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Da ponta da língua ao bico da pena1 1 O título e alguns subtítulos deste ensaio foram retirados da obra Aventuras de Alice no subterrâneo e cunhados por Adriana Pelliano e Míriam Ávila, na edição de 2012. à tela do computador: o manuscrito de Alice

O que nos prende a um livro-objeto, quando já (re)conhecemos seu autor, seus personagens, o seu final?! O que nos prende a uma história, tantas vezes lida de forma recolhida e solitária; ouvida pela palavra ledora de outro; assistida em filme ou em peça de teatro, acompanhada de muita gente?! O que nos prende nesta prática cultural denominada leitura, como se fosse a primeira vez?

Com efeito, a leitura não tem lugar: Barthes lê Proust no texto de Stendhal; o telespectador lê a paisagem de sua infância na reportagem da atualidade. A telespectadora que diz da emissão vista na véspera: "Era uma coisa idiota, mas eu não desligava", qual era o lugar que a prendia, que era e no entanto não era o da imagem vista? O mesmo se dá com o leitor: seu lugar não é aqui ou lá, um ou outro, mas nem um nem outro, simultaneamente dentro e fora, perdendo tanto um como o outro, misturando-os, associando textos adormecidos mas que ele desperta e habita, não sendo nunca o seu proprietário. (Certeau, 1994Certeau, M. de. (1994). A invenção do cotidiano (Vol. 1: Artes de fazer). Petrópolis: Vozes. , p. 270)

Talvez, aspectos já enaltecidos pela crítica literária sobre o estilo do autor: "poesia largamente derramada nessas páginas" (Meireles, 1979Meireles, C. (1979). Problemas da literatura infantil (3a ed.). São Paulo: Summus; Brasília: INL., p. 109) nos levem à obra que, por acaso ou por um gesto intencional, é acarinhada pelas nossas mãos. Ou a presença de certos recursos presentes no enredo - "um sonho dentro do sonho" (Carroll, 2012Carroll, L. (2012). Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad.). São Paulo: Scipione . , p. 90); charadas e poema desenhado como a cauda de um rato; pensamentos ditos em voz alta pela protagonista, a questionar os personagens e sua própria história. Ou, ainda, porque a personagem se torna mais fortemente conhecida do que a própria obra, sendo reinventada por muitos tradutores, ilustradores e editores, viajando entre produções de diferentes linguagens visuais, em vários estilos - art nouveau, art décor, surrealista, pop, psicodélico, futurista, gótico, naïf, dark, steapunk, etc. -, seguindo tendências, pretextos e ditames mercadológicos (Pelliano, 2012Pelliano, A. (2012). Uma Alice subterrânea (encarte). In L. Carroll, Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad., pp. 8-15). São Paulo: Scipione . , p. 9). Ou, quem sabe, ainda, para os leitores de todo e qualquer livro clássico, como Alice no país das maravilhas, sua leitura "deve oferecer-nos alguma surpresa em relação à imagem que dele tínhamos" (Calvino, 1993Calvino, I. (1993). Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras. , p.12).

Mas também é possível que um livro mexa com o desejo de todos nós porque o ato do conhecimento, da descoberta de nossa identidade e do sentimento de estar no mundo podem ser compreendidos pela ficção ou pelo transbordamento desta para o universo não ficcional, como atestam as obras Pela mão de Alice - O social e o político na pós-modernidade (1997), de SantosSantos, B. S. (1997). Pela mão de Alice. O social e o político na transição pós-moderna. São Paulo: Cortez. , ou À mesa com o chapeleiro maluco (2009), de Alberto ManguelManguel, A. (2009). À mesa com o chapeleiro maluco. São Paulo: Companhia das Letras . .

Tudo isso e muito mais, misturando-se entre si e misturados a nossas sensações e sentimentos, nos prendem a um livro, sem sermos seus proprietários (Certeau, 1994Certeau, M. de. (1994). A invenção do cotidiano (Vol. 1: Artes de fazer). Petrópolis: Vozes. ), e nos situam em um tempo e lugar, ao mesmo tempo em que nos põem também distantes, estrangeiros do nosso próprio momento e pensamento.

A Alice no subterrâneo

Vivi, recentemente, este gesto de não querer largar um livro, de não desejar adiar a leitura, mas, ao mesmo tempo, de não querer chegar ao fim de Aventuras de Alice no subterrâneo, edição fac-similar do manuscrito de Lewis Carroll: Alice's adventures under ground (2008).

Capa de Aventuras de Alice no subterrâneo (Carroll, 2012Carroll, L. (2012). Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad.). São Paulo: Scipione . )

Em uma época sobressaltada pelo digital, a propor mudanças nas práticas de leitura e de escrita, além de mudanças no suporte que agrega e ordena textos, o cuidadoso projeto de Adriana Pelliano (2012Pelliano, A. (2012). Uma Alice subterrânea (encarte). In L. Carroll, Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad., pp. 8-15). São Paulo: Scipione . ) reúne em si mesmo os recursos de escritas de diferentes naturezas: manuscrita, digitalizada, impressa.2 2 Atualmente, assiste-se a uma rivalidade sobre a predominância de um tipo de escrita (digital) sobre outros, sugerindo-se até mesmo o fim de algum deles (da manuscrita), por exemplo. Aqui, vemos um bom exemplo de uma associação entre os três tipos de escrita, a serviço de um trabalho acessível para um público maior. Trata-se de um projeto para recriar, em português, a obra de Carroll, preservando as ilustrações e recompondo digitalmente as letras para não perder o charme do original que normalmente "desaparece" com o trabalho editorial e o tipográfico convencionais (Pelliano, 2012), quando da transformação e da impressão do livro por uma editora de grande circulação.

Um sobressalto para qualquer leitor contemporâneo que se apropria dos modos "como algumas obras se amarram nos objetos ou nas práticas de cultura do seu tempo" (Chartier, 2007Chartier, R. (2007). Inscrever e apagar. Cultura escrita e literatura. São Paulo: Editora Unesp ., p.16).

Assim, acompanhando as palavras de Darnton (2010Darnton, R. (2010). A questão dos livros. Passado, presente e futuro. São Paulo: Companhia das Letras .):

As pessoas mais jovens que passam por você na rua, ou que sentam ao seu lado no ônibus, ao mesmo tempo estão ali e não estão. Sacodem os ombros e batem os pés ao ritmo de uma música que somente elas podem escutar dentro do casulo de seus sistemas digitais. Parecem funcionar de maneira mais diferente dos mais velhos, cuja orientação em relação a máquinas surge de outra zona do subconsciente ... somos guiados pelo mundo mediante uma disposição sensorial chamada de Fingerspitzengefühl pelos alemães. Se você foi treinado a guiar uma caneta com seu indicador, observe a maneira como os jovens usam o polegar em seus celulares e perceberá como a tecnologia penetra no corpo e na alma de uma nova geração (p. 4).

É provável, portanto, que o meu "grude" com Aventuras de Alice no subterrâneo tenha sido produzido por algo além do seu conteúdo ou do uso singular da linguagem (no plano discursivo) empreendido por Carroll (ou pela tradutora). Provavelmente, muito do que me prendeu a essa leitura esteja também na intrínseca dependência da materialidade do suporte de texto em que ela me foi apresentada, como leitora (Chartier, 1990Chartier, R. (1990). A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel. ).

Uma edição fac-similar, como esta, cria a impressão de que estamos diante de uma prática com a linguagem orientada por um gesto único (produção de um original) de um autor (sujeito), uma "atividade concreta que consiste em gerir, sobre um espaço próprio" (a página), "um texto que tem poder sobre a exterioridade da qual foi previamente isolado" (Certeau, 1994Certeau, M. de. (1994). A invenção do cotidiano (Vol. 1: Artes de fazer). Petrópolis: Vozes. , p. 269). O manuscrito, portanto, é revestido de uma auréola de originalidade, singularidade, particularidade. É como se encontrássemos nele resquícios da presença física do autor. É como se pensássemos: "ele passou por aqui".

Uma edição fac-similar, como esta, nos aproxima de uma prática demorada na construção dos traços e das formas, na disposição visual da página, ligados à tradição da cultura manuscrita, a produtos culturais com forte valor "expressivo", de caráter estético-formal, um valor maior do que a simples comunicação, conforme Petrucci (1999Petrucci, A. (1999). La escritura manuscrita y la imprenta: ruptura o continuidad. In A. Petrucci, Alfabetismo, escritura, sociedade (Juan Carlos Gentile Vitale, trad., pp. 117-128). Barcelona: Geedisa Editorial.):

No curso da história das sociedades, a expressão escrita, os procedimentos intelectuais e manuais que contribuem de forma concreta para a realização das escrituras, ou melhor, dos testemunhos escritos, foram diretamente influenciados e determinados pelos instrumentos, materiais e as técnicas adotados e têm variado enormemente no tempo. O que significa que realizar técnicas de escrita compromete, em cada ocasião, por diferentes maneiras, a habilidade intelectual, o visual, manual daqueles que escrevem, determinando a duração da execução, a posição física e gestos, em suma, a relação com elementos de espaço e tempo. (p. 118, tradução livre)

Situado entre o campo lexical e o ornamental, entre a escrita com letras e o desenho delas, o manuscrito potencializa uma prática que é manual/artesanal no trabalho de "imenso capricho no papel e na letra bem desenhada" (Ávila, 2012Ávila, M. (2012). Da ponta da língua ao bico de pena: O manuscrito de Alice. (encarte) In L. Carroll, Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad.). São Paulo: Scipione., p. 4), no preenchimento dos espaços deixados anteriormente em branco com as ilustrações preparadas ao longo de sete meses, além dos sete meses de escrita da história, empreendida, por exemplo, por Carroll em Aventuras de Alice no subterrâneo (Ávila, 2012Carroll, L. (2012). Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad.). São Paulo: Scipione . ).

Páginas internas de Aventuras de Alice no subterrâneo (Carroll, 2012Carroll, L. (2012). Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad.). São Paulo: Scipione . )

No todo do livro, os desenhos de estilo naïf, toscos e desproporcionais (Pelliano, 2012Pelliano, A. (2012). Uma Alice subterrânea (encarte). In L. Carroll, Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad., pp. 8-15). São Paulo: Scipione . ), o uso das letras capitulares, o jogo das cores, a disposição da escrita das frases sob um traçado imaginário de uma linha a dar-lhe direção e espaçamento, as margens controlando rigidamente o espaço, a alternância do lugar para as ilustrações, de tamanhos diferentes, ocuparem a folha - tudo compõe uma prática de escrita que sugere a comunidade da qual este escritor fez parte, com a qual partilhou uma determinada educação visual, além de uma formação discursiva específica.

Página de rosto de Aventuras de Alice no subterrâneo (Carroll, 2012Carroll, L. (2012). Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad.). São Paulo: Scipione . )

O título da obra, por exemplo, que na página de rosto vem centralizado e emoldurado duplamente, encontra-se distribuído em quatro partes, uma abaixo da outra: Aventuras/ de Alice no/ Sub/ terrâneo. Uma disposição visual alongada na página, que não parece obedecer à ordem de apresentação dos títulos nas edições contemporâneas. Um estranhamento para o leitor atual diante da letra "A" com visível espaçamento de "venturas", de "Sub" separado de "terrâneo". Arabescos contornam a primeira moldura e se esparramam para o interior da segunda, abrigando o título da obra, em letras capitulares trabalhadas "que podem funcionar como estratégia para quebrar a secura gráfica e o conteúdo" (Caetano & Oliveira, 2012Caetano, J. M., & Oliveira, R. M. (2012). As letras capitulares na ilustração dos livros infantis em Portugal, nos séculos XIX e XX. In Actas do II Encontro Nacional de Tipografia. Aveiro: Universidade de Aveiro. Retirado em 15 de setembro de 2012, de Retirado em 15 de setembro de 2012, de http: //www.revisabecan.com.br/arquivos/12599533771.pdf .
http: //www.revisabecan.com.br/arquivos/...
, s.p.), característica da maior parte das obras publicadas para crianças a partir do século XIX.

Mas o capricho intencional em um manuscrito sugere ou explicita, ainda, intenções e finalidades do autor com o texto e com o controle dos possíveis sentidos empreendidos pelos seus leitores (Chartier, 1990Chartier, R. (1990). A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel. ). No caso da dedicatória - na página ao lado do Capítulo 1: "Um presente de Natal para uma criança querida em memória de um dia de verão", cuidadosamente desenhada no interior de arabescos verdes, com tinta azul, vermelha e preta, ressaltada pelas letras capitulares -, o leitor contemporâneo participa da cumplicidade sugerida pelo tom carinhoso, de afetividade e de deferência, empreendido pelo autor à sua leitora, destinatária principal deste produto.3 3 Como sabemos, trata-se do manuscrito criado para atender ao pedido da pequena Alice Liddell, que ouvira do próprio autor - amigo de seu pai - a história criada com a intenção de diverti-la, juntamente com suas outras duas irmãs, em um passeio de barco pelo rio Tâmisa, no verão de 1862. Mais do que o "charme", a letra cursiva sugere - pelo tratamento dado a ela - outros sentidos que podem ser apagados pelas estratégias editoriais que resultam na composição do livro impresso (Chartier, 1990).

Dedicatória de Aventuras de Alice no subterrâneo (Carroll, 2012Carroll, L. (2012). Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad.). São Paulo: Scipione . )

A dedicatória dirigida à "criança querida em memória de um dia de verão" explicita o desejo de registrar pela escrita algo que nos é importante e que pode ser passageiro, esquecido, se produzido apenas oralmente. Em letra cursiva, nos leva ao tempo em que a supremacia do traçado manuscrito imperava na produção de objetos "únicos", na reprodução, em parte frequentemente restrita, de foro mais íntimo e de preservação (praticamente) aleatória pelos seus proprietários. Essa sensação, talvez, dê ao manuscrito uma beleza e uma preciosidade que nos fazem refletir sobre o modo como os homens "fabricaram" suas histórias nas relações com os outros.

O prestígio alcançado pelo medo da perda

Quase um acaso nos coloca diante de um manuscrito (Mignot, 2005Mignot, A. C. V. (Org.). (2005). Cadernos à vista: escola, memória e cultura escrita. Rio de Janeiro: EDUERJ. ). Muitas vezes, o documento escrito na letra cursiva torna-se invisível, porque é facilmente descartado ou apagado, quando não ganha o estatuto de um impresso. Muitos gestos que produziram diferentes tipos de texto, orientados por diferentes finalidades e usos, são ignorados ou tratados como "papel menos importante" pelo seu autor (ou pelos seus descendentes), ficando restritos ao seu ambiente e às intenções mais imediatas e não previstas para a posteridade (Ferreira, 2014Ferreira, N. S. A. (2014). Um estudo sobre 'Versos para os pequeninos' - um manuscrito de João Köpke. Tese de Livre-Docência, área Educação, Conhecimento e Arte, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP.). Ou ficam guardados em instituições (museus e bibliotecas), à espera de poucos e curiosos leitores que, sabendo de sua existência, vão em sua busca. De qualquer forma, no manuscrito se inscreve a ideia de não perenidade e de pouca reprodutibilidade, principalmente se esquecido ou não valorizado por aqueles que cuidam de sua guarda.

No caso de As aventuras de Alice no subterrâneo, foi o próprio autor que, 22 anos após a entrega do presente à menina, solicitou o empréstimo do manuscrito à então senhora Alice (Liddell) Hargreaves, com a intenção de fazer uma edição fac-similar (Ávila, 2012Ávila, M. (2012). Da ponta da língua ao bico de pena: O manuscrito de Alice. (encarte) In L. Carroll, Aventuras de Alice no subterrâneo (Adriana Pelliano, trad.). São Paulo: Scipione., p. 3) que seria legada à posteridade. Um gesto que pode ser interpretado como de reconhecimento pelo autor, em vida, da grande significância desta obra, responsável por gerar as outras duas - Alice no País das Maravilhas e Alice no país do espelho - que lhe valeriam o sucesso mundial como autor que encantou inúmeras gerações de leitores.

Assim, aliado ao charme e ao encanto de um manuscrito que remonta a uma época em que esse tipo de escrita se apresentava como absoluto, sendo associado à cultura de outro tempo e determinado pelos ritmos, pela habilidade e pela destreza das mãos, podemos juntar o prestígio que um manuscrito, entendido como objeto único, ganha ao longo do tempo.4 4 A presença do mercado editorial de edições fac-similares parece corresponder à importância dada contemporaneamente para as formas de escrita que se materializam de diferentes formas. O manuscrito, presente em uma era predominantemente digital, carrega o valor simbólico atribuído aos registros deixados pelos autores durante o seu percurso de fabricação, o que se ganha, o que se perde, o que se transfigura no arsenal de criação e as possíveis articulações com seu tempo e rede de relações. Uma edição fac-similar, recentemente publicada pela Editora Alfaguara, do poema inacabado de João Cabral de Melo Neto, intitulada Notas sobre uma possível "Casa de farinha" (2013), é um exemplo do interesse do mercado por manuscritos. Um prestígio carregado, inclusive, de valor reconhecido no mercado dos livros, como pode ser interpretada a venda do manuscrito original em leilão feita por Alice (Liddell) Hargreaves, para obtenção de recursos financeiros, após tê-lo guardado durante 75 anos.

O manuscrito pode agregar, então, valores simbólicos de objeto original, artesanal, e sobretudo documental de uma cultura e de um tempo próprio. Seu prestígio e apreço vêm acompanhados do temor de que ele possa desaparecer em meio à proliferação dos impressos e à acelaração dos meios digitais, junto a tantos outros objetos, a cuja extinção, conforme Darnton (2010Darnton, R. (2010). A questão dos livros. Passado, presente e futuro. São Paulo: Companhia das Letras .), temos assistido:

de objetos antes familiares: a máquina de escrever, agora relegada a antiquários; o cartão-postal, uma mera curiosidade; a carta manuscrita, além das capacidades da maioria dos jovens, incapazes de escrever em letra cursiva; o jornal diário, extinto em muitas cidades; a livraria local, substituída por redes, por sua vez ameaçadas por distribuidores on-line como o Amazon. (p. 16).

O possível desaparecimento dos objetos "antigos" acarreta, também, a "morte" de um tipo de leitor, com competências específicas, disposições, gestos, valores, finalidades e práticas para ler, por exemplo, um livro em letra cursiva. Pois, como sabemos, a relação estabelecida com um texto quando de sua leitura - na forma em que ele se encontra - depende de algo além de seu conteúdo: depende da existência de um leitor. Um leitor que possa dele se apossar, para "inscrevê-lo na memória ou para transformá-lo em experiência" (Chartier, 1998Chartier, R. (1998). A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Editora Unesp., p.153), experiência da qual pode resultar até mesmo uma Alice diferente daquela pensada por Lewis Carroll como presente de Natal para uma querida criança.

Referências Bibliográficas

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  • Caetano, J. M., & Oliveira, R. M. (2012). As letras capitulares na ilustração dos livros infantis em Portugal, nos séculos XIX e XX. In Actas do II Encontro Nacional de Tipografia. Aveiro: Universidade de Aveiro. Retirado em 15 de setembro de 2012, de Retirado em 15 de setembro de 2012, de http: //www.revisabecan.com.br/arquivos/12599533771.pdf
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  • Calvino, I. (1993). Por que ler os clássicos. São Paulo: Companhia das Letras.
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  • Santos, B. S. (1997). Pela mão de Alice. O social e o político na transição pós-moderna. São Paulo: Cortez.
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    O título e alguns subtítulos deste ensaio foram retirados da obra Aventuras de Alice no subterrâneo e cunhados por Adriana Pelliano e Míriam Ávila, na edição de 2012.
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    Atualmente, assiste-se a uma rivalidade sobre a predominância de um tipo de escrita (digital) sobre outros, sugerindo-se até mesmo o fim de algum deles (da manuscrita), por exemplo. Aqui, vemos um bom exemplo de uma associação entre os três tipos de escrita, a serviço de um trabalho acessível para um público maior.
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    Como sabemos, trata-se do manuscrito criado para atender ao pedido da pequena Alice Liddell, que ouvira do próprio autor - amigo de seu pai - a história criada com a intenção de diverti-la, juntamente com suas outras duas irmãs, em um passeio de barco pelo rio Tâmisa, no verão de 1862.
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    A presença do mercado editorial de edições fac-similares parece corresponder à importância dada contemporaneamente para as formas de escrita que se materializam de diferentes formas. O manuscrito, presente em uma era predominantemente digital, carrega o valor simbólico atribuído aos registros deixados pelos autores durante o seu percurso de fabricação, o que se ganha, o que se perde, o que se transfigura no arsenal de criação e as possíveis articulações com seu tempo e rede de relações. Uma edição fac-similar, recentemente publicada pela Editora Alfaguara, do poema inacabado de João Cabral de Melo NetoMelo Neto, J. C. (2013). Notas sobre uma possível "A casa de farinha". Rio de Janeiro: Alfaguara., intitulada Notas sobre uma possível "Casa de farinha" (2013), é um exemplo do interesse do mercado por manuscritos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    25 Jul 2016
  • Aceito
    26 Jul 2016
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