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Carta CLXIV a um jovem

DIVERSO E PROSA

Carta CLXIV A um jovem

que pedia para se estabelecer em Montmorency (onde Rousseau residia então), a fim de beneficiar-se de seus ensinamentos.

Ignora, meu senhor, que escreve a um pobre homem acabrunhado por seus males e, além disso, muito ocupado, dificilmente em condições de responder-lhe e, menos ainda, de estabelecer com o senhor o convívio que sugere. Muito me honra o senhor ao pensar que eu lhe poderia ser útil, e deve ser louvado pelo motivo que o leva a desejar esse convívio; quanto ao motivo em si, porém, nada, a meu ver, é menos necessário do que vir o senhor estabelecer-se em Montmorency. Não carece vir buscar tão longe os princípios da moral: entre em seu coração e lá os encontrará; e eu nada poderia dizer-lhe a esse respeito que sua consciência não lhe diga melhor quando quiser consultá-la. A virtude, meu senhor, não é ciência que se aprenda com tanto aparato. Para ser virtuoso, basta querer sê-lo; e, se tal é mesmo sua vontade, então, pronto: está resolvida a sua felicidade. Se coubesse a mim lhe dar conselhos, o primeiro que lhe diria seria de não se entregar a esse pendor que o senhor afirma ter pela vida contemplativa, o qual não passa de uma preguiça da alma, condenável em qualquer idade, principalmente na sua. O homem não foi feito para meditar, e sim, para agir: a vida laboriosa que Deus nos impõe não é senão doçura no coração do homem de bem que a ela se entrega a fim de cumprir com seu dever, e não lhe foi dado o vigor da mocidade para que o desperdice em ociosas contemplações. Trabalhe, pois, meu senhor, no ofício em que o colocaram seus pais e a Providência: tal é o primeiro preceito da virtude que deseja seguir; e, caso a estada em Paris, somada à função que vem exercendo, pareça-lhe demasiado difícil de combinar com essa virtude, faça ainda melhor, e volte para a sua província; vá viver no seio de sua família; sirva, cuide de seus virtuosos pais: então, sim, estará verdadeiramente cumprindo os cuidados que a virtude lhe impõe. É mais fácil suportar uma vida árdua na província do que perseguir a fortuna em Paris, sobretudo quando se sabe, como o senhor não ignora, que artimanhas das mais indignas lá produzem mais pilantras desvalidos do que novos-ricos. Não deve o senhor julgar-se infeliz por viver tal como vive o senhor seu pai, e não há destino que o trabalho, a vigilância, a inocência e a autossatisfação não tornem suportável, quando a ele nos submetemos a fim de cumprir com nosso dever. São estes, senhor, conselhos que valem por todos os que poderia obter em Montmorency: talvez não sejam de seu agrado, e receio que não tome a resolução de segui-los; mas disso, tenho certeza, irá se arrepender algum dia. Desejo-lhe um destino que nunca o obrigue a relembrá-los. Rogo-lhe que aceite, senhor, meus mui humildes cumprimentos.

Carta CCCXIII

Ao Sr. de la Poplinière

Montmorency, 8 de junho de 1762.

Não, meu senhor, os livros não corrigem os homens, bem sei; na situação em que estes se encontram, os maus os tornariam piores, se possível fosse, sem que os bons os tornassem melhores. De modo que de modo algum me iludia, ao pegar da pena, quanto à inutilidade de meus escritos; satisfiz, porém, meu coração, ao render tributo à verdade. Ao falar aos homens para o seu bem verdadeiro; ao render glória a Deus; ao arrancar dos prejuízos do vício a autoridade da razão, dei a mim mesmo condições de, ao deixar esta vida, poder prestar contas, ao autor de meu ser, dos talentos que ele entregou aos meus cuidados. Isso era tudo, meu senhor, o que eu podia fazer; nada mais dependia de mim. Concluí, aliás, minha breve tarefa; não tendo mais nada a dizer, calo-me. Feliz se, dentro em pouco, esquecido pelos homens e de volta à obscuridade que me convém, eu ainda conservar, senhor, algum lugar em sua estima e em sua memória.

  • 1  Cartas extraídas de ROUSSEAU, J.J. Oeuvres complètes, Tome XXI. Paris: Chez Dalibon, M DCCC XXVI. p. 10 e p.325.
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    Tradução de Dorothée de Bruchard
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012
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