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Quão longe fomos com a Linguística Aplicada de Sinais na educação de surdos?1 1 How far have we gone with Applied Sign Linguistics in deaf education?, traduzido por Jaqueline de Araújo, graduanda em Pedagogia, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil. emailmeon53@yahoo.com

Resumo

O objetivo deste artigo é discutir os desenvolvimentos atuais da Linguística Aplicada de Sinais e sua relação com a educação de surdos em três áreas principais na União Europeia (EU): (a) os métodos específicos usados no ensino de Língua de Sinais (LS); (b) a natureza disciplinar da área pesquisada que é compartilhada (levando em consideração o vasto contexto cultural no qual as LSs operam); e (c) os construtos necessários para pesquisar e estudar aqueles temas fundamentais da Linguística Aplicada de Sinais. O artigo argumenta que o desenvolvimento futuro da Linguística Aplicada de Sinais orientada pedagogicamente está atrelado à capacidade que a pesquisa tem, em termos de infraestrutura, de empreender estudos do tipo processo-produto em níveis macro, ou seja, em programas de avaliação de LS, e micro – na sala de aula de LS.

Palavras-chave:
elite económica; fronteras simbólicas; moralidad; pobres

Abstract

In 2009, Applied Sign Linguistics was for the first time the topic of international scholarship. Academic discussion involved areas such as: sign language teaching (SL) and learning; IT in SL learning; SL assessment; discourse analysis etc. In this paper, the aim is to discuss current developments in the field and in relation to deaf education in three main areas within the European Union (EU): (a) on the specific methods used in SL teaching; (b) on the shared disciplinary nature of the specific field (taking into consideration the larger cultural context within which SLs operate); and (c) on the constructs needed in order to research and study those fundamental issues of Applied Sign Linguistics. The paper argues that the future development of pedagogically oriented Applied Sign Linguistics is bound up with the capacity of the research infrastructure to undertake process-product study on the macro (i.e. SL programme evaluations) and micro level (i.e. SL classroom).

Keywords:
sign language teaching; Applied Sign Linguistics; sign language in Europe; signing in schools

Introdução

Em setembro de 2009, a academia discutiu pela primeira vez a Linguística Aplicada de Sinais em termos das habilidades e dos conhecimentos associados ao ensino-aprendizagem e à avaliação da língua de sinais; à pragmática da LS; à comunicação intercultural; à cognição e ao ensino (Mertzani, 2010aMertzani, M. (2010a). Applied sign linguistics? A forming discipline? In M. Mertzani (Ed.), Sing language teaching and learning (pp. 57-67). Papers from the 1st Symposium in Applied Sign Linguistics, Centre for Deaf Studies, University of Bristol, 24-26 September 2009. Bristol: Centre for Deaf Studies, University of Bristol.). Dois simpósios internacionais (em 2009 e 2011) tiveram como objetivo apresentar a Linguística Aplicada de Sinais ao lado de "Linguística Aplicada" de línguas estrangeiras modernas (LEM), devido ao estabelecimento de vários programas de aprendizagem da língua de sinais na Educação Superior (ES), na educação escolar e na aprendizagem contínua mundo afora. Devido a essa realidade, houve a necessidade de um intercâmbio de prática, pesquisa e experiência interdisciplinar, para lidar com problemas práticos da LS e da comunicação, por meio da análise e/ ou da aplicação de teorias e métodos já disponíveis das LEMs, de alguns resultados da linguística de sinais e/ ou desenvolvendo novos quadros normativos.

A Linguística Aplicada de Sinais, como acontece com a "linguística aplicada" para as LEMs, é primeiramente relacionada às pesquisas de desenvolvimento em linguística de sinais e, em segundo lugar, à educação de surdos. O objetivo deste artigo é discutir essa relação específica no campo da educação de surdos em escolas de Ensino Fundamental e Médio. Sobre a linguística de sinais,

muito progresso tem sido alcançado concernente ao objetivo de delinear as estruturas, distribuição e operações na fonologia da língua de sinais, embora esse trabalho não esteja de maneira alguma esgotado e debates sobre esse segmento, hierarquias, contraste e operações fonológicas continuem (Brentari, 2011Brentari, D. (2011). Handshape in sign language phonology. In M. Van Oostendorp, CJ. Ewen, E. Hume, & K. Rice. Blackwell Companion to Phonology (pp-21-54). Blackwell., p. 21).

Considerando esse avanço, o propósito da linguística de sinais, em relação ao ensino das LS, é investigar e descrever a melhor maneira de exemplificar a habilidade linguística de professor e aluno em suas estratégias de aprendizagem (em salas de aula tradicionais, online e/ ou móveis). Para os propósitos deste artigo, este último é discutido no contexto do sistema europeu.

Primeiramente, apresentamos um panorama geral de como a linguística de sinais influenciou o ensino da língua de sinais e, em segundo lugar, expomos a forma como – e em que grau – se aplicou o conhecimento sobre a linguística de sinais em escolas, para crianças surdas. Finalmente, o artigo discute as condições atuais de ensino da língua de sinais com perspectivas futuras na Linguística Aplicada de Sinais.

O ensino da língua de sinais e a linguística de sinais

A relação – e sua relevância – entre a linguística de sinais e o ensino de língua de sinais é muito importante, pois a linguística de sinais se ocupa dos componentes da língua que, na sala de aula, o professor de língua de sinais é chamado a ensinar, e o aluno, a adquirir. Tal conhecimento linguístico é necessário para uso constante em aulas de língua, ao lado de metodologias de ensino atuais (Khansir, 2013Khansir, A. A. (2013). Applied linguistics and English language teaching. Middle-East Journal of Scientific Research, 15(8), 1140-1146., p. 1141). Esta relação é evidente na história do ensino de língua de sinais. Inicialmente, programas de ensino de língua de sinais eram baseados na elaboração de listas de palavras na língua nativa dos alunos com seus sinais equivalentes. Assim, o foco era na correspondência entre palavra e sinal e na memorização de regras gramaticais e sintáticas simples, praticadas em frases curtas e em exercícios de tradução (Mertzani, 2010aMertzani, M. (2010a). Applied sign linguistics? A forming discipline? In M. Mertzani (Ed.), Sing language teaching and learning (pp. 57-67). Papers from the 1st Symposium in Applied Sign Linguistics, Centre for Deaf Studies, University of Bristol, 24-26 September 2009. Bristol: Centre for Deaf Studies, University of Bristol., pp. 59-60). Com os avanços da tecnologia, tecnologia de vídeos em particular, o foco foi na produção de textos predefinidos (normalmente baseados em gramática) e nas autogravações que compreenderam os primeiros léxicos.

Após 1970, para além dos movimentos políticos e sociais que ocorreram em relação à educação de surdos (por exemplo: o reconhecimento legal do ensino de língua de sinais, direitos civis e legais do povo surdo, perspectiva sociocultural da surdez, etc.) (Leeson, 2006Leeson, L. (2006). Signed languages in education in Europe - a preliminary exploration. Strasbourg: Council of Europe, the Director of School, Out of School and Higher Education of the Council of Europe (F-67075 Strasbourg Cedex).), especialmente depois da publicação de William C. Stokoe na validação da linguística da Língua de Sinais Americana (LSA) e de todas as línguas de sinais, pesquisas focaram na interação das crianças surdas e/ou deficientes auditivas dentro de suas famílias (surdas e ouvintes) e na aquisição da língua de sinais como sua primeira língua (L1). Inicialmente, os departamentos de psicologia da educação de universidades ou de organizações de surdos deram ênfase a essa pesquisa, e, assim que o conhecimento de língua de sinais foi transmitido entre estudiosos acadêmicos, mais pesquisadores com linguística em seus currículos tornaram-se ativos no estudo dessa área e ansiaram por uma descrição mais pormenorizada da gramática da língua de sinais. Assim, a pesquisa sobre educação de surdos e sobre o processo de aprendizagem de crianças surdas gradualmente se tornou interdisciplinar, envolvendo a sociolinguística, a psicolinguística e a neurolinguística (por exemplo: o processamento da língua de sinais) (Quer, Mazzoni, & Sapountzaki, 2010Quer, J., Mazzoni, L., & Sapountzaki, G. (2010). Transmission of sign languages in Mediterranean Europe. In D. Brentari (Ed.), Sign Languages (pp. 95-112). Cambridge: Cambridge University Press.).

O estudo (Cormier, Smith, & Sevcikova, 2013Cormier, K., Smith, S., & Sevcikova, Z. (2013, May). Predicate structures, gesture, and simultaneity in the representation of action in british sign language: evidence from deaf children and adults. Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 18(3), 370-390.) e a gravação do desenvolvimento dos estágios da língua de sinais em crianças (especialmente daquelas provenientes de famílias surdas que aprendem a língua de sinais como língua materna) permitiram a classificação das estruturas em "fácil" e "difícil" e o estabelecimento de níveis que poderiam ser alcançados ao longo da aprendizagem da língua de sinais. Por exemplo, em programas de ensino de língua de sinais para adultos, nos quais a LS é ensinada como segunda língua (L2): o nível iniciante, quanto à competência linguística do usuário da LS, normalmente envolve o aprendizado de frases curtas (com seis ou mais sinais) com pelo menos duas orações; a compreensão e a produção de proformas e locativos em narrativas simples; e o vocabulário básico (por exemplo: origem, família, interesses pessoais, etc.) (Centro de estudos surdos, 2008Centre for deaf studies. (2008/2009). BSL Ab Initio A - Unit Outline 2008/2009 (DEAF 10026). Bristol: University of Bristol./2009Centre for deaf studies. (2008/2009). BSL Ab Initio A - Unit Outline 2008/2009 (DEAF 10026). Bristol: University of Bristol.). Entretanto, tal conteúdo variou e ainda varia, pois há pouco trabalho em conjunto, entre os grupos interessados (a saber, as universidades, as associações de surdos e as escolas), acerca da base comum sobre a qual a descrição dos níveis da língua deve incidir (tais como L1 e/ ou L2).

Em consonância com o descrito acima, em termos de metodologia, o ensino da LS focou mais na interação e no desenvolvimento da competência comunicativa em LS (por exemplo, linguística, sociolinguística, discurso, etc.), adotando uma abordagem comunicativa do ensino da língua, assim como aconteceu com o ensino das LEM. Esse desenvolvimento foi respaldado pela pesquisa sociolinguística, que fornecia informação cultural sobre as formas de comunicação usadas pelas comunidades surdas e pelas famílias de crianças surdas. Assim, o foco do ensino da LS era a criação de cenários comunicativos nos quais o aprendiz usava a língua da maneira que uma pessoa surda faria. Por exemplo, no programa de ensino de língua de sinais (para o ensino do ensino de língua de sinais britânico – LSB) do Centro de Estudos Surdos (CES), na Universidade de Bristol, um dos objetivos do aprendizado era submeter os estudantes a um programa de imersão em uma comunidade surda. Assim, os alunos teriam oportunidades mais reais de contato com a língua de sinais, e não somente nas aulas (CDS, 2001Centre for deaf studies. (2001). British sign language teaching. Bristol: University of Bristol.). Geralmente, seguindo paradigmas testados para LEM e inventando outros novos, o ensino de linguagem comunicativa é o método que domina a maioria das classes de aprendizes adultos (Mertzani, 2010aMertzani, M. (2010a). Applied sign linguistics? A forming discipline? In M. Mertzani (Ed.), Sing language teaching and learning (pp. 57-67). Papers from the 1st Symposium in Applied Sign Linguistics, Centre for Deaf Studies, University of Bristol, 24-26 September 2009. Bristol: Centre for Deaf Studies, University of Bristol.).

O envolvimento dos pesquisadores surdos na linguística de sinais influenciou e modificou tanto o conteúdo quanto a metodologia do ensino de LS numa perspectiva surda (por exemplo, o escopo dos cursos ministrados por associações de surdos), que exigiram material de melhor qualidade, com informações atualizadas das pesquisas em linguística. Por exemplo, as práticas surdas dentro dos programas de Línguas de Sinais na Educação Superior demonstraram vasta produção de recursos baseados em vídeo para o ensino; entretanto, o oposto foi observado fora da academia2 2 A razão para isso pode ser a variedade de recursos tecnológicos com que os departamentos eram equipados. Um exemplo era o laboratório da CDS na Universidade de Bristol − equipado com tecnologia de vídeo profissional e computadores −, o qual, além de outros usos, pesquisadores surdos empregavam para a produção de material de aprendizagem. Além disso, durante as aulas de Língua Britânica de Sinais (LBS), estudantes e acadêmicos usavam os ambientes de aprendizagem on-line, que permitiam gravações e submissões instantâneas de vídeos. Usando essa prática, eles realizaram uma extensa coleção de dados e vídeo para as propostas de ensino-aprendizagem. . De acordo com Fenton-Ree (2010)Fenton-Ree, R. (2010). Materials Evaluation for British Sign Language (BSL) Teaching. In M. Mertzani (Ed.), Sing language teaching and learning (pp. 68-79). Papers from the 1st Symposium in Applied Sign Linguistics, Centre for Deaf Studies, University of Bristol, 24-26 September 2009. Bristol: Centre for Deaf Studies, University of Bristol., baseado em uma conversa informal no workshop de Habilidades Surdas LSB-TSN (Língua Britânica de Sinais – Professores de Educação Especial) em 2006, foi averiguado que "57% dos professores surdos nunca tinham criado seus próprios vídeos (de sinais) e 60% tinham somente compartilhado materiais com outro professor em 1 ou 2 ocasiões" (p. 12). Assim, a provisão de materiais de ensino, particularmente de vídeos de sinais, adequados ao conteúdo predeterminado, ao formato e à qualidade técnica tornou-se uma preocupação constante e imediata. Portanto, abordagens práticas foram usadas, e vários programas "têm acumulado uma coleção bem heterogênea de vídeos". O acesso a eles nos permitiu "to-mar emprestadas ideias daqueles colegas que trabalharam com vídeos ou exercícios adequados à didática e aos propósitos das pesquisas" (Hebmann & Vaupel, 2008Hebmann, J., & Vaupel, M. (2008). Building up digital video resources for sign language interpreter training. In O. Crasborn, E. Efthimiou, T. Hanke, E. D. Thoutenhoofd, & I. Zwitserlood (Eds.), Construction and exploitation of sign language corpora (pp. 74-77). Proceedings of the 3rd Workshop on the Representation and Processing of Sign Languages. 6th International Conference on Language Resources and Evaluation. Marrakech: LREC., p. 74). Esse crescente número de textos variados representou "uma língua em uso muito dinâmica e de evolução muito rápida" (p. 75).

A provisão de materiais para o ensino de LS é garantida pelos trabalhos recentes no corpus da linguística de sinais (desde 2009). A elaboração de um banco de dados eletrônico (por exemplo, o Projeto de Língua de Sinais de Bristol, no Centro de Pesquisa em L inguagem e Cognição Surda – CPLCS, na universidade de Londres; e o Corpus NGT, da Radboud University Nijmegen, na Noruega), compreende uma fonte centralizada de dados para pesquisa e estudo, por exemplo, de variações regionais de alguns aspectos das LS (e outras informações linguísticas), como vocabulário e gramática. Para tais propósitos, os dados normalmente são coletados de usuários nativos de sinais, compreendendo uma base de dados computadorizada de vídeos e gravações digitais, disponíveis online e/ou offline, através de permissões de acesso aos acadêmicos. Entretanto, há poucos registros de pesquisas de tal córpus para uso em sala de aula (por exemplo, no programa de treinamento de intérprete de LS nas universidades de ciências aplicadas em Magdeburg e Zwickau desde 1997), embora haja grande potencial para isso; eles podem complementar materiais existentes na área de LS e criar uma biblioteca acessível de recurso em vídeo para fins de pesquisa e treinamento (Leeson, 2011Leeson, L. (2011, June 30/July 2). Sign language corpora for other purposes: exploiting the signs of ireland corpus in deaf studies teaching and learning. Paper presented at the Documenting sign languages for teaching and learning purposes -2nd Symposium in Applied Sign Linguistics, Bristol: Centre for Deaf Studies, University of Bristol.). Nos programas de interpretação de LS, o córpus é usado para fornecer aos alunos uma vastidão de diferentes textos tanto na língua de sinais quanto na língua oral, uma vez que o acesso à LS é limitado em nosso cotidiano (Hebmann & Vaupel, 2008Hebmann, J., & Vaupel, M. (2008). Building up digital video resources for sign language interpreter training. In O. Crasborn, E. Efthimiou, T. Hanke, E. D. Thoutenhoofd, & I. Zwitserlood (Eds.), Construction and exploitation of sign language corpora (pp. 74-77). Proceedings of the 3rd Workshop on the Representation and Processing of Sign Languages. 6th International Conference on Language Resources and Evaluation. Marrakech: LREC., pp. 74-75).

Diferentemente das LEM, não há corpora do aprendiz da LS. Entre os anos de 2010 e 2011, Mertzani (2010b)Mertzani, M. (2010b, February 24). British Sign Language (BSL) Learner Corpus. British Academy Small Research Grants - SG 2009-10 Round 2. London: U.K. conduziu um estudo preliminar do corpus da língua de sinais britânica, fundada pela Academia Britânica no Reino Unido. O estudo examinou a língua usada pelos alunos iniciantes da LSB, usando uma base de dados em pequena escala dos vídeos gerados na universidade de Bristol. Os vídeos desses alunos foram então analisados, com o objetivo de observar os erros, identificá-los e desenvolver um sistema para categorizá-los no sistema de corpus da LSB. O estudo explorou oito categorias de erros de sintaxe e gramática, e os resultados revelaram que, no geral, os alunos produziam mais acertos que erros em todas elas e frequentemente cometiam mais erros de sintaxe do que de gramática. Entretanto, mais pesquisas são necessárias para demonstrar o uso do corpora aprendiz na categorização do nível de proficiência do estudante de LS ao longo do curso e de seu aprendizado.

Com relação ao currículo e ao programa, o conteúdo começou a ser desenvolvido muito mais de maneira coletiva do que por professores isoladamente. Assim sendo, os acadêmicos surdos participam ativamente de iniciativas – especialmente em parcerias europeias e/ ou internacionais – que discutem o conteúdo, os objetivos, as estruturas e os materiais para o ensino da LS, como a produção de material para o curso, nos quais surdos, usuários nativos da LS, podem ser gravados enquanto ensinam LS. Um exemplo desse tipo de iniciativa foi o projeto intitulado Signos-D (2009-2011), uma proposta coletiva de cinco estados-membros europeus (Inglaterra, Irlanda, Grécia, Chipre e República Tcheca) que produziram materiais para os estudantes de LS como segunda língua, concernentes com os padrões do Quadro de Referências de Línguas Comuns da Europa (QRLCE ou CEFR, em inglês), que categoriza o nível da língua oral (LEM) (Kyle, John, Mertzani, & Day, 2010Kyle, J., John, C., Mertzani, M, & Day, L. (2010). The D-Signs project: a visual environment for sign language teaching and learning. In M. Mertzani (Ed.), Sing language teaching and learning (pp.113-128). Papers from the 1st Symposium in Applied Sign Linguistics, Centre for Deaf Studies, University of Bristol, 24-26 September 2009. Bristol: Centre for Deaf Studies, University of Bristol.; Leeson & Deirdre, 2009Leeson, L., & Deirdre B.-D. (2009). Applying the Common European Reference Framework to the Teaching, Learning and Assessment of Signed Languages. (Deliverable N°: D3.1, D-Signs Project UK/08/LLP-LdV/TOI/163_141).; Leeson & Grehan, 2010Leeson, L., & Grehan, C. (2010). A common European framework for sign language curricula? D-Sign(ing) a curriculum aligned to the common European framework of reference. In M. Mertzani (Ed.), Sing language teaching and learning (pp. 21-33). Papers from the 1st Symposium in Applied Sign Linguistics, Centre for Deaf Studies, University of Bristol, 24-26 September 2009. Bristol: Centre for Deaf Studies, University of Bristol.).

Baseados parcialmente nos Signos-D e reconhecendo a falta de um quadro de referências para o aprendizado de LS, os acadêmicos surdos (e não somente eles) juntaram-se ao projeto Pro-Sinais (um projeto em andamento desde 2012), com o objetivo de estabelecer padrões europeus para a proficiência na LS com propósitos profissionais, focando especialmente no ensino da LS em estudos surdos (por exemplo, em universidades) e em programas de interpretação. O maior trunfo do projeto é definir (em inglês e em sinais internacionais) o nível de proficiência da LS e o desenvolvimento de um currículo para estudantes ouvintes; desenvolver uma avaliação da competência em LS para os níveis C1 e C2, indicando a qualificação profissional dos intérpretes; e, acima de tudo, elaborar um guia de ensino e aprendizado. O projeto, fundado pelo Centro Europeu de Línguas Modernas (CELM), é o primeiro passo em direção ao estabelecimento de padrões para a especificação de níveis de proficiência em aprendizado. Espera-se que comunidades surdas e empregadores tenham níveis padrões para guiá-los. Professores e palestrantes podem estabelecer currículos por toda a Europa e se beneficiar de uma rede de compartilhamento de práticas de ensino e aprendizagem. Em termos de aquisição da L1, a pesquisa na linguística de sinais permitiu o desenvolvimento de vários testes (apesar de não estarem padronizados), para várias LS europeias, que podem avaliar o desenvolvimento da LS como L1 em crianças surdas (principalmente sua habilidade responsiva) e, subsequentemente, planejar intervenções em suas escolas (para uma revisão da avaliação em LS, ver Haug, 2008Haug, T. (2008). Review of sign language assessment instruments. In A. Baker, & B. Woll, (Eds.), Sign Language Acquisition (pp. 51-85). Amsterdam: John Benjamins Publishing Company.). Em particular, essas avaliações podem ser aplicadas em: (1) diagnóstico do desenvolvimento da língua em crianças; (2) monitoramento do desenvolvimento da LS na escola; (3) avaliação linguística em adultos surdos, pais ouvintes e filhos surdos, profissionais que trabalham com pessoas surdas. Em termos da competência linguística em crianças, os testes focam em selecionar aspectos da morfologia e da sintaxe da LS (por exemplo, negação, números e distribuição, morfologia dos verbos, distinção entre substantivo e verbo, tamanho e formas específicas e classificadores) e em avaliar sua compreensão em habilidades receptivas (normalmente baseadas em vídeos e/ou em exercícios do tipo nomear figuras). Nesses, à criança é requisitado que nomeie uma figura e/ou escolha uma dentre várias delas em um vídeo, para que o avaliador possa conferir se a versão do sinal que a criança escolheu corresponde àquela usada no teste. Em alguns casos, uma variação regional da LS é usada. Em outros contextos, pede-se às crianças que tentem entender relações gramaticais entre narrativas distribuídas em um número de vídeos.

Resumindo, esta seção apresentou a maneira como a pesquisa em linguística de sinais instruiu, em geral, uma metodologia para o ensino; materiais de ensino; e avaliação no ensino da LS como L1 e L2. A seção seguinte discute tais investidas no contexto europeu, com fins de apresentar o estado da arte da Linguística Aplicada de Sinais em relação à educação de surdos.

Ensinando língua de sinais em escolas europeias

O ensino de língua de sinais em escolas é de alguma maneira suscetível às similaridades políticas e sociais entre os estados-membro da União Europeia (EU) (Leeson, 2006Leeson, L. (2006). Signed languages in education in Europe - a preliminary exploration. Strasbourg: Council of Europe, the Director of School, Out of School and Higher Education of the Council of Europe (F-67075 Strasbourg Cedex).; Quer, Mazzoni, & Sapountzaki, 2010Quer, J., Mazzoni, L., & Sapountzaki, G. (2010). Transmission of sign languages in Mediterranean Europe. In D. Brentari (Ed.), Sign Languages (pp. 95-112). Cambridge: Cambridge University Press.).

A realidade de quem sinaliza e as vicissitudes do reconhecimento da educação de surdos e da língua de sinais são muito pouco comparáveis, mesmo que, em alguns aspectos, haja características compartilhadas que diferenciam alguns estados de outros (por exemplo, os países do sudeste mediterrâneo dos países do nordeste europeu), mas, ao mesmo tempo, observamos paralelos, embora em ritmos diferentes (Quer, Mazzoni, & Sapountzaki, 2010Quer, J., Mazzoni, L., & Sapountzaki, G. (2010). Transmission of sign languages in Mediterranean Europe. In D. Brentari (Ed.), Sign Languages (pp. 95-112). Cambridge: Cambridge University Press., p. 95)

Nos anos de 1990, havia um movimento separado do oralismo e emergia um aumento da consciência da LS pela Europa. Em 1988 e 1989, o parlamento europeu aprovou duas resoluções e reconheceu a língua de sinais usada pelas pessoas surdas em cada estado-membro; em 1989, o Terceiro Congresso Europeu de Pesquisa em Língua de Sinais, em Hamburgo, aprovou "O reconhecimento da língua de sinais surda nacional"; e, em 1991, a Federação Mundial dos Surdos pediu o reconhecimento das LS. Em 2001, na Recomendação da Assembleia Parlamentar 1.492 (2001) sobre os direitos das minorias, o Comitê para Reabilitação e Integração de Pessoas com deficiências (Acordo Parcial) (CD-P-RR) considerou as LS como línguas não territoriais, uma vez que elas correspondem a essa categoria de línguas não territoriais, conforme descrito na Carta Europeia das Línguas Regionais e Minoritárias (Timmermans, 2005Timmermans, N. (2005). The status of sign languages in Europe. Strasbourg: Council of Europe., p. 20 e p. 22). Em 2003, a Recomendação da Assembleia Parlamentar 1.598 (2003) foi aprovada para proteger as línguas de sinais nos estados-membros do Conselho da Europa.

Acompanhando tais acontecimentos, vários estados-membros europeus reconheceram a LS como uma língua para comunicação entre pessoas surdas e outras, mas pouquíssimos a reconheceram como língua para instrução em escolas regulares. Como resultado, ainda hoje, a LS, mesmo naqueles estados nos quais seu status educativo é reconhecido, não é usada: a) como uma disciplina que as crianças surdas devem estudar ao longo do ano escolar (como as crianças ouvintes fazem com sua língua materna), embora se diga que a pedagogia bilíngue (língua oral e sinalizada) é empregada para seguir o currículo escolar; (b) nem como uma ferramenta linguística para ensinar disciplinas escolares. Ao contrário, parece que uma abordagem de comunicação total domina as práticas escolares, principalmente porque as línguas de sinais ainda não se tornaram disciplina escolar obrigatória (na educação primária e secundária) (Leeson, 2006Leeson, L. (2006). Signed languages in education in Europe - a preliminary exploration. Strasbourg: Council of Europe, the Director of School, Out of School and Higher Education of the Council of Europe (F-67075 Strasbourg Cedex).).

Nesse contexto, o ensino de LS tem alguns desafios em comum com outras situações envolvendo línguas minoritárias: (i) uso de uma língua padrão na educação; (ii) status legal e financiamento; (iii) desenvolvimento de material de ensino; (iv) disponibilidade de professores qualificados; e (v) novos desafios concernentes à sociedade moderna (Cenoz & Gorter, 2009Cenoz, J., & Gorter, D. (2009). Applied linguistics and the use of minority languages in education. In J. Cenoz, & D. Gorter. (Eds.), Multilingualism and minority languages: achievements and challenges in education. AILA Review, 21, 5-12.).

A respeito do primeiro desafio mencionado, o aprendizado de uma língua em escolas para surdos ainda se refere ao ensino da língua oficial do país (por exemplo: inglês, espanhol, francês, etc.), embora grande número de pesquisas em linguística de sinais e psicolinguística aponte o oposto. Tal situação tem levado à adoção de concessões e abordagens complementares à necessidade linguística e social das pessoas surdas (Quer, Mazzoni, & Sapountzaki, 2010Quer, J., Mazzoni, L., & Sapountzaki, G. (2010). Transmission of sign languages in Mediterranean Europe. In D. Brentari (Ed.), Sign Languages (pp. 95-112). Cambridge: Cambridge University Press.), como as de caráter de comunicação total. Em outros casos, como na Grécia, o ensino de LS foi afetado dos anos 1990 até meados de 2000 pela disputa da "questão da língua grega", que restringiu e atrasou o desenvolvimento de metodologias de ensino para qualquer língua (L1/L2). Assim, o aprendizado da língua era baseado em métodos tradicionais com orientações arcaicas, de acordo com as quais o aprendizado da língua materna significava aprender grego moderno, demótico, com base no grego antigo (mesmo em escolas para surdos, com algumas modificações). Portanto, nesse contexto, todas as línguas, incluindo a Língua de Sinais Grega (LSG), eram ensinadas com base em tais métodos, que enfatizavam o aprendizado de regras detalhadas de gramática e atividades de escrita e redação (Mertzani, 2004Mertzani, M. (2004). The teaching of Greek Sign Language: hearing learners' perceptions of their Deaf tutors' teaching methods and their beliefs and expectations (p. 137). Master of Philosophy Dissertation in the Faculty of Social Sciences, Centre for Deaf Studies, University of Bristol, Bristol - U.K.).

Com respeito ao segundo desafio, desde 1990 e até os primeiros anos da crise econômica da EU (2008), as línguas de sinais tiveram apoio tanto legal quanto financeiro da União Europeia. Durante esse período, instituições de Ensino Superior receberam suporte, majoritariamente, para o desenvolvimento de pesquisas de referência, principalmente em documentação de língua de sinais (por exemplo, em léxicos de multimídia, corpora, etc.). Muito desse trabalho foi administrado gratuitamente em escolas para prática de língua de sinais (principalmente léxicos, currículo piloto, etc.) e para treinamento de professores/funcionários em assuntos envolvendo educação de surdos (por exemplo, provisão familiar, identidade cultural, atitudes sociais, etc.). Ensinar vocabulário usando materiais de vídeo multimídia dos primeiros anos escolares das crianças é uma prática comum na União Europeia. Isto é também evidente no desenvolvimento de numerosas avaliações de línguas de sinais que já foram mencionadas.

O objetivo principal dos programas de educação de surdos é, onde o bilinguismo de sinais é aplicado, "facilitar uma aquisição normal da língua, cognição, e estruturas sociais através de uma primeira língua acessível e então construir habilidades de aprendizado acadêmico e alfabetização sobre esse fundamento" (Enns & Herman, 2011Enns, C. J., & Herman, R. C. (2011, March 14). Adapting the Assessing British Sign Language Development: Receptive Skills Test Into American Sign Language, Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 16(3), 362-374., p. 362). Por causa da heterogeneidade da população de crianças surdas, é política, entre as escolas da União Europeia, estabelecer uma língua-base para elas e suas famílias por meio do desenvolvimento das habilidades em língua de sinais (receptivo e produtivo), antes de proceder ao estudo de disciplinas em conformidade com o currículo das escolas. Por essa razão, os testes avaliativos anteriormente mencionados são usados como testes de proficiência bastante confiáveis. Entretanto, é uma prática das escolas informar que tais testes não estão disponíveis por toda a União Europeia, e adaptações deles, nesses casos, são preferíveis, sem que padronizações sejam necessárias.

Crianças surdas que têm dificuldades para desenvolver essas habilidades normalmente são identificadas por professores que usam os testes avaliativos já mencionados ou por descrições feitas pelos seus próprios professores, em relatórios elaborados a partir da observação da interação entre as crianças, de entrevistas com seus pais e de conversas entre os profissionais da escola. Os níveis das crianças que aprendem língua de sinais também são determinados assim que começam a estudar em escolas regulares, e seu progresso é monitorado ao longo dos anos escolares. "Infelizmente, na área da aquisição da língua de sinais há pouquíssimos testes avaliativos para medir nível e, como resultado, os professores normalmente dependem de medidas descritivas informais para estabelecer objetivos escolares e monitorar progresso" (Enns & Herman, 2011Enns, C. J., & Herman, R. C. (2011, March 14). Adapting the Assessing British Sign Language Development: Receptive Skills Test Into American Sign Language, Journal of Deaf Studies and Deaf Education, 16(3), 362-374., p. 363).

Sobre o material de ensino da língua de sinais, a situação na União Europeia é muito diferenciada. Poucos países – a maioria deles bilíngue –, baseados em leis de reconhecimento da educação para surdos, desenvolveram materiais para uso em escolas de primeiro e segundo graus A LS é a disciplina da escola (como a L1) e a ferramenta para comunicar o conteúdo de vídeos; e a língua falada (principalmente na sua forma escrita) é ensinada como L2 dentro da LS. Um exemplo é a adoção da língua de sinais e do currículo nacional estabelecido em 2001 pelo Instituto Pedagógico, na Grécia, para crianças surdas em educação primária (Kourbetis & Mertzani, 2009Kourbetis, V., & Mertzani, M. (2009, September 26). First national Greek Sign Language curricula in primary and secondary education. Poster presented at the Sing Language Teaching and Learning - 1st Symposium in Applied Sign Linguistics, 24-26 September 2009. Bristol: Centre for Deaf Studies, University of Bristol.). Ali, materiais de multimídias foram criados por sinalizadores nativos, focando principalmente na análise de histórias, narrativas e no contexto educativo em geral (por exemplo: matemática, física, geografia, história, etc.) (Kourbetis, 2001). Infelizmente, não há pesquisas que documentem o impacto de tais materiais no aprendizado de língua de sinais pelas crianças e do seu uso, tanto por alunos quanto por professores, na sala de aula de LS. Não há sequer menção do uso de corpora de LS para o propósito do aprendizado de LS, embora pesquisas mostrem escolas e/ou salas de inclusão como um centro de aquisição da língua de sinais por crianças surdas.

De acordo com as leis anteriormente mencionadas, a maioria dos estados-membros treinou (e ainda treina) profissionais em educação terciária e/ou vocacional sobre pesquisa em LS e assuntos de educação de surdos. Assim, hoje há professores muito bem qualificados disponíveis, já que sua contratação em escolas para surdos demanda (e obriga) que eles obtenham certificado de proficiência em LS. Ainda assim, há um número limitado de pesquisas que registrem a forma como ensinam e o impacto (caso haja) no aprendizado das crianças. A pesquisa é necessária para explorar os métodos usados pelos professores nas salas de aula de LS, em escolas, já que essa nova geração de professores detém o conhecimento e a consciência (e não somente) dos aspectos das línguas de sinais. Além disso, tem havido um aumento no número de professores surdos qualificados, que são considerados importantes modelos para as crianças surdas.

A respeito do quinto desafio, como anteriormente mencionado, por causa da crise econômica, a educação de surdos tem estado sob grande pressão por toda a União Europeia. A crise financeira levou vários países a um déficit de orçamento, e isso resultou em necessidade de consolidação fiscal. Assim, há desafios financeiros (como cortes de investimentos, redução de pessoal, cortes e congelamento de salários, etc.) que ameaçam o ensino de LS em escolas (por exemplo, o fechamento ou a fusão de escolas para surdos). Em termos do impacto da crise nos recursos humanos em educação, na maioria dos países (de 2007 a 2010), o número de professores em escolas tem geralmente seguido a flutuação na população de alunos (Comissão Europeia/ EACEA/ Eurydice, 2013European Commission/Eacea/Eurydice. (2013). Funding of Education in Europe 20002012: the impact of the economic crisis. Eurydice Report. Luxembourg: Publications Office of the European Union.). Como resultado dessa crise, houve o fechamento da CDS da Universidade de Bristol, que há mais de 30 anos fazia pesquisas em Estudos Surdos. O financiamento de recursos Tecnológicos de Informação e Comunicação e de programas específicos para o apoio educacional também foi afetado por cortes em despesas com educação (Comissão Europeia/ EACEA/ Eurydice, 2013European Commission/Eacea/Eurydice. (2013). Funding of Education in Europe 20002012: the impact of the economic crisis. Eurydice Report. Luxembourg: Publications Office of the European Union.), uma situação que comumente ameaça a produção de material para língua de sinais. No momento, a disponibilidade de plataformas gratuitas online (por exemplo, YouTube, Facebook, blogging, Skype, etc.) para produção continuada, coletiva e/ ou individual de língua de sinais, é uma ferramenta valiosa para professores, familiares e alunos.

Discussão e conclusão

A linguística aplicada começou na década de 1960, quando se acreditava que o audiolinguismo e, mais tarde, o cognitivismo fossem métodos tirados diretamente da teoria da descrição da linguagem (Weideman, 2007Weideman, A. (2007). The redefinition of applied linguistics: modernist and postmodernist views. Southern African Linguistics and Applied Language Studies, 25(4), 589-605.). Naquele tempo, havia uma ligação entre teoria linguística e ensino de língua. Nos termos da Linguística Aplicada de Sinais, argumenta-se facilmente que não havia uma continuidade teórica entre a linguística de sinais e o ensino de LS. Os métodos de ensino, especialmente seus princípios que foram testados ao longo dos anos de 1970, não podem ser relacionados aos resultados das análises da linguística de sinais daquela época. Eles são, ao invés disso, crenças que fundamentam e apoiam algumas técnicas de análises, mas não são resultados ou conclusões de análises de linguística de sinais. Eles simplesmente a precederam. Essa é a razão por que, em uma única década, diferentes programas tentaram empregar quatro métodos, com princípios e técnicas diferentes. Entretanto, desde os anos de 1980 até a presente data, a aplicação da CLT é baseada em resultados de linguística de sinais. Logo, há uma continuidade teórica entre a Linguística Aplicada de Sinais e a língua de sinais.

Dos anos 1980 em diante, investigações das características sintáticas da língua de sinais demonstraram a necessidade de uma instrução de língua de sinais baseada na linguística, que diferisse significativamente do ensino de LS dos anos de 1970. A análise da linguística de sinais foi então utilizada na seleção e na criação de materiais de ensino- aprendizado de LS (por exemplo, currículo de LS, como o currículo VISTA para língua de sinais americana; cartilhas para professores e alunos, como as publicadas por Cokely e Baker-Shenk em 1980Cokely, D., & Baker-Shenk, C. (1980). American sign language: a teacher's resource text on curriculum, methods, and evaluation. Silver Spring, MD: T. J. Publishers.; dicionários de LS; títulos multimídia em DVD/CD; e, recentemente, materiais online e websites), na avaliação e no material de nivelamento para uso em salas de aula de LS. Assim, ao fazer tal seleção, percebeu-se que, para aplicar qualquer discernimento da linguística de sinais, havia a necessidade de uma análise contrastiva do aluno de L1 (língua falada e/ou outra LS como L1) e LS (a língua preferível para ensino-aprendizagem). Houve intenso ceticismo sobre teoria e prática, uma vez que a linguística de sinais tem os mesmos assuntos-disciplinas do ensino de LS. A teoria da linguística de sinais indicou o caminho para a solução de problemas em LS.

Além disso, pode-se argumentar que há uma continuidade entre Linguística Aplicada de Sinais e Linguística Aplicada. A última constitui o "modelo tradicional" para o ensino e a aprendizagem num sentido mais amplo. Como Weideman (2007)Weideman, A. (2007). The redefinition of applied linguistics: modernist and postmodernist views. Southern African Linguistics and Applied Language Studies, 25(4), 589-605. muito bem descreve, apesar de uma análise histórica apresentar a linguística aplicada como uma progressão sucessiva de gerações e tradições, muitas das tradições ainda existem e/ou coexistem. No caso da Linguística Aplicada de Sinais, não houve nenhuma sucessão de tradições sucessivas, mas houve uma seleção progressiva (de 1970 a 1980 em diante) de certos métodos e princípios – bem conhecidos em linguística aplicada –, que foram ajustados ao ensino-aprendizagem de LS. Ademais, essa progressão indica "tradição" sobre um trabalho já estabelecido. "Tradições" teóricas foram e ainda são um ponto de referência para um trabalho de linguística de sinais aplicada.

Contudo, o que falta na Linguística de Sinais Aplicada é o que Bygate (2005)Bygate, M. (2005, December). Applied linguistics: a pragmatic discipline, a generic discipline? Applied Linguistics, 26(4), 568-581. declara: "o que é preciso é não simplesmente desenvolver e relacionar as teorias, mas explorar sua aplicabilidade em contextos do mundo real" (p. 571). Em outras palavras, esse posicionamento clama por prescrições baseadas em pesquisas sobre "o que funciona" no geral, no ensino-aprendizado de LS. Esse é um desafio importante para muitos professores e estudiosos de LS. Por exemplo, não é suficiente identificar o contexto dos níveis de proficiência como estabelecidos no Quadro de Referência Comum Europeu, de acordo com as necessidades dos estudantes de LS – é necessário saber o que pode ser feito, então, para ajudar os estudantes de LS a alcançar os níveis. Isso também levanta a questão da comunicação com a sociedade como um todo; por exemplo, com a comunidade surda, com grupos e/ou públicos de interesse especial que – pelo menos em sua maioria – não são especialistas em LS (por exemplo, funcionários e empregadores que trabalham com usuários de LS). Para que se possa explorar a aplicabilidade das teorias acima, a Linguística de Sinais Aplicada precisa se engajar em uma colaboração construtiva com várias "autoridades" e compreender suas relações diversas com o mundo real dos problemas da LS. Atualmente, não há pesquisas suficientes sobre as "tradições" teóricas, que possam informar a área sobre "o que funciona". Hoje em dia, a pesquisa em linguística de sinais aplicada está sendo conduzida em contextos remotos e seus resultados – na maioria dos casos – permanecem desconhecidos.

De acordo com Mitchell (2000)Mitchell, R. (2000, September). Applied linguistics and evidence-based classroom practice: the case of foreign language grammar pedagogy, Applied Linguistics, 21(3), 281-303., as teorias do aprendizado de línguas e as descobertas da pesquisa de ensino efetivo

podem influenciar e aumentar o repertório de possíveis ações e escolhas que estão disponíveis aos professores. Neste sentido, um programa de pesquisa extenso... poderia certamente apoiar o desenvolvimento de práticas mais eficientes e consistentes na área.... Mas qualquer programa desse tipo precisa ser financiado sob princípios claros, caso se queira gerar conhecimento robusto sobre aprendizado e ensino efetivo (p. 298).

Alinhado a isso, a Linguística de Sinais aplicada precisa fortalecer sua pesquisa, avaliando a eficiência geral dos programas de língua de sinais existentes, por meio de práticas baseadas em evidência (como experimentos em sala de aula e quase-experimentos). Até o momento, por exemplo, ainda não há indicativos suficientes sobre o que ensinar em cada nível; ainda falta uma gramática pedagógica "padrão"; ainda não se sabe o que é realmente "ensinável" e mensurável. A pesquisa em Linguística Aplicada tem mostrado a eficiência de certas técnicas instrutivas; o que é ensinado, o que é aprendido e a situação atual do aluno na aquisição da língua (Ellis, Basturkem, & Loewen, 2001Ellis, R., Basturkmen, H., & Loewen, S. (2001, June). Learner uptake in communicative ESL lessons, Language Learning, 51(2), 281-318.). Novamente, faltam evidências dessas técnicas no ensino e na aprendizagem da língua de sinais.

A linguística aplicada de sinais é uma disciplina desafiadora. Richard Kiely, como orador principal do Simpósio de Linguística Aplicada de 2009, apontou:

O que me ocorre hoje é que, em termos de Linguística de Sinais Aplicada, há um desafio muito grande. Sinto, ensinando inglês como língua estrangeira ou ensinando línguas estrangeiras, quando o trabalho começou há quarenta ou cinquenta anos atrás, a tarefa de descrever uma língua já havia sido feita; havia dicionários; havia gramáticas; que já estavam em voga há 100 anos. Me parece que vocês têm ao mesmo tempo o desafio de descrever a língua de sinais e tentar negociar padronizações, variação, etc., ao mesmo tempo em que tentam ensinar língua de sinais e os processos envolvidos. É um assunto muito complexo com menos atividade.

Ademais, esse posicionamento significa que práticas baseadas em evidência precisam se estabelecer em uma rede de parcerias de curto e longo prazo entre pesquisadores, professores e outros participantes do ensino e do aprendizado de língua de sinais. Além disso, significa que há necessidade de aumentar o grau de acordo entre estudiosos da área sobre qual tipo de informação contará como prova suficiente do aprendizado e do ensino de língua de sinais.

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    How far have we gone with Applied Sign Linguistics in deaf education?, traduzido por Jaqueline de Araújo, graduanda em Pedagogia, Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Campinas, SP, Brasil. emailmeon53@yahoo.com
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    A razão para isso pode ser a variedade de recursos tecnológicos com que os departamentos eram equipados. Um exemplo era o laboratório da CDS na Universidade de Bristol − equipado com tecnologia de vídeo profissional e computadores −, o qual, além de outros usos, pesquisadores surdos empregavam para a produção de material de aprendizagem. Além disso, durante as aulas de Língua Britânica de Sinais (LBS), estudantes e acadêmicos usavam os ambientes de aprendizagem on-line, que permitiam gravações e submissões instantâneas de vídeos. Usando essa prática, eles realizaram uma extensa coleção de dados e vídeo para as propostas de ensino-aprendizagem.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    25 Fev 2015
  • Aceito
    31 Jul 2015
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