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Editorial

EDITORIAL

O interesse despertado por temas referentes à educação de crianças pequenas tem levado os pesquisadores a tratar de uma grande diversidade de questões, na busca de uma melhor compreensão desse amplo domínio de estudo. Acompanhando essa tendência, esta revista tem abordado, em diferentes seções –dossiês, artigos, leituras e resenhas sobre publicações recentes –, alguns problemas da Educação Infantil, contribuindo, assim, para divulgar resultados de pesquisas e provocar reflexões a respeito dessa importante área.

Não são poucos os desafios a serem enfrentados no que tange ao atendimento de crianças pequenas em nosso país. Com a aprovação da Emenda Constitucional nº 59/2009, que tornou obrigatória a educação dos 4 aos 5 anos, o período de ensino gratuito obrigatório expandiu-se, passando a acolher alunos dos 4 aos 17 anos de idade. Entretanto, o Censo Escolar de 2012, que contabilizou em torno de sete milhões de crianças no ensino infantil, nas redes públicas e privadas, aponta que, apesar do crescimento de matrículas em creches e pré-escolas, apenas 43% de crianças da faixa de 0 a 5 anos estavam integradas, em 2011, à Educação Infantil. O novo PNE 2011-2020 define como primeira meta: "Universalizar, até 2016, o atendimento escolar da população de 4 e 5 anos e ampliar, até 2020, a oferta de educação infantil de forma a atender a 50% da população de até 3 anos."

Já se sabe que o atendimento de crianças de 0 a 5 anos é de fundamental importância, não apenas porque estudos empreendidos em diferentes países evidenciam um melhor aproveitamento escolar das crianças que frequentaram classes de Educação Infantil – tema caro, principalmente, aos que se dedicam ao estudo das políticas educacionais –, mas, antes de tudo, pelos benefícios imediatos, decorrentes do trabalho desenvolvido nessa etapa fundamental da vida. De fato, a participação das crianças em atividades com seus pares, para além do ambiente estritamente doméstico, a convivência mútua e a possibilidade de brincar e de aprender em um ambiente apropriado a seus interesses e necessidades trazem vantagens nítidas para o bem-estar dessas crianças e de suas famílias, desde que tais atividades sejam conduzidas por pessoas preparadas para o trabalho ali realizado.

Nos dias atuais, não se trata, portanto, apenas de defender a necessidade de universalizar a educação das crianças dessa faixa etária, mas também de refletir sobre a qualidade dessa educação, ou seja, sobre as maneiras de conceber o atendimento aos pequenos. Para tanto, muitos problemas, em diferentes níveis e instâncias, devem ser seriamente estudados e debatidos, destacando-se os relacionados às políticas públicas, à formação e à avaliação de profissionais especializados, à organização do tempo e do espaço de creches e de pré-escolas, às formas de envolvimento dos pais e de outros membros da família, às práticas e às atividades educacionais a serem implementadas e às formas de inclusão de crianças com necessidades educacionais especiais.

Neste número, o dossiê "Bebês e crianças bem pequenas em contextos coletivos de educação", organizado pelos colegas Ana Cristina Coll Delgado (FAE – UFPEL) e Altino José Martins Filho (PMF – UFRGS), apresenta textos que permitem um aprofundamento de questões específicas da educação de crianças de 0 a 3 anos. Ao trazer a contribuição de autores de formações e horizontes teóricos distintos – da Sociologia, da Antropologia, da Psicologia –, diferentes olhares se cruzam, de maneira a proporcionar uma apreensão mais adequada desses pequenos e dos que deles se ocupam nos primeiros anos de vida. Pelo próprio título desta coletânea de textos, destaca-se a importância de estudos centrados nos contextos em que essas crianças (con)vivem com os demais, questão fundamental, uma vez que é na interação com outros que elas se formam e se tornam seres humanos, integrantes de uma comunidade histórica, social e culturalmente estabelecida.

Ao nascer, toda criança é recebida por uma coletividade que possui modos específicos de acolher seus novos membros e de tratar das mães, antes, durante e após o nascimento. As imagens do documentário de Thomas Balmes, Os bebês (2010), que apresenta o nascimento e o primeiro ano de vida de bebês em quatro lugares do mundo, de culturas distintas - Japão, Estados Unidos, Mongólia e Namíbia –, apontam para essas especificidades. Nessa mesma linha, um dos textos do dossiê, baseado em estudo antropológico de Pourchez, realizado no arquipélago das Mascarenhas, em meio ao Oceano Índico, é exemplar: expõe as ricas tradições que envolvem os cuidados maternos e o acolhimento do recém-nascido, bem como a alteração desses costumes em função de novos métodos introduzidos pela biomedicina. Além deste, dois outros textos – o de Rayna, que explora o conceito de participação dos envolvidos na educação infantil, e o de Mozère, com a pergunta "Como aceder ao desejo das crianças pequenas e como sustentá-lo?", trazem pesquisas realizadas em creches na França. Outros dois textos de autores brasileiros completam o dossiê: uma pesquisa de Saulo, Rossetti-Ferreira e Amorim, no campo da Rede de Significações, que apresenta um instigante estudo de caso em uma creche, e um ensaio de cunho filosófico, sobre o berçário, de Nörnberg.

A seção "Artigos" traz cinco textos, três deles baseados em pesquisas empíricas e dois ensaios. As pesquisas tratam dos seguintes temas: o ensino-aprendizagem da fotografia no Ensino Médio; uma experiência com cine-debate em escolas de municípios do Rio de Janeiro; um estudo com sujeitos que participam de uma experiência teatral, visando entender/compreender/explorar a relação do corpo nessa experiência. Um ensaio crítico que reflete sobre a atualidade do conceito de semiformação, de Adorno, nas sociedades atuais, impregnadas de acesso a informações velozmente transmitidas e conservadas, é seguido de outro ensaio, no qual se discute a definição da "pedagogia como arte", assinalando um deslocamento desta para uma concepção mais relativa às artes da pedagogia.

Três resenhas sobre livros constituídos por diferentes textos compõem a seção "Leituras e Resenhas". A primeira trata de uma coletânea organizada pelas professoras Ana Lucia Goulart de Faria e Ligia Maria Leão e discute, de maneira crítica, questões muito atuais de nosso país sobre a Educação Infantil e o PNE; a segunda, apresenta uma publicação do México (UNAM), composta de textos de autores de diferentes países da América Latina engajados no estudo de questões de cultura e política; por fim, comenta-se um livro, publicado em língua inglesa, que aborda as reflexões de autores do Canadá, EUA, Austrália, Holanda, Inglaterra e Bélgica sobre o tema da crítica cultural de Nietzsche e sua utilização na teoria educacional.

A seção "Diverso e Prosa" traz um texto inédito, em português, de Pierre Bourdieu, O inconsciente da escola, que, preparado para um colóquio interdisciplinar sobre "Os inconscientes universitários", realizado em Neuchâtel, em 1999, constitui, segundo Graziela Perosa, apresentadora desse artigo, "uma síntese de décadas de pesquisas empíricas sobre o sistema de ensino e sobre os efeitos não apenas sociais e políticos, mas também cognitivos que podem ser atribuídos à instituição escolar". No próximo número, mais um artigo de Bourdieu traduzido pela primeira vez para o português, denominado "Observações provisórias sobre a percepção social do corpo", ocupará esta seção.

Esperamos, mais uma vez, que esse conjunto de textos contribua para o trabalho dos profissionais de diferentes áreas da educação.

LUCI BANKS-LEITE

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2013
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