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Indústria cultural, biopolítica e educação1 1 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

Cultural industry, biopolitics and education

Resumo

O artigo visa a repensar o impacto de atuação da indústria cultural na educação, à luz do conceito de dispositivo, de acordo com os preceitos da biopolítica. Para tanto, lança mão de determinados processos advindos do aparato da indústria cultural, procurando, no par de conceitos subjetivação/dessubjetivação, novas formas de sua compreensão. O discurso imerso na teoria crítica da sociedade se soma ao itinerário da hermenêutica dos dispositivos, como uma forma de devolução desse aparato aos seus reais propósitos. A saída em direção à formação clássica é tensionada em uma perspectiva plural. Porém, o vetor básico da preocupação com uma humanidade melhor no futuro permanece, posto que a tendência da indústria cultural é amarrar a sua programação à forma-mercadoria. Desse modo, mantém-se submissa aos ditames do presente estado de coisas.

Palavras-chave
indústria cultural; biopolítica; educação; dispositivo; formação cultural

Abstract

The article seeks to rethink the actuation impact of cultural industry on education in light of the concept of device, according to the precepts of biopolitics. To do so, it makes use of certain processes derived from cultural industry, looking for, in the conceptual pairing subjectivation/unsubjectivation, new forms for its understanding. The discourse immersed in the critical theory of society adds itself to the itinerary of the hermeneutic of devices, as a means for returning this apparatus to its real purposes. The departure towards a classic formation is tensioned in a plural perspective. However, the basic vector of concern with a future better humanity remains, since cultural industry’s tendency is to bind its program to the commodity-form. In this manner, it remains submissive to the precepts of the present state of affairs.

Keywords
cultural industry; biopolitics; education; device; cultural education

Considerações iniciais

No momento em que o porte de um simples artefato tecnológico como o celular significa ter o mundo todo na palma da mão, é inegável que estamos vivendo tempos de retrocesso no entendimento da complexidade que circunda os diversos cenários da vida social, política e cultural contemporânea. O dilema − se vivemos uma sociedade da informação ou do conhecimento (Duarte, 2003Duarte, N. (2003). Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões? Quatro ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação. Campinas, SP: Autores Associados.) − foi vencido por nenhum dos lados, pois viu-se emergir na esfera das relações humanas a relevância de um público consumidor de imagens. O real, mergulhado no caótico turbilhão da indústria cultural, torna, por exemplo, as catástrofes ambientais e as tragédias humanas simples espetáculos para o consumo de uma humanidade sedenta por “novidades” impactantes. Logo, apesar de todos os avanços em termos de inclusão e conquistas de direitos dos cidadãos nos últimos anos, ainda não se têm garantias de evolução da humanidade.

O registro da sexualidade, que para Foucault era um dos signos da biopolítica do século XIX, tornou-se hoje o centro de um pensamento biológico colonizado via redes de dados que transitam na internet e outros meios de comunicação massiva. Prova disso é a explosão dos sites de relacionamento no mundo todo. As eleições e a política ficam cada vez mais midiatizadas, regadas com denúncias de escândalos sexuais e informações de condutas imorais dos candidatos a toda hora. E a cobertura dos esportes em tempo real tem ênfase na performance dos corpos esbeltos dos atletas. Como afirmam Adorno e Horkheimer (1985)Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar. a esse respeito:

A indústria cultural não sublima, mas reprime. Expondo repetidamente o objeto do desejo, o busto no suéter e o torso nu do herói desportivo, ela apenas excita o prazer preliminar não sublimado que o hábito da renúncia há muito mutilou e reduziu ao masoquismo. (p. 131)

A transformação da obra de arte, de bem cultural em fetiche, havia sido tema de Adorno e Horkheimer em vários escritos, mas é especialmente na Dialética do esclarecimento (1985) que eles procuram mostrar, por intermédio da análise do conceito de indústria cultural, que há um retrocesso do prazer da arte em consumo e entretenimento das massas.

O paralelo da biopolítica com o procedimento da indústria cultural é inevitável nesses casos, porém há um acréscimo a ser realizado, pois não está mais em questão simplesmente a biologia corpórea individual, mas agora o corpo-espécie passa a estar em evidência. Foucault (1999)Foucault, M. (1999). História da sexualidade (13a ed.) (M. T. da Costa, & J. A. G. Albuquerque, Trad.). Rio de Janeiro: Graal. havia defendido a tese de que, no século XIX, pela primeira vez o biológico reflete-se no político (p. 134), ou seja, o biológico se reflete na política como defesa do “organismo social”. Portanto, aquilo que havia dado certo no prolongamento da longevidade das populações, com as novas técnicas de imunização contra as doenças, com os novos procedimentos de limpeza, cuidado e na cura de doenças adotados na medicina, quando transladados para o corpo social, ocasionou uma série de patologias sociais.2 2 Ver a esse respeito o livro Bíos, biopolítica y filosofia, de Roberto Esposito (2011), especialmente o capítulo 4, “Tanatopolítica (el ciclo del génos)”, em que defende a ideia de que o nazismo não foi uma filosofia, e sim uma biologia aplicada, conforme ele mesmo comenta: “lo transcendental do nazismo es la vida, su sujeto es la raza y su léxico la biologia” (p. 178).

Foucault (1999)Foucault, M. (1999). História da sexualidade (13a ed.) (M. T. da Costa, & J. A. G. Albuquerque, Trad.). Rio de Janeiro: Graal. buscou a genealogia do conceito de dispositivo a partir do século XIX, mas não avançou seu pensamento na análise do século XX. Agamben (2013)Agamben, G. (2013). Homo Sacer. El poder soberano y la nuda vida. Valencia: Pre-textos. utiliza a biopolítica como forma de potencializar a compreensão dos fenômenos totalitários da política contemporânea, em especial no cruzamento do pensamento do filósofo francês com a crítica dos campos de concentração dos regimes totalitários proposta por Hannah Arendt e as análises históricas de Walter Benjamin. Dessa simbiose nasce um pensamento extremamente crítico da realidade social contemporânea, que pode ser estendido para outros campos, como o da relação entre Filosofia e Educação. Porém a análise aqui proposta desses conceitos não parte de uma discussão estabelecida por Agamben sobre a indústria cultural. No máximo, Agamben faz uma crítica a Adorno em sua obra, por não ter entendido corretamente Walter Benjamin, na medida em que este último permaneceu no momento da suspensão da dialética, dando margem à acusação de Adorno de “marxismo vulgar”.3 3 Conferir esta discussão no capítulo “O príncipe e o sapo. O problema do método em Adorno e Benjamin”, publicado no livro Infância e História: destruição da experiência e origem da história, de Agamben (2008). Para um contraponto a essa crítica, ver ainda o artigo “Em defesa de Adorno: a propósito das críticas endereçadas por Giorgio Agamben à dialética adorniana”, de Maurício Chiarello. (2007).

Mas em tempos de valorização e financeirização do dito biocapitalismo cognitivo e do sonho da reprogramação corporal, como neutralizar a manipulação de comportamentos da indústria cultural, posto que seus mecanismos de abrangência e captura se tornaram totalitários? Será que ainda existe espaço, em tempos biopolíticos, para pensar a relação dessa indústria com a noção de formação cultural? A formação ainda pode ser um vetor normativo para o campo de atuação da educação no contexto biopolítico atual?

Para ensaiar possíveis respostas a essas indagações, este artigo lança mão de uma reflexão sobre a categoria “dispositivo” a partir do pensamento de Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6. 4 4 Giorgio Agamben, filósofo italiano nascido em Roma, em 1942, formou-se em Direito e defendeu tese sobre o pensamento político de Simone Weil. Foi responsável pela edição italiana das obras de Walter Benjamin, tendo sido também professor visitante na Università di Verona e na New York University. O artigo “O que é um dispositivo?” resultou de uma conferência ministrada pelo autor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em fins do mês de setembro de 2005, mediante iniciativa do curso de pós-graduação em Literatura. , mais especificamente do artigo “O que é um dispositivo?”. Para isso, faz uma incursão pelo conceito de indústria cultural, segundo a abordagem pioneira de Adorno e Horkheimer (1985)Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar.. A seguir, avalia a sua implicação com a biopolítica, ressaltando elementos extraídos do texto de Agamben. Por último, procura promover algumas reflexões para a educação a partir do entrecruzamento dos conceitos de indústria cultural, dispositivo e biopolítica com o de formação cultural.

Sendo assim, como as discussões sobre a indústria cultural ocorrem, na educação, a partir das análises de Adorno e Horkheimer (1985)Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar., expostas na famosa obra Dialética do esclarecimento, o artigo procura avançar essa questão a partir dos preceitos de dispositivo de Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6., segundo a interpretação da ideia de “corpo-espécie”, apropriada do campo da biopolítica. Nesse sentido, diferentemente de Adorno e Horkheimer, a dominação do capitalismo se realiza, nesse caso, a partir do conceito de vida nua, o que reconfigura a relação que estabelecemos, enquanto corpo, com os produtos da indústria cultural. Portanto, se isso desencadeia uma nova performance na relação da corporeidade com a indústria cultural, o artigo procura mapear alguns dos novos impactos no campo da educação.

Não se trata de adaptar os preceitos da bíos aos ditames da indústria cultural, mas antes perceber o quanto esta última pode ser potencializada, na sua compreensão, pelas lentes da biopolítica. Nesse sentido, a discussão migra do universo político estrito, como é previsto na obra de Agamben, para uma visada mais social, com alcance para pensar os processos de conservação e reprodução da sociedade via tecnologias da informação e da comunicação. É nesse contexto que urge repensar a questão da indústria cultural e o seu subproduto, a semiformação, como antesala de interface à barbárie, problema proposto por Adorno e Horkheimer(1985) na Dialética do esclarecimento há mais de 70 anos e o seu antídoto buscado na formação cultural clássica5 5 5 A formação cultural (Bildung) nasceu no berço do romantismo alemão, a partir da retomada da Paideia grega, segundo a contribuição de grandes pensadores como Herder Humboldt, Schiller, Goethe e Hegel, entre outros. Mas foi Hegel quem a elevou ao seu mais alto grau de desenvolvimento conceitual. A Bildung tem a ver, portanto, com a herança das grandes obras clássicas e o desenvolvimento da sensibilidade para acolher esse patrimônio, por um lado. Porém ela possibilita, por outro, o processo de autoconstituição dos indivíduos, a sua realização pessoal e cultural e a construção da sua própria imagem, através do desenvolvimento da subjetividade que potencializa capacidades do espírito (Gómez Ramos, 2009, p. 165). Por isso, o discurso da Bildung se tornou de difícil apropriação pela educação, uma vez que está em sua constituição o compromisso de lutar a favor da emancipação e da autonomia humanas em plenitude. .

O mundo cabe na palma da mão?

Ter o mundo na palma da mão é o sonho visionário dos iluministas do século XVIII. Eles acreditavam no poder da razão como uma luz que a tudo iria iluminar ou resplandecer, aproximando horizontes a partir do ideal de um mundo perfeito, sem guerras e sem injustiças. Essa razão seria capaz de dominar a natureza, colocando-a a serviço da construção de artefatos emanados via formato da mão humana, que ocasionou, pelo trabalho, a metamorfose do macaco em homem6. A razão permitiria a edificação de um mundo mais humano por intermédio da transformação técnica da natureza e pela soberania autônoma da humanidade conquistada. Adam Smith, que viveu no período do Iluminismo escocês do século XVIII, confiou essa tarefa na economia à “mão invisível” do mercado. Mas o ideário de instrumentalização da ciência e da busca da autonomia cidadã também foi incorporado pela escola, não sem muitas controvérsias. Ao longo do tempo acabou assim prevalecendo, como bem afirma Lyotard (1993)Lyotard, J. F. (1993). O pós-modernismo explicado às crianças. Lisboa: Dom Quixote.:

O progresso das ciências, das técnicas, das artes e das liberdades políticas emancipará a humanidade inteira da ignorância, da pobreza, da incultura, do despotismo e não fará apenas homens felizes, mas nomeadamente, graças à escola, cidadãos esclarecidos, senhores do seu próprio destino. (p. 101)

No entanto, o que parecia palpável passou a mostrar-se ilusório e começaria a desmoronar com a eclosão da Primeira Grande Guerra, pois o conhecimento técnico e científico, antes de servir como fonte de autonomia do ser humano, passou a ser usado para produzir catástrofes e para instalar a barbárie. Os iluministas jamais poderiam supor que os seus sonhos, os quais, na verdade, precisaram de guerras para se efetivar, viessem a ser dominados por uma indústria, que, ao procurar informar sobre tudo com transparência e instantaneidade, provocou justamente o advento das trevas e das ilusões. Sendo assim, o Iluminismo, que apostou no desencantamento do mundo, recaiu em seu contrário irracional. Ou seja, a própria razão passou a operar, não só contra o mito, mas também, e principalmente, contra o próprio Esclarecimento, produzindo a mistificação das massas, e, ao produzir uma nova intransparência ou obscurantismo, tornou-se totalitária.

No quadro de crise da razão moderna e esgotamento da razão iluminista (calculadora) pela sua incapacidade de realizar o progresso humano prometido, Adorno e Horkheimer (1985)Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar. acreditavam ser preciso buscar uma reorientação de nossas vidas para além do objetivo de uma vida mercadológica. Nesse contexto, criaram o termo “indústria cultural”, o qual foi tematizado ao longo de vários trabalhos, mas é na Dialética do esclarecimento, escrita por eles nos anos 40 do século passado, que o conceito se consolida como interface à barbárie. Desse modo, em vez de o imenso aparato tecnológico que a circunda ser utilizado para ocasionar a necessária metamorfose humana a um futuro inovador ou promissor, observaram que ele foi manejado como forma de reificação ou de repetição de comportamentos que conduziam à regressão da humanidade em direção à estupidez generalizada. Tal regressão foi anunciada nesta obra por eles da seguinte forma: “Os símbolos engenhosamente arquitetados, próprios a todo movimento contrarrevolucionário, as caveiras e mascaradas, o bárbaro rufar dos tambores, a monótona repetição de palavras e gestos são outras tantas imitações organizadas de práticas mágicas, a mimese da mimese” (p. 172).

Ou seja, sob as táticas de guerra do governo do Führer se produz uma mimese segunda, ou a mimese do recalque, como imitação de comportamentos da época da infância da humanidade, reprimidos pelo mundo civilizado. Do mesmo modo, há uma regressão do mundo civilizado ao período da caverna.

Parafraseando, hoje, poderia ser dito que a aparente evolução da mais avançada das conquistas modernas, com o uso da inovadora tecnologia e de suas redes de apoio informacionais, está mais a serviço da reificação dos corpos do que da sua emancipação. O advento do sucesso e o crescimento do saldo na conta bancária do artista, por exemplo, é proporcional à perda da sua identidade, quando submetido a esse esquema operatório. Enquanto isso, a diferença entre os diversos tipos de mídias é cada vez mais reduzida, pelo fato de toda a programação ser embalada como mercadoria. E a convergência das mídias, ao preço da sua funcionalização e miniaturização, tornou o seu uso igualmente estandartizado. Não admira, portanto, que o signo cultural mais emblemático dessa época seja a proliferação sem medidas da cultura exotérica e da dita “cultura da autoajuda”, pois o indivíduo precisa a todo momento otimizar a sua própria performance para torná-la parte do espetáculo que a indústria promete.

Ao investigar o fenômeno da moda, Gilles Lipovetsky (2010)Lipovetsky, G. (2010). O império do efêmero. A moda e os seus destinos nas sociedades modernas. Alfragide-Portugal: Dom Quixote. se deparou com essa mesma constatação, de que há um déficit na razão moderna: “Como pode a idade da dominação técnica, da chamada do mundo à razão, ser ao mesmo tempo a idade da desrazão do mundo?” (p. 17). E complementa esse questionamento do seguinte modo: “Como pensar e explicar a mobilidade frívola erigida em sistema permanente?”. Adorno e Horkheimer (1985)Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar. já haviam anunciado que a promessa de novidade, presente no coração da modernidade, não apenas se aniquilou ao império do efêmero e, sim, também ao da mesmidade: “Mas o que é novo é que os elementos irreconciliáveis da cultura, da arte e da distração se reduzem mediante sua subordinação ao fim a uma única fórmula falsa: a totalidade da indústria cultural. Ela consiste na repetição” (p. 127). Assim, a indústria cultural forma uma teia de compreensão do real através de um conjunto de mecanismos, como: repetição, falsa novidade, mesmidade e conformação.

A indústria cultural à luz dos dispositivos

Embora houvesse uma série de mudanças observadas no complexo técnocientífico das redes sociais e das críticas que sofreu esse conceito de lá para cá (Dubiel, 1999Dubiel, H. (1999). Die Aktualität der Gesellschaftstheorie Adornos. In L. von Friedeburg, & J. Habermas (Orgs.), Adorno-Koferenz 1983 (pp. 293-313). Frankfurt am Main: Suhrkamp.; Kellner, 1982Kellner, D. (1982). Kulturindustrie und Massenkommunikation. Die Kritische Theorie und ihre Folgen. In W. Bonss, & A. Honneth (Orgs.), Sozialforshung als Kritik. Zum sozialwissenschaftlichen Potential der Kritischen Theorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp.), a manipulação da esfera pública midiática, denunciada no conceito de indústria cultural, continua a atuar de forma triunfante no contexto biopolítico atual. O fenômeno Pókemon GO apareceu em inúmeros lugares ao mesmo tempo, inclusive “fora das telas”, trazendo à baila uma nova característica da indústria cultural contemporânea: a realidade aumentada7 7 Pokémon GO é um jogo grátis da famosa franquia, com lançamento para iPhone, iPad e Android, sendo um dos mais concorridos games mobile de todos os tempos (Fagundes, 2017). Um de seus principais atrativos é a realidade aumentada, que permite que os usuários capturem os bichinhos enquanto caminham pelas cidades. Basta o jogador ir andando e, de repente, o celular pode vibrar, indicando que há bichinhos na área. É preciso tirar o aparelho do bolso, abrir o mapa do GO e olhar ao redor. Quando houver um Pokémon, ele aparecerá na tela, então deverá tocar nele para iniciar o processo de captura (Barros, 2017). . Porém, como dito anteriormente, a principal mudança é a de que não está mais em questão o controle sobre o corpo do indivíduo, como aparece na interpretação da metáfora de Ulisses, da Odisséia de Homero, conforme é retomado na Dialética do esclarecimento, de Adorno e Horkheimer (1985)Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar.. Ulisses é o protótipo do indivíduo seduzido pelo canto de sereia da indústria cultural. Para evitar a catástrofe de sucumbir à sedução, ele havia se amarrado ao mastro do navio e colocado cera nos ouvidos dos marinheiros como estratégia para cruzar o mar de Tróia, povoado pelas perigosas sereias, em direção à ilha de Ítaca. Porém na compreensão da biopolítica de Foucault, e principalmente de Agamben, pode-se entender o corpo como metáfora da espécie humana, ou seja, não está em questão apenas o corpo de Ulisses. Importa inclusive “a mão de obra” dos remadores que com ele viajavam, afinal estavam todos no mesmo barco. É assim que a própria vida humana, enquanto tal, se transforma para salvaguardar a sua sobrevivência.

A política de imunização dos corpos, semelhante ao modo como o sistema imunológico do organismo humano opera, baseado no princípio da “guerra preventiva” (Esposito, 2011Esposito, R. (2011). Bíos, biopolítica y filosofia (1a ed.). Buenos Aires: Amorrortu., p. 237), de que “a melhor defesa é o ataque”, levou à hipostasia as táticas de limpeza, higiene e assepsia (da raça), práticas essas notavelmente observadas no nazismo e no fascismo. E isso induziu a uma intolerância com o diferente, considerado como vírus, bactéria, bacilo, um invasor que deve ser exterminado. Por isso a tese de Agamben, de que o campo se tornou o paradigma político do Ocidente8 8 Agamben (2013) dedica a reflexão da terceira parte do seu livro Homo Sacer. El poder soberano y la nuda vida para evidenciar a tese de que o campo de concentração funciona como paradigma biopolítico do moderno. Porém, o campo é o lugar de captura ou a matriz oculta da ideia de que o homem é despojado de seus direitos em qualquer outro lugar, isto é, o campo é apenas um símbolo, uma metáfora, uma localização deslocante de que a existência ficou nua de forma geral. , pois nele as pessoas apenas sobreviviam ou eram eliminadas por não se enquadrar nos estereótipos da raça pura. Entretanto, com o fim da Segunda Guerra Mundial, ao contrário do que se poderia esperar, a biopolítica não saiu de cena. Ela se capilarizou, tornando-se diluída em diversas práticas da governamentalidade neoliberal das populações, inclusive inserida de forma eficaz nos meios de comunicação da indústria cultural e da própria educação. Albino e Vaz (2008)Albino, B. S., & Vaz, A. F. (2008, janeiro/abril). O corpo e as técnicas para o embelezamento feminino: esquemas da indústria cultural na Revista Boa Forma. Revista Movimento. 14(01), 199-223. comentam essa mudança do seguinte modo: “Tal modelo de dominação, que mostra os esquemas da indústria cultural como dispositivos biopolíticos de normalização, só se torna possível porque é no corpo que o contemporâneo encontra seu momento de plena realização” (p. 217).

O programa Fantástico: o Show da Vida, da Rede Globo, é o perfeito emblema da relação entre biopolítica e indústria cultural, pois nesse contexto a própria bíos, como vida-espécie repetida, virou sinônimo de show ou espetáculo. Um gesto congela a ação de indivíduos e logo vira modelo de selfie para o mundo todo, tornando-se viral. E o esportista, o político, o escritor ou mesmo o palestrante que não aderem às performances do reality show − repetição de padrões de gestos, tom de voz, cortes de cabelo ou vestimentas − têm cada vez menor chance de êxito e destaque profissional. Por isso, ainda segundo Adorno e Horkheimer (1985)Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar.:

Tanto técnica quanto economicamente, a publicidade e a indústria cultural se confundem. Tanto lá como cá, a mesma coisa aparece em inúmeros lugares, e a repetição mecânica do mesmo produto cultural já é a repetição do mesmo slogan propagandístico. Lá como cá, sob o imperativo da eficácia, a técnica converte-se em psicotécnica, em procedimento de manipulação das pessoas. (p. 153)

Porém, a pretexto de fazer uma crítica à racionalidade moderna, os teóricos críticos confundiram a razão que opera no sistema como a única possível, posto que na verdade essa é apenas uma das formas de manifestação da razão. A racionalidade instrumental, como pensavam os pioneiros da Escola de Frankfurt, não somente é deficitária, mas, como Habermas demonstrou mais tarde, ela pode aprender com as suas contradições e equívocos, o que requer a busca hoje de novas alternativas para a compreensão do fenômeno da indústria cultural.9 9 Para Habermas (2012), a dificuldade dos frankfurtianos em perceber essa possibilidade intrínseca à razão – de ser aprendente e não uma razão meramente operativa –, foi o seu apego à teoria da reificação marxista e ao paradigma da consciência, conforme ele tentou demonstrar na sua obra Teoria do agir comunicativo, 1. Racionalidade da ação e racionalização social, especialmente o capítulo “A crítica da razão instrumental”. Nessa linha de reflexão, uma das possibilidades reside na incorporação da categoria dispositivo, conforme é definida por Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6.: “O dispositivo é, na realidade, antes de tudo, uma máquina que produz subjetivações, e só enquanto tal é uma máquina de governo” (p. 15).

O pensamento de Agamben concebe, na visão dos dispositivos10 10 O conceito de dispositivo, segundo Agamben (2005), está ligado a todo mecanismo que desenvolve captura nos indivíduos, ou seja, qualquer artefato que seja capaz de orientar, modelar, capturar os gestos, atitudes, discursos dos seres viventes. Por isso, o dispositivo é o resto ou o sujeito que resulta da relação dos seres viventes com ele, demarcando uma determinada posição nessa rede por processos de subjetivação que produzem identidades (Fanlo, 2011). , que de um lado se encontram os seres viventes, de outro se encontram os dispositivos em que eles constantemente são capturados, o que chama de oikonomia, ou seja, os dispositivos encarregados de governar. Esclarece que os seres humanos estão envolvidos por uma teologia que saiu do âmbito religioso para o político e o econômico, denominando-a de ontologia das criaturas. Nesse universo os seres viventes são capturados por dispositivos que os conduzem dentro dos parâmetros definidos por essa teologia, o que poderíamos estabelecer dentro dos parâmetros do capitalismo. Portanto, esse processo de captura cria uma obscuridade que torna grande parte da humanidade, assim como no mito da caverna de Platão, voltada para as sombras, sem conseguir ver com a necessária clareza o que acontece nos processos instaurados.

De posse da visão de uma teologia que sai do universo religioso para adentrar o universo político, Agamben não busca forças no coração do contradiscurso iluminista, como fizeram Adorno e Horkheimer, mas vai ao encontro da tradição religiosa na compreensão hermenêutica. Segundo ele, a religião trabalhou com a hipótese de separação das coisas do mundo, confiando-as a uma esfera do sagrado que as resplandecia. Os dispositivos são herdeiros dessa tradição, ao procurar a separação da sua compreensão do que acontece no real.

No contexto da indústria cultural, pode-se conceber o dispositivo como uma máquina que cria moda, comportamentos e, nesse sentido, ao nos governar, produz subjetividades-dessubjetivação que moldam o modo de ser, pensar e agir das pessoas, ou seja, à medida que captura e cria subjetividades, também acontece um processo dialético de dessubjetivação. Aqui é possível entender melhor esta outra definição, dada novamente por Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6.: “chamarei literalmente de dispositivo qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar, orientar, determinar, interceptar, modelar, controlar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os discursos dos seres viventes” (p. 13). Portanto, se os propósitos disciplinares da biopolítica se utilizaram no século XIX da escola, da fábrica, do hospital e da prisão, entre outros, para se fazer valer, não há como negar o papel decisivo que hoje exercem os mecanismos de subjetivação-dessubjetivação na padronização da moda, dos gostos, das expressões, das falas, enfim do que se pode ver, ouvir ou sentir pela força da indústria cultural.

Sem dúvida, não está mais em questão historicizar a pré-história humana da subjetividade encantada, conforme idealizado por Adorno e Horkheimer (1985)Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar., mas trata-se de recuperar a base religiosa da racionalidade na perspectiva de uma teologia da economia, trabalho esse que exige uma hermenêutica da catástrofe.

No lugar do anunciado fim da história, assiste-se, com efeito, ao incessante girar em vão da máquina, que, em uma espécie de desmedida paródia da oikonomia teológica, assumiu sobre si a herança de um governo providencial do mundo, que, ao invés de salvá-lo, o conduz − fiel, nisto, à originaria vocação escatológica da providência − à catástrofe. (p. 16)

Nesse sentido, a veiculação, por exemplo, das vitórias e das derrotas, da morte de pessoas famosas, dos assassinatos, das tragédias coletivas, enfim, toda a sorte de “produtos” permanentemente postos à disposição das populações sofre uma transformação na compreensão da biopolítica. Esses fatos ganham uma nova configuração ou maior intensidade, tornando-se dispositivos de performance que industrializam ou normalizam uma situação. Isso pode ser observado na forma como são programadas as notícias pela via do a priori afetivo (ou do emocionar), desfigurando uma situação que, em si mesma, em geral, é de caráter singular, privado e, portanto, diferente em sua constituição.

Para conseguir esse intento, a indústria cultural contemporânea não tergiversou ante a possibilidade de atuar com a exploração da vida nua11 11 Este conceito foi pensado originalmente por Walter Benjamin (2013) como “mera vida” (p. 151) em seus escritos de juventude, mais especificamente no artigo “Para a crítica da violência”. Agamben (2005) recupera esse conceito à luz das discussões da biopolítica, mas lhe oferece uma nova configuração como “vida nua”, fazendo alusão à situação dos prisioneiros dos campos de concentração da Segunda Guerra, onde, literalmente, a vida ficou nua, ou seja, sem proteção ou garantia alguma do estado de direito. . Desde os reality shows até as novelas, os filmes e os vídeo clipes, em geral, a vida é exposta abertamente sem subterfúgios, são verdadeiros “corpos inertes” abandonados e sem qualquer rede de proteção. Explica-se aqui o porquê do excesso da disseminação de notícias ou programações enfocando tráfico internacional de drogas, tráfico de armas, lavagem de dinheiro, evasão de divisas, homicídios, sequestros, torturas, corrupção de autoridades públicas e outros conexos. Desse modo, afirma Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6.: “As sociedades contemporâneas se apresentam assim como corpos inertes atravessados por gigantescos processos de dessubjetivação que não correspondem a nenhuma subjetivação real” (p. 15). Portanto, a subjetivação de forma autônoma e livre não mais ocorre e, em seu lugar, somos controlados infimamente nos gostos, nos padrões estéticos, nos prazeres e nos modos de vida pela “mão invisível” do mercado, ou seja, dos próprios condutores dos aparelhos especializados em oferecer à venda determinados modelos de subjetividade.

Daqui a futilidade daqueles discursos bem intencionados sobre a tecnologia, que afirmam que o problema dos dispositivos se reduz àquele de seu uso correto. Esses discursos parecem ignorar que, se todo dispositivo corresponde a um determinado processo de subjetivação (ou, neste caso, de dessubjetivação), é de tudo impossível que o sujeito do dispositivo o use “de modo justo” [ênfase no original]. Aqueles que têm discursos similares são, de resto, a seu tempo, o resultado do dispositivo midiático no qual estão capturados.

(Agamben, 2005Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6., p. 15)

Portanto, a primeira ilusão a afastar, na compreensão dos dispositivos e suas formas de captura, é não reduzir a sua atuação a um problema de uso, à filosofia utilitarista, como se tudo dependesse da forma como o mundo pode ser operado na palma da mão. Além disso, não nos tornamos mais sábios com a socialização dessas tecnologias e, sim, mais capturados, ou subjetivados por outrem. Portanto, os discursos de aprovação a esses dispositivos já foram capturados pelas suas performances. Assim como o paradoxo do Esclarecimento ou Iluminismo nas mãos da indústria cultural − ou o indivíduo renuncia a si mesmo e se aliena e embrutece, ou ele se torna insociável –, toda a performance desse aparato pode ser potencializada numa reflexão sobre os dispositivos.

Como dessubjetivar?

Para compreender os mecanismos de subjetivação/dessubjetivação dos controles exercidos pelos dispositivos, há que se pensar primeiramente na importância da cultura nesses processos. Por isso, cabe agora retomar a indagação inicial: a formação cultural pode ainda ser um vetor normativo para o campo da educação em tempos biopolíticos?

A tentativa de mostrar que a indústria cultural conferia a tudo ares de semelhança havia levado Horkheimer, e mais especialmente Adorno (1996)Adorno, T. (1996, dezembro). Teoria da semicultura. Educação & Sociedade. 17(56), 388-411., a acreditar que não haveria outro caminho a indicar, senão o da volta ao cultivo da cultura/tradição clássica. Assim ele mesmo afirma: “A força para isso, porém, não pode surgir ao espírito a não ser do que alguma vez tenha sido formação cultural” (p. 410). Por influência dos mecanismos da indústria cultural e das suas performances facilitadoras, os educadores têm buscado simplificar os conteúdos para os alunos, adequando-os àquilo que passa na TV, ao que foi visto no jornal ou na internet, procurando inspiração nas práticas do flaneur12 12 A alternativa buscada no ensino, de mudança do olhar compenetrado do clássico em direção à desatenção do flaneur (categoria extraída da obra de Walter Benjamin), foi debatida por Trevisan (2010) no artigo “Formação no contemporâneo: do clássico ao flaneur?”, por afastar a docência do ambiente formativo: “Na prática, isso implica buscar novas fontes de consulta para os trabalhos escolares e acadêmicos na crônica ou no artigo de jornal, em imagens da publicidade, análises de filmes e vinhetas de novelas, comic books, histórias em quadrinhos, etc.” (p. 93). . A forma de tratamento dos clássicos da literatura nas escolas e nos cursinhos pré-vestibulares, com resumos programados a 30 linhas no máximo, reduz a formação cultural à cultura do efêmero. Nas mãos dos dispositivos da indústria cultural, a vida cultural também ficou nua, pois o ensino e a pesquisa passam a ser ministrados de forma desligada de uma relação com o legado cultural da humanidade, privando a prática da docência do contato com a teoria clássica.

Considerando a discussão da existência de uma “indústria educacional” em curso hoje (Dalbosco, 2010Dalbosco, C. (2010). Pragmatismo, teoria crítica e educação (Coleção educação contemporânea). Campinas, SP: Autores Associados., p. 193) ou, como Gruschka (2008)Grusschka, A. (2008). Escola, didática e indústria cultural. In F. A. Durão, A. Zuin, & A. F. Vaz (Orgs.), A indústria cultural hoje (pp. 173-184). São Paulo: Boitempo. refere, a “presença do imperativo econômico nos organismos educacionais” (p. 176), importa denotar neste momento, para os propósitos da reflexão, o comparecimento de uma indústria educacional biopolítica nos ambientes escolar e acadêmico. Desde a tendência à perpetuação do racismo nos livros didáticos, ao naturalizar a dominação branca e passar a imagem de passivização dos personagens negros, mantendo-os sempre dependentes (Silva, 2005Silva, P. V. B. da (2005). Relações raciais em livros didáticos de Língua Portuguesa. Tese de Doutorado em Psicologia, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Psicologia Social, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP, São Paulo.), até o estigma de normalização presente no discurso da inclusão escolar (Pagni, 2017Pagni, P. (2017). A emergência do discurso da inclusão escolar na biopolítica: uma problematização em busca de um olhar mais radical. Rev. Bras. Educ. [online], 22(68), 255-272.), entre outros, há uma tentativa de manutenção da “regra da normalidade” às expensas ou ao preço do sacrifício das diferenças. Além disso, pode-se exemplificar o ensino dado como treinamento (linguagem do coaching), alheio à análise das questões sociais, políticas e culturais do ambiente do aluno, cujo símbolo mais evidente é o chamado Projeto de Lei da Mordaça ou da Escola sem Partido (http://www.programaescolasempartido.org/).13 13 O programa Escola sem Partido é um movimento existente no Brasil que serve para ilustrar como a linguagem da biopolítica almeja colonizar a educação. Como consta no próprio site do movimento, ele está preocupado com o grau de “contaminação político-ideológica” das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior. Defende ainda que a pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica” da realidade, um “exército organizado” de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo. Ou seja, o movimento é baseado na ideia de assepsia e de imunização próprios da biopolítica, expresso no lema que consta no seu site “a little sunlight is the best disinfectant”, sem contar a sua retórica de guerra. Recuperado em 14 de setembro de 2016, de http://www.programaescolasempartido.org/.

Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6., entretanto, defende a ideia da devolução dos dispositivos ao seu uso comum, como simples mecanismos de comunicação, e não mais como forma ou algo que demarca um estilo de vida ou de consumo. Desse modo ele demonstra o que acontece quando se faz a “terapia da subjetividade” ou, como ele mesmo diz, a dessubjetivação dos aparelhos de comunicação:

Aquele que se deixa capturar no dispositivo “telefone celular”, qualquer que seja a intensidade do desejo que o impulsionou, não adquire, por isso, uma nova subjetividade, mas somente um número através do qual pode ser, eventualmente, controlado; o espectador que passa as suas noites diante da televisão não recebe mais, em troca da sua dessubjetivação, que a máscara frustrante do zappeur ou a inconclusão no cálculo de um índice de audiência. (p. 15)

A compreensão dos dispositivos de performance contribui para devolver esses fenômenos à sua compreensão e ao seu campo de atuação específicos, posto que assim eles se tornam livres da teia da indústria cultural que os aprisionava. À indagação “como dessubjetivar? ” não corresponde uma nova receita biopolítica, portanto, mas passa pela compreensão de uma nova subjetividade; uma subjetividade descolada das amarras do mastro do navio, conforme aparece na aventura de Ulisses, porque forjada no trabalho reflexivo que foge do simples “operar” manipulador de objetos.

A dessubjetivação pode ocorrer de forma diferente dessa proposta porque, como são muitos dispositivos, as alternativas tornam-se plurais, dado que: “À ilimitada proliferação dos dispositivos, que define a fase presente do capitalismo, faz confronto uma igualmente ilimitada proliferação de processos de subjetivação” (Agamben, 2005Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6., p. 13). O ponto nevrálgico continua sendo pensar uma nova forma de racionalidade que produz a tecnologia. Mas não menos importante, segundo Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6., é pensar os processos de subjetivação na sua pluralidade e, portanto, numa verdadeira luta de corpo a corpo com os dispositivos, conforme ele propõe quando fala de sua aversão ao telefone celular:

Por exemplo, vivendo na Itália, isto é, em um país cujos gestos e comportamentos dos indivíduos foram remodelados de cima abaixo pelo telefone celular (chamado familiarmente de “telefonino”), eu desenvolvi um ódio implacável por este dispositivo, que deixou ainda mais abstratas as relações entre as pessoas. Apesar de me surpreender muitas vezes pensando em como destruir ou desativar os “telefoninos” e como eliminar ou ao menos punir e aprisionar aqueles que o usam, não acredito que seja esta a solução justa do problema. (p. 13)

Ele complementa essa ideia logo a seguir, dizendo:

Isto significa que a estratégia que devemos adotar no nosso corpo-a-corpo com os dispositivos não pode ser simples, já que se trata de nada menos que liberar o que foi capturado e separado pelos dispositivos para restituí-lo a um possível uso comum. ( p. 14)

Nesse caso, a formação deixaria de ser a referência única como modelo crítico à indústria cultural,14 posto que não está mais em questão a lógica excludente de um veículo pelo outro, uma vez que ele próprio já foi capturado por esses dispositivos. Até porque o texto clássico não está excluído desse processo, pois também transita pelas redes informacionais em forma de arquivos PDF ou digitalizados.

Mas o problema da formação cultural, como vetor normativo para a educação, não se resolve com a simples captura dos dispositivos, pois esta alternativa ainda opera como antídoto a se contrapor aos processos de manipulação da esfera pública midiática. Assim, questionamos Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6.: como é possível a construção de uma nova subjetividade a partir da devolução dos problemas apontados ao mundo empírico, ao corpo a corpo com esses dispositivos, como ele mesmo refere, sem a consideração de um horizonte teórico-normativo para onde guiar esse empreendimento? Como obter esse incremento crítico no trabalho da escola, se ela tem que prestar conta, como consta nos seus projetos pedagógicos, das justificativas sobre os fins da educação ou do para que educar? Constata-se aqui um certo déficit teórico na proposta de Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6., uma vez que devolver ao livre uso não significa impor uma nova norma contra a norma já existente? É claro que o dispositivo não recusa a normatividade, portanto, mas se encontra articulado com ela no movimento de resistência e de subjetivação constante. Desse modo, um suposto horizonte “fora” do homo sacer é possível, posto que devolver ao livre uso significa uma nova norma a ser seguida. Dessa perspectiva, a escola que presta contas a respeito dos fins da educação, ou sobre as razões finais do educar, pode constantemente repensar o seu sistema de apreensão coletiva de normas sobre as quais as resistências subjetivas já atuam.

É evidente que a indústria educacional biopolítica não se conteve diante dos muros da escola, mas adentrou-a em profundidade. E que não há mais como ensinar nesse ambiente, livre do contato com as mais avançadas tecnologias, que cabem hoje na palma da mão. No entanto, se a saída não está na manutenção da formação cultural clássica in totum, e menos ainda em impor uma nova norma simplesmente, é possível levar em conta a condição humana e cultural como horizonte indiscernível para a construção de uma “nova subjetividade”?

Notas finais

O trabalho busca apoio no conceito de dispositivo para repensar novas formas de entendimento da captura exercida pelos mecanismos de controle da indústria cultural. Para isso, em um primeiro momento aporta reflexões extraídas do conceito de indústria cultural, da obra Dialética do esclarecimento, de Adorno e Horkheimer (1985)Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar.. Além disso, procura orientação na categoria dispositivo, segundo a reflexão de Giorgio Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6.. O objetivo é buscar uma alternativa ou uma forma potencializadora para pensar, em tempos biopolíticos, as manipulações da indústria cultural contemporânea.

Para Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6., a formação de uma nova subjetividade para fazer frente a essa manipulação exige um processo de dessubjetivação, de profanação ou, pode-se dizer, de reeducação que torne o sujeito outro, diferente do contexto vivido ou mimetizado por ele.

O problema da profanação dos dispositivos − isto é, da restituição ao uso comum daquilo que foi capturado e separado de si − é, por isso, tanto mais urgente. Ele não se deixará pôr corretamente se aqueles que se encarregarem disto não estiverem em condições de intervir sobre os processos de subjetivação não menos que sobre os dispositivos, para levá-los à luz daquele ingovernável, que é o início e, ao mesmo tempo, o ponto de fuga de toda política. (p. 16)

Como são muitas as máquinas que produzem a subjetivação, diferentemente de Adorno e Horkheimer (1985)Adorno, T. W., & Horkheimer, M. (1985). Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar., que buscaram apoio na formação clássica, como no exemplo da Odisseia de Homero, visto anteriormente, Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6. propõe profanar o que foi separado do convívio humano, devolvendo-o para o mundo vivido. Não se trata mais de multiplicar os mitos, buscando neles a fundação da subjetividade que se encantou e, com isso também, a saída para o problema, nem se trata de refundar uma ética do herói trágico, ou mesmo de assumir a formação cultural por força de argumento de autoridade. E sim, como já o fizera Walter Benjamin, assumir o materialismo histórico e o desocultamento dos supostos teológicos presentes na própria máquina governamental do Ocidente, muito mais do que queriam o Iluminismo e as versões do desencantamento do mundo que vicejaram no século XX. Essa busca não se acomoda ao simples cancelamento ou superação, mas requer novas formas de convivência a partir no entendimento do jogo hermenêutico contido no par subjetivação/dessubjetivação.

Isto pode produzir a impressão de que a categoria da subjetividade no nosso tempo vacila e perde consistência, mas trata-se, para sermos precisos, não de um cancelamento ou de uma superação, mas de uma disseminação que acrescenta o aspecto de mascaramento que sempre acompanhou toda a identidade pessoal. (p. 13)

Ora, a educação e o ensino não podem desconhecer a importância dos conceitos biológicos e sua influência na educação, mas o seu discurso tem que estar situado em outra dimensão, caso contrário estaria submisso à barbárie biopolítica. A repetição incentivada pelos meios de comunicação se amplia exponencialmente na biopolítica contemporânea, o que demanda o surgimento de um novo antídoto que não se contenta em opor alta e baixa cultura ou razão e irracionalidade, por exemplo. É preciso trabalhar com outra dinâmica, com a quebra da repetição de comportamentos pela liberação dos indivíduos da compulsão aos estereótipos. Sem dúvida é preciso que eles queiram encontrar pontos de fuga desse contato, renunciando ao frisson ou à adrenalina dos dispositivos presentes. Afinal, a mão humana não é somente fonte de dominação e controle, ela também faz parte do universo do humanamente “ingovernável”, de que fala Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6..

A mão pode servir, portanto, também para indicação de lado, sentido ou direção, abrindo assim novos caminhos – como, por exemplo, uma via de mão dupla – a determinar novas formas de compreensão de todas as coisas. No ambiente biopolítico contemporâneo não é possível se opor à ideia de que, salvo algumas exceções, os produtos da indústria cultural estão envolvidos na forma-mercadoria, ou seja, são embalados para serem comercializados. E nisso consiste a possibilidade da formação como uma saída para se pensar a educação sob o signo desse presente, pois ela tem um compromisso que vai além do atendimento às necessidades do mercado. Sendo assim, enquanto as produções da indústria cultural têm em vista contemplar as necessidades do momento, ou da moda, posto que elas estão embaladas na forma-mercadoria para serem consumidas, a formação cultural procura atender o imperativo de formar uma humanidade melhor no futuro. Kant (1999)Kant, I. (1999). Sobre a pedagogia (2a ed.) (F. C. Fontanella, Trad.). Piracicaba: Unimep. delineou o compromisso com essa tradição, quando escreveu que “não se deve educar as crianças segundo o presente estado da espécie humana, mas segundo um estado melhor, possível no futuro, isto é, segundo a ideia de humanidade e da sua inteira destinação” (p. 22).

A abertura de horizontes mais alargados, como complemento à teoria dos dispositivos de Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6., pode servir para inspirar novas concepções e entendimentos a respeito da colonização da subjetividade que delimita as novas formas de identidade a “um presente perpétuo que toma lugar da história” (Bauman, 1998Bauman, Z. (1998). O mal-estar da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar., p. 127). Ao mesmo tempo, pode redefinir o entendimento dos mecanismos de performance da indústria da normalidade, que reproduz a regra da vida nua, imprimindo a sua marca no indivíduo, uma vez que em outras épocas já vivemos sem eles. Dessa forma não saímos da reflexão “de mãos limpas”, bem ao gosto da biopolítica atual. Pelo contrário, no momento em que a programação midiática se coaduna aos princípios de disseminação da cultura do ódio e da aversão ao diferente ou estrangeiro, por exemplo, têm-se aí alguns critérios para compreender o formato de ser humano induzido por tais esquemas de subjetivação-dessubjetivação.

  • 1
    Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 2
    Ver a esse respeito o livro Bíos, biopolítica y filosofia, de Roberto Esposito (2011)Esposito, R. (2011). Bíos, biopolítica y filosofia (1a ed.). Buenos Aires: Amorrortu., especialmente o capítulo 4, “Tanatopolítica (el ciclo del génos)”, em que defende a ideia de que o nazismo não foi uma filosofia, e sim uma biologia aplicada, conforme ele mesmo comenta: “lo transcendental do nazismo es la vida, su sujeto es la raza y su léxico la biologia” (p. 178).
  • 3
    Conferir esta discussão no capítulo “O príncipe e o sapo. O problema do método em Adorno e Benjamin”, publicado no livro Infância e História: destruição da experiência e origem da história, de Agamben (2008). Para um contraponto a essa crítica, ver ainda o artigo “Em defesa de Adorno: a propósito das críticas endereçadas por Giorgio Agamben à dialética adorniana”, de Maurício Chiarello. (2007)Chiarello, M. (2007, junho). Em defesa de Adorno: a propósito das críticas endereçadas por Giorgio Agamben à dialética adorniana. Kriterion, 115, 183-201..
  • 4
    Giorgio Agamben, filósofo italiano nascido em Roma, em 1942, formou-se em Direito e defendeu tese sobre o pensamento político de Simone Weil. Foi responsável pela edição italiana das obras de Walter Benjamin, tendo sido também professor visitante na Università di Verona e na New York University. O artigo “O que é um dispositivo?” resultou de uma conferência ministrada pelo autor na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em fins do mês de setembro de 2005, mediante iniciativa do curso de pós-graduação em Literatura.
  • 5
    5 A formação cultural (Bildung) nasceu no berço do romantismo alemão, a partir da retomada da Paideia grega, segundo a contribuição de grandes pensadores como Herder Humboldt, Schiller, Goethe e Hegel, entre outros. Mas foi Hegel quem a elevou ao seu mais alto grau de desenvolvimento conceitual. A Bildung tem a ver, portanto, com a herança das grandes obras clássicas e o desenvolvimento da sensibilidade para acolher esse patrimônio, por um lado. Porém ela possibilita, por outro, o processo de autoconstituição dos indivíduos, a sua realização pessoal e cultural e a construção da sua própria imagem, através do desenvolvimento da subjetividade que potencializa capacidades do espírito (Gómez Ramos, 2009Gómez Ramos, A. (2009). Tiempo de la formación y tiempo de la racionalización. In A. V. Cenci, C. A. Dalbosco, & E. H. Mühl (Orgs.), Sobre filosofia e educação: racionalidade, diversidade e formação pedagógica (pp. 161-175). Passo Fundo: Ed. Universidade de Passo Fundo., p. 165). Por isso, o discurso da Bildung se tornou de difícil apropriação pela educação, uma vez que está em sua constituição o compromisso de lutar a favor da emancipação e da autonomia humanas em plenitude.
  • 6
    6 Friedrich Engels (1896)Engels, F. (1896). Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem. Recuperado em 04 de janeiro de 2017, de http://forumeja.org.br/sites/forumeja.org.br/files/F_ANGELS.pdf
    http://forumeja.org.br/sites/forumeja.or...
    concebeu uma teoria que atribui justamente ao desenvolvimento da mão humana a capacidade que explicaria, em certo sentido, a mutação do macaco em homem. Ver a esse respeito o seu artigo “Sobre o papel do trabalho na transformação do macaco em homem”, publicado originalmente em 1876.
  • 7
    Pokémon GO é um jogo grátis da famosa franquia, com lançamento para iPhone, iPad e Android, sendo um dos mais concorridos games mobile de todos os tempos (Fagundes, 2017Fagundes, C. (2017). Pokémon GO: faça o download grátis no celular Android ou iPhone. Recuperado em 03 de janeiro de 2017, de http://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/pokemon-go.html.
    http://www.techtudo.com.br/tudo-sobre/po...
    ). Um de seus principais atrativos é a realidade aumentada, que permite que os usuários capturem os bichinhos enquanto caminham pelas cidades. Basta o jogador ir andando e, de repente, o celular pode vibrar, indicando que há bichinhos na área. É preciso tirar o aparelho do bolso, abrir o mapa do GO e olhar ao redor. Quando houver um Pokémon, ele aparecerá na tela, então deverá tocar nele para iniciar o processo de captura (Barros, 2017Barros, T. (2017). Como funciona o sistema de captura de Pokémon Go. Recuperado em 03 de janeiro de 2017, de http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutoriais/noticia/2016/07/como-funciona-o-sistema-de-captura-de-pokemon-go.html.
    http://www.techtudo.com.br/dicas-e-tutor...
    ).
  • 8
    Agamben (2013)Agamben, G. (2013). Homo Sacer. El poder soberano y la nuda vida. Valencia: Pre-textos. dedica a reflexão da terceira parte do seu livro Homo Sacer. El poder soberano y la nuda vida para evidenciar a tese de que o campo de concentração funciona como paradigma biopolítico do moderno. Porém, o campo é o lugar de captura ou a matriz oculta da ideia de que o homem é despojado de seus direitos em qualquer outro lugar, isto é, o campo é apenas um símbolo, uma metáfora, uma localização deslocante de que a existência ficou nua de forma geral.
  • 9
    Para Habermas (2012)Habermas, J. (2012). Teoria do agir comunicativo, 1. Racionalidade da ação e racionalização social. São Paulo: WMF Martins Fontes., a dificuldade dos frankfurtianos em perceber essa possibilidade intrínseca à razão – de ser aprendente e não uma razão meramente operativa –, foi o seu apego à teoria da reificação marxista e ao paradigma da consciência, conforme ele tentou demonstrar na sua obra Teoria do agir comunicativo, 1. Racionalidade da ação e racionalização social, especialmente o capítulo “A crítica da razão instrumental”.
  • 10
    O conceito de dispositivo, segundo Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6., está ligado a todo mecanismo que desenvolve captura nos indivíduos, ou seja, qualquer artefato que seja capaz de orientar, modelar, capturar os gestos, atitudes, discursos dos seres viventes. Por isso, o dispositivo é o resto ou o sujeito que resulta da relação dos seres viventes com ele, demarcando uma determinada posição nessa rede por processos de subjetivação que produzem identidades (Fanlo, 2011Fanlo, L. G. (2011, março). Qué es un dispositivo?: Foucault, Deleuze, Agamben. A Parte Rei − Revista de Filosofia, 74, 1-8. Recuperado em 28 de julho de 2017, de https://philpapers.org/archive/FANQE.pdf.
    https://philpapers.org/archive/FANQE.pdf...
    ).
  • 11
    Este conceito foi pensado originalmente por Walter Benjamin (2013)Benjamin, W. (2013). Para a crítica da violência. In Benjamin, W., Escritos sobre mito e linguagem (pp. 121-156). São Paulo: Duas Cidades; Editora 34. como “mera vida” (p. 151) em seus escritos de juventude, mais especificamente no artigo “Para a crítica da violência”. Agamben (2005)Agamben, G. (2005). O que é um dispositivo? Outra Travessia, 5, 9-6. recupera esse conceito à luz das discussões da biopolítica, mas lhe oferece uma nova configuração como “vida nua”, fazendo alusão à situação dos prisioneiros dos campos de concentração da Segunda Guerra, onde, literalmente, a vida ficou nua, ou seja, sem proteção ou garantia alguma do estado de direito.
  • 12
    A alternativa buscada no ensino, de mudança do olhar compenetrado do clássico em direção à desatenção do flaneur (categoria extraída da obra de Walter Benjamin), foi debatida por Trevisan (2010)Trevisan, A. L. (2010). Formação no contemporâneo: do clássico ao flaneur? In A. L. Trevisan, E. M. Tomazetti, & N. D. Rossatto (Orgs.), Diferença, cultura e educação (pp. 92-106). Porto Alegre: Sulina. no artigo “Formação no contemporâneo: do clássico ao flaneur?”, por afastar a docência do ambiente formativo: “Na prática, isso implica buscar novas fontes de consulta para os trabalhos escolares e acadêmicos na crônica ou no artigo de jornal, em imagens da publicidade, análises de filmes e vinhetas de novelas, comic books, histórias em quadrinhos, etc.” (p. 93).
  • 13
    O programa Escola sem Partido é um movimento existente no Brasil que serve para ilustrar como a linguagem da biopolítica almeja colonizar a educação. Como consta no próprio site do movimento, ele está preocupado com o grau de “contaminação político-ideológica” das escolas brasileiras, em todos os níveis: do ensino básico ao superior. Defende ainda que a pretexto de transmitir aos alunos uma “visão crítica” da realidade, um “exército organizado” de militantes travestidos de professores prevalece-se da liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo. Ou seja, o movimento é baseado na ideia de assepsia e de imunização próprios da biopolítica, expresso no lema que consta no seu site “a little sunlight is the best disinfectant”, sem contar a sua retórica de guerra. Recuperado em 14 de setembro de 2016, de http://www.programaescolasempartido.org/.
  • 14
    Adorno (1996)Adorno, T. (1996, dezembro). Teoria da semicultura. Educação & Sociedade. 17(56), 388-411. afirma a esse respeito em Teoria da semicultura: “No entanto é ainda a formação cultural tradicional, mesmo que questionável, o único conceito que serve de antítese à semiformação socializada, o que expressa a gravidade de uma situação que não conta com outro critério, pois descuidou-se de suas possibilidades” (p. 395-396).
  • Todo dispositivo implica, com efeito, um processo de subjetivação, sem o qual o dispositivo não pode funcionar como dispositivo de governo, mas se reduz a um mero exercício de violência.

    (Agamben, 2005, p. 14)

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2018

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2017
  • Revisado
    16 Ago 2017
  • Aceito
    01 Out 2017
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