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Políticas curriculares para o Ensino Médio no sul do Brasil: possibilidades analíticas em torno do conhecimento escolar

Curriculum policies for High School in southern Brazil: analytical possibilities regarding school knowledge

Resumo

O presente artigo examina as políticas curriculares para o Ensino Médio implementadas no estado do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil, ao longo da última década. Ao situar-se no âmbito dos Estudos Curriculares, priorizam-se analiticamente as racionalidades políticas que operam nos processos de seleção dos conhecimentos a serem ensinados nas escolas. Através de uma análise de textos curriculares, em aproximação a uma leitura sociorrealista, constata-se que as políticas implementadas no referido contexto são engendradas a partir da interface entre os pressupostos da fabricação de padrões curriculares e a constituição de uma comunidade de aprendentes.

Palavras-chave
políticas curriculares; conhecimento escolar; Ensino Médio; Brasil

Abstract

This paper examines the curriculum policies for High School implemented in the State of Rio Grande do Sul, in southern Brazil, over the last decade. Situated in the context of Curriculum Studies, the paper analytically prioritizes political rationalities operating in the processes of selecting the knowledge to be taught in schools. Through an analysis of curriculum texts, anchored in a social realist perspective, the article indicates that the policies implemented in that context are engendered from the interface between the assumptions of the manufacturing of curriculum standards and the establishment of a community of learners.

Keywords
curriculum policies; school knowledge; Brazil

O presente artigo é derivado de um conjunto de estudos que recentemente têm sido desenvolvidos sobre as políticas de constituição do conhecimento escolar para o Ensino Médio (Silva, 2014Silva, R. (2014). Políticas de constituição do conhecimento escolar para o Ensino Médio no Rio Grande do Sul: uma analítica de currículo. Educação em Revista. 30(1), 127-158.; Silva & Pereira, 2013Silva, R., & Pereira, A. (2013). Políticas de constituição do conhecimento escolar na pesquisa educacional brasileira. Cadernos de Pesquisa. 43(150), 884-905.). Nessas movimentações investigativas procuramos dimensionar os espaços ocupados por essa noção nos currículos escolares, partindo do pressuposto de uma crise das formas de transmissão cultural (Dussel, 2009Dussel, I. (2009). A transmissão cultural assediada: metamorfoses da cultura comum na escola. Cadernos de Pesquisa. 39(137), 351-365.; Sarlo, 2005Sarlo, B. (2005). Tempo presente: notas sobre a mudança de uma cultura. Rio de Janeiro: José Olympio.; Silva, 2016Silva, R. (2016). Currículo, conhecimento e transmissão cultural: contribuições para uma teorização pedagógica contemporânea. Cadernos de Pesquisa. 46(159), 158-182.; Young, 2011Young, M. (2011). O futuro da educação em uma sociedade do conhecimento: a defesa radical de um currículo disciplinar. Cadernos de Educação, 38, 395-416.), assim como do diagnóstico sociológico acerca de um desencanto sobre a escola (Marrero, 2012Marrero, A. (2012). La otra “jaula de hierro”: del fatalismo de la exclusion a la recuperación del sentido de lo educativo - una mirada desde la sociología. Sociologias. 29(1), 128-150.; Tiramonti, 2011Tiramonti, G. (2011). Educación secundaria argentina: dinámicas de selección y diferenciación. Cadernos de Pesquisa. 41(144), 692-709.). Privilegiaremos a constituição de uma abordagem analítica que se posiciona na interface entre perspectivas críticas e contemporâneas para o exame dos currículos escolares. Entretanto, para este texto, em particular, mobilizamos a constituição de um olhar inspirado na leitura sociorrealista do currículo (Moore, 2012Moore, R. (2012). Social realism and the problem of the problem of knowledge in the sociology of education. British Journal of Sociology of Education, 1-21.; Muller, 2009Muller, J. (2009). Forms of knowledge and curriculum coherence. Journal of Education and Work. 22(3), 205-226.; Pacheco, 2014Pacheco, J. (2014). Educação, formação e conhecimento. Porto: Porto Editora.; Young, 2011Young, M. (2011). O futuro da educação em uma sociedade do conhecimento: a defesa radical de um currículo disciplinar. Cadernos de Educação, 38, 395-416.; Young, 2013Young, M. (2013). A superação da crise em estudos curriculares: uma abordagem baseada no conhecimento. In M. Favacho, J. Pacheco, & S. Sales (Orgs.), Currículo, conhecimento e avaliação. divergências e tensões (pp. 11-31). Curitiba, PR: CRV.). A opção por esse modo de abordagem, de forma preliminar, incita-nos a promover novos exercícios investigativos, valendo-nos dessa potencialidade teórica. Distanciando-se de uma filiação teórica, este estudo busca consolidar uma aproximação conceitual aos movimentos de revitalização do debate político acerca do conhecimento escolar.

O Ensino Médio tem se constituído como um alvo de significativas reformas curriculares ao longo das últimas duas décadas. Em diferentes países notamos esse processo em pleno desenvolvimento, atendendo a diferentes racionalidades políticas e econômicas. Ao mesmo tempo, são mobilizados diferentes sistemas de raciocínio pedagógico (Popkewitz, 2009Popkewitz, T. (2009). El cosmopolitismo y la era de la reforma escolar. Madrid: Ediciones Morata.) que regulam as práticas pedagógicas, direcionando-as a modos controversos de intervenção. No contexto brasileiro, tem sido fértil a literatura que sugere que as políticas curriculares para o Ensino Médio se coadunam às demandas econômicas estabelecidas no contexto do neoliberalismo (Krawczyk, 2014Krawczyk, N. (2014). Ensino Médio: empresários dão as cartas na escola pública. Educação e Sociedade, 35(126), 21-41.; Tello & Mainardes, 2014Tello, C., & Mainardes, J. (2014). A educação secundária na América Latina como um direito democrático e universal. Educação e Filosofia, 28(especial), 155-179.). Sob tais condições, no presente texto, examinaremos as políticas curriculares mobilizadas no contexto do estado do Rio Grande do Sul, situado no sul do Brasil, procurando cartografar as diferentes estratégias políticas que orientaram seus regimes de implementação.

Com essa pauta investigativa, argumentaremos que as políticas implementadas no referido contexto são engendradas a partir da interface entre os pressupostos da fabricação de padrões curriculares e a constituição de uma comunidade de aprendentes. Do ponto de vista sociológico, reitera-se uma tendência a posicionar o conhecimento escolar no âmbito de uma gestão performativa do escolar (Ball, 2010Ball, S. (2010). Performatividades e fabricações na economia educacional: rumo a uma sociedade performativa. Educação e Realidade. 35(2), 37-55.; Pacheco & Pestana, 2014Pacheco, J., & Pestana, T. (2014). Globalização, aprendizagem e trabalho docente: análise das culturas de performatividade. Educação PUCRS. 37(1), 24-32.), da mesma forma que uma potencialização dos desempenhos na direção da competitividade (Lima, 2012Lima, L. (2012). Aprender para ganhar, conhecer para competir: sobre a subordinação da educação na “sociedade da aprendizagem”. São Paulo: Cortez.; Silva, 2014Silva, R. (2014). Políticas de constituição do conhecimento escolar para o Ensino Médio no Rio Grande do Sul: uma analítica de currículo. Educação em Revista. 30(1), 127-158.). Tal como encaminham os estudos de Young, em uma perspectiva sociorrealista, constata-se uma secundarização dos processos de seleção e organização do conhecimento escolar, dimensionado em uma perspectiva tanto epistemológica quanto de justiça social. Assim sendo, organizamos o presente texto em três seções. Na primeira seção revisitaremos os debates em torno das articulações entre currículo e conhecimento escolar, valendo-nos de uma breve revisão da literatura. A seguir, na segunda seção, ao definirmos nosso escopo analítico, sumarizaremos alguns entendimentos em torno da abordagem curricular proposta pelos estudos recentes de Michael Young. Por fim, na terceira e última seção, colocaremos em exame as políticas curriculares para o Ensino Médio implementadas no contexto do estado do Rio Grande do Sul ao longo da última década.

1. Currículo e transmissão cultural: perspectivas e debates

Ao redigir o verbete organização dos saberes, para o Dicionário de Educação compilado por Agnès van Zanten, Jean-Claude Forquin (2011)Forquin, J. (2011). Organização dos saberes. In A. Van Zanten (Coord.), Dicionário de Educação (pp. 714-719). Petrópolis, RJ: Vozes. argumenta que, durante muito tempo, a escolha dos conteúdos nos processos de transmissão cultural que acontecem na escola foi uma questão pouco examinada pelas Ciências da Educação. Entretanto, assinala que a compreensão desse processo “poderia contribuir para esclarecer melhor determinados debates atuais em torno da ‘política dos conteúdos de ensino’ [ênfase no original]” (p. 714). A compreensão do currículo como produto de uma seleção cultural, sob essa concepção, sugere que a escolha dos conhecimentos a serem ensinados pode ser entendida de forma histórica e cultural, atendendo às condições sociais de um determinado tempo, bem como às contingências derivadas das culturas escolares. Em razão disso é que, na acepção do pesquisador francês, precisamos problematizar a “política dos conteúdos de ensino”.

A dimensão cultural, assinalada por Forquin (2011)Forquin, J. (2011). Organização dos saberes. In A. Van Zanten (Coord.), Dicionário de Educação (pp. 714-719). Petrópolis, RJ: Vozes., também pode ser lida na definição de Sacristán (2013a)Sacristán, J. G. (2013a). A função aberta da obra e seu conteúdo. In J. G. Sacristán (Org.), Saberes e incertezas sobre o currículo (pp. 9-14). Porto Alegre, RS: Penso., na abertura de uma importante coletânea, quando define o currículo como “o conteúdo cultural que os centros educacionais tratam de difundir naqueles que os frequentam, bem como os efeitos que tal conteúdo provoca em seus receptores” (p. 10). Na perspectiva proposta pelo pesquisador, os conteúdos culturais ocupam a centralidade daquilo que nomeamos como currículo, visto que, em sua perspectiva, “a escola ‘sem conteúdos’ culturais é uma ficção, uma proposta vazia, irreal e irresponsável” (p. 10). Em outras palavras, os conteúdos culturais são as condições lógicas para a organização do ensino e, consequentemente, para a constituição dos currículos escolares.

Ainda que o campo do currículo seja caracterizado por um viés interdisciplinar, deslocado inúmeras vezes ao longo da história, Sacristán (2013b)Sacristán, J. G. (2013b). O que significa o currículo?. In J. G. Sacristán (Org.), Saberes e incertezas sobre o currículo (pp. 16-35). Porto Alegre, RS: Penso. reitera que sua forma predominante se vincula aos sentidos de currículo a ensinar. Os currículos, ao longo dos últimos dois séculos, têm funcionado como “uma espécie de ordenação ou partitura que articula os episódios das ações, sem a qual estes ficariam desordenados, isolados entre si ou simplesmente justapostos, provocando uma aprendizagem fragmentada” (p. 17). Sob essa perspectiva, poderia ser destacado o potencial regulador dos currículos, tanto em nível dos conteúdos, quanto no progresso dos sujeitos escolares.

Dessa concepção, deriva-se uma compreensão do conhecimento escolar como uma produção cultural1 1 Os estudos sobre o conhecimento escolar, bem como sua relevância para a compreensão da escolarização contemporânea, têm sido retomados no campo dos Estudos Curriculares (Libâneo, 2016; Pacheco, 2016; Young, 2016). . Assim, “os usos escolares delimitam o significado do que chega a se converter em uma cultura específica: o conhecimento escolar” (Sacristán, 2013bSacristán, J. G. (2013b). O que significa o currículo?. In J. G. Sacristán (Org.), Saberes e incertezas sobre o currículo (pp. 16-35). Porto Alegre, RS: Penso., p. 20). Ainda que não se constitua em uma novidade, essa abordagem indica-nos a natureza construída do conhecimento escolar.

Todos sabem que não é a mesma coisa aprender sobre um tema fora ou dentro do contexto escolar. Portanto, quando se faz a crítica da cultura escolar, é preciso que ela se dirija às formas escolares do conhecimento; e, quando se propõe um projeto de cultura para a escolaridade, não devemos avaliá-lo em função do que ele pode chegar a se transformar uma vez traduzido em conhecimento escolar. A existência desse conhecimento é uma realidade determinada pelo contexto escolar instituído.

(Sacristán, 2013bSacristán, J. G. (2013b). O que significa o currículo?. In J. G. Sacristán (Org.), Saberes e incertezas sobre o currículo (pp. 16-35). Porto Alegre, RS: Penso., p. 21)

A perspectiva de que o conhecimento escolar é uma produção cultural, dimensionada no contexto da instituição escolar, já era descrita por Santos (1995)Santos, L. (1995). O processo de produção do conhecimento escolar e a didática. In A. Moreira, Conhecimento educacional e formação do professor (pp. 27-37). Campinas, SP: Papirus., no Brasil, na primeira metade da década de 1990. Conforme a pesquisadora, “o conhecimento escolar tem características próprias que o distinguem de outras formas de conhecimento” (p. 27). O conhecimento escolar seria produzido em suas interfaces entre o sistema escolar e os contextos social e econômico que o perfazem. Santos reiterava também que tal abordagem se distancia de visões ingênuas ou idealistas que posicionam o conhecimento ensinado na escola desde uma perspectiva academicista, que o entenderia como atemporal e neutro. Considerando o escopo da argumentação empreendida até este momento, vale destacar a noção de conhecimento escolar como uma construção cultural, contingenciada pelas práticas sociais de um determinado contexto.

Ampliando esse campo analítico, António Nóvoa (2009)Nóvoa, A. (2009). Professores. imagens do futuro presente. Lisboa: Educa. apresenta alguns apontamentos acerca das relações entre educação e cidadania para a escola contemporânea que serão relevantes para as intenções deste texto. Argumenta que, ao longo do século XX, a referida instituição teve suas funções ampliadas, acumulando novas missões e novos conteúdos a serem ensinados. Tal condição encaminhou para um entendimento da escola “como instituição de regeneração, de salvação e de reparação da sociedade” (p. 53). As ligações entre educação e cidadania, na leitura do historiador português, precisariam ser redimensionadas, de modo que o foco na transmissão e na apropriação de conhecimentos fosse revitalizado.

O trabalho escolar tem duas grandes finalidades: por um lado, a transmissão e apropriação dos conhecimentos e da cultura; por outro lado, a compreensão da arte do encontro, da comunicação e da vida em conjunto. É isto que a Escola sabe fazer, é isto que a escola faz melhor. É nisto que ela deve concentrar as suas prioridades, sabendo que nada nos torna mais livres do que dominar a ciência e a cultura, sabendo que não há diálogo nem compreensão do outro sem treino da leitura, da escrita, da comunicação, sabendo que a cidadania se conquista, desde logo, na aquisição dos instrumentos de conhecimento e de cultura que nos permitam exercê-la.

(Nóvoa, 2009Nóvoa, A. (2009). Professores. imagens do futuro presente. Lisboa: Educa., p. 65)

A perspectiva defendida por Nóvoa posiciona a construção da cidadania através dos conhecimentos e da cultura. Remetendo ao contexto de nosso país, encontramos nos estudos recentes de Moreira (2009Moreira, A. (2009). Qualidade na educação e no currículo: tensões e desafios. Revista Educação on line (PUCRJ), 4, 1-14., 2010)Moreira, A. (2010). Lendo Stella: um mote para pensar o fundamental na escola de ensino fundamental. Revista da FAEEBA - Educação e contemporaneidade. 19(34), 193-205. importantes desenvolvimentos para essa questão. De acordo com o pesquisador brasileiro, a construção de uma educação de qualidade refere-se à possibilidade de o estudante “ir além dos referentes de seu mundo cotidiano, assumindo-o e ampliando-o, de modo a tornar-se um sujeito ativo na mudança de seu contexto” (Moreira, 2009Moreira, A. (2009). Qualidade na educação e no currículo: tensões e desafios. Revista Educação on line (PUCRJ), 4, 1-14., p. 2). Para tanto, tornam-se fundamentais estratégias que contribuam para a ampliação do repertório cultural dos estudantes. Moreira (2010)Moreira, A. (2010). Lendo Stella: um mote para pensar o fundamental na escola de ensino fundamental. Revista da FAEEBA - Educação e contemporaneidade. 19(34), 193-205. pontua que as atuais políticas curriculares têm enfatizado, de maneira exagerada, as experiências culturais dos alunos. A seleção de conhecimentos escolares relevantes, segundo Moreira (2009)Moreira, A. (2009). Qualidade na educação e no currículo: tensões e desafios. Revista Educação on line (PUCRJ), 4, 1-14., implicaria em “conhecimentos e experiências que permitam formar sujeitos autônomos, críticos e criativos” (p. 3).

Ainda no contexto brasileiro, os estudos de Moreira e Candau (2008)Moreira, A., & Candau, V. (2008). Indagações sobre currículo: currículo, conhecimento e cultura. Brasília: SEB/MEC. ampliam os entendimentos acerca dessa questão, sobretudo ao compreenderem o currículo como “as experiências escolares que se desdobram em torno do conhecimento, em meio a relações sociais, e que contribuem para a construção das identidades de nossos/as estudantes” (p. 18). A essa compreensão associa-se uma preocupação com o papel do professor, considerando-o “um dos grandes artífices, queira ou não, da construção dos currículos que se materializam nos currículos e nas salas de aula” (p. 19). No currículo, então, podem ser materializados os esforços pedagógicos que a instituição escolar coloca em ação.

Cabe esclarecer, todavia, que a preocupação intensa com o conhecimento a ser ensinado não sugere uma percepção estática ou estável daquilo que ensinamos. Ao estar ancorado socialmente, o conhecimento é referenciado nas diferentes práticas sociais de nosso tempo e, dentre outras coisas, visa à qualidade e à relevância da educação (Terigi, 1999Terigi, F. (1999). Curriculum: itinerários para apreender un territorio. Buenos Aires: Santillana.). Quais concepções de conhecimento escolar perfazem as atuais políticas curriculares para o Ensino Médio? Que lógicas têm orientado a composição dos currículos e a seleção dos conhecimentos a serem ensinados na atualidade? Ainda faz sentido, do ponto de vista pedagógico, interrogarmos pelas formas de transmissão cultural? Avançaremos, a seguir, nessa composição analítica, estabelecendo algumas aproximações (provisórias e parciais) com a leitura sociorrealista proposta por Michael Young (2007Young, M. (2007). Para que servem as escolas?. Educação e Sociedade. 28(101), 1287-1302., 2011)Young, M. (2011). O futuro da educação em uma sociedade do conhecimento: a defesa radical de um currículo disciplinar. Cadernos de Educação, 38, 395-416..

2. Políticas curriculares e a questão do conhecimento: uma leitura sociorrealista

Para estabelecermos um campo de problematizações em torno desta questão, faremos neste momento algumas digressões. No início do século XX, em contraposição ao modelo da pedagogia tradicional que havia predominado historicamente, ocorreu um intenso movimento de reformulação nos processos de escolarização (Dussel & Caruso, 2003Dussel, I., & Caruso, M. (2003). A invenção da sala de aula: uma genealogia das formas de ensinar. São Paulo: Moderna.). Partindo da Europa, e depois dos Estados Unidos, notavam-se a emergência e a consolidação do progressivismo, em suas variações. De acordo com Muller (2003)Muller, J. (2003). Revisitando o progressivismo: Ethos, política, Pathos. In R. Garcia, & A. Moreira (Orgs.), Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios (pp. 317-344). São Paulo, SP: Cortez., em um exercício de sistematização, poderíamos indicar que um “forte impulso subjacente ao progressivismo, como movimento educacional, foi a justiça social” (p. 318). Em um contexto de significativos desenvolvimentos na industrialização, a escola de massas era indicada como uma possibilidade de formação da classe trabalhadora. Com essa intenção, o progressivismo tomava como centro “a produção de resultados educacionais equitativos para as crianças da classe trabalhadora, que não se beneficiavam dos gastos públicos” (p. 318). Em suas diferentes versões teóricas e práticas, a referida concepção pedagógica assinalava que “a escola deveria ser capaz de contribuir para mudanças sociais formando os alunos para serem cidadãos em uma sociedade democrática” (Lopes & Macedo, 2012Lopes, A., & Macedo, E. (2012). Teorias do currículo. São Paulo: Cortez., p. 74).

A escolarização produzida sob a égide do progressivismo trazia para o centro do processo pedagógico as experiências dos estudantes e suas possibilidades de intervenção social. Diferentemente de perspectivas instrumentais, os progressivistas assinalavam que o conhecimento precisaria atender “às finalidades educacionais e não submeter a escola ... aos objetivos estabelecidos com base em uma concepção instrumental” (Lopes & Macedo, 2012Lopes, A., & Macedo, E. (2012). Teorias do currículo. São Paulo: Cortez., p. 76). Após a constituição de um campo de influência bastante significativo, fabricado ao longo do último século, mais uma vez recorrendo a Muller (2003)Muller, J. (2003). Revisitando o progressivismo: Ethos, política, Pathos. In R. Garcia, & A. Moreira (Orgs.), Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios (pp. 317-344). São Paulo, SP: Cortez., atualmente o progressivismo tem sido alvo de um conjunto de críticas, advindas tanto de autores positivistas ou instrumentalistas, quanto de seu próprio interior2 2 Uma das críticas ao progressivismo pedagógico, em suas aproximações ao construtivismo, advém da filosofia e da sociologia da educação atualmente desenvolvidas. Turner (2012), em uma crítica bastante sofisticada, indica que “o conhecimento é inescapável” (p. 475). . Em comum a essas abordagens, destaca-se um consenso em torno de alguns aspectos secundarizados pelas políticas de escolarização progressivistas. De acordo com o pesquisador sul-africano, a Contemporaneidade tem exigido novos campos de intervenção que, ao longo do tempo, foram desvalorizados, a saber:

  • A instrução ativa e efetiva, classicamente proscrita pelo progressivismo, como o principal obstáculo à aprendizagem autêntica, faz uma diferença sensível para o aprendizado.

  • O professor, então, retorna, não como um facilitador ou gestor, mas como um especialista em instrução.

  • Isso significa a volta da importância do conhecimento escolar, tanto na elaboração do currículo quanto na orientação da instrução. (p. 323)

Nessa direção, ao produzir uma síntese do debate contemporâneo, Muller (2003)Muller, J. (2003). Revisitando o progressivismo: Ethos, política, Pathos. In R. Garcia, & A. Moreira (Orgs.), Currículo na contemporaneidade: incertezas e desafios (pp. 317-344). São Paulo, SP: Cortez. conclui que no progressivismo há uma ausência de possibilidades de progressão. Isso se materializa na “tendência progressista de definir todos os eventos do conhecimento como habilidades, competências e experiências, [o que] não dá margem para que se fale sobre o conhecimento como conhecimento [ênfase no original]” (p. 341). De outra perspectiva teórica, Dussel (2009)Dussel, I. (2009). A transmissão cultural assediada: metamorfoses da cultura comum na escola. Cadernos de Pesquisa. 39(137), 351-365. destaca o declínio da transmissão cultural nas sociedades contemporâneas. Sob as condições de determinadas “pedagogias da moda”, as formas clássicas do currículo humanista são contestadas por estar fundamentadas em três tipos de exclusão: “das culturas populares, da cultura contemporânea (sobretudo dos produtos da indústria cultural de massa) e da ‘voz’ das crianças e dos adolescentes” (p. 353).

Na argumentação da pesquisadora argentina, ao desejar-se fazer mais popular e mais inclusiva, a pedagogia teria abdicado da ideia de tradição. A transmissão cultural seria “assediada”, deslocando o próprio papel social das instituições educacionais.

Sob esse fundo de crise da transmissão mais geral, a escola é rebaixada pelas próprias transformações, que colocam em dúvida sua própria legitimidade como instituição privilegiada de socialização (Dubet, 2004). Se antes constituía um espaço de transmissão cultural cuja cultura se distinguia claramente do afora e se sustentava numa aliança entre o Estado e as famílias, na atualidade a escola compete com outras agências culturais como os meios de comunicação de massa e a internet para a transmissão de saberes, a formação intelectual e a educação da sensibilidade das crianças e adolescentes.

(Dussel, 2009Dussel, I. (2009). A transmissão cultural assediada: metamorfoses da cultura comum na escola. Cadernos de Pesquisa. 39(137), 351-365., p. 357)

Com esse diagnóstico, a autora oferece-nos alguns critérios para que a transmissão cultural seja ressignificada nas escolas. Destacam-se, então, uma ênfase na alteridade, na reinvenção do tempo, na busca de uma cultura comum e na esperança. De outro campo teórico, Sarlo (2005)Sarlo, B. (2005). Tempo presente: notas sobre a mudança de uma cultura. Rio de Janeiro: José Olympio. produz uma crítica sobre as instituições escolares contemporâneas, no que se refere às suas dificuldades encontradas na transmissão cultural. Em sua leitura, “a aquisição de uma cultura comum é um ideal democrático que pode ser reinventado através da ampliação do pluralismo, e este não deveria ser desprezado” (p. 101). A crítica estabelecida pela pesquisadora sugere uma fragilização das pautas pedagógicas contemporâneas, na medida em que a escola está assentada em lugares comuns, a saber: a preparação para o trabalho e a centralidade do interesse dos estudantes. Ancorada em Gramsci, Sarlo infere que “uma escola desse tipo, em vez de possibilitar uma mudança de expectativas, confirma o destino social de origem” (p. 103), ampliando as desigualdades existentes.

Continuando a argumentação desenvolvida até este momento, torna-se oportuno evidenciar o lugar ocupado pelo conhecimento escolar nas políticas curriculares contemporâneas. De imediato, vale sublinhar que o conhecimento tem ocupado um espaço secundário no desenvolvimento dessas políticas, o que, segundo Young (2010)Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora., pode ser notado na pouca atenção que a noção tem recebido no próprio campo dos Estudos Curriculares3 3 Esse indicativo também se encontra nos estudos recentemente desenvolvidos por Fabris e Traversini (2013), Gabriel (2013), Galian (2015), Moreira (2013), Pacheco (2013), Santos (2007) e Silva (2014). . De acordo com o sociólogo britânico,

sem uma teoria sobre que conhecimento é importante e qual o seu papel no currículo, os especialistas curriculares ficam com pouco mais do que um sentimento de inquietação sobre as consequências prováveis do vocacionalismo prematuro e uma relutância por parecerem elitistas por defenderem o currículo baseado em disciplinas. (p. 178)

Em geral, quando as políticas curriculares tratam do conhecimento, valem-se de argumentos extrínsecos ao processo de formação humana que ocorre nas escolas (Moore, 2012Moore, R. (2012). Social realism and the problem of the problem of knowledge in the sociology of education. British Journal of Sociology of Education, 1-21.; Muller, 2009Muller, J. (2009). Forms of knowledge and curriculum coherence. Journal of Education and Work. 22(3), 205-226.; Young, 2010Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora.).

Predominantemente, a gramática mobilizada em tais políticas conduz os esforços na direção da empregabilidade ou ao atendimento das demandas do mundo empresarial. Nas palavras do autor, “elas assumem que o emprego futuro é o principal fator motivador da disponibilidade dos jovens para continuarem a aprender” (Young, 2010Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora., p. 179). A aquisição de qualificações ocupa um espaço privilegiado, em detrimento das disciplinas e dos conhecimentos escolares.

A razão que é avançada oficialmente para se permitir que jovens de 14 anos escolham Lazer e Turismo, em vez de, por exemplo, Geografia e História é, presumivelmente, que o conhecimento ligado ao emprego será mais significativo para eles. No entanto, esta ideia assenta no pressuposto de que as diferenças entre o tipo de conhecimento adquirido quando se estuda Geografia ou História e o que se poderia adquirir num curso de Lazer e Turismo (como, por exemplo, como fazer a marcação de uma viagem aérea ou de umas férias) não são significativas.

(Young, 2010Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora., p. 179)

Nessa direção, as críticas às disciplinas escolares têm indicado que elas impediriam a flexibilidade e a inovação. Tais argumentos encaminham que a “rigidez” das disciplinas não favorece as novas concepções econômicas. Outro conjunto de críticas advém das perspectivas progressivistas que entendem as disciplinas como um obstáculo à participação dos setores populares, visto que levariam adiante valores elitistas4. Teoricamente, Young sugere que ambas as críticas conduzem a um possível paradoxo entre insularidade e hibridez − no qual temos que optar entre modelos diferenciados de conhecimento e visões relativistas sobre os interesses e as experiências dos indivíduos.

Alternativamente a essa tensão entre conservadores e inovadores, o sociólogo propõe uma abordagem sociorrealista ao currículo, com importantes derivações para as políticas de currículo.

Assume uma perspectiva sobre o conhecimento que o encara como algo que é produzido e adquirido socialmente em contextos históricos particulares e num mundo caracterizado por interesses antagônicos e lutas de poder. Ao mesmo tempo, reconhece que o conhecimento tem propriedades emergentes que o levam para além da preservação dos interesses de grupos particulares. Por outras palavras, temos de estar preparados para falar a respeito de interesses cognitivos e intelectuais e para defender sua importância.

(Young, 2010Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora., p. 186)

Na mesma perspectiva, Moore (2009)Moore, R. (2012). Social realism and the problem of the problem of knowledge in the sociology of education. British Journal of Sociology of Education, 1-21. defende que a abordagem sociorrealista distancia-se dos embates entre construtivistas e positivistas. Ao procurar alternativas para interpretar a questão do conhecimento, parte-se do entendimento de que “o conhecimento produzido socialmente é sempre falível” (p. 18). Entretanto, ainda se faz importante a ressalva feita por Moore quanto ao compromisso político da abordagem sociorrealista. Em suas palavras, “o Realismo Social não procura totalmente deslocar o construtivismo, mas completar o seu projeto, assegurando uma forte base epistemológica para suas reivindicações” (p. 18).

A importância do conhecimento escolar nas políticas curriculares contemporâneas, conforme descrevemos nesta seção, apresenta-se como um tema crucial para o entendimento dos modos de escolarização. Procuraremos reconhecer essa questão no âmbito das recentes políticas implementadas no contexto do Rio Grande do Sul, especialmente as reformas Lições do Rio do Grande e Ensino Médio Politécnico, destinadas ao Ensino Médio (última etapa da Educação Básica). As referidas reformulações curriculares foram examinadas a partir de uma análise de seus principais documentos curriculares e dos textos formativos redigidos por seus coordenadores. De acordo com as sinalizações realizadas anteriormente, as análises serão desenvolvidas, considerando como ponto de partida uma leitura sociorrealista, inspirada nos escritos recentes de Michael Young.

3. O Ensino Médio no Rio Grande do Sul: uma analítica de currículo

Para contextualizar a história da organização do trabalho escolar e do currículo no Brasil, ao longo do século XX, Souza (2008)Souza, R. (2008). História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX. São Paulo: Cortez. procura dimensionar a escolarização pública no projeto republicano para o País. Ainda que inúmeros argumentos, favoráveis ou não, tenham sido produzidos desde o final do século XIX, a historiadora pontua que a formação do cidadão republicano se valeu das “possibilidades de integração social pelo cultivo da formação cívico-patriótica, pela afirmação da nação como projeto político e pela difusão de elementos das ciências, das técnicas, das letras e das artes” (p.19). Por outro lado, precisamos sinalizar que foram sendo fabricadas culturas escolares específicas, nas diferentes instituições, colocando em ação “modos diferenciados de distribuição e de apropriação de conhecimento e de produção de disposições, de percepções de mundo e de pessoas” (p. 19).

A virada de século − do XIX para o XX −, tanto no Brasil quanto internacionalmente, engendrou uma significativa transformação nos conteúdos previstos para a escolarização. Até o século XIX, as conhecidas escolas elementares centravam-se na trilogia de La Salle (leitura, escrita e cálculo), compondo a base dos estudos para as camadas populares. Por conta de um conjunto de modificações sociais, o século XX emergia com uma preocupação em desenvolver, nas instituições escolares, conteúdos úteis para a vida moderna e para a educação do povo. Isso implicaria, ainda conforme Souza (2008)Souza, R. (2008). História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX. São Paulo: Cortez., uma dupla intencionalidade: por um lado, fomentar saberes necessários para a vida do “homem moderno”, a ciência; e, por outro lado, uma sólida formação moral para “conter” a classe trabalhadora. O pensamento de Herbert Spencer exerceu significativa influência na escolarização brasileira desse período.

Spencer reparava que a ciência estava contribuindo com o desenvolvimento industrial, impulsionando-o a pensar que “a educação das massas serviria ao desenvolvimento econômico, preparando os trabalhadores para compreender os fundamentos da sociedade industrial” (Souza, 2008Souza, R. (2008). História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX. São Paulo: Cortez., p. 25). Entretanto, conforme destacamos anteriormente, a escolarização também contribuiria para combater os crescentes “perigos sociais” decorrentes do crescimento populacional e da urbanização advinda da recente industrialização5 5 De acordo com Souza (2008), a escolarização juvenil promovida no século XX era regulada por uma dupla racionalidade, qual seja: “a educação prepararia o homem para a vida produtiva – o ganhar a vida – tornava-se imprescindível que ela também preparasse as novas gerações para as responsabilidades com o governo de uma família e para a devida manutenção da integridade física” (p. 26). . A escolarização pública engendrada no início do século XX, em linhas gerais, assumia como pauta formativa a contribuição para o desenvolvimento industrial e, concomitantemente, o empreendimento da moralização dos costumes. Considerando a abordagem histórica de Souza, compreendemos que, atualmente, faz-se possível constatar um novo deslocamento das racionalidades políticas que orientaram os regimes de implementação das políticas curriculares, especialmente no que se refere ao Ensino Médio. Exploraremos a seguir algumas dessas mudanças.

Na leitura proposta por Michael Young (2010)Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora., acerca das atuais políticas curriculares, torna-se possível constatar que, ao mesmo tempo em que há uma forte retórica na formação de “trabalhadores do conhecimento”, os documentos que regulam as políticas educacionais de nosso tempo silenciam-se quanto à concepção de conhecimento que perfaz suas propostas. Buscando compreender as formas de conhecimento predominantes nesse processo, o sociólogo indica duas perspectivas predominantes, a saber: o tradicionalismo neoconservador e o tecno-instrumentalismo (Young, 2010Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora.). No debate sobre as políticas curriculares mais recentes, o tradicionalismo neoconservador sugere que “a verdadeira aprendizagem continua a ser, essencialmente, um processo contemplativo cujas raízes remontam à tradição monástica” (p. 60). Em outras palavras, a abordagem neoconservadora, ao operar com um cânon curricular (estável e permanente), promove o respeito à autoridade das formas canônicas, protegendo determinados valores entendidos como tradicionais.

Por outro lado, a abordagem dos tecno-industrialistas realiza uma forte crítica aos neoconservadores, indicando que seu cânon curricular pouco contribui para as necessidades advindas da economia (Young, 2010Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora.). Hoje predominante nas políticas de currículo, desde os anos de 1990 “este desígnio exprimiu-se sob a forma de um discurso que enfatizava a preparação das pessoas para a economia do futuro, uma economia baseada no conhecimento, globalizada e mais competitiva” (p. 62). Sob tais condições, a escola e o currículo tornam-se meios para a busca do desenvolvimento econômico. Objetiva-se, nessa composição, fabricar um tipo particular de sujeitos e de instituições formativas voltadas para as “competências-chave” da economia neoliberal. As próprias instituições escolares são redesenhadas a partir de “um estilo de regulação gerencial que se encontra integrado num aparelho mais vasto constituído pelos indicadores de desempenho, pela definição de metas e pelos rankings” (p. 63).

O sociólogo destaca que o tensionamento existente entre os modelos citados − cultura clássica ou formação para o mercado de trabalho − não se trata de uma novidade acadêmica. Porém, ao longo das últimas duas décadas, com o tecno-industrialismo influenciando fortemente o curso das reformas curriculares, os debates têm ganhado em intensidade pública.

Ambos os modelos funcionam de forma “diagnóstica”, identificando deficiências nas situações educativas existentes. Os tradicionalistas afirmam que a expansão substancial da educação pós-obrigatória só foi possível porque se permitiu o rebaixamento dos padrões de excelência que se tinham estabelecido no passado (na “idade do ouro”) [ênfases no original]. Por seu lado, os instrumentalistas alegam que o compromisso instável entre as pressões para alargar a participação e o desejo de manter os padrões de qualidade resultou num currículo que não consegue satisfazer as necessidades da economia emergente em termos de competências e de conhecimento. Em ambos os modelos há uma perspectiva sobre o currículo que está relacionada com uma narrativa histórica particular sobre a mudança social.

(Young, 2010Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora., p. 64)

Nas políticas curriculares para o Ensino Médio percebemos, então, a predominância dessa ambiguidade ainda na Contemporaneidade. Na leitura produzida por Young, é sob esse cenário que adquirem relevância as críticas pós-modernas em suas diferentes versões (incluindo algumas formas de neomarxismo, até discursos progressivistas). Desde um prisma relativista, de acordo com o autor, a maior parte de tais abordagens propõe-se a celebrar uma nova forma de reflexão acerca do conhecimento a ser ensinado. Não mais a cultura clássica e seus cânones ou o instrumentalismo e seu foco na economia, mas fazer ascender as singularidades, as particularidades e as experiências dos indivíduos. A partir do âmbito da sociologia da educação, Young (2010)Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora. assinala que, em sua perspectiva, essa abordagem tenderia a reduzir o conhecimento a pontos de vista, o que implicaria em, pelo menos, quatro aspectos a serem examinados: a falácia genética, a simplificação excessiva da natureza dos campos intelectuais, a redução do conhecimento à experiência e a negação da possibilidade de existência de categorias que transcendam a experiência.

A partir desses dilemas, o sociólogo propõe uma sistematização para a abordagem sociorrealista, na qual pondera a relevância do conhecimento com a natureza subjetiva de sua construção.

Os dois objetivos complementares de uma teoria sociorrealista são (1) revelar adequadamente a maneira como as relações de poder externas poderão estar a afectar o conhecimento, quer na investigação, quer no currículo, e (2) explorar o modo como as formas de organização social que emergem com base nos interesses “cognitivos” podem dar forma à organização da própria sociedade [ênfase no original].

(Young, 2010Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora., p. 81)

A partir destas problematizações, podemos estender o exame analítico para as políticas curriculares para o Ensino Médio mobilizadas no contexto sul-riograndense. Ao longo das últimas duas décadas, o Brasil iniciou um intenso movimento de reformulação curricular das diferentes etapas da Educação Básica, seja para garantir sua democratização, seja para ampliar o potencial de competitividade do País no cenário global (Krawczyk, 2014Krawczyk, N. (2014). Ensino Médio: empresários dão as cartas na escola pública. Educação e Sociedade, 35(126), 21-41.; Silva, 2014Silva, R. (2014). Políticas de constituição do conhecimento escolar para o Ensino Médio no Rio Grande do Sul: uma analítica de currículo. Educação em Revista. 30(1), 127-158.). Em tais condições, o Ensino Médio tornou-se alvo de um conjunto de iniciativas que visavam atender as condições de um mundo em mudança, materializadas em situações escolares que não acolhiam as demandas dos estudantes6 6 De acordo com Moore (2009), no que tange ao conhecimento, caberia ao trabalho da sociologia da educação “teorizar e pesquisar as suas formas e modalidades e as forças que moldam a sua distribuição social e os modos de acesso pedagógico aos seus efeitos” (p. 19). . O objetivo político engendrado nessas condições dizia respeito à fabricação de currículos escolares atraentes, flexíveis e inovadores7 7 No contexto nacional, no decorrer desta década, cabe destacar a promoção de um conjunto de novas políticas e programas com foco no Ensino Médio, dentre as quais se destacam o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio e o Programa Ensino Médio Inovador. . No caso particular do estado do Rio Grande do Sul, ao longo de uma década, foram realizadas duas grandes reformulações com matizes políticos e intenções pedagógicas diferenciadas, os quais exploraremos a seguir. Em comum ao Lições do Rio Grande e ao Ensino Médio Politécnico, encontramos uma fragilização dos conhecimentos escolares, associada a uma secundarização dos processos de transmissão cultural que se dão nas escolas (Silva & Pereira, 2013Silva, R., & Pereira, A. (2013). Políticas de constituição do conhecimento escolar na pesquisa educacional brasileira. Cadernos de Pesquisa. 43(150), 884-905.).

3.1. A efetivação de padrões curriculares: o Lições do Rio Grande em perspectiva

Uma das reformulações curriculares produzidas para o Ensino Médio no estado do Rio Grande do Sul, a qual colocamos em análise nesta investigação, foi a proposta de referencial curricular nomeada como Lições do Rio Grande, desenvolvida na gestão estadual do período entre os anos de 2007 e 2010. Ao apresentar o referido referencial curricular, a então secretária de educação indicava a necessidade daquele processo, tendo em vista a melhoria da qualidade da educação básica, a ser promovida no contexto gaúcho. Partindo de alguns dados que explicitavam a democratização do acesso à educação, o texto de abertura do referencial destacava o compromisso social com a temática − “se queremos educação de qualidade para todos, precisamos de todos pela educação de qualidade. E a melhoria da qualidade só pode ser resultado de um conjunto de ações, do governo e da sociedade” (Abreu, 2009Abreu, M. (2009). Lições do Rio Grande: referencial curricular para as escolas estaduais. In Rio Grande do Sul, Lições do Rio Grande: referencial curricular (pp. 5-10). Porto Alegre, RS: SE/DP., p. 6). O desenvolvimento do Lições do Rio Grande, naquele período, integrava um conjunto de projetos de intervenção lançados no início do ano de 2008, denominado “Programa Estruturante Boa Escola para Todos8 8 Tratava-se de um conjunto de iniciativas de reforma das políticas educacionais do Rio Grande do Sul. Destacavam-se, além do Lições do Rio Grande, os programas Sala de Aula Digital, Sistema de Avaliação Digital do Rio Grande do Sul, Professor Nota 10 e Centros de Referência em Educação Profissional. ”.

Compunham o referido programa estruturante iniciativas com foco na avaliação educacional, na inclusão digital, na alfabetização no primeiro ciclo do Ensino Fundamental e na formação de professores e gestores escolares. Para justificar a reformulação curricular, Marisa Abreu (2009)Abreu, M. (2009). Lições do Rio Grande: referencial curricular para as escolas estaduais. In Rio Grande do Sul, Lições do Rio Grande: referencial curricular (pp. 5-10). Porto Alegre, RS: SE/DP. afirmava que o Rio Grande do Sul, tal como o restante do Brasil, experienciava uma espécie de processo “pendular” (p. 9). Esse processo reconhecia que, se até os anos de 1970, os currículos eram elaborados de forma centralizada e repassados para a execução das escolas, a partir das lutas políticas dos anos de 1980 (e a consequente autonomia das escolas), as políticas curriculares deslocaram-se para um outro extremo.

Hoje, no País existem diretrizes curriculares nas normas dos Conselhos de Educação, tanto Nacional como Estadual, mas essas diretrizes são muito gerais não existindo, assim, qualquer padrão curricular. A partir dessas normas, as escolas são totalmente livres para fazerem os seus currículos, inclusive dificultando o próprio processo de ir e vir dos alunos entre as escolas, porque quando um aluno se transfere, é diferente de escola para escola o que se ensina em uma mesma série.

(Abreu, 2009Abreu, M. (2009). Lições do Rio Grande: referencial curricular para as escolas estaduais. In Rio Grande do Sul, Lições do Rio Grande: referencial curricular (pp. 5-10). Porto Alegre, RS: SE/DP., p. 8)

Segundo essa argumentação, Abreu (2009)Abreu, M. (2009). Lições do Rio Grande: referencial curricular para as escolas estaduais. In Rio Grande do Sul, Lições do Rio Grande: referencial curricular (pp. 5-10). Porto Alegre, RS: SE/DP. indicava que o Lições do Rio Grande ingressava em uma tendência nacional, a partir das metas do Movimento Todos pela Educação, na qual se entendia como necessária a produção de uma síntese dessa questão curricular: “não é aquela centralização absoluta, nem a absoluta descentralização de hoje” (p. 8). A proposta de referencial curricular pretendia dialogar com a meta três do movimento aqui indicado, que definia que os alunos precisavam ter um aprendizado adequado a sua série. Para tanto, a definição de uma proposta de referencial curricular apresentava-se como fundamental. Para o desenvolvimento do Lições do Rio Grande, tanto para o Ensino Fundamental quanto para o Ensino Médio, foi constituída pela Secretaria Estadual de Educação uma comissão composta por 22 especialistas, tanto das universidades quanto da própria rede de ensino. A base para a organização dos (novos) padrões curriculares foram as competências e as áreas do conhecimento do Exame de Certificação de Competências da Educação de Jovens e Adultos (ENCCEJA). A escolha da matriz de referência do ENCCEJA foi justificada pela perspectiva de que o referido exame era entendido como “a melhor alternativa para organização dos currículos escolares da educação básica, de forma a superar a fragmentação e pulverização de disciplinas” (p. 10).

Na parte final do texto de apresentação do Lições do Rio Grande, Abreu (2009)Abreu, M. (2009). Lições do Rio Grande: referencial curricular para as escolas estaduais. In Rio Grande do Sul, Lições do Rio Grande: referencial curricular (pp. 5-10). Porto Alegre, RS: SE/DP. indicava o compromisso com o conjunto de conteúdos mínimos, assim como com a restrição da autonomia dos estabelecimentos de ensino.

A proposta de Referencial Curricular do Rio Grande do Sul contém as habilidades e competências cognitivas e o conjunto mínimo de conteúdos que devem ser ensinados em cada um dos anos letivos dos quatro anos finais do ensino fundamental e no ensino médio. A partir desse Referencial, cada escola organiza o seu currículo. A autonomia pedagógica da escola consiste na liberdade de escolher o método de ensino, em sua livre opção didático-metodológica, mas não no direito de não ensinar, de não levar os alunos ao desenvolvimento daquelas habilidades e competências cognitivas ou de não abordar aqueles conteúdos curriculares. (p. 10)

A visão de autonomia da escola, desde essa abordagem, é posicionada na possibilidade de indicar como ensinar, visto que o conteúdo mínimo estaria previamente definido. O âmbito que definiria os procedimentos de regulação dessa política é destacado por Balzano e Bier (2009)Balzano, S., & Bier, S. (2009). A gestão da escola comprometida com a aprendizagem. In Rio Grande do Sul, Lições do Rio Grande: referencial curricular (pp. 29-36). Porto Alegre, RS: SE/DP., coordenadoras do processo de implementação da política, como uma “gestão do pedagógico”. De acordo com seu encaminhamento, em uma sociedade do conhecimento, “o foco da gestão passa a ser pedagógico e as dimensões administrativa e financeira são meios para alcançar as finalidades da educação” (p. 29). Uma gestão pedagógica, comprometida com os valores da flexibilidade e da equidade, conduziria a uma concepção de currículo mais eficaz, mais interdisciplinar e contextualizada.

Para sua implementação, o Lições do Rio Grande era orientado por dois conjuntos de materiais, a saber: a) um com foco na formação e na orientação do processo curricular; b) outro com sugestões de modelos de aula para cada área do conhecimento e para cada disciplina. O processo formativo, conduzido por instituições de Ensino Superior contratadas pela Secretaria Estadual de Educação, implicava em estudos dirigidos do referencial curricular e em atividades práticas desencadeadas a partir dos modelos de aula. Tais iniciativas objetivavam articular os referenciais curriculares com as ações profissionais dos docentes.

Por isso, em cada área do conhecimento, nível e série, são propostas ações de intervenção pedagógica com foco no desenvolvimento de competências gerais e habilidades específicas que, no seu conjunto, estabelecem as aprendizagens básicas para os alunos do ensino fundamental e médio.

(Balzano & Bier, 2009Balzano, S., & Bier, S. (2009). A gestão da escola comprometida com a aprendizagem. In Rio Grande do Sul, Lições do Rio Grande: referencial curricular (pp. 29-36). Porto Alegre, RS: SE/DP., p. 30)

A partir dos referidos referenciais, ainda conforme Balzano e Bier (2009)Balzano, S., & Bier, S. (2009). A gestão da escola comprometida com a aprendizagem. In Rio Grande do Sul, Lições do Rio Grande: referencial curricular (pp. 29-36). Porto Alegre, RS: SE/DP., uma das principais ações a serem mobilizadas pelas instituições escolares seria a revisão de suas propostas pedagógicas. De forma a orientar essa implementação, as coordenadoras indicavam duas questões básicas para essa efetivação: “a capacidade da escola de concretizar na prática os princípios de interdisciplinaridade e de contextualização do currículo e a organização e aproveitamento do tempo escolar” (p. 31). Quanto à primeira questão, destacava-se a interdisciplinaridade como estratégia significativa para a realização de planejamentos coletivos, através da colaboração entre as áreas do conhecimento e da contextualização como possibilidade de considerar a realidade e as experiências dos alunos. Quanto à segunda questão, sublinhava-se o uso efetivo do tempo escolar e, na medida do possível, a ampliação da carga horária para 30 horas-semanais.

No que tange à organização do tempo escolar, os Referenciais Curriculares apresentavam inúmeras sugestões e indicações de formas de ocupação do tempo. Na Tabela 1 explicitamos uma das sugestões apresentadas para o Ensino Médio.

Tabela 1
Sugestão 4: Organização curricular para o Ensino Médio

Para além de especificar possibilidades de distribuição de carga horária entre as áreas do conhecimento, o Lições do Rio Grande ainda apresentava orientações práticas quanto à organização e à sequência das aulas. Colocava como pressupostos uma visão pedagógica preocupada com a qualidade e com a participação ativa dos estudantes. Um dos critérios de organização das disciplinas vinculava-se à complexidade dos conteúdos a serem ensinados.

A experiência docente nos mostra que a aprendizagem de conceitos complexos ocorre de modo mais efetivo nos primeiros períodos de aula, em que o nível de atenção dos alunos é maior. Assim, componentes que exigem maior concentração devem preferencialmente constar dos primeiros períodos do turno escolar, como é o caso da matemática. Ao contrário, componentes que originalmente desenvolvem atividades mais lúdicas, motoras, artísticas, podem ser oferecidas em horários de final de turno. Obviamente, a carga horária semanal deve ser distribuída com base no princípio da equidade entre as turmas.

(Balzano & Bier, 2009Balzano, S., & Bier, S. (2009). A gestão da escola comprometida com a aprendizagem. In Rio Grande do Sul, Lições do Rio Grande: referencial curricular (pp. 29-36). Porto Alegre, RS: SE/DP., p. 34)

Antes de prosseguirmos, importa assinalar que as questões econômicas se tornam centrais para explicar as políticas de constituição do conhecimento escolar. No âmbito dos Estudos Curriculares, as teorizações críticas tiveram um significativo impacto para o tratamento dessa questão, nas quais os escritos de Giroux (2003)Giroux, H. (2003). Atos impuros: a prática política dos estudos culturais. Porto Alegre: Artmed. sobre a “política de cultura empresarial” se tornaram exemplares. A referida noção, de acordo com o pesquisador crítico, diz respeito a “um conjunto de forças ideológicas e institucionais que funciona politicamente e pedagogicamente para governar a vida organizacional por meio do controle gerencial superior e para produzir trabalhadores submissos, consumidores despolitizados e cidadãos passivos” (p. 52). Em tais condições, podemos diagnosticar que a cidadania é posicionada como uma questão privada, destinada a estimular a competitividade entre os indivíduos.

Do ponto de vista da cultura empresarial, ainda conforme Giroux (2003)Giroux, H. (2003). Atos impuros: a prática política dos estudos culturais. Porto Alegre: Artmed., constata-se uma “primazia da privatização e do individualismo” (p. 55), o que pode ser verificado na gestão das instituições de ensino, ou mesmo em sua tendência à vocacionalização. O conhecimento, desenvolvido e ensinado,

é privilegiado como forma de investimento na economia, mas parece ter pouco valor quando está relacionado com poder da autodefinição, com responsabilidade social, ou com a capacidade dos indivíduos de expandir o âmbito de liberdade, da justiça e das operações da democracia. (p. 61)

No âmbito de uma abordagem realista-social, como estamos desenvolvendo neste artigo, podemos acrescentar outros delineamentos.

Ao centrar-se em uma busca por resultados, Young (2010)Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora. sinaliza uma possível marginalização do conhecimento no desenvolvimento das políticas e das práticas curriculares. Esse seu argumento se materializa na premissa de que as propostas governamentais, como afirmamos anteriormente, “se concentram quase inteiramente nos propósitos extrínsecos da educação” (p. 178). As escolas para os jovens não conseguem mais explicar a relevância social e política da escolarização, valendo-se de argumentos referentes à emancipação intelectual, por exemplo.

Sistematizando nossa abordagem sobre a política examinada nesta seção, vale destacar também que outros critérios também eram mobilizados, tais como o favorecimento de reuniões de planejamento entre professores de uma mesma área, a possibilidade de tornar o ambiente mais tranquilo e agradável, dentre outros. A gestão do pedagógico, através de padrões curriculares mínimos, tal como se delineou no Lições do Rio Grande, tomava como objetivo fundamental que as comunidades escolares "assumam o compromisso de que cada aluno aprenda o que é adequado para a sua série, conforme a meta do Movimento Todos pela Educação” (Balzano & Bier, 2009Balzano, S., & Bier, S. (2009). A gestão da escola comprometida com a aprendizagem. In Rio Grande do Sul, Lições do Rio Grande: referencial curricular (pp. 29-36). Porto Alegre, RS: SE/DP., p. 36). Aceitava-se um compromisso com o estabelecimento de padrões curriculares, materializados em uma pedagogia de resultados, capaz de potencializar a construção de uma cultura de produtividade. Os conhecimentos escolares eram fixados previamente e organizados em cadernos com modelos de aula, de maneira que os professores, através dos referidos padrões, pudessem melhorar o desempenho nas avaliações de larga escala.

3.2. Ensino Médio politécnico: a constituição de uma comunidade de aprendentes

Imediatamente ao encerramento do mandato anterior, o governo que assumiu a administração pública do Rio Grande do Sul (2011-2014)Rio Grande do Sul. (2011). Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico. Porto Alegre: SE., sob outra conotação ideológica, iniciou um novo processo de reforma curricular. Tal como as reformas anteriores, o Ensino Médio Politécnico − forma como é nomeada a referida reformulação − partiu de um diagnóstico de crise da escola pública, derivada de sua incapacidade para o atendimento das demandas juvenis e de sua pouca contribuição ao desenvolvimento econômico. Diferentemente da política curricular anteriormente descrita, o currículo escolar para o Ensino Médio não privilegiaria a composição de padrões curriculares preestabelecidos; mas, antes disso, tomaria como foco a composição de uma “comunidade de aprendentes”. A organização dessa comunidade estaria em sintonia com as necessidades advindas do campo econômico, sobretudo ao serem consideradas as mudanças nos arranjos produtivos.

Na proposta pedagógica do Ensino Médio Politécnico, a opção pelo atendimento de tais demandas é justificada pelas alterações ocorridas no mundo do trabalho, onde “a capacidade de fazer passa a ser substituída pela intelectualização das competências, que demanda raciocínio lógico formal, domínio das formas de comunicação, flexibilidade para mudar, capacidade de aprender permanentemente e resistência ao estresse” (Rio Grande do Sul, 2011Rio Grande do Sul. (2011). Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico. Porto Alegre: SE., p. 13). Para acompanhar as novas dinâmicas da ciência e da tecnologia, em sua potencialidade produtiva, a proposta sugere o domínio de ferramentas intelectuais que conduzam a resolução de problemas, visto que “novos problemas surgem cotidianamente ao tempo em que conhecimentos e ocupações vão se tornando obsoletos” (p. 12). Com essa agenda pedagógica, a proposta curricular revitaliza o conceito de politecnia, posicionando-o na articulação entre formação geral e formação profissional.

O ponto de partida para essa construção são os processos de trabalho objetos da formação, de modo a superar a lógica disciplinar e a superposição de conteúdos gerais e específicos, para o que novas formas de seleção e organização dos conhecimentos serão necessárias.

(Rio Grande do Sul, 2011Rio Grande do Sul. (2011). Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico. Porto Alegre: SE., p. 15)

A proposta curricular encaminha modificações na forma de selecionar e organizar os conhecimentos a serem ensinados. Visto que sua justificativa política se coloca no atendimento às demandas juvenis e ao desenvolvimento econômico, o Ensino Médio Politécnico propõe-se a mobilizar outra concepção de currículo, “concebido como o conjunto das capacidades de todos” (Rio Grande do Sul, 2011Rio Grande do Sul. (2011). Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico. Porto Alegre: SE., p. 16). Em uma coletânea que sumariza algumas das contribuições produzidas pela reforma, Azevedo e Reis (2013)Azevedo, J., & Reis, J. (2013). Democratização do Ensino Médio: a reestruturação curricular no RS. In J. Azevedo, & J. Reis (Orgs.), Reestruturação do Ensino Médio: pressupostos teóricos e desafios da prática (pp. 25-48). São Paulo, SP: Fundação Santillana. sugerem que o desafio posto está na superação de uma escola que reproduza e transmita conhecimentos descontextualizados, que avalie os estudantes de forma classificatória e que possua um currículo sem integração. Na leitura proposta, aquele “é um padrão curricular que tende a robotizar as mentes, reduzindo-as a formas homogêneas, a conformação com os supostos ‘destinos’[ênfase no original], ao ajustamento dos pensamentos na lógica da obediência, da não proposição, da não formação de pensamento próprio ”. (pp. 29-30)

No diagnóstico de Azevedo e Reis (2013)Azevedo, J., & Reis, J. (2013). Democratização do Ensino Médio: a reestruturação curricular no RS. In J. Azevedo, & J. Reis (Orgs.), Reestruturação do Ensino Médio: pressupostos teóricos e desafios da prática (pp. 25-48). São Paulo, SP: Fundação Santillana., a crise dos currículos escolares para o Ensino Médio é decorrente de sua organização distante da vida social dos estudantes. Os currículos não desenvolvem a criatividade do ser humano, devido à “ ausência de uma organização curricular flexível e dialógica e do real enlace teórico e prático no trabalho com os conteúdos” (p. 31). Em face disso, o estado do Rio Grande do Sul moveu-se na direção de estruturar um novo Ensino Médio, a partir de outras bases teóricas.

As bases teóricas e de realização do Ensino Médio Politécnico (EMP) se pautam principalmente na articulação interdisciplinar do trabalho pedagógico entre as grandes áreas do conhecimento (ciências da natureza e suas tecnologias; ciências humanas e suas tecnologias; linguagens e suas tecnologias; matemática e suas tecnologias); na relação entre teoria e prática, parte e todo; na pesquisa como princípio pedagógico; na avaliação emancipatória; no reconhecimento dos saberes, no trabalho como princípio educativo; na politecnia como conceito estruturante do pensar e fazer, relacionando os estudos escolares com o mundo do trabalho; e no planejamento coletivo.

(Azevedo & Reis, 2013Azevedo, J., & Reis, J. (2013). Democratização do Ensino Médio: a reestruturação curricular no RS. In J. Azevedo, & J. Reis (Orgs.), Reestruturação do Ensino Médio: pressupostos teóricos e desafios da prática (pp. 25-48). São Paulo, SP: Fundação Santillana., p. 35)

Sob essas bases teóricas, no ano de 2011 o Rio Grande do Sul iniciou o processo de implementação da reforma, realizando um conjunto de ajustes na estruturação curricular do Ensino Médio. Inicialmente importa assinalar a ampliação da carga horária do curso em 600 horas anuais. Ou seja, ampliou-se o Ensino Médio para uma composição de 3.000 horas ao longo do percurso formativo. A partir dessa mudança, também ocorreram alterações nos procedimentos avaliativos: através do paradigma da avaliação emancipatória, tal prática passou a ser realizada nas áreas do conhecimento e explicitadas através de conceitos (Rio Grande do Sul, 2011Rio Grande do Sul. (2011). Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico. Porto Alegre: SE.).

Outra modificação, a qual exploraremos mais detidamente neste momento, refere-se ao desenvolvimento de um espaço de articulação nos currículos escolares, nomeado como “Seminários Integrados”. Tais seminários integram, na referida proposta, a carga horária da parte diversificada, ampliando-se progressivamente ao longo dos três anos (Tabela 2) e “constituindo-se em espaços de comunicação, socialização, planejamento e avaliação de vivências e práticas do curso” (Rio Grande do Sul, 2011Rio Grande do Sul. (2011). Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico. Porto Alegre: SE., p. 26).

Tabela 2
Carga horária dos Seminários Integrados

Nesses espaços de integração curricular, os estudantes realizam estágios, vivências e, principalmente, pesquisas. Essas atividades, acompanhadas e coordenadas por um professor, “poderão também ocorrer fora do espaço escolar e fora do turno que o aluno frequenta” (Rio Grande do Sul, 2011Rio Grande do Sul. (2011). Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico. Porto Alegre: SE., p. 26). Assim, importa explicar que os referidos seminários se apresentam como espaços de diálogo e de pesquisa acerca de temas escolhidos pelos próprios estudantes. Metodologicamente, emergem como opção as estratégias problematizadoras, com foco em projetos a serem “elaborados a partir de pesquisa que explicite uma necessidade e/ou uma situação-problema dentro dos eixos temáticos transversais” (p. 26). Através do educar pela pesquisa, o Ensino Médio Politécnico encaminha a formação de sujeitos protagonistas e a constituição de uma comunidade de aprendentes.

A busca por articular as dimensões da ciência, da tecnologia, da cultura e do trabalho, em um tensionamento dialógico, é o objetivo dessa estratégia curricular, segundo Azevedo e Reis (2013)Azevedo, J., & Reis, J. (2013). Democratização do Ensino Médio: a reestruturação curricular no RS. In J. Azevedo, & J. Reis (Orgs.), Reestruturação do Ensino Médio: pressupostos teóricos e desafios da prática (pp. 25-48). São Paulo, SP: Fundação Santillana..

O tensionamento dialógico dessas proposições localiza no Seminário Integrado (SI) seu ponto de origem e retorno no sentido da materialização dos trabalhos e da produção de aprendizagem no EMP. A pesquisa no SI tem uma centralidade essencial para a construção do conhecimento conectado com o mundo do trabalho. Ela se institui como um recurso pedagógico à produção do conhecimento de forma individual e coletiva, permitindo ao pesquisador-aluno o acesso à condição de criador, questionador do mundo, sujeito de sua história. (pp. 36-37)

Na medida em que os estudantes são interpelados a buscar aprendizagens permanentes, notamos um investimento pedagógico na pesquisa como estratégia metodológica. O educar pela pesquisa é justificado, inicialmente, pelo atendimento a uma característica dos jovens contemporâneos − “a curiosidade inquietante para conhecer e transformar o mundo” (Rio Grande do Sul, 2011Rio Grande do Sul. (2011). Proposta Pedagógica para o Ensino Médio Politécnico. Porto Alegre: SE., p. 22). Ao mesmo tempo, essa opção é articulada ao potencial de protagonismo que ela representa, visto que “a pesquisa é o processo que, integrado ao cotidiano da escola, garante a apropriação adequada da realidade, assim como projeta possibilidades de intervenção” (p. 22). Em outras palavras, o investimento nessa estratégia é mobilizado desde a possibilidade de constituir “comunidades de aprendentes”.

A lógica referida pode ser derivada de um documento publicado pela Unesco, no ano de 2011, que serviu de base para a elaboração do Ensino Médio Politécnico - o Protótipos Curriculares para o Ensino Médio. Nesse documento é enunciada uma nova pauta pedagógica para essa etapa de Educação Básica.

Propõe-se, assim, uma escola de ensino médio que atue como uma comunidade de aprendizagem. Nela, os jovens desenvolverão uma cultura para o trabalho e demais práticas sociais por meio do protagonismo em atividades transformadoras. Explorarão interesses vocacionais ou opções profissionais, perspectivas de vida e de organização social, exercendo sua autonomia e aprendendo a ser autônomo, ao formular e ensaiar a concretização de projetos de vida e de sociedade.

(Unesco, 2011Unesco. (2011). Protótipos curriculares de Ensino Médio e Ensino Médio Integrado: resumo executivo. Brasília: UNESCO., p. 9)

Com as abordagens sociorrealistas, escolhidas para a composição deste artigo, essa possibilidade de análise expande-se para uma crítica radical aos currículos organizados em disciplinas. Ora com ênfase nas demandas do mercado, ora centradas nas demandas culturais dos estudantes, de acordo com Young (2010)Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora., as políticas curriculares parecem negligenciar a questão de que “podem existir condições sociais cruciais para a aquisição e produção do conhecimento que são independentes dos contextos sociais específicos em que tal aquisição e produção se localizam” (p. 181). Por outro lado, reforça-se a ênfase organizacional ancorada na “tensão entre a flexibilidade e a rigidez das divisões que marcam o currículo”. Nessa direção, as questões da seleção e da organização do conhecimento a ser ensinado são redimensionadas no âmbito da busca de novos perfis formativos, capazes de aprendizagens permanentes.

Assim, sistematizando nossa abordagem, com a proposta do Ensino Médio Politécnico apresenta-se um novo direcionamento nas políticas curriculares para esta etapa da Educação Básica, enfatizando a constituição de uma comunidade de aprendentes. Com uma forte articulação ao progressivismo pedagógico, percebemos uma ênfase nas questões e nos interesses dos estudantes, garantida na organização curricular através de seminários integrados. Ao mesmo tempo, notamos uma preocupação com as demandas da economia do século XXI, com a intelectualização das competências e a imaterialização do trabalho. O objetivo pedagógico vincula-se à constituição de um aprendiz permanente, capaz de investir economicamente na sua própria formação, de modo que se mantenha empregável no mundo contemporâneo.

Considerações finais

Ao longo do presente artigo descrevemos e analisamos os direcionamentos nas políticas curriculares para o Ensino Médio no estado do Rio Grande do Sul, situado no sul do Brasil. Ao tomarmos como foco analítico as políticas de constituição do conhecimento escolar, articulamo-nos teoricamente com os Estudos Curriculares, em especial aqueles que problematizam o campo a partir de uma perspectiva sociorrealista (Moore, 2012Moore, R. (2012). Social realism and the problem of the problem of knowledge in the sociology of education. British Journal of Sociology of Education, 1-21.; Young, 2010Young, M. (2010). Conhecimento e currículo: do socioconstrutivismo ao realismo social na sociologia da educação. Porto: Porto Editora.). Na medida em que tais políticas, no Brasil, têm sido direcionadas para o atendimento de demandas advindas do campo da economia (Krawczyk, 2014Krawczyk, N. (2014). Ensino Médio: empresários dão as cartas na escola pública. Educação e Sociedade, 35(126), 21-41.), diagnosticamos que duas racionalidades políticas foram colocadas em ação no processo de implementação das políticas curriculares examinadas, a saber: a efetivação de padrões curriculares preestabelecidos e a constituição de uma comunidade de aprendentes ao longo da vida.

A primeira racionalidade política mobilizava-se a partir da composição de uma pauta de conteúdos mínimos a serem ensinados, circunscritos à instauração de uma pedagogia de resultados potencializadora de avaliações de larga escala. Por outro lado, a outra racionalidade privilegiava o atendimento das demandas subjetivas dos estudantes, em justaposição às prioridades de uma economia do conhecimento. De forma a encerrar momentaneamente esse campo de problematizações, assim como abrir frentes de trabalho para investigações futuras, assinalamos um ponto em comum a ambas as políticas examinadas − a relutância em tratar a questão do conhecimento escolar. Ao direcionarem sua ênfase pedagógica para os indivíduos, em seu potencial de competitividade ou para suas condições culturais, tais políticas curriculares tendem a explorar variados regimes de diferenciação, através dos quais a grade de inteligibilidade dos fazeres escolares assenta-se em uma nova “indexação do eu” (Ball, 2010Ball, S. (2010). Performatividades e fabricações na economia educacional: rumo a uma sociedade performativa. Educação e Realidade. 35(2), 37-55.). Apostamos, junto com Young (2013)Young, M. (2013). A superação da crise em estudos curriculares: uma abordagem baseada no conhecimento. In M. Favacho, J. Pacheco, & S. Sales (Orgs.), Currículo, conhecimento e avaliação. divergências e tensões (pp. 11-31). Curitiba, PR: CRV., que o propósito dos currículos escolares, em nosso tempo, é “capacitar a próxima geração de modo que ela possa construir sobre esse conhecimento, criando um conhecimento novo, pois é assim que as sociedades humanas progridem e os indivíduos se desenvolvem” (p. 11). Dessa forma, somos capazes de seguir pensando alternativas para a formação dos jovens brasileiros em nossas escolas públicas.

  • 1
    Os estudos sobre o conhecimento escolar, bem como sua relevância para a compreensão da escolarização contemporânea, têm sido retomados no campo dos Estudos Curriculares (Libâneo, 2016Libâneo, J. (2016). Políticas educacionais no Brasil: desfiguramento da escola e do conhecimento escolar. Cadernos de Pesquisa. 46(159), 38-62.; Pacheco, 2016Pacheco, J. (2016). Para a noção de transformação curricular. Cadernos de Pesquisa. 46(159), 64-77.; Young, 2016Young, M. (2016). Por que o conhecimento é importante para as escolas do século XXI. Cadernos de Pesquisa. 46(159), 18-37.).
  • 2
    Uma das críticas ao progressivismo pedagógico, em suas aproximações ao construtivismo, advém da filosofia e da sociologia da educação atualmente desenvolvidas. Turner (2012)Turner, S. (2012). Whatever happened to knowledge?. Social Studies of Science. 42(3), 474-480., em uma crítica bastante sofisticada, indica que “o conhecimento é inescapável” (p. 475).
  • 3
    Esse indicativo também se encontra nos estudos recentemente desenvolvidos por Fabris e Traversini (2013)Fabris, E., & Traversini, C. (2013). Conhecimentos escolares sob outras configurações: efeitos das movimentações disciplinares e de controle?. In C. Traversini et al. (Orgs.), Currículo e inclusão na escola de ensino fundamental (pp. 33-54). Porto Alegre, RS: Edipucrs., Gabriel (2013)Gabriel, C. (2013). Conhecimento escolar, cultura e poder: desafios para o campo do currículo em tempos pós. In A. Moreira, & V. Candau (Orgs.), Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas (10a ed., pp. 212-243). Petrópolis, RJ: Vozes., Galian (2015)Galian, C. (2015). The curriculum of Brazilian public schools: The relevant knowledge in the teachers? perspective. In C. Leite; A. Mouraz, & P. Fernandes (Orgs.), Curriculum studies: policies, perspectives and practices. (pp. 260-272). Porto: CIIE., Moreira (2013)Moreira, A. (2013). Currículo e gestão: propondo uma parceria. Ensaio. 21(80), 547-562., Pacheco (2013)Pacheco, J. (2013). Estudos curriculares: desafios teóricos e metodológicos. Ensaio. 21(80), 449-472., Santos (2007)Santos, L. (2007). Currículo em tempos difíceis. Educação em Revista, 45, 291-306. e Silva (2014)Silva, R. (2014). Políticas de constituição do conhecimento escolar para o Ensino Médio no Rio Grande do Sul: uma analítica de currículo. Educação em Revista. 30(1), 127-158..
  • 4
    Em elaboração recente, Muller (2009)Muller, J. (2009). Forms of knowledge and curriculum coherence. Journal of Education and Work. 22(3), 205-226. examina as raízes das diferenças disciplinares desde as universidades medievais e explora seus delineamentos dos estudos acadêmicos contemporâneos.
  • 5
    De acordo com Souza (2008)Souza, R. (2008). História da organização do trabalho escolar e do currículo no século XX. São Paulo: Cortez., a escolarização juvenil promovida no século XX era regulada por uma dupla racionalidade, qual seja: “a educação prepararia o homem para a vida produtiva – o ganhar a vida – tornava-se imprescindível que ela também preparasse as novas gerações para as responsabilidades com o governo de uma família e para a devida manutenção da integridade física” (p. 26).
  • 6
    De acordo com Moore (2009), no que tange ao conhecimento, caberia ao trabalho da sociologia da educação “teorizar e pesquisar as suas formas e modalidades e as forças que moldam a sua distribuição social e os modos de acesso pedagógico aos seus efeitos” (p. 19).
  • 7
    No contexto nacional, no decorrer desta década, cabe destacar a promoção de um conjunto de novas políticas e programas com foco no Ensino Médio, dentre as quais se destacam o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Médio e o Programa Ensino Médio Inovador.
  • 8
    Tratava-se de um conjunto de iniciativas de reforma das políticas educacionais do Rio Grande do Sul. Destacavam-se, além do Lições do Rio Grande, os programas Sala de Aula Digital, Sistema de Avaliação Digital do Rio Grande do Sul, Professor Nota 10 e Centros de Referência em Educação Profissional.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2016
  • Revisado
    09 Out 2017
  • Aceito
    17 Out 2017
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