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Algumas tendências e perspectivas em artigos publicados de 2009 a 2014 sobre surdez e educação de surdos

Some trends and perspectives in articles published from 2009 to 2014 about deafness and deaf education

Resumo

O presente trabalho faz um balanço dos artigos publicados em periódicos científicos arbitrados e vinculados ao Scientific Electronic Library Online (SciElo), no período de 2009 a 2014, em âmbito nacional. A partir de um levantamento quantitativo dessas produções, propõe-se a discussão das principais tendências no campo, interpretadas no relevo dos resumos desse corpus constituído, com base em leitura flutuante e na criação de seis categorias: 1) áreas temáticas, 2)referenciais teóricos acerca da surdez, 3) temas afeitos aos estudos surdos na perspectiva bilíngue/antropológica, 4) temas afeitos aos estudos surdos na concepção clínico-terapêutica, 5) novos temas afeitos aos estudos surdos e 6) produção por ano, instituições (públicas/privadas/localização geográfica).

Palavras-chave:
surdez; educação de surdos; estudos surdos; concepções de surdez; levantamento bibliográfico

Abstract

This article presents the results of a literature review on Deafness and Deaf Education. Based on the articles published between 2009 and 2014 present in the SciELO (Scientific Electronic Library Online) database, the analysis shows that the production on these subjects has increased steadily in the period, and that most of the articles were produced in the field of education, followed by Linguistic/Applied Linguistics, Health, Phonoaudiology, and Psychology. The study also identified a tendency to treat deafness as a linguistic specificity in an anthropological perspective. The majority of the articles discuss reading and writing whether as part of teaching and learning processes or as practices. Other frequent themes are bilingual education, deaf culture and identity, digital technologies, teaching practices in different subjects, translation and interpretation. Finally, the review shows a lack of studies on the deaf person in other contexts outside the classroom and the importance of research, teaching and extension initiatives carried in public universities for the strengthening of the field.

Keywords:
deafness; deaf education; deaf studies; deafness conceptions; bibliographic survey

Introdução

Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ... Que já têm a forma do nosso corpo ... E esquecer os nossos caminhos que nos levam sempre aos mesmos lugares ... É o tempo da travessia ... E se não ousarmos fazê-la ... Teremos ficado ... para sempre ... À margem de nós mesmos...

(Fernando Pessoa)

Este artigo analisa quantitativa e descritivamente os artigos publicados no Scientific Electronic Library Online (SciELO) nos anos de 2009 a 2014. O SciELO é uma biblioteca eletrônica, utilizada como banco de dados para pesquisas, que agrega periódicos científicos brasileiros e artigos de alta qualidade e rigor científicos. Ele tem a tutela da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em parceria com o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme), e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq):

A Coleção SciELO Brasil indexa, disponibiliza e dissemina online em acesso aberto textos completos de periódicos científicos do Brasil de todas as áreas do conhecimento que publicam predominantemente artigos inéditos resultantes de pesquisa científica original, que utilizam o procedimento de avaliação por pares dos manuscritos que recebem ou encomendam e que apresentam desempenho crescente nos indicadores de cumprimento dos critérios de indexação. A coleção privilegia a admissão e permanência dos periódicos que em sua operação avançam na profissionalização, internacionalização e modelos de financiamento sustentável (SciELO , 2014Scielo, Scientific Electronic Library Online. (2014). Critérios, política e procedimentos para a admissão. Retirado em 21 de janeiro de 2015, de http://www.scielo.br/avaliacao/20141003NovosCriterios_SciELO_Brasil.pdf.
http://www.scielo.br/avaliacao/20141003N...
, p. 7.)

Para a seleção de artigos, o leitor pode escolher entre os índices "assunto" ou "autor" ou, ainda, o formulário de pesquisa de artigos. A escolha desse site para a elaboração do presente texto fez-se no sentido de garantir uma seleção de artigos de qualidade científica, que representasse a coletânea de todos aqueles publicados no País neste período. Para compor este estudo, utilizamos o índice de assuntos e, ao digitarmos os termos: "Educação de surdos", "Libras", "Língua Brasileira de Sinais", "Surdos" e "Surdez", selecionamos os 73 artigos que apareceram, os quais descreveremos a seguir.

Resultados

Quantitativamente, a distribuição dos artigos no período analisado demonstra um aumento no decorrer dos anos. No ano de 2009, foram publicados 9 artigos, tendo um decréscimo apenas no ano seguinte, 2010, quando foram encontrados 3 artigos no site. A distribuição segue ascendente de 2011 a 2014, quando apareceram na busca as seguintes publicações: 5 artigos em 2011, 12 artigos em 2012, 17 em 2013 e 27 em 2014.

O Gráfico 1, a seguir, mostra a distribuição supramencionada:

Gráfico 1
Distribuição dos artigos publicados de 2009 a 2014

Percebemos que 36% dos artigos foram publicados no último ano, o que demonstra uma tendência no incremento de publicações na área. Essa expansão acompanha a crescente discussão na área da educação sobre as especificidades da educação de surdos, tanto no campo acadêmico como nas políticas educacionais. Pagnez e Sofiato (2014)Pagnez, K. S., & Sofiato, C. G. (2014, junho). O estado da arte de pesquisas sobre a educação de surdos no Brasil de 2007 a 2011. Educar em revista, 52, 229-256. Retirado em 28 de fevereiro de 2015, de <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602014000200014&lng=en&nrm=iso> http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.33394.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
realizaram uma análise das pesquisas desenvolvidas em nível de pós-graduação stricto sensu no Banco de Teses da Capes, tendo como palavras-chave: "educação de surdos" e "Libras", e constataram que foram desenvolvidas, nos anos de 2007 a 2011, 349 pesquisas, sendo 281 trabalhos de mestrado, 46 de doutorado e 22 de mestrado profissionalizante. De fato, esse é um campo em crescente evolução, sendo que a eclosão desta área de pesquisa, nas duas últimas décadas, está altamente marcada por questões políticas e por mudanças na legislação brasileira, principalmente pela promulgação do Decreto 5626 em 2005, que institui o ensino aos surdos na língua de sinais em escolas ou salas próprias, que implementa a disciplina de LIBRAS como obrigatória em todas as grades curriculares dos cursos de licenciaturas, pedagogia e fonoaudiologia, que exige a presença de intérpretes em espaços onde há alunos surdos, que exige a formação de professores de língua de sinais por meio da licenciatura ou graduação em Letras/LIBRAS e de intérpretes por meio do bacharelado também nesta graduação (Campos, 2013, p. 53.Campos, M. de L. I. L. (2013). Educação Inclusiva para surdos e as políticas vigentes. In C. B. F. Lacerda & L. F Santos. Tenho um aluno surdo, e agora? Introdução à LIBRAS e educação de surdos. São Carlos: USFCAR.)

A mudança na legislação decorre, em grande parcela, das lutas dos movimentos surdos. Constituir-se como um ser que se difere da maioria, por se comunicar por uma língua viso-gestual (e não como deficiente), foi a grande ruptura que as resistências surdas produziram.

As resistências surdas possibilitaram que esses sujeitos se desfizessem da couraça do título de doentes e, com isso, se fortaleceu um "novo" grupo social, chamado de "povo surdo" ou "comunidade surda" 1 1 Strobel (2008) explica a diferença entre povo surdo e comunidade surda: "Quando pronunciamos ‘povo surdo', estamos nos referindo aos sujeitos surdos que não habitam o mesmo local, mas que estão ligados por uma origem, por um código ético de formação visual, independente do grau de evolução linguística, tais como a língua de sinais, a cultura surda e quaisquer outros traços". "Entendemos que a comunidade surda de fato não é só de sujeitos surdos, há também ouvintes – membros de família, intérpretes, professores, amigos e outros – que partilham e compartilham os mesmos interesses em comuns em uma determinada localização" (Strobel, 2008, p. 31.) , que entende sua surdez como uma inventividade – produzida, portanto, historicamente e não como deficiência. Tal fato pode ser visualizado pelas pesquisas e pelas publicações aqui selecionadas, que apontam para essa perspectiva.

No caso de artigos na área da saúde ou interface entre educação e saúde, foram selecionados os que compreendiam a surdez como experiência existencial e subjetiva e não como doença: por exemplo aqueles que tratam da qualidade de vida de famílias de surdos, da análise da disciplina de Libras no curso de medicina, dos discursos sobre a surdez, entre outros. Interessante observar que a Fonoaudiologia, tradicionalmente vinculada à clínica de reabilitação e à visão oralista, apareceu quando os descritores "educação de surdos" e "Libras" foram selecionados, o que evidencia, possivelmente, que os movimentos surdos, por respeito à sua língua, tenham mobilizado a área, mesmo que sutilmente. Há que se destacar, porém, que o termo "deficiente auditivo", repudiado pela comunidade surda, apareceu em um artigo da área da fonoaudiologia e também em dois artigos de educação especial. A nomenclatura "surdo-mudo" apareceu em um artigo da área da saúde (otorrinolaringologia).

As revistas que abarcam esses artigos destinam-se a diferentes áreas de conhecimento. As da área da Educação contribuíram com o maior número de publicações: 32 artigos, seguidas das da área da Linguística ou Linguística aplicada, com 18 artigos; da Saúde, com 8; e da Fonoaudiologia, com 6. Uma revista que se encontra na interface da saúde e educação contribuiu com 2 artigos, enquanto uma da área de Psicologia, com 5 artigos e a da Teologia e Biblioteconomia, com 1 artigo cada.

Gráfico 2
Presença do tema nos periódicos das diversas áreas do conhecimento

Os trabalhos revelam uma tendência para compreender a surdez como diferença linguística, numa perspectiva antropológica, tal como defende Skliar (1997)Skliar, C. (1997). Uma perspectiva sócio-histórica sobre a psicologia e a educação dos surdos. In C. Skliar (Org.) , Educação e exclusão: abordagens sócio-antropológicas em Educação Especial. Porto Alegre: Mediação.:

Os surdos formam uma comunidade lingüística minoritária caracterizada por compartilhar uma língua de sinais e valores culturais, hábitos e modo de socialização próprios. A língua de sinais anula a deficiência lingüística conseqüência da surdez e permite que os surdos constituam, então, uma comunidade lingüística minoritária diferente e não um desvio da normalidade (p.141).

Dentro do paradigma que considera que a surdez determina a constituição de uma comunidade linguística minoritária, as pesquisas na área de educação de surdos se debruçam, necessariamente, sobre a compreensão desta língua – a língua de sinais – e sobre o modo como as relações educacionais são mediadas por ela. Por essa razão, é que a escolha de descritores se fez por estes termos: "Educação de surdos", "Libras", "Língua Brasileira de Sinais", "Surdos" e "Surdez". Isso explica, também, o grande número de trabalhos na área da Linguística sobre a temática, ou seja, o estudo sobre educação de surdos – a partir do paradigma antropológico – impulsiona o estudo e as pesquisas sobre a Língua de Sinais, uma vez que se compreende que a educação desses sujeitos deve ocorrer nessa língua.

Se, por séculos, a educação dos surdos teve sua hegemonia no modelo oralista – que preconizava a língua oral como única forma de acesso aos conhecimentos –, os atuais modelos defendem o uso da língua de sinais na formação desses sujeitos.

Essas mudanças se constituem em rupturas com os saberes postos e cristalizados e só foram possíveis devido às lutas dos próprios surdos, como já apontado. Sobre a ocorrência de mudanças na história, Foucault (1979)Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. (R. Machado, org. e trad.). Rio de Janeiro: Graal. questiona:

Como é possível que se tenha em certos momentos e em certas ordens de saber, estas mudanças bruscas, estas precipitações de evolução, estas transformações que não correspondem à imagem tranquila e continuísta que normalmente se faz? Mas o importante em tais mudanças não é se serão rápidas ou de grande amplitude, ou melhor, esta rapidez e esta amplitude são apenas o sinal de outras coisas: uma modificação nas regras de formação dos enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros. Não é, portanto, uma mudança de conteúdo (refutação de erros antigos, nascimento de novas verdades), nem tampouco uma alteração da forma teórica (renovação do paradigma, modificação dos conjuntos sistemáticos).

O que está em questão é o que rege os enunciados e a forma como estes se regem [itálicos no original] entre si para constituir um conjunto de proposições aceitáveis cientificamente e, consequentemente, susceptíveis de serem verificadas ou infirmadas por procedimentos científicos (p. 5).

De fato, o que vivenciamos na atualidade na educação de surdos, não é "uma mudança de conteúdo (refutação de erros antigos, nascimento de novas verdades)", mas "uma modificação nas regras de formação dos enunciados que são aceitos como cientificamente verdadeiros" (Foucault, 1979Foucault, M. (1979). Microfísica do poder. (R. Machado, org. e trad.). Rio de Janeiro: Graal., p. 5.) O discurso da importância da Língua de sinais na educação dos surdos é, na atualidade, o mais aceito cientificamente, embora, na prática, a forma como a língua de sinais é introduzida na educação dos surdos nem sempre possibilite uma educação efetiva nessa língua. Modelos de inclusão, como por exemplo, disponibilização de intérpretes para crianças, as quais ainda desconhecem a Língua de sinais; oferecimento de aulas exclusivamente em português com proposta de Atendimento Educacional Especializado (AEE) no contraturno; ou simplesmente a inserção do aluno surdo em uma sala de ouvintes, sem qualquer modificação didática ou curricular, são as formas mais comuns de educação para esses sujeitos numa simulada "inclusão".

Os temas, sobre os quais versam os artigos, foram classificados em 12 tipos diferentes, sendo o mais frequente o Leitura e Escrita (13 artigos), tanto se referindo ao processo de ensino e aprendizagem do português como segunda língua, como à análise da escrita dos sujeitos surdos. A predominância desse tema está em consonância com a realidade cotidiana da escola, uma vez que "a leitura e a escrita são, certamente, dois dos aspectos que mais preocupam os educadores de surdos" (Pereira, 2009Pereira, M. C. C. (Org.). (2009). Leitura, escrita e surdez. São Paulo: Secretaria de Educação / FDE., p. 12.)

Empatados com sete artigos, estão os temas Educação bilíngue e Cultura e identidade surdas. Neles se evidencia a proposta bilíngue para o alunado surdo, ideia defendida pela comunidade surda e por diversos pesquisadores. Sobre o tema, Guarinello (2007)Guarinello, A. C. (2007). O papel do outro na escrita de sujeitos surdos. São Paulo: Plexus. descreve:

A proposta bilíngue surgiu baseada nas reivindicações dos próprios surdos pelo direito à sua língua e das pesquisas linguísticas sobre as línguas de sinais. Ela é considerada uma abordagem educacional que se propõe a tornar acessível à criança surda duas línguas no contexto escolar. De fato, estudos têm apontado que essa proposta é a mais adequada para o ensino de crianças surdas, tendo em vista que considera a língua de sinais como natural e se baseia no conhecimento dela para o ensino da língua majoritária, preferencialmente na modalidade escrita (pp. 45-46).

Em seguida, aparecem os temas Tecnologias digitais (seis artigos), Práticas de ensino (cinco artigos) e Tradução e interpretação (cinco artigos). "Prática de ensino" agrega artigos que discorrem sobre estratégias pedagógicas e práticas em sala de aula em diferentes disciplinas, como Matemática, Física e Inglês. O tema Inclusão aparece em quatro artigos, assim como o tema Saúde e Qualidade de vida de sujeitos surdos (estes últimos em revistas da área da saúde). Há a ocorrência de artigos sobre o estudo da Libras, tanto no aspecto gramatical (três artigos), quanto na aquisição (três artigos). A questão da família foi abordada em três artigos. Os temas com apenas dois artigos cada foram: Implante coclear e o Ensino de Libras no Ensino Superior. O estado da arte de teses foi o tema de um artigo. A distribuição temática pode ser verificada no Gráfico 3 a seguir:

Gráfico 3
Distribuição dos temas nos artigos

Apenas uma pesquisa se propõe a discutir a questão da escrita de sinais (Silva & Bolsanello, 2014Silva, T. dos S. A. da, & Bolsanello, M. A. (2014). Atribuição de significado à escrita, por crianças surdas usuárias de língua de sinais. Educar em revista n. spe-2, 129-142. Retirado em 28 de fevereiro de 2015, de <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-40602014000600010&lng=en&nrm=iso>. http://dx.doi.org/10.1590/0104-4060.37020.
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), o que pode se configurar numa importante lacuna nos estudos linguísticos e educacionais na área, uma vez que o chamado bilinguismo não é explorado, nesse período, do ponto de vista epistemológico em sua plenitude, o que acaba por pressupor que a língua majoritária ouvinte, na modalidade escrita (no caso do Brasil, da escrita da língua portuguesa), mereça maiores investimentos teórico-metodológicos e pragmáticos. Por outro lado, Wanderley (2012)Wanderley, D. C. (2012). Aspectos da leitura e escrita de sinais: estudos de caso com alunos surdos da educação básica e de universitários surdos e ouvintes. Dissertação de Mestrado, Universidade Federal de Santa Catarina, SC., a partir de um estudo envolvendo adultos (surdos e ouvintes) e crianças surdas no aprendizado da língua de sinais escrita, aponta a importância da primeira língua (L1), nas diversas modalidades, para a apropriação de uma segunda (L2):

É importante e fundamental a representação da escrita própria da primeira língua, ou seja, a escrita de sinais, tendo o apoio de uma cultura própria na qual se possa perceber o profundo sentido da linguagem e vencer com facilidade, e assim ter a possibilidade de aprender outra escrita como segunda língua, que é português. (p.52)

Temas como literatura e cultura surdas, assim como o ensino de Inglês e outras disciplinas (Matemática, Física, Química, Ciências, por exemplo) e questões voltadas à concepção de inclusão/inclusão escolar podem ser inseridos nos campos da educação e da linguística e vão se somando ao "boom" de produções a partir do Decreto, como evidenciam os dados quantitativos aqui apresentados para o período.

Temas mais voltados aos aspectos socioculturais, para além da própria comunidade surda e das questões centralmente linguísticas (mais expressivas em quantidade, no campo dos chamados estudos surdos), surgem também nesse bojo, como o trabalho de Silva (2012)Silva, C. A. de A. (2012). Igreja Católica e surdez: território, associação e representação política. Religião & Sociedade, 32(1), 13-38. Retirado em 28 de fevereiro de 2015, de <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010085872012000100002&lng=en&nrm=iso>. http://dx.doi.org/10.1590/S010085872012000100002.
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, intitulado "Igreja Católica e surdez: território, associação e representação política". Rumo a essa reflexão sobre o povo surdo num espectro social mais amplo, o artigo de Witkoski (2009)Witkoski, S. A. (2009, dezembro). Surdez e preconceito: a norma da fala e o mito da leitura da palavra falada. Revista Brasileira de Educação, 14(42), 565-606. Retirado em 28 de fevereiro de 2015, de <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-24782009000300012&lng=en&nrm=iso>. http://dx.doi.org/10.1590/S1413-24782009000300012.
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traz para discussão o preconceito e a surdez, apontando a norma da fala e o que chamou de "mito da leitura da palavra falada". Considera que ambos legitimam uma série de práticas oralistas, afetando pejorativamente a construção da identidade do ser surdo e seus direitos.

Destacamos nesse período, assim, um número reduzido de estudos mais voltados à dimensão da surdez como um "fenômeno socioantropológico" fora do escopo mais específico da perspectiva bilíngue e da educação de surdos e a importância de análises contrastivas com outros grupos considerados minoritários e/ou excluídos socialmente, por exemplo. Em síntese, a condição do sujeito surdo como cidadão e presente em outras cenas sociais, além da escola (ou na compreensão da cultura escolar como parte de uma cultura mais ampla, influenciando e sendo influenciada por esta), ainda é pouco explorada/destacada nas pesquisas.

Os estudos (06), que utilizam as novas tecnologias, sugerem, por um lado, um salto qualitativo nas possibilidades metodológicas para o ensino de línguas (estrangeira/inglês ou a língua de sinais) e, por outro, a configuração de uma área a ser ainda bastante explorada pelas pesquisas, principalmente no que se refere aos impactos subjetivos dessas novas tecnologias e diferentes linguagens/semioses, no desenvolvimento do povo surdo. As tecnologias parecem ser consideradas mais com um enfoque instrumental, didático e metodológico do que como inerentes à vida nas sociedades contemporâneas e aos desdobramentos dessa característica cultural marcadamente urbana, globalizada e que se configura nos novos regimes escópicos (Lins, 2014.Lins, H. A. de M. (2014, março). Cultura visual e pedagogia da imagem: recuos e avanços nas práticas escolares. Educação em revista, 30(1), 245-246. Retirado em 17 de fevereiro de 2015, de http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-46982014000100010&lng=en&nrm=iso.
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)

Em relação às produções por regiões brasileiras, a maior parte dos artigos se concentra na região sudeste do país, seguida da região sul, e é de autoria de pesquisadores vinculados às instituições públicas federais e estaduais de ensino (63 das 73 encontradas). Os Gráficos 4 e 5 mostram essa realidade.

Gráfico 4
Número de artigos por região
Gráfico 5
Produção de artigos nas universidades federais e estaduais

Há uma tendência expressiva nos chamados estudos surdos que consideram a surdez como uma condição biológica que se desdobra numa questão cultural, particularmente no campo da educação e da linguística/linguística aplicada. As investigações sobre leitura e escrita prevalecem, ainda que nem todos os aspectos do chamado bilinguismo apareçam como tema de interesse acadêmico, como no caso apontado das pesquisas em torno da escrita de sinais. Embora questões de foro mais amplo (filosóficas, sociológicas, artísticas, entre outras) não sejam ainda quantitativamente significativas, esforços nesse sentido serão necessários para que novos temas auxiliem na compreensão do que se pensa saber a respeito dos sujeitos surdos e da relação deles com os ouvintes.

Finalmente, ressaltamos o importante papel das universidades públicas estaduais e federais brasileiras, voltadas aos estudos que articulam ensino, pesquisa e extensão nessa seara, e que, certamente, expressam um acúmulo de saberes científicos bastante caro para uma maior participação e empoderamento do povo surdo em nosso país, a partir de um paradigma distinto do viés clínico-terapêutico que perdurou por muitos anos.

  • 1
    Strobel (2008)Strobell. K. (2008). As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora da UFSC. explica a diferença entre povo surdo e comunidade surda: "Quando pronunciamos ‘povo surdo', estamos nos referindo aos sujeitos surdos que não habitam o mesmo local, mas que estão ligados por uma origem, por um código ético de formação visual, independente do grau de evolução linguística, tais como a língua de sinais, a cultura surda e quaisquer outros traços". "Entendemos que a comunidade surda de fato não é só de sujeitos surdos, há também ouvintes – membros de família, intérpretes, professores, amigos e outros – que partilham e compartilham os mesmos interesses em comuns em uma determinada localização" (Strobel, 2008Strobell. K. (2008). As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora da UFSC., p. 31.)

Referências bibliográficas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    1 Mar 2015
  • Aceito
    22 Jun 2015
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