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Editorial

EDITORIAL

Por que ler os clássicos é um famoso livro do escritor Italo Calvino, traduzido e bastante divulgado há alguns anos no Brasil. Após uma breve introdução, na qual tece comentários sobre o que pode ser considerado um clássico, o autor apresenta, em mais de trinta textos, os "seus" clássicos, entre os quais se encontram livros de nomes ilustres da literatura universal, de diferentes épocas e países. Ali estão comentadas as obras de autores como Homero, Dickens, Conrad, Borges, Pasternak, Balzac, Flaubert, Tolstoi, Pavese, Queneau, entre muitos outros. Em sua tentativa de definir o que é um clássico, ele salienta: "Um clássico é um livro que nunca terminou de dizer aquilo que tinha para dizer" (Calvino, 2009, p. 11)1 1 CALVINO, I. Por que ler os clássicos. Tradução de Nilson Moulin. 1. reimp. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009. e "É clássico aquilo que persiste como rumor mesmo onde predomina a atualidade mais incompatível" (Calvino, 2009, p. 14). Em suma, clássicos são aquelas obras que, depois de muito tempo – anos, décadas e mesmo séculos –, continuam a afetar, fomentar ideias e mobilizar reflexões, ao serem lidas e relidas. Calvino ainda assinala, rapidamente, que a escola deve se responsabilizar pela apresentação de um certo número de clássicos, dentre os quais, cada um poderá "reconhecer os seus clássicos"; lembra ainda que "o 'seu' clássico é aquele que não pode ser-lhe indiferente e que serve para definir a você próprio"(Calvino, 2009, p. 13). Alerta também para a necessidade de ler diretamente os textos originais, sem passar – ao menos em um primeiro momento – por comentários críticos e/ou interpretações; seria uma maneira de buscar o que há de surpreendente em uma obra, mesmo porque "nenhum livro que fala de outro livro diz mais sobre o livro em questão" (Calvino, 2009, p. 12).

O ano de 2012 marca o tricentenário do nascimento de um autor clássico da filosofia da educação – Jean-Jacques Rousseau – e, como editores de uma revista da Faculdade de Educação da Unicamp, não poderíamos deixar de homenageá-lo. Na seção Diverso e Prosa, publicamos duas cartas inéditas em português do pensador genebrino, em tradução primorosa de Dorothée de Bruchard, apresentadas pelo colega Professor Dr. Silvio Donizette Gallo em poucas páginas que constituem uma breve, porém preciosa, aula sobre o autor do Emílio – esse tratado sobre a Educação –, na qual se destacam não apenas alguns fundamentos de Rousseau sobre a educação, mas também o lado humano de um filósofo que escolheu viver de acordo com suas ideias. De fato, a leitura de algumas das inúmeras cartas escritas por Rousseau nos dá a conhecer suas paixões, mas, sobretudo, seu sofrimento em meio a uma vida permeada de perseguições, ameaças de prisão e reiteradas fugas, mesmo porque cada novo livro – particularmente O contrato social e o Emílio – despertava fortes reações do público e das autoridades. Apenas depois de sua morte Rousseau foi reconhecido como um inspirador de ideias e ideais revolucionários e é, desde 1794, homenageado no Panteão francês.

Esse tricentenário é também um bom momento para um questionamento sobre o lugar que Rousseau e outros pensadores de seu porte têm merecido no panorama educacional atual, sobretudo em nosso país. Em um momento marcado pela busca da fruição instantânea e imediata de bens materiais e imateriais que podem ser rapidamente consumidos e descartados, importa perguntar: há espaço para um estudo rigoroso e aprofundado de autores cujas obras constituem os pilares do pensamento ocidental? Tempo suficiente para uma leitura apurada de trabalhos clássicos que não apenas possuem um valor intrínseco, mas com os quais dialogam, de forma muitas vezes implícita, as obras produzidas na contemporaneidade? Perguntas que, aliás, nos levam a outra, mais geral e polêmica, lançada por Baumann: "0 mundo atual é inóspito à educação?" (Baumann, 2011, p.112)2 2 BAUMMAN, Z. 44 cartas do mundo líquido moderno. Tradução de Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011. .

O dossiê "Manuais escolares: múltiplas facetas de um objeto cultural", coordenado por Heloísa Pimenta Rocha, professora da FE-Unicamp e por Miguel Somoza, professor da UNED, de Madri, é constituído por cinco textos representativos dos estudos de pesquisadores – três brasileiros, dois espanhóis e um francês – sobre livros escolares.

À leitura desses textos, nota-se uma preocupação em abordar diversas facetas desse tema, além de questões mais específicas referentes a um determinado país ou cultura. Dessa forma, os textos dizem respeito ao livro como mercadoria (K. Munakata); ao livro como objeto cultural complexo que permite o estudo de representações sociais (B. Morand); ao vínculo entre laço social e leitura de livros escolares (A. G. Batista); à relação entre história das disciplinas e formação de professores (Viñao), temas esses encabeçados pelo texto de Escolano que, em uma perspectiva historiográfica, analisa o livro escolar como gênero textual, enfatizando sua constituição e suas transformações ao longo do tempo. Em meio a discussões de grande atualidade, incluindo a importância de diferentes suportes de material didático neste universo permeado pelas novas tecnologias, subjaz uma ideia central, qual seja, a de que os livros escolares refletem e refratam, em termos bakhtinianos, o meio, a cultura, o momento no qual e para o qual são produzidos.

Cinco artigos de pesquisadores brasileiros contribuem para uma reflexão sobre diversos assuntos: Marina Tarnowski Fasanello e Marcelo Firpo de Souza Porto (UFRJ/Fiocruz), baseados em experiências ocorridas em uma Oficina Escola de Arte na cidade de Nova Friburgo (estado do Rio de Janeiro), envolvendo professores de escolas públicas, apresentam subsídios para pensar a arte de contar histórias como prática que, integrada a outras linguagens artísticas, se mostra relevante para fomentar processos criativos. Pedro Angelo Pagni (UNESP- campus de Marília) trata das relações entre filosofia e educação na obra de Adorno, a partir da análise de textos – conferências e artigos – desse autor, do período entre 1959 e 1969. Thiago Ranniery Moreira de Oliveira e Marlucy Alves Paraíso, pesquisadores da UFMG, em busca de novos caminhos para a pesquisa na área educacional, propõem a cartografia, tal como elaborada por Deleuze-Guattari, como uma fonte a ser explorada; e enfatizam o quanto a criação, a invenção e a problematização se entrelaçam em qualquer pesquisa. Jocimar Daolio, Ana Carolina Capellini Rigoni e Odilon José Roble (Unicamp) buscam as possibilidades de aproximações e de diálogos entre o antropólogo Marcel Mauss e o filósofo Merleau-Ponty, no que tange às questões de corpo e corporeidade, assinalando diferenças e semelhanças nas ideias de ambos. E Maria Angela Borges Salvadori, professora da USP, analisa, através de fontes sonoras e impressas, os efeitos "dos processos de escolarização no Brasil constantes em antigos programas humorísticos de rádio que, geralmente organizados pelo diálogo entre um professor e seus alunos", tiveram grande sucesso de audiência, embora tenham sido muito criticados pelos que consideravam que a radiodifusão deveria ser um instrumento de divulgação da "verdadeira" cultura; tal estudo, concentrado no período 1930-1940, traz afirmações surpreendentes de Mario de Andrade – que defende uma linguagem do rádio marcada por suas especificidades – sobre as diversas formas de linguagem.

Da seção Leituras e Resenhas, constam duas resenhas: a primeira, redigida por Adriana Duarte Leon, versa sobre o segundo volume de Clássicos da Educação brasileira, livro organizado por Juliana Cesário Hamdan e Maria do Carmo Xavier, que apresenta dez textos a respeito de nomes de grande relevância no campo educacional, do período de 1890 a 1980, de forma a enfatizar cada obra em seu contexto de produção. A segunda, de autoria de Anna Paula Rolim de Lima, trata de um livro de Mira Stambak e outros autores – Os bebês entre eles: descobrir, brincar, inventar juntos; traduzido há pouco mais de um ano, constitui uma referência fundamental para os pesquisadores da área de Educação Infantil, particularmente para os que visam ao estudo de crianças muito pequenas em um ambiente propício à interação com seus coetâneos.

Uma densa nota de leitura de Michel Thiollent sobre o livro de Davide Lago, Le théoricien de l'éducation permanente, encerra essa seção. O "teórico" em questão é Henri Desroche (1914- 1994) que, além de bem conhecido sociólogo das religiões, promoveu experiências "em formação de adultos e em educação permanente, apoiadas em métodos de biografia e de pesquisa-ação". A notar que a educação permanente, tal como promovida por Desroche, não deveria limitar-se à transmissão de conteúdos preestabelecidos, mas, sim, vincular-se à reflexão do educando sobre si mesmo e sobre seu entorno. Os estudos de Desroche foram bem divulgados no Brasil e na América Latina, mas, segundo Thiollent, ainda valem ser explorados como fonte de inspiração para os trabalhos sobre desenvolvimento comunitário, promovidos por ONGs ou, mesmo, os de extensão universitária de nossas instituições de ensino superior.

A Faculdade de Educação da Unicamp comemorou seus 40 anos no mês de outubro. Em 1 de novembro, uma singela, mas emocionante cerimônia marcou esse aniversário, ocasião em que muitos acontecimentos relevantes dessas quatro décadas de história institucional foram lembrados pelos ex-diretores da FE, convidados a expressar-se. Entre os professores recém-aposentados que foram homenageados, destacamos a colega Profa. Dra. Ana Lucia Goulart de Faria, leal e produtiva companheira que integrou o Conselho Editorial de nossa revista durante quase duas décadas e que, doravante, irá colaborar no Conselho Científico da Pro-Posições. Lembramos também que, na última reunião da ANPEd, um professor e duas professoras de nossa Faculdade receberam a estatueta Paulo Freire: Dermeval Saviani, Gilberta Januzzi e Ivani Pino. Aos três, nossos sinceros parabéns pela merecida homenagem.

A revista encerra o ano de 2012 em um novo formato, tanto da capa como da parte interna. Após um longo período de estudo, tendo em vista a implementação de um novo projeto gráfico, partilhamos com nossos leitores o resultado desse trabalho, levado a cabo por Daniel Bueno e Carol Grespan.

Luci Banks-Leite

  • 1 CALVINO, I. Por que ler os clássicos Tradução de Nilson Moulin. 1. reimp. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.
  • 2 BAUMMAN, Z. 44 cartas do mundo líquido moderno. Tradução de Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
  • 1
    CALVINO, I.
    Por que ler os clássicos. Tradução de Nilson Moulin. 1. reimp. São Paulo: Companhia de Bolso, 2009.
  • 2
    BAUMMAN, Z.
    44 cartas do mundo líquido moderno. Tradução de Vera Pereira. Rio de Janeiro: Zahar, 2011.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Dez 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2012
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