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Construindo a legitimidade: reflexões sobre as transformações das práticas de militância no movimento sindical

Building legitimacy: reflections on the changes in political militancy practices in the union movement

Resumos

O eixo central deste estudo reside na tentativa de responder a questões sobre as mediações existentes no estabelecimento dos vínculos de engajamento de trabalhadores no movimento sindical, bem como sobre as formas assumidas por processos de legitimação política no interior de distintas esferas do campo sindical brasileiro. Para tanto, parte-se dos casos de dois sindicatos, ambos do Estado de São Paulo: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato de Telecomunicações. Entre as semelhanças existentes entre esses sindicatos, sobressai o fato de que durante a década de 1990 ambos passaram por processos de reestruturação produtiva em seus setores; a concomitante renovação de quadros sindicais - em que se destacam sucessões geracionais; e, por fim, a semelhança de origem social de trabalhadores e sindicalistas entre os setores - em grande parte de migrantes nordestinos com baixa escolaridade e ausência de qualificação profissional. Sobre as diferenças, observa-se que a constituição dos processos de legitimação sindical assume distintas composições, o que resulta em diversas reações aos processos de transformação vivenciados nos dois setores. Ainda que atravessando transformações sociais homólogas, os sindicatos permitem observar dinâmicas próprias na construção de diferentes legitimidades militantes e no destino de sindicalistas.

sindicatos; legitimidade; trajetória social; campo político; telecomunicações; metalurgia


This study is focused on the attempt to answer questions about the mechanisms for the commitment of workers to political union activity, as well as about the way the political legitimacy process occurs in different spheres of the Brazilian trade union field. In order to answer such questions, two unions from the state of São Paulo were studied: the steelworkers' union, from the ABC region, and the telecommunications workers' union. There are some similarities between these unions, especially the fact that during the 90s, both of them went through the processes of economic restructuration and personnel renewal - including generational succession. It is also interesting to mention the similarity concerning the social origin of workers and trade unionists, mostly Northeastern unskilled migrants with low schooling levels. Concerning the differences between the workers, we observe that the constitution of the process of trade union legitimacy takes on distinct compositions, which result in distinct reactions to the changes in the two sectors. Even though they have faced equivalent social changes, each of these unions has its own different dynamics in the building of different militant legitimacies and in future unionists' actions.

trade unions; legitimacy; social route; political field; telecommunications; steel work


DOSSIÊ

EDUCAÇÃO E POLÍTICA: NOVAS CONFIGURAÇÕES NAS PRÁTICAS DE MILITÂNCIA

Construindo a legitimidade: reflexões sobre as transformações das práticas de militância no movimento sindical

Building legitimacy: reflections on the changes in political militancy practices in the union movement

Kimi TomizakiI; Maurício RombaldiII

IProfessora de Sociologia da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FE-USP), São Paulo, Brasil. kimi@usp.br

IIDoutorando do Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP (FFLCH-USP), São Paulo, Brasil. mauricio.rombaldi@gmail.com

RESUMO

O eixo central deste estudo reside na tentativa de responder a questões sobre as mediações existentes no estabelecimento dos vínculos de engajamento de trabalhadores no movimento sindical, bem como sobre as formas assumidas por processos de legitimação política no interior de distintas esferas do campo sindical brasileiro. Para tanto, parte-se dos casos de dois sindicatos, ambos do Estado de São Paulo: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato de Telecomunicações. Entre as semelhanças existentes entre esses sindicatos, sobressai o fato de que durante a década de 1990 ambos passaram por processos de reestruturação produtiva em seus setores; a concomitante renovação de quadros sindicais - em que se destacam sucessões geracionais; e, por fim, a semelhança de origem social de trabalhadores e sindicalistas entre os setores - em grande parte de migrantes nordestinos com baixa escolaridade e ausência de qualificação profissional. Sobre as diferenças, observa-se que a constituição dos processos de legitimação sindical assume distintas composições, o que resulta em diversas reações aos processos de transformação vivenciados nos dois setores. Ainda que atravessando transformações sociais homólogas, os sindicatos permitem observar dinâmicas próprias na construção de diferentes legitimidades militantes e no destino de sindicalistas.

Palavras-chave: sindicatos; legitimidade; trajetória social; campo político; telecomunicações; metalurgia.

ABSTRACT

This study is focused on the attempt to answer questions about the mechanisms for the commitment of workers to political union activity, as well as about the way the political legitimacy process occurs in different spheres of the Brazilian trade union field. In order to answer such questions, two unions from the state of São Paulo were studied: the steelworkers' union, from the ABC region, and the telecommunications workers' union. There are some similarities between these unions, especially the fact that during the 90s, both of them went through the processes of economic restructuration and personnel renewal - including generational succession. It is also interesting to mention the similarity concerning the social origin of workers and trade unionists, mostly Northeastern unskilled migrants with low schooling levels. Concerning the differences between the workers, we observe that the constitution of the process of trade union legitimacy takes on distinct compositions, which result in distinct reactions to the changes in the two sectors. Even though they have faced equivalent social changes, each of these unions has its own different dynamics in the building of different militant legitimacies and in future unionists' actions.

Key words: trade unions; legitimacy; social route; political field; telecommunications; steel work.

Introdução

"Na verdade não se fabrica militantes, né? Militante nasce feito!"

(Diretor de base do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, São Bernardo do Campo, 2002)

"O sindicalismo está no sangue, vem de família."

(Dirigente sindical do Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de São Paulo, 2006)

Talvez fosse justo dizer que este artigo surge da percepção, um tanto quanto incômoda, por parte de seus autores, de que, diferentemente de outras pesquisas que assumem como objeto de estudo as práticas de grupos que militam politicamente, as pesquisas sobre sindicalismo no Brasil parecem desconsiderar em suas análises os processos por meio dos quais os indivíduos se engajam e se mantêm como lideranças no interior do movimento sindical. De forma que este texto foi concebido como um exercício intelectual que pretende analisar os processos - de ordem objetiva e subjetiva - que possibilitam a determinados indivíduos tornarem-se militantes e constituirem uma situação de legitimidade que sustenta sua posição de liderança em dois importantes sindicatos brasileiros.

Nesse sentido, é preciso esclarecer que essa perspectiva de análise não deve ser interpretada como uma posição subjetivista do mundo social que ignoraria o efeito que as estruturas objetivas exercem sobre a formação de esquemas mentais e a ação dos indivíduos. Pelo contrário, a compreensão da organização interna de determinados espaços sociais e das posições ocupadas em seu interior exige o conhecimento teórico e prático sobre os mecanismos sociais e históricos dos quais os indivíduos são produto. (Bourdieu, 1992).

Para materializar essa proposta, partiremos da principal constatação dos estudos sobre o mundo sindical nas últimas décadas: no Brasil e no mundo, observa-se uma crescente tendência de diminuição tanto dos índices de sindicalização como do poder sindical em termos de mobilização e de capacidade de negociação com governos e patronato. Grosso modo, a interpretação de tal fenômeno tem se materializado em duas tendências analíticas no interior da literatura sociológica: de um lado, podemos identificar estudos que vislumbram um processo de decadência irreversível para o sindicalismo (Rodrigues, 1999); de outro, encontram-se inúmeros estudos que tendem a interpretar que o movimento sindical mundial estaria enfrentando os reflexos de uma crise conjuntural. (Ramalho; Santana, 2003; Rodrigues, 2001). De qualquer maneira, é possível observar que, comumente, ambas as correntes tendem a privilegiar em suas análises alguns aspectos da ação sindical: (i) as estratégias empreendidas pelos sindicatos frente ao patronato - do "uso" de greves às práticas de negociação; (ii) o conteúdo das pautas de negociação e dos acordos coletivos; (iii) o aumento ou a diminuição das conquistas em termos salariais ou de garantia de direitos trabalhistas e/ou relacionados a novas características do emprego - como, por exemplo, a flexibilização dos contratos de trabalho.

Neste artigo, pretendemos realizar um deslocamento no foco da análise sobre as transformações observadas no movimento sindical, tendo em vista constituir um quadro analítico capaz de apreender e explicar os processos de formação e reformulação das práticas das lideranças sindicais. Dito de outra forma, as reflexões que se seguirão buscam não assumir os sindicatos como instituições coerentes e homogêneas, cujas ações possam ser assumidas como objetos de análise em si, sem que se leve em conta os atores que as produziram e o espaço social e político no qual eles estão inseridos1 1 . Pode-se observar que, de maneira geral, ainda que os estudos chamados "descritivistas" não assumam filiações teóricas com teorias tais como a da ação racional (ver OLSON, Mancur. A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. São Paulo: Edusp, 1999), a crítica válida para esta perspectiva também acaba voltando-se contra tais estudos: não se pode ignorar o fato de que variáveis de nível contextual ou subjetivo estejam presentes na lógica da ação de grupos sociais. Entre elas, destaca-se: os níveis de coesão grupal, a força ideológica, a conjuntura política, os níveis de insatisfação, etc. . A exemplo do estudo feito por Bernard Pudal sobre o Partido Comunista Francês, entende-se aqui que o sindicato não pode ser pensado como uma coisa, nem coisas sucessivas, mas como "o produto objetivado de uma prática incessantemente em jogo". (Pudal, 1989). Sendo assim, as alterações ocorridas no mundo sindical serão submetidas a uma reflexão que, menos do que descrever e analisar as alterações das estratégias institucionais dos sindicatos, tem como objetivo central restituir a textura e a produção do laço invisível que associa os agentes nessa cooperação concorrencial que é o engajamento político.

O trabalho sindical, como todo trabalho ligado ao campo político, constitui uma ação instável que requer um aprendizado do conjunto de regras de funcionamento desse campo específico. Pode-se dizer que o acúmulo de aprendizagens específicas conjugadas a certas características pessoais dos sindicalistas constitui uma espécie de capital militante e político2 2 . Em que pese o fato de que o debate em torno desses dois conceitos ainda está em andamento, neste trabalho, consideraremos como capital militante o conjunto de técnicas e saberes que orientam a ação no espaço político e são resultado de uma aprendizagem ocorrida na própria experiência de militância política. O capital político, por sua vez, refere-se a uma forma de capital simbólico, de caráter mais pessoal, fundado na notoriedade e na popularidade, que é, em geral, como o capital cultural, herdado ou concedido a um indivíduo por um determinado grupo, seja a família ou outro grupo social e político, tal como um partido ou sindicato. (Cf: MATONI, F.; POUPEAU, F. Le capital militant. Essai de définition. In: Actes de la Recherche - Le capital militant: engagements improbables, apprentissages et techiniques de lute. n.155, dezembro, 2004 e BOURDIEU, P. A representação política. Elementos para uma teoria do campo político. In: BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.) , que permite ao seu detentor ocupar um espaço legítimo no interior da entidade da qual participa. (Canedo, 1991, 1998, 2002; Offerlé, 1999). Mas é preciso sublinhar que os "conteúdos" que compõem essa posição de legitimidade podem ser alterados por transformações mais amplas que atingem os espaços políticos - tais como as mudanças na ordem econômica mundial ou nacional -, o que exige novas aprendizagens dos seus participantes. Em outras palavras, a instabilidade do campo político, sobretudo em momentos de profundas alterações sociais, econômicas e políticas, como a última década para o sindicalismo brasileiro, pode conduzir a uma situação em que os sindicalistas perdem o domínio sobre as condições de funcionamento do próprio campo sindical. Tal situação apresentaria novos desafios àqueles que se dedicam a esse trabalho, "empurrando-os" a redefinir suas formas de ação para continuar a ocupar a mesma posição. (Cf: Wagner, 2004, 2005).

Nesse sentido, conduziremos nossas reflexões a partir de uma questão-chave no interior do espaço político: a constituição da legitimidade. Nossa hipótese é a de que a construção de uma situação de legitimidade que faz com que um sindicalista se reconheça e seja reconhecido como um autêntico representante da sua categoria se sustenta sobre duas lógicas singulares, mas co-dependentes: (i) os atributos pessoais - o que inclui sua origem e sua trajetória social; e (ii) as práticas e os discursos que eles são capazes de formular e reformular ao longo de sua carreira. Tendo em vista articular essas duas lógicas com os processos de engajamento político e constituição da situação de liderança, daremos ênfase a algumas fases específicas da trajetória dos sindicalistas, quais sejam; o recrutamento para o movimento sindical; o aprendizado das práticas e dos discursos; e, finalmente, as situações de estabelecimento ou de exclusão no jogo político.

Isso será realizado por meio da análise das configurações históricas da prática militante no interior de dois sindicatos brasileiros: o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC) e o Sindicato dos Trabalhadores em Telecomunicações de São Paulo (Sintetel)3 3 . Os dados apresentados neste artigo correspondem à confluência de resultados originados em dois estudos desenvolvidos pelos autores: TOMIZAKI, Kimi. Ser metalúrgico no ABC - transmissão e herança da cultura operária entre duas gerações de trabalhadores. Campinas: Centro de Memória da Unicamp/Arte Escrita Editora; Fapesp, 2007; ROMBALDI, Maurício. Os sindicalistas nas entrelinhas: o caso do Sintetel pós-privatizações. 2007. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo. . A escolha dos sindicatos não é arbitrária: por um lado, ela se deve ao fato de que ambos vivenciaram processos de transformação na organização dos seus setores em períodos quase concomitantes; por outro, a reestruturação das empresas dos dois setores implicou a renovação dos perfis tanto de trabalhadores quanto de sindicalistas. Acreditamos que esse esforço analítico nos permite lançar luz sobre pontos de contatos exógenos na constituição de práticas militantes, bem como aqueles endógenos, particulares da organização da lógica interna às duas categorias profissionais em questão.

Um sindicalismo do ABC Paulista

A trajetória do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC)4 4 . A primeira formação do Sindicato dos Metalúrgicos da região conhecida como ABC Paulista data de 1933. No período da instalação da indústria automobilística, a entidade desmembrou-se e, em 1959, foram fundados o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e o de Diadema, que atuaram juntamente com o originário Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Em 1993 as entidades foram reunificadas por meio da criação do atual Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC). é amplamente conhecida pela sociedade brasileira e está definitivamente associada a imagens que remetem ao período das grandes greves dessa categoria, à emergência de Lula como liderança e à formação do PT (Partido dos Trabalhadores) e da CUT (Central Única dos Trabalhadores). No que tange à condução e à organização do movimento operário, esse sindicato formulou, a partir da onda grevista do final da década de 1970, um modelo de sindicalismo que propunha práticas mais "combativas" ou "radicais", que ficou conhecido como novo sindicalismo. Apesar de alguns autores apontarem os limites desse modelo de sindicalismo, há certa concordância de que tal padrão de ação em muito contribuiu para a renovação da organização dos trabalhadores no Brasil, criando práticas mais eficazes e em consonância com os interesses de seus representados. Os pilares fundamentais do novo sindicalismo eram: a crítica radical aos mecanismos de atrelamento do Sindicato ao Estado; a defesa do direito de greve e da negociação direta entre patrões e empregados, sem ingerência do Estado; a luta pela liberdade e pela autonomia sindical e a organização dos trabalhadores nos locais de trabalho. (Boito, 1992; Santana, 1999).

As duas décadas que separam o início das grandes greves dos anos 1990 foram marcadas pela ascensão política do SMABC, de forma que o novo sindicalismo se tornou, por meio da CUT, o projeto sindical hegemônico na década de 1980 entre os principais sindicatos brasileiros. Entretanto, a última década do século XX impôs um conjunto de desafios supreendentes aos velhos sindicalistas do novo sindicalismo, materializado por uma crise - cujo maior sintoma era o fechamento de postos de trabalho - que se abateu sobre o ABC Paulista e que apontava para a possibilidade de transformá-lo na Detroit Brasileira5 5 . É importante destacar que a tão mediatizada "crise do ABC" esteve estreitamente associada à forma como o país se inseriu no processo de globalização econômica mundial, já que a abertura econômica e a queda das tarifas alfandegárias tiveram um forte impacto sobre o setor metalúrgico. Por outro lado, a crise da região esteve também vinculada aos custos crescentes de produção gerados pelas chamadas "deseconomias" de aglomeração na região do ABC, geralmente identificadas com o trânsito caótico, as enchentes na época das chuvas, os impostos locais considerados excessivamente altos, as restrições de infra-estrutura, os preços dos terrenos e a regulamentação fundiária, os altos salários pagos aos trabalhadores e a tradição sindical. Entretanto, apesar do sombrio quadro que se formou a partir do final da década de 1980, a década de 1990 assistiu à reação da indústria metalúrgica do ABC que, no ano de 1994, bateu recordes de produção, de produtividade e de vendas, o que afastou o espectro do processo de desindustrialização da região do ABC, mas não eliminou o problema da redução dos postos de trabalho. . Em face dessa nova conjuntura regional e nacional, o SMABC mais uma vez se destacou pela inovação de sua pauta, práticas e estratégias, promovendo experiências inéditas de negociação coletiva e pactação setorial (Rodrigues, 2001; Arbix, 1996).

Como veremos a seguir, essa nova conjuntura econômica e política, na medida em que alterou profundamente a pauta e atuação desse sindicato exigiu também grandes deslocamentos nos discursos e nas práticas dos sindicalistas. Poderíamos dizer que essas mudanças estiveram orientadas por uma "nova avaliação" dos atributos pessoais e das capacidades estratégicas tidas como desejáveis - ou mesmo aceitáveis - entre as lideranças sindicais.

A vocação para a militância

Na verdade não se fabrica militantes, né? Militante nasce feito! É muito difícil você fazer um militante. Você prepara um militante, você instrui um militante. [...] O dirigente sindical ele não se faz porque ele chega e diz: 'Eu sou!' Ele tem que ter ação que combine com o momento, ele tem que se fazer e conhecer, ele tem que se fazer respeitar, mas não pela imposição, pela sua humildade, né? Então é uma coisa que, de uma certa maneira, é difícil de se ensinar. Não se ensina, tem que ter, a pessoa tem que ter o dom, não é? (Entrevista de pesquisa, São Bernardo do Campo, 2002)

Antônio6 6 . Para preservar o anonimato dos depoentes, seus nomes foram trocados. , autor do trecho acima, é o autêntico representante de uma geração de militantes que foi "forjada na prática", no cotidiano dos conflitos da fábrica e cuja principal tática de luta era "a confrontação aberta e declarada contra o patrão". Embora essa mesma geração tivesse vivido uma importante experiência de formação política via Departamento de Formação do SMABC - de acordo com Antônio, ainda no período em que foi entrevistado -, o que orientava suas ações era a experiência adquirida ao longo da trajetória como sindicalista (Antônio aposentou-se em 2007).

Esse sindicalista chegou a São Paulo em fevereiro de 1967, com 18 anos, vindo de Panelas (PE), onde nasceu e trabalhou na agricultura a partir dos oito anos de idade, bem como seus pais e avós. Embora a família de onze filhos fosse proprietária de um roçado, a seca limitava enormemente as possibilidades da agricultura de subsistência, o que os obrigava a se empregar no trabalho oferecido pelas usinas de cana-de-açúcar. A experiência migratória desse sindicalista pode ser considerada como das mais difíceis, visto que ele chegou ao Estado de São Paulo quase sem nenhuma rede de apoio: foi o primeiro da família a fazer a migração, não possuía nenhuma qualificação profissional para o trabalho industrial e nem credenciais escolares - os três anos de freqüência à escola em Pernambuco não garantiram sequer sua alfabetização. Assim que chegou a São Paulo, Antônio primeiramente conseguiu empregar-se, em seguida procurou uma escola na qual cursou o supletivo do curso primário, finalizando o antigo ginásio em uma escola estadual, ambas no horário noturno.

Antônio "profissionalizou-se" como mecânico de motores na prática, não tendo cursado, portanto, nenhum tipo de escola profissional. Inicialmente, trabalhou em pequenas oficinas mecânicas até ser admitido na Mercedes-Benz, em 1974. Alguns anos mais tarde, Antônio entrou em contato pela primeira vez com o Sindicato dos Metalúrgicos, encontro que, de acordo com seu depoimento, alterou radicalmente sua trajetória como trabalhador.

Quando eu trabalhava em Pernambuco, nas usinas de cana, eu na verdade tinha vontade de encontrar alguém que lutasse pelos trabalhadores. E eu, chegando aqui, eu tava na Mercedes, [...] eu já tinha uns três anos de Mercedes. Em 77, aproximadamente, apareceu o Sindicato aqui na porta de baixo e deixou um jornal e trazia uma reivindicação, que era dos 34%. Quando eu vi o Lula chegar, eu falei: Puta! Esse cara caiu do céu, é o cara que defende os trabalhadores! [...]. E eu tinha vindo de um momento de exploração, é por isso que eu me emociono. [...] E quando você chega aqui e vê uma pessoa surgir na porta da fábrica dizendo que esse cara tá te explorando [o patrão], você precisa receber isso, você vai prestar atenção, foi o que aconteceu comigo! [...] Eu acho que eu tenho que agradecer até de estar vivo. Se não fosse o movimento sindical talvez eu não fosse nem vivo! Porque com o estresse, o medo de passar fome, o medo de perder o emprego... Você supera isso! Quando você adquire consciência política, você perde o medo!

Por conta da campanha salarial de 1977, que teve grande importância na eclosão das greves do ano seguinte, Antônio pôde conhecer e aproximar-se dos delegados sindicais de base da Mercedes-Benz, cujo trabalho político era bastante limitado pelas práticas generalizadas de repressão ao movimento operário, existentes no período. A partir desse momento, ele passou a compor o grupo de militantes que se propunha a dar continuidade à luta dos trabalhadores no interior da fábrica, após o período das grandes greves (1979-1981). A principal reivindicação desse grupo era que a empresa reconhecesse a Comissão de Fábrica como instância legítima de representação dos interesses dos trabalhadores, nas palavras dos sindicalistas: "um braço do sindicato dentro da fábrica".

Aqui a gente começou organizando uma militância e eu tava junto com essa militância. [...] E a gente começou a fazer algumas reuniões dentro da empresa, pra tentar forçar a Mercedes a ter uma Comissão de Fábrica. [...] Um dia nós paramos... Nós paramos e fomos até a sala do Luiz Adelar Schouer, que era o diretor dessa fábrica. [...]. Ele disse na época que nós se auto-intitulava representando os trabalhadores e que a gente não era representante e que ele ia mandar todo mundo embora! Aquilo provocou um medo... [...] Nós fomos pro trabalho, criamos uma reivindicação, instrumentamos uma insatisfação dos trabalhadores e paramos a fábrica! Reivindicando salário, uma série de coisa, a parte salarial e Comissão de Fábrica. O Sindicato veio pra medida de negociação e forçou, de certa maneira, a empresa a assumir um compromisso que não demitia nenhum militante, enquanto não tivesse a Comissão de Fábrica. De uma certa maneira nós ficamos protegidos por aquele compromisso e fomos pra mesa negociar a Comissão de Fábrica.

Como dito anteriormente, o novo sindicalismo tinha a organização dos trabalhadores nos locais de trabalho como um dos seus princípios. Nesse sentido, a luta pela instalação das Comissões de Fábrica por empresa tornou-se uma das principais bandeiras desse movimento. Entretanto, entre aqueles que começaram a trabalhar na organização política dos trabalhadores da montadora após as greves, encontrava-se uma maioria de lideranças sem cargos eletivos e que, portanto, vivenciava uma situação de grande vulnerabilidade diante das ações da empresa, que poderia demiti-los a qualquer momento, o que ocorreu em diferentes episódios ao longo dos anos 1980.

Nesse sentido, poderíamos dizer que essa primeira geração de lideranças enfrentou uma situação bastante desfavorável, visto que seus membros, além de não possuírem experiências anteriores de militância política, ainda estavam confrontados com uma atitude hostil por parte da empresa. Apesar da falta de experiência, ou mesmo por conseqüência dela, esses militantes, não experimentados nas práticas sindicais ou partidárias, criaram, de acordo com suas necessidades concretas, uma maneira de fazer sindicalismo no interior da fábrica.

Diante de todas essas dificuldades, essa primeira geração de sindicalistas formou-se diante de um duplo desafio: estabelecer sua legitimidade política com os trabalhadores e também diante da empresa. Assim, de um lado, ao longo dos anos 1980, os sindicalistas foram chamados a resolver, de maneira rápida e diante de chefes e gerentes que relutavam em reconhecer a legitimidade dos membros da Comissão de Fábrica, um amplo leque de problemas, que iam das negociações salariais aos problemas do cotidiano fabril. Por outro lado, também precisavam se estabelecer como lideranças diante de trabalhadores cuja expectativa em relação às possibilidades do movimento operário era muito alta nos posteriores ao movimento grevista. Assim, a situação demandava, na maioria das vezes, uma postura combativa e agressiva por parte dos sindicalistas; enfim, uma postura que pudesse, ao mesmo tempo, impor sua existência diante da empresa e criar uma identificação com a base representada.

Nesse momento, é importante atentar para o fato de que o recrutamento dessa primeira geração constituiu-se de uma maneira bastante desorganizada, à medida que os militantes interessados em organizar a luta dos trabalhadores da Mercedes foram se apresentando individualmente ao grupo de delegados sindicais. Entretanto, o que poderia constituir uma fragilidade do processo de recrutamento é interpretado pelos sindicalistas entrevistados como uma espécie de garantia de que os trabalhadores que se aproximavam deles eram "verdadeiros militantes", dispostos, inclusive, a correr os riscos associados a essa tomada de posição, tal como a perseguição política empreendida pela empresa. Assim, dado que, no período em questão, as desvantagens de ser sindicalistas superavam os possíveis ganhos, aqueles que se apresentavam para militar eram tidos como confiáveis e, mais do que isso, denotavam vocação para a política. Nas palavras dos depoentes, esses trabalhadores possuiriam a "veia política", que não poderia ser criada nem ensinada, mas encontrada em determinados indivíduos que já nasceriam com ela e, diante da sua força, seriam incapazes de resistir ao chamado do engajamento político.

Grosso modo, poderíamos dizer que a situação de legitimidade da primeira geração está relacionada ao enfrentamento de riscos, à postura de confrontação e à capacidade de intermediar o descontentamento dos trabalhadores. Entretanto, os anos 1990 podem ser entendidos como um período de transformação profunda das condições de possibilidade de se construir a legitimidade no interior do movimento sindical do ABC. A chamada reestruturação produtiva impôs aos sindicalistas problemas e dificuldades totalmente novas, que exigiram também respostas inovadoras, muitas vezes radicalmente diferentes daquelas que caracterizavam a ação do novo sindicalismo. No caso da Mercedes, o projeto de modernização apresentado pela montadora, em 1992, impulsionou a entrada da Comissão de Fábrica em uma nova fase, cujo foco principal passou a ser o processo de negociação das transformações da organização do trabalho, com vistas à minimização dos seus efeitos negativos.

Essa nova fase levou o SMABC a redefinir seus investimentos na formação de quadros, dando grande destaque a cursos e intercâmbios internacionais, tendo em vista preparar as lideranças para essa nova forma de atuação política. Evidentemente, essa transformação na prática da Comissão de Fábrica da Mercedes também exigiu novos conhecimentos e atributos dos sindicalistas, fazendo com que a correlação de forças no interior do próprio grupo se alterasse. O resultado foi uma situação na qual os sindicalistas mais jovens, que contavam com maior capital escolar, assumiram pouco a pouco uma posição de destaque. Poderíamos dizer que o capital escolar foi convertido em um novo tipo de capital militante, não mais baseado na força física, no carisma ou na capacidade de confrontação, mas na capacidade de argumentação, leitura e resolução de cálculos matemáticos; na boa articulação em reuniões com a empresa; na elaboração de propostas, etc. De acordo com as entrevistas e as observações, podemos afirmar que alguns antigos sindicalistas, desprovidos desse capital escolar, não conseguiram manter as posições que ocupavam no interior da Comissão de Fábrica no período anterior, enquanto outros procuraram redefinir suas ações e estratégias para adequar-se à nova configuração do campo sindical, como Antônio.

Eu acho que, de uma certa maneira, nós também abandonamos um pouco o radicalismo, né?[...] Nós não podemos impedir a empresa de se modernizar. E nós não podemos negar que a conjuntura mundial leva o Sindicato a tentar se enquadrar, a modernizar também. Eu estive na Alemanha, a Mercedes levou a gente pra Alemanha pra ver o trabalho em grupo. [...] E você só passa a ser respeitado na fábrica também, quando você também respeita. Então, se tudo que acontece na fábrica, você vai parando [paralisando a produção] é porque você não tem diálogo com a empresa, se a empresa abre canais você não vai parar tudo [...]. Só que você só faz isso quando você tem o poder de domínio da situação, quando você não tem, quando você é humilhado, você radicaliza, não é?

Além das transformações ocorridas nas práticas cotidianas dos sindicalistas, Antonio acredita que a própria condição de sindicalista se alterou nos últimos anos. De acordo com seu depoimento, a participação político-sindical de uma situação de alto risco passou a uma situação que pode garantir desde estabilidade no emprego até uma série de vantagens, tais como afastamento do trabalho da fábrica, possibilidade de viajar e participar de diversos cursos oferecidos pelo sindicato, inclusive de línguas estrangeiras. Essas transformações nas condições do trabalho de representação impõem, em certo sentido, uma barreira na relação entre as diferentes gerações, visto que essas acabam por estabelecer uma relação de desconfiança entre os antigos e os novos militantes. De acordo com o depoimento de Antônio, a dúvida que o incomodava era se o novo militante, quando se apresentava como candidato a cargos representativos, estava, de fato, interessado no trabalho sindical ou, sobretudo, nas vantagens que esse engajamento poderia oferecer-lhe.

Nesse cenário, poderíamos dizer que os velhos sindicalistas - desprovidos do capital militante atualmente valorizado e que poderia garantir-lhes uma situação de legitimidade - acusam aqueles que começam a despontar como lideranças de não possuir a "verdadeira vocação política", tentando, assim, maximizar o valor das que caracterizaram "o seu tempo". A mesma tendência poderá ser observada no caso do Sintetel, que poderá ajudar-nos a avançar mais nas reflexões propostas por esse artigo.

Um sindicalismo sob a privatização das telecomunicações

Olha, tem uma coisa que eu aprendi no meio sindical. Tem um determinado momento em que eu tenho dificuldade em ponderar, sabe?! Não sei se isso é bom ou ruim, mas eu sou um pavio curto, quando o bicho pega, eu perco a razão. Eu aprendi um tipo de luta que não se aplicava para este momento. (Osvaldo, 2006).

As palavras de Osvaldo, presidente do Sintetel nos dez anos subseqüentes a 1987, exprimem o desajuste sentido entre as práticas por ele adotadas na época em que ainda militava como sindicalista e o padrão de ação sindical que se desenvolveu a partir da privatização das telecomunicações, no final dos anos 1990. A reflexão sobre a militância da época, recorrentemente conjugada em primeira pessoa, demonstra não apenas o caráter personalista de sua fala, mas também indica o caráter exemplar e prescritivo do discurso de um sindicalista que se auto-avalia vitorioso. Refere-se a um dever ser na condução da militância sindical e, ao mesmo tempo, deixa transparecer certa ambigüidade, que reside na oscilação entre o sentimento de orgulho e o de frustração por não mais poder conceber a sua forma de agir como ideal diante da nova conjuntura apresentada pelas transformações decorrentes da privatização das telecomunicações: em outras palavras, a valorização de sua trajetória é acompanhada da resignação diante da percepção de que o seu tempo no sindicato terminou.

A trajetória deste sindicalista é elucidativa no que corresponde à íntima relação entre as transformações das estruturas sociais - e entre elas a econômica - e as transformações das práticas sociais. Como fio condutor que possibilita a visualização do ponto de partida, do processo e do fim de uma carreira militante, o percurso social deste militante permite apreender como determinantes fatores tais como a origem social, a composição do mundo do trabalho e as formas de sociabilização que influenciam na emergência e no destino de práticas militantes. Assim, neste trabalho, assumimos o desafio de analisar a articulação entre a trajetória de Osvaldo e o processo de constituição de suas práticas sindicais por meio de diferentes elementos, sendo eles: (i) a trajetória do sindicato de telecomunicações de São Paulo; (ii) o tipo de relações sociais existentes no trabalho no setor de telecomunicações; (iii) os lugares sociais ocupados pelos trabalhadores/sindicalistas desse setor.

O Sintetel é originário da então chamada Associação Profissional dos Trabalhadores em Empresas Telefônicas do Estado de São Paulo, transformada em sindicato em 1941. Desde a fundação do sindicato, até o início da abertura democrática na década de 1980, sob os regimes repressivos de Getúlio Vargas e dos militares, a entidade caracterizou-se, sobretudo, por um sindicalismo de tipo assistencialista. Segundo Rubens Biasi, presidente do sindicato entre os anos de 1969 e 1981, as ações do sindicato eram marcadas, principalmente, por realizações na área social, tais como a aquisição de terrenos para a construção de colônia de férias.

Em certa medida, pode-se dizer que as práticas sindicais nas telecomunicações, até meados da década de 1980, caracterizavam-se, essencialmente, por funções administrativas e burocráticas e pelo pouco enfrentamento frente à gerência da Telesp quanto aos temas de remuneração e de outros direitos sociais. Entretanto, em função das transformações conjunturais que se espalhavam pelo país, sobretudo com o movimento pela abertura democrática e o fim da repressão política - o que incluía as manifestações pelo fim da intervenção nos sindicatos -, estes passaram a vivenciar as possibilidades de exercer um sindicalismo de tipo reivindicatório. Segundo o jornal do Sintetel, Linha Direta, de 1992, foi o tempo em que teve início um movimento de mobilização grevista por reposições salariais, durante o qual o sindicato aumentou as visitas aos locais de trabalho e incrementou cursos de formação sindical, bem como foi possível observar o ingresso de novos dirigentes em substituição aos antigos, originários do período militar.

Essa foi a época de aproximação de Osvaldo com o sindicato. Nesse momento, desenvolveu-se um primeiro movimento de renovação dos quadros do sindicato a partir da unificação das chapas concorrentes a sua diretoria, agregando dirigentes provenientes de correntes políticas opostas, tais como dirigentes filiados à então recente Central Única dos Trabalhadores, fundada por sindicalistas identificados com o Partido dos Trabalhadores e dirigentes simpáticos ao MR-8, PC do B e PCB. Dois anos mais tarde, o sindicato afiliar-se-ia à recém-criada Central Geral dos Trabalhadores.

No final dos anos 1990, no último mandato desse sindicalista na presidência da entidade, os ares no sindicato transformaram-se: a privatização ocorrida em 1998 era pedra angular de tal mudança. A reestruturação do setor foi impulsionada pelo surgimento de novas tecnologias, que tornaram os sistemas de transmissão mais baratos, despertando o interesse de possíveis competidores em um mercado em que se destacava a existência de uma demanda não atendida pelos serviços de telecomunicações (Larangeira, 1998). Um resultado direto de tal processo, para além das transformações na organização do setor, foi a significativa alteração no perfil dos trabalhadores7 7 . Dados obtidos por meio da RAIS-CAGED permitem afirmar que, sobre o total de ocupações no setor de telecomunicações brasileiro, o número de trabalhadores com mais de 40 anos reduzse de 42%, em 1998, para 24% no ano de 2002, ao mesmo tempo que os trabalhadores com idade entre 18 e 24 anos duplica de 13% para 26%, no mesmo período. Observa-se também que a remuneração do trabalhador em telecomunicações decai, já que, em 1998, após a privatização, diminui significativamente o número de trabalhadores com remuneração superior a 15 salários mínimos: de 30% em 1998, observa-se esse número decair para 20% em 2002; ainda, nota-se a concentração de trabalhadores com remuneração inferior a 2 salários-mínimos, dado que a porcentagem de trabalhadores com tal remuneração passa de 5% em 1998 para 19% em 2002. , agora geograficamente dispersos devido à fragmentação das empresas estatais. Em um período em que tanto o perfil dos trabalhadores representados como as empresas com quem negociavam haviam se modificado, para o sindicato, surge a questão: a forma de fazer sindicalismo também deveria transformar-se? Uma pista para essa resposta foi o encerramento de carreiras de uma geração de sindicalistas da qual Osvaldo fazia parte.

Para essa geração, que ingressou na Telesp e no Sintetel durante o período que antecedeu o processo de privatizações, a conquista da vaga na estatal de telecomunicações paulista tinha um sentido ainda maior do que a mera condição de subsistir fora de sua terra natal. O trabalho na empresa significou a importância do estabelecimento bem sucedido em terras desconhecidas, a constituição de elos de sociabilidade e de laços de identidade entre trabalhadores e, mesmo que de forma ambígua, entre eles e a empresa. Além disso, a entrada na Telesp era recoberta por uma distinção social materializada em prestígio, fato recorrentemente expresso nos depoimentos coletados entre sindicalistas, em que se dizia que "ao entrar na Telesp, você engordava, casava, ou comprava um carro" ou que "ao entrar em uma loja com vendas a crédito, bastava mostrar o crachá de funcionário que sequer necessitava preencher um cadastro de cliente, dada a confiança que se tinha em quem trabalhava na estatal".

O perfil dos trabalhadores que se tornaram dirigentes do Sintetel até a primeira metade da década de 1990 era semelhante: em grande parte migrantes de primeira geração, filhos de pais com pouca escolarização; além disso, esses trabalhadores tinham sua formação profissional resumida basicamente aos cursos promovidos pela própria Telesp.

Com isso, a estatal fornecia não apenas emprego, mas também a formação escolar necessária para o desempenho das atividades na empresa. Até meados da década de 1990, a Telesp estabelecia convênios com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai) para a especialização de trabalhadores como Osvaldo. Desde o final dos anos 1960, a empresa contava com centros de treinamento em prédios com professores e equipamentos para a formação dos recém-contratados8 8 . Na década de 1980, na Telesp, à exceção das funções estratégicas que eram ocupadas por trabalhadores com formação universitária, a formação em nível superior ainda não se constituía como pré-requisito para a contratação de novos trabalhadores. . Para estes, tal aperfeiçoamento técnico obtinha contornos de uma formação adquirida por meio do trabalho cotidiano, o que fazia com que os conhecimentos adquiridos na prática ganhassem grande importância: a formação escolar constituía-se nas atividades dentro da empresa, e não fora dela.

Osvaldo, ex-presidente do Sintetel, pode ser considerado um caso exemplar da sua geração. Nascido em 1947, ingressou na Telesp em 1966 e sabe na ponta da língua o tempo dedicado ao trabalho nas telecomunicações: 33 anos no setor, 18 na Telesp e 15 no sindicato. Filho de pais apenas alfabetizados, migrante vindo do interior de São Paulo para a capital, trabalhou como técnico de rede e, com o passar do tempo, galgou o cargo de supervisor de projetos, após realizar os cursos de formação promovidos pela empresa. Enquanto desempenhava funções de empregado da Telesp, cursou a faculdade de direito entre os anos 1979 e 1984, tendo concluído a graduação em direito pouco tempo antes de ingressar na diretoria do sindicato. Em suas palavras: "na diretoria do sindicato é mais difícil de seguir uma carreira acadêmica, pois, ali, não temos tempo para mais nada".

Osvaldo está longe daquele gélido perfil que se espera de um técnico: usa uma barba espessa com o mesmo tamanho dos tempos em que era presidente do sindicato, agora, entretanto, com a preponderância da cor branca. Formou-se em direito com ênfase no entendimento sobre a legislação trabalhista; entretanto, faz questão de dizer que nunca exerceu a profissão de advogado. Para ele, a formação universitária foi muito importante na sua trajetória no sindicato, porém, o conhecimento adquirido na universidade serve menos como instrumento para um tipo de militância identificada com aqueles conhecimentos técnicos que permitiriam "propor alternativas" e mais para uma forma relativamente defensiva de militância: a sua formação escolar servia como antecipação das "rasteiras pregadas pelo patrão". O significado da militância e do que era bom para os trabalhadores vinha das lições aprendidas no meio familiar, "vinha de sangue".

No depoimento de Osvaldo, eram recorrentes os apelos morais que justificavam a forma de agir dos militantes do seu tempo. Ele vincula os seus aprendizados para a prática política aos valores transmitidos nas suas redes de relações sociais. Destaca, sobretudo, a esfera familiar e aqueles ensinamentos proferidos por seu pai, um ex-militante sindical que trabalhou em uma fábrica de papel no interior de São Paulo. Segundo seu depoimento:

Osvaldo - Ele [o pai] tinha essa questão que eu sempre falo pro pessoal, (tá entendendo?!), de que o patrão nunca vai precisar estar próximo do sindicato [...]. Eu já fui vacinado na minha convivência familiar contra o 'peleguismo'.

Maurício - Mas o que é esta vacina?

Osvaldo - Esta vacina é quando você vai numa negociação e não há chances de você se entregar, de você ser seduzido pelo patrão.

Como demonstrado no trecho acima, esse militante sindical possui um forte apego ao saber prático, pois nele está valorizado não somente o percurso profissional na Telesp que, nas suas palavras, representa uma "carreira muito boa", mas também a sua experiência como sindicalista: ao longo de sua trajetória como líder sindical, realizou cursos e conheceu colegas em países como Itália, Estados Unidos e Israel. Nessas experiências internacionais é que aprendeu a falar com certa improvisação o italiano e o espanhol.

Osvaldo foi presidente do diretório acadêmico de sua faculdade, onde, segundo ele, teve as primeiras lições externas ao seio familiar sobre "como era militar". A partir disso e do exercício da função de colaborador do sindicato é que vieram os convites para ingressar em outros postos na hierarquia da entidade. Era um momento em que o movimento habitual para se tornar um sindicalista correspondia a, primeiramente, tornar-se um colaborador sindical, depois, delegado e, em seguida, diretor. Segundo o depoimento de sindicalistas dessa geração, naquele período havia poucas vagas para participar da composição da chapa vencedora das eleições do sindicato em relação ao grande número de pessoas interessadas no trabalho sindical9 9 . Após a privatização da Telesp e a subseqüente ampliação do número de sindicalistas que compunham a chapa eleita, resultado da necessidade de ter sindicalistas em número suficiente para trabalhar no expandido setor de telecomunicações, o caráter processual e gradativo na ascensão sindical nas telecomunicações se rarefaz. Conforme observa ROMBALDI (2008, p. 196-200), o quadro de dirigentes passa a contar com maior número de jovens provenientes de empresas de tele-atendimento e de mulheres, ambos sem um histórico de trabalho no setor ou necessidade de experiência militante prévia. .

Até a privatização da Telesp, a história de sindicalistas que consolidavam laços sociais com base na linearidade e na semelhança de trajetórias sociais, bem como em vínculos estabelecidos no cotidiano do trabalho, era o que permitia serem reconhecidos como "um de nós": a semelhança entre origem e destino, entre necessidades e conquistas realizadas; tornava as práticas militantes relativamente previsíveis. Após a reestruturação das telecomunicações, essas referências mais ou menos estáveis transformam-se lado a lado com as mudanças no perfil tanto das empresas quanto de trabalhadores e sindicalistas.

Se, por um lado, pode-se dizer que as inovações sentidas no Sintetel até a privatização da Telesp tinham uma relação mais profunda com as alterações no campo propriamente político do que no econômico, por outro, após o final dos anos 1990, a influência do campo econômico foi decisiva nas transformações que dizem respeito à forma de fazer sindicalismo.

A partir da privatização da Telesp em 1998 e da decorrente substituição do interlocutor do sindicato - de um administrador estatal para diversos administradores no campo privado -, a militância nas telecomunicações foi desafiada pela necessidade de realizar acordos coletivos em grande escala10 10 . Para ilustrar o expressivo crescimento do número de empresas com quem o Sintetel negocia acordos coletivos: atualmente o sindicato conta com cerca de 136 acordos firmados somente no Estado de São Paulo. , de partilhar mesas de negociação com executivos de empresas multinacionais e, também, de representar trabalhadores que vivenciavam uma realidade bastante distinta daquela a que os sindicalistas estavam acostumados até então. O domínio de idiomas estrangeiros e uma postura "racional" passaram a ser valorizados na mesma medida que os erros de português e a passionalidade nas mesas de negociação tornavam-se sinônimos de constrangimento social.

Com isso, as transformações quanto ao que esperar de sindicalistas em seu trabalho de representação estavam intimamente vinculadas aos símbolos historicamente constituídos por meio das relações de trabalho. Em um primeiro momento, uma série de símbolos de valorização social representou a possibilidade do reconhecimento da liderança sindical como pertencente ao "ele é um de nós, é igual e quer a mesma coisa que queremos". Seriam eles: a conservação de sentimentos de valorização (a) do emprego e da formação adquirida por meio dele, (b) do reconhecimento social concedido ao trabalhador da estatal, (c) do relacionamento com os colegas de trabalho ao longo dos anos, (d) da possibilidade de planejar promoções internas na empresa. Tais elementos implicaram a possibilidade da constituição de semelhantes expectativas e previsões sobre as futuras trajetórias sociais. Mais que isso, pode-se afirmar que eles representaram um caráter mais ou menos homogêneo sobre os referenciais simbólicos que orientaram as práticas desses sindicalistas. No momento seguinte, emergiu a complexidade das telecomunicações e a fragmentação de caracteres estáveis à sociabilidade no setor, emergiu a valorização da competência técnica como critério de avaliação do "bom militante" ou "bom sindicalista".

Osvaldo saiu do sindicato em 1997. De sua parte, não houve resistência. De acordo com seu depoimento, esse movimento ocorreu em função do reconhecimento de que os tempos no sindicato haviam mudado, e com essas mudanças o seu tempo no movimento sindical havia se esgotado. Ele já não conseguia negociar com essa nova realidade. Tal desalento representa uma valorização deslocada. Uma legitimidade que teve o seu momento, mas que agora não encontra os mesmos interlocutores, sejam eles trabalhadores ou patrões. Para esse sindicalista, são tempos para que novas lideranças e práticas sindicais sejam criadas - ainda que não se saiba exatamente o que isso possa tornar-se.

Por fim, para os sindicalistas do presente, tempos difíceis rondam a vista. A formação dos referenciais que orientarão os militantes encontrará a dificuldade de conviver com as irregularidades que o emprego instável e temporário proporciona. Soma-se a isso a diminuição dos salários, que contribui para a desvalorização do emprego e de si mesmo. Os laços sociais estabelecidos com outros colegas de trabalho já não têm o mesmo tempo para atarem-se e já há margem para que os próprios trabalhadores do presente não encarem o trabalho nas telecomunicações do mesmo modo que os do passado: símbolo da ampliação das telecomunicações pós-privatizações - já que compreende o maior número de trabalhadores no setor -, o emprego em call centers comumente é apenas uma porta de passagem, um vínculo temporário existente para que trabalhadores encaminhem outros projetos pessoais. Se o tempo presente e as expectativas para o futuro são cada vez menos lineares, provavelmente assim também será para a constituição de novos militantes.

Considerações finais

O que se tem convencionado denominar de militantismo designa um conjunto de fenômenos altamente complexos e multifacetados, cuja compreensão pede uma análise multidisciplinar. Desse modo, o estudo do engajamento político exige daqueles que se propõem a fazê-lo um diálogo ativo entre as ciências sociais, a psicologia e também com a área da educação, na medida em que os processos de socialização parecem definidores das condições de possibilidade do surgimento de práticas de militância política. Essas são as premissas que fundamentaram o exercício intelectual que resultou neste artigo. Assim, analisamos prioritariamente as práticas dos sindicalistas e como essas podem redundar ou não na constituição de uma situação de legitimidade. Para tanto, foi necessário discutir a noção de "vocação para a política", fundamental para os sindicalistas na constituição de esquemas de percepção que hierarquizam os indivíduos que pertencem a esse espaço político.

A partir dos casos aqui apresentados, podemos afirmar que a chamada reestruturação produtiva dos setores metalúrgico e das telecomunicações teve um forte impacto na definição e redefinição das práticas e estratégias sindicais que podem ser consideradas legítimas. Isso significa dizer que a reorganização social do trabalho, na medida em que altera sua relação com o capital e também com o Estado pode conduzir a alterações nos modos de conceber o papel dos sindicatos e, conseqüentemente, nos quadros de referências cognitivas e afetivas dos militantes. Entretanto, voltamos a afirmar que tal movimento não pode ser observado com a mera descrição das transformações nas práticas institucionais dos sindicatos. Mais que isso, os processos de engajamento na vida sindical ou de construção das legitimidades no meio político não são o resultado de escolhas estritamente racionais, de cálculo sobre custos e benefícios desse empreendimento. Antes, respondem a um silencioso chamado que resulta da articulação entre relações sociais objetivas e subjetivas ou, nas palavras de Bourdieu em crítica a Max Weber: "o reconhecimento da legitimidade não é [...] um ato livre da consciência esclarecida", mas "ela se enraíza no acordo imediato entre estruturas incorporadas [...] e estruturas objetivas". (Bourdieu, 1996).

De acordo com Pudal (2003), o que é nomeado como vocação pelos militantes resulta de um processo interativo complexo entre a história social pessoal do indivíduo e a instituição "reconhecedora", um processo feito de transações permanentes, no qual se trocam "dons" e "contra-dons" em uma negociação contínua. Assim, em contrapartida ao "dom", de caráter individual, existe o trabalho da instituição - leia-se dos agentes que ocupam um lugar privilegiado no interior de determinado espaço político - que procura verificar a autenticidade e a qualidade da vocação. O que procuramos demonstrar neste artigo é o fato de que, em períodos de aceleradas transformações estruturais, os quadros de percepção e avaliação dos aspectos que podem ou não ser considerados como indicativos da vocação para a política ou da legitimidade também se transformam, causando uma situação de dolorosa vulnerabilidade para alguns indivíduos, ou mesmo para gerações inteiras. Tais mudanças influenciam diretamente o conjunto do trabalho sindical, ou seja, suas práticas, suas estratégias, seus discursos e, sobretudo, a definição dos sujeitos que farão parte desse espaço. Essa constatação aponta para a necessidade de um investimento, por parte dos estudiosos do sindicalismo, na constituição de uma "sociologia da vocação", capaz de ultrapassar as barreiras disciplinares, tendo em vista a compreensão dos processos de recrutamento e formação das lideranças no movimento operário. Assim, este artigo, menos do que um texto definitivo a respeito desse assunto, constitui um conjunto de reflexões que orientam um plano de trabalho assumido pelos seus autores nos últimos anos, com o objetivo central de conduzir nessa direção suas pesquisas sobre o sindicalismo.

Recebido em 31 de outubro de 2008 e aprovado em 06 de março de 2009.

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  • WAGNER, Anne-Catherine. Vers une Europe syndicale. Une enquête sur la confédération européenne des syndicats. Paris : Croquant, 2005. (Savoir/Agir).
  • 1
    . Pode-se observar que, de maneira geral, ainda que os estudos chamados "descritivistas" não assumam filiações teóricas com teorias tais como a da
    ação racional (ver OLSON, Mancur.
    A lógica da ação coletiva: os benefícios públicos e uma teoria dos grupos sociais. São Paulo: Edusp, 1999), a crítica válida para esta perspectiva também acaba voltando-se contra tais estudos: não se pode ignorar o fato de que variáveis de nível contextual ou subjetivo estejam presentes na lógica da ação de grupos sociais. Entre elas, destaca-se: os níveis de coesão grupal, a força ideológica, a conjuntura política, os níveis de insatisfação, etc.
  • 2
    . Em que pese o fato de que o debate em torno desses dois conceitos ainda está em andamento, neste trabalho, consideraremos como capital militante o conjunto de técnicas e saberes que orientam a ação no espaço político e são resultado de uma aprendizagem ocorrida na própria experiência de militância política. O capital político, por sua vez, refere-se a uma forma de capital simbólico, de caráter mais pessoal, fundado na notoriedade e na popularidade, que é, em geral, como o capital cultural, herdado ou concedido a um indivíduo por um determinado grupo, seja a família ou outro grupo social e político, tal como um partido ou sindicato. (Cf: MATONI, F.; POUPEAU, F.
    Le capital militant. Essai de définition. In:
    Actes de la Recherche - Le capital militant: engagements improbables, apprentissages et techiniques de lute. n.155, dezembro, 2004 e BOURDIEU, P. A representação política. Elementos para uma teoria do campo político. In: BOURDIEU, P.
    O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.)
  • 3
    . Os dados apresentados neste artigo correspondem à confluência de resultados originados em dois estudos desenvolvidos pelos autores: TOMIZAKI, Kimi.
    Ser metalúrgico no ABC - transmissão e herança da cultura operária entre duas gerações de trabalhadores. Campinas: Centro de Memória da Unicamp/Arte Escrita Editora; Fapesp, 2007; ROMBALDI, Maurício.
    Os sindicalistas nas entrelinhas: o caso do Sintetel pós-privatizações. 2007. Dissertação (Mestrado) - Universidade de São Paulo, São Paulo.
  • 4
    . A primeira formação do Sindicato dos Metalúrgicos da região conhecida como ABC Paulista data de 1933. No período da instalação da indústria automobilística, a entidade desmembrou-se e, em 1959, foram fundados o Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e o de Diadema, que atuaram juntamente com o originário Sindicato dos Metalúrgicos de Santo André. Em 1993 as entidades foram reunificadas por meio da criação do atual Sindicato dos Metalúrgicos do ABC (SMABC).
  • 5
    . É importante destacar que a tão mediatizada "crise do ABC" esteve estreitamente associada à forma como o país se inseriu no processo de globalização econômica mundial, já que a abertura econômica e a queda das tarifas alfandegárias tiveram um forte impacto sobre o setor metalúrgico. Por outro lado, a crise da região esteve também vinculada aos custos crescentes de produção gerados pelas chamadas "deseconomias" de aglomeração na região do ABC, geralmente identificadas com o trânsito caótico, as enchentes na época das chuvas, os impostos locais considerados excessivamente altos, as restrições de infra-estrutura, os preços dos terrenos e a regulamentação fundiária, os altos salários pagos aos trabalhadores e a tradição sindical. Entretanto, apesar do sombrio quadro que se formou a partir do final da década de 1980, a década de 1990 assistiu à reação da indústria metalúrgica do ABC que, no ano de 1994, bateu recordes de produção, de produtividade e de vendas, o que afastou o espectro do processo de desindustrialização da região do ABC, mas não eliminou o problema da redução dos postos de trabalho.
  • 6
    . Para preservar o anonimato dos depoentes, seus nomes foram trocados.
  • 7
    . Dados obtidos por meio da RAIS-CAGED permitem afirmar que, sobre o total de ocupações no setor de telecomunicações brasileiro, o número de trabalhadores com mais de 40 anos reduzse de 42%, em 1998, para 24% no ano de 2002, ao mesmo tempo que os trabalhadores com idade entre 18 e 24 anos duplica de 13% para 26%, no mesmo período. Observa-se também que a remuneração do trabalhador em telecomunicações decai, já que, em 1998, após a privatização, diminui significativamente o número de trabalhadores com remuneração superior a 15 salários mínimos: de 30% em 1998, observa-se esse número decair para 20% em 2002; ainda, nota-se a concentração de trabalhadores com remuneração inferior a 2 salários-mínimos, dado que a porcentagem de trabalhadores com tal remuneração passa de 5% em 1998 para 19% em 2002.
  • 8
    . Na década de 1980, na Telesp, à exceção das funções estratégicas que eram ocupadas por trabalhadores com formação universitária, a formação em nível superior ainda não se constituía como pré-requisito para a contratação de novos trabalhadores.
  • 9
    . Após a privatização da Telesp e a subseqüente ampliação do número de sindicalistas que compunham a chapa eleita, resultado da necessidade de ter sindicalistas em número suficiente para trabalhar no expandido setor de telecomunicações, o caráter processual e gradativo na ascensão sindical nas telecomunicações se rarefaz. Conforme observa ROMBALDI (2008, p. 196-200), o quadro de dirigentes passa a contar com maior número de jovens provenientes de empresas de tele-atendimento e de mulheres, ambos sem um histórico de trabalho no setor ou necessidade de experiência militante prévia.
  • 10
    . Para ilustrar o expressivo crescimento do número de empresas com quem o Sintetel negocia acordos coletivos: atualmente o sindicato conta com cerca de 136 acordos firmados somente no Estado de São Paulo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Ago 2009

    Histórico

    • Aceito
      06 Mar 2009
    • Recebido
      31 Out 2008
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