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Editorial

Este número da Pro-Posições apresenta um dossiê que se dedica à questão da educação dos surdos. Os artigos incluídos problematizam o direito à educação após a promulgação da Lei 10.436/2002 e do Decreto 5.626/2005. Destacam as experiências de educação bilíngue nos diferentes níveis educacionais em países como o Brasil, o Reino Unido, o Uruguai, analisando as possibilidades e as perspectivas de avanços, a partir da crescente mobilização das comunidades surdas.

Além da inserção da disciplina de LIBRAS na grade curricular de cursos de formação de professores (pedagogia, normal em nível médio e superior, licenciaturas, educação especial) e também nos cursos de fonoaudiologia, o referido Decreto propõe que os alunos surdos tenham direito a estudar em escolas ou classes bilíngues, assim definidas em seu capítulo V, artigo 22:

§ 1o São denominadas escolas ou classes de educação bilíngüe aquelas em que a Libras e a modalidade escrita da Língua Portuguesa sejam línguas de instrução utilizadas no desenvolvimento de todo o processo educativo (Brasil, 2005).

No atual dossiê, argumenta-se a favor da educação bilíngue como fundamental nesse contexto, bem como da presença do professor surdo de LIBRAS, preferencialmente como modelo linguístico no processo de aquisição dessa língua pelos alunos, a partir do disposto no Decreto 5.626/2005:

§ 1o Para garantir o atendimento educacional especializado e o acesso previsto no caput , as instituições federais de ensino devem:

[...]

III - prover as escolas com:

  • a) professor de Libras ou instrutor de Libras;

  • b) tradutor e intérprete de Libras - Língua Portuguesa;

  • c) professor para o ensino de Língua Portuguesa como segunda língua para pessoas surdas; e

  • d) professor regente de classe com conhecimento acerca da singularidade lingüística manifestada pelos alunos surdos [destaque nosso]. (Brasil, 2005)

Embora tenham sido conquistados alguns direitos aos/pelos surdos, no que se refere ao atendimento educacional, após a promulgação da Lei 10.436 de 2002 – que, como já destacado, reconhece a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) como língua nacional – e do Decreto 5.626 de 2005, que regulamenta a garantia do direito à educação e à saúde às pessoas surdas, entre outros aspectos também já mencionados, podemos reconhecer, nos artigos aqui apresentados, que as lacunas nesse campo são ainda uma inegável realidade, o que certamente se relaciona aos desafios cotidianos das instituições escolares, dos estudantes surdos e da chamada "inclusão" nesse contexto. Dessa forma, há uma intenção, aqui expressa, de ampliação dos impactos das pesquisas em âmbito social, em se tratando também das políticas públicas e do compromisso indissociável entre a academia e os movimentos sociais, onde o movimento surdo brasileiro está inserido. É nessa interlocução que ouvimos as denúncias fundamentadas sobre o descompasso entre os desafios educacionais cotidianos, a legislação e a requisição das ações concretas e mais efetivas nesse bojo.

Diante desses aspectos, entende-se como fundamental a discussão da temática, especialmente com relação à formação de professores e aos pesquisadores dessa área, posto que alguns saberes importantes compõem o conjunto aqui apresentado, mas não dispensam as tensões e os espaços lacunares para dar corpo aos chamados Estudos Surdos, assim como as vivências concretas e cotidianas dos envolvidos (direta ou indiretamente) nessa questão. Este dossiê, portanto, deseja convidar e lançar os interessados em um debate crítico e aprofundado sobre temas já bastante visitados pela literatura especializada e que estão longe de se esgotar, como poderá ser observado.

Compõem este dossiê três artigos de autores brasileiros, de diferentes instituições de Ensino Superior, e dois artigos de autores internacionais, sendo uma autora do Reino Unido e outro do Uruguai (este último escrito em parceria com uma pesquisadora brasileira).

O artigo de Heloisa Lins e Lilian Nascimento, "Algumas tendências e perspectivas em artigos publicados de 2009 a 2014 sobre surdez e educação de surdos", faz um balanço dos artigos publicados em periódicos científicos arbitrados e vinculados ao Scientific Electronic Library Online (SciElo), no período de 2009 a 2014, informando ao leitor as principais tendências das publicações nessa área, no referido período.

Dois artigos discutem questões referentes à educação dos surdos no Brasil, em seus dois momentos extremos: a Educação Infantil e o Ensino Superior. Sobre a Educação Infantil, o artigo de Vanessa Martins, Neiva Albres e Wilma Sousa, "Contribuições da Educação Infantil e do brincar na aquisição de linguagem por crianças surdas", discute a aquisição de linguagem e a relevância do brincar e reflete sobre a aquisição da língua de sinais nessa faixa etária, por meio da interação dialógica com o outro (surdo).

Sobre o outro nível educacional, "Exame Nacional do Ensino Médio e acesso de estudantes surdos ao Ensino Superior brasileiro", Diléia Ap. Martins e Cristina Broglia Feitosa Lacerda problematizam a questão da acessibilidade dos surdos ao Ensino Superior, a partir da análise das notas dos alunos surdos no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM).

Escrito em parceria pelo pesquisador uruguaio Leonardo Peluso e pela pesquisadora brasileira Ana Cláudia Lodi, o artigo "La experiencia visual de los sordos: consideraciones políticas, lingüísticas y epistemológicas" busca desconstruir a ideia do caráter visual do surdo, banalizado na perspectiva da necessidade de conceber uma pedagogia com recursos visuais. Os autores enfatizam a ideia de que a visualidade não é construída por práticas pedagógicas, mas, sim, é constitutiva dos sujeitos surdos, a partir de sua experiência linguística e discursiva.

Por fim, o artigo de Maria Mertzani, do Reino Unido, "Quão longe fomos com a Linguística Aplicada de Sinais na educação de surdos?", discute os desenvolvimentos atuais da área da Linguística Aplicada de Sinais e sua relação com a educação de surdos em três áreas principais na União Europeia.

Ao aglutinar os textos de diferentes pesquisadores neste dossiê, não pretendemos, como salientado, esgotar as temáticas que carecem de debate na área da educação de surdos. São contribuições que possibilitam ao leitor uma reflexão sobre o tema, sem pretender fechar-se em si mesma.

Que essa leitura possa produzir movimento de pensamento e impulsionar novas atitudes nesse campo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Dec 2015
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