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Apresentação

DOSSIÊ

EDUCAÇÃO E POLÍTICA: NOVAS CONFIGURAÇÕES NAS PRÁTICAS DE MILITÂNCIA

Apresentação

Fabiano Engelmann

Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), São Carlos, SP, Brasil. fabengel@gmail.com

A temática do militantismo e do engajamento político tem assumido crescente importância no âmbito das ciências sociais nas duas últimas décadas, especialmente em trabalhos publicados na Europa e nos Estados Unidos. Inspirados em diferentes aportes teóricos que se estendem desde o interacionismo de Goffman até a ação coletiva de Olson, tais estudos têm se desenvolvido fora do main stream da ciência política internacional e brasileira. Nesse sentido, ressalta-se, neste dossiê organizado pela professora Kimi Tomizaki, a importância dos trabalhos expostos, que têm o duplo mérito de divulgar pesquisas existentes sobre o tema, tendo por universo o Brasil e a Argentina, e de contribuir, a partir do resultado de pesquisas empíricas, para a discussão teóricometodológica das abordagens da ciência política, da sociologia, da antropologia e da sociologia da educação. O alargamento da esfera política, com a complexificação das formas de engajamento presentes no espaço das ONGs; com a nova agenda de causas ensejada nos movimentos de reconhecimento de identidades e de direitos coletivos; com as diversas iniciativas associativas; e com as transformações das práticas sindicais está no centro da agenda temática dos estudos sobre militantismo. No âmbito da ciência política, em larga medida, essa problemática é tratada a partir de categorias normativas do modelo da cultura política americana, em que o engajamento associativo aparece como uma cultura cívica favorável à consolidação de regimes políticos que têm como pressuposto o universalismo da democracia americana.

Se tomarmos a agenda dos estudos sobre instituições políticas, inspirada no neo-institucionalismo combinado com a teoria da escolha racional e considerado por alguns autores como "o paradigma" da ciência política contemporânea, a problemática do engajamento militante inexiste ou é tratada como um fenômeno político residual, em detrimento da autonomia explicativa das instituições como estruturadoras da interação estratégica entre os atores políticos. Ao trazer de volta para o centro dos estudos políticos as "instituições" como variável independente, em oposição ao modelo de estudos atitudinais do behaviorismo - que diluía o fenômeno político num amplo leque de condicionantes sociais e "sistêmicas" -, o movimento neo-institucionalista acabou por retirar completamente da agenda de pesquisas da ciência política a dimensão concernente à socialização dos atores.

Essa superposição das instituições aos atores políticos foi realizada em nome da autonomia epistemológica da ciência política, trazendo prejuízos, contudo, para a apreensão de fenômenos sociais que estão na base da construção das instituições, tais como a complexa relação entre os processos de educação e a esfera da política. Ao tratar dessa forma as interações dos atores políticos com as instituições, perde-se a dimensão sociológica e o peso de um conjunto de variáveis que tem grande potencial explicativo para os fenômenos estudados.

Portanto, a problematização do engajamento político presente nos trabalhos deste dossiê, apoiada na realização de uma sociologia e de uma antropologia da política, permite a importante recuperação da dimensão social do fenômeno político. Tal dimensão comporta diversos níveis de análise, entre os quais se destacam as relações entre itinerários escolares, ocupacionais e políticos com a profissionalização do militantismo, a mobilização de expertises, a inserção em redes transnacionais de militância, e os contextos que possibilitam o associativismo.

As modalidades de engajamento e militância política são discutidas por Ernesto Seidl no artigo "Escolarização e recursos culturais na composição de carreiras militantes", que tem por base os itinerários de diversos dirigentes de instituições associativas. O autor enfatiza as diferentes combinações de recursos sociais e culturais acumulados pelos militantes em questão e as formas de uso de tais trunfos na legitimação de posições dirigentes. Nesse conjunto de combinações, evidencia-se o peso variado da escolarização superior e de conhecimentos considerados específicos, segundo a esfera da atividade militante, as características da instituição e a geração dos indivíduos.

A causa dos direitos humanos e a relação com a profissionalização do militantismo jurídico é analisada por Virginia Vecchiolli no artigo "Expertise jurídica e capital militante: reconversões de recursos escolares, morais e políticos entre os advogados de direitos humanos na Argentina". A autora enfatiza a passagem da figura heróica dos advogados vinculados aos movimentos sociais das primeiras décadas do século XX, para um perfil profissionalizado de expert na defesa de direitos. Esse processo envolve também a inserção em redes transnacionais de militantismo.

As lógicas que circundam a criação da associação militante e a relação com a institucionalização dos movimentos sociais são analisadas por Rosângela Carrilo Moreno e Ana Maria F. Almeida, a partir do estudo de caso da criação de uma associação vinculada a um grupo de jovens rappers negros, no artigo "Isso é política, meu! Socialização militante e institucionalização dos movimentos sociais". As autoras abordam essa questão, com ênfase no trabalho de organização necessário para a criação de uma associação, forma de agrupamento que materializa a existência de um grupo como "vontade e representação", na maneira pensada por Pierre Bourdieu.

A análise das expertises constituídas através de trajetos sociais, escolares e ocupacionais no espaço militante é demonstrada, no caso do movimento ambientalista, por Wilson José Ferreira de Oliveira no artigo "Os Usos da educação na militância ambientalista". Conforme o autor, a utilização de competências adquiridas através da formação universitária tornou-se um dos ingredientes principais da institucionalização do ambientalismo, a partir dos anos 1980, constituindo-se como um novo campo de atuação profissional.

Os processos por meio dos quais determinados indivíduos se tornam militantes e constituem uma situação de legitimidade que sustenta sua posição de liderança em dois importantes sindicatos brasileiros são analisados por Kimi Tomizaki e Maurício Rombaldi no artigo "Construindo a legitimidade: reflexões sobre as transformações das práticas sindicais no Brasil". Os autores propõem tratar o movimento sindical como um processo constituído tanto por relações sociais objetivas quanto pelo investimento subjetivo de "autoconstrução", empreendido por grupos de trabalhadores, no qual as tradições e as significações propriamente simbólicas têm lugar de destaque.

A relevância da relação entre a circulação internacional das elites universitárias e o espaço do militantismo fica evidenciada no artigo de Daniela Maria Ferreira, "Educação, militantismo católico e filosofia no Brasil". O artigo aborda a relação entre educação, militância política católica e constituição do campo universitário da Filosofia no Brasil. Em especial, a passagem pelo militantismo político em movimentos de juventude católica (Juventude Universitária Católica e Juventude Secundária Católica) como um lócus de socialização importante para a constituição dos espaços dos debates filosóficos no Brasil.

O fechamento do dossiê contempla uma entrevista com o sociólogo francês Bernard Pudal, que possui extensa contribuição para o debate de referenciais metodológicos para o estudo do militantismo, a partir de seus trabalhos sobre a história e a sociologia do partido comunista francês. Na entrevista, pode-se destacar a importância da análise da imbricação dos estudos sobre militantismo com a trajetória política dos próprios pesquisadores e o efeito desse processo na definição da legitimidade dos temas mais estudados.

Finalmente, pode-se dizer que esta publicação constitui referência fundamental para os pesquisadores que se dedicam ao tema do engajamento militante, bem como contribuição para um debate, cada vez mais necessário, sobre os referenciais teórico-metodológicos dos estudos sobre o fenômeno político.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2009
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