anos e em quatro continentes, entretanto, não é destinado apenas a fins acadêmicos, mas a todos aqueles que acreditam na possibilidade efetiva do exercício da cidadania para a transformação de sua comunidade por meio de ações em nível local.

Aitken é geógrafo formado pela University of Glasgow (1980), mestre em Geografia pela Miami University - Ohio (1981) e doutor em Geografia pela Western University (1985). Atualmente é professor titular de Geografia da San Diego State University e diretor do Center for Interdisciplinary Studies of Youth and Space. Possui uma extensa produção de temas ligados à Geografia Humana e têm como ênfase pesquisas em área urbana com famílias e comunidades, crianças e jovens.

Nesta obra o autor propõe a quebra do paradigma que considera crianças como passivas, sujeitas à proteção e cuidado do adulto. Ao evidenciar as ações políticas de reivindicação, protesto e ruptura em questões que tangem suas vidas, são encaradas como capazes de provocar mudanças na sociedade e nos espaços por meio de sua forma peculiar de estar no mundo.

Para embasar seus argumentos, lança mão de autores da Filosofia, Geografia, Sociologia e Literatura, criando conexões interdisciplinares entre espaço, cidadania, estética e emoções. Aitken define espaço não como um palco estático, mas onde complexas relações acontecem; a cidadania como ação criativa e de ressignificação; a estética indo além do belo e sendo a ruptura com aquilo que é facilmente perceptível; e as emoções como os sentimentos que afetam nossa forma de ver, ser e estar no mundo e que impulsionam ações políticas. Consequentemente, espaços e pessoas transformam-se mediante relações afetivas e estéticas no exercício de sua cidadania, reapropriando-se do espaço urbano.

Neste sentido, a cidade volta a ser espaço de convivência, experiência e aprendizagem intra e intergeracional. E é na poética da vida de crianças e jovens que novas formas de cidadania acontecem, por meio de deslocamentos e ativismo político em uma (re)tomada do território urbano, e uma (re)invenção de cartografias que materializam espacialidades livres e fluídas.

A obra de Aitken contém um prefácio, seguido de oito capítulos, e está organizada em duas partes. A primeira reúne uma discussão baseada em teorias espaciais a respeito de eventos de mudança e engloba os quatro primeiros capítulos. Em “Birthing the poetics of space and transformation e Ethnopoetics”, o autor apresenta as bases teóricas que fundamentam suas pesquisas com a discussão sobre espaço e mudança e a definição da Ethnopoetry. Na sequência, o capítulo “Disrupting spatial competencies and affordances” exemplifica a maneira subversiva como crianças com paralisia cerebral superam obstáculos diários relacionados a acessibilidade e mobilidade enfrentadas em uma cidade nos Estados Unidos. O capítulo “Development, figured worlds and affective ecologies” aborda como jovens e suas famílias nativas da província de Guizhou/China resistem, enfrentam e protestam contra as mudanças ambientais e de desenvolvimento radicais provocadas pelo governo em sua região.

A segunda parte retrata e debate experiências de jovens que por meio de sua participação cívica foram capazes de desencadear transformações políticas e esperança na sociedade. O capítulo “Schoolyards, violence and landscapes of revolution”, dentre outros assuntos, trata de como no Chile, durante a revolução dos Pinguinos, estudantes saíram às ruas da cidade para protestar contra práticas neoliberais na educação. No capítulo “Children’s work, civic responsibilities and refashioning citizenship”, uma pesquisa realizada nos Estados Unidos demonstra o potencial de ação dos filhos de ativistas latinas em processos de engajamento civil contra uma medida que restringe traduções verbais do espanhol para inglês em lugares formais aos familiares e membros da comunidade. Já em “Poets and stateless children”. uma parcela da população eslovena que foi decretada como apátrida, conhecida como Izbrisani, após anos de represálias e medo, protestou em prol da conquista de um status legal no país e por novas formas de nacionalismo. A participação das crianças nesses protestos deu-se pela sua presença durante as ações, como quando, em 2006, marcharam rumo ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos em Estrasburgo.

Finalmente, o autor conclui seu livro com o capítulo “The poetic aesthetics of children’s politics”, reformulando a noção de espacialidade e mudança a partir de La- clau, De Certeau, Massey, Rancière, Žižek e Agamben. Aitken (p. 193); explica que, se tomarmos o espaço como “precursor político, bem como importante produto do político, então… deve haver um deslocamento, uma liberação da cartografia, sendo esta uma moldura para possibilidades, uma materialização espacial fluída e surpreendente”. Com essa compreensão a interação entre espaço, comunidade e identidade não está engessada a questões institucionais e estruturais, mas propulsiona atos que rompem o status quo, e impulsionam a transformação.

De maneira lírica e poética, Aitken, ao compilar transcrições de entrevistas, observações participantes, metodologias visuais e brincadeiras, cunha sua própria metodologia de escrita, chamada Ethnopoetry. Esta técnica consiste no uso de imagens e na transformação da fala dos participantes da pesquisa em versos, assim, realça ao mesmo tempo suas identidades e especialidades, representando parte daquilo que seria irrepresentável, estimulando as emoções do leitor para além do texto escrito.

O livro pode ser ainda uma grande fonte de inspiração para o desenvolvimento de pesquisas inovadoras com a participação efetiva das crianças, pois demonstra como a permanência no campo, a construção de relacionamento entre pesquisador e participante e a utilização de métodos alternativos que não priorizem o discurso oral, são essenciais em um processo sensível que vê, escuta, sente e toca o outro, e mais, valoriza os pontos de vista das crianças e jovens enquanto análise autêntica e relevante na pesquisa.

O que nos chama atenção na compilação dos estudos do autor é como as vozes, experiências e ações das crianças e jovens são capazes de revolucionar e desencadear transformações reais na sociedade. Essas diferentes possibilidades de interação no e com o espaço urbano, a partir de processos pessoais e sociais, criam sentidos, significados e sentimentos, por se envolverem e serem envolvidas ativamente em suas causas, superando, assim, as estratégias institucionais e molduras espaciais que tentam abafar suas ações políticas.

Tal pressuposto já vem sendo utilizado por outros autores, como os geógrafos Bosco e Joassart-Marcelli (2015)Bosco, F. J., Joassart-Marcelli, P. (2015). Participatory planning and children’s emotional labor in the production of urban nature. Emotion, Space and Society, 16, 30-40., que apoiados nos estudos de Aitken retratam a colaboração, a agência e a capacidade das crianças de participarem politicamente nas decisões que afetam sua qualidade de vida. Eles relatam a colaboração de crianças no planejamento de uma proposta de área verde em uma cidade da Califórnia, nos Estados Unidos, onde ajudaram a evitar a criação de ambientes infantis a partir de uma perspectiva adulta e, assim, foram capazes de produzir uma mudança positiva no projeto por meio de suas interpretações e engajamento emocional com o espaço.

Concluímos, portanto, que a temática do livro é atual e relevante para diferentes áreas do conhecimento. Ao mesmo tempo é provocativa por instigar a criação de uma agenda de pesquisas que considere as ações de crianças e jovens como políticas e transformativas. Como exemplo, temos as recentes ocupações de escolas e faculdades que jovens brasileiros realizaram para reivindicar e fortalecer o respeito à democracia e conquistas sociais que parecem estar sendo descontruídas atualmente no país.

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    Apoio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES
  • Aitken, Stuart. The ethnopoetics of space and transformation: young people's engagement, activism and aesthetics. Farnham: Ashgate Publishing Limited, 2014.

Referências

  • Bosco, F. J., Joassart-Marcelli, P. (2015). Participatory planning and children’s emotional labor in the production of urban nature. Emotion, Space and Society, 16, 30-40.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    11 Abr 2017
  • Aceito
    22 Maio 2017
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