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Apresentação

DOSSIÊ

CULTURA, REGULAÇÃO E COESÃO SOCIAL: PASSADO E PRESENTE DA ESCOLA PÚBLICA

Nora Krawczyk

No marco de um Projeto conjunto entre a FE/Unicamp e a Flacso/Argentina, pelo qual, a partir de 2006, ambas as instituições se incorporaram ao Programa de Centros Associados de Pós-Graduação - Capes/SPU -, iniciou-se um fértil intercâmbio de professores e estudantes de pós-graduação que, além de outros frutos, originou o dossiê que aqui estamos apresentando.

Preocupações comuns, embora não as únicas, entre pesquisadores da Área de Educação da Flacso e da Área Ciências Sociais na Educação da FE/Unicamp e discutidas em vários seminários e cursos conjuntos são as mudanças sociais contemporâneas e suas implicações na educação; a racionalidade e os pressupostos nos quais está ancorada a ideologia neoliberal; os eixos teóricos do debate educacional entre os modernos e os pós-modernos; a relação entre as diferentes lógicas de regulação social e as mudanças nos sistemas educacionais e na instituição escolar.

Historicamente, a construção do perfil da educação formal no Ocidente esteve vinculada à história da constituição do Estado Nacional, da democracia e do mercado. Na nova condição histórica do capitalismo, a retórica da globalização e da interdependência; da descentralização e da redistribuição do poder possui o contraponto da emergência de relações sociais de caráter regressivo, seja através do localismo, do comunitarismo e/ou da fragmentação social, entre outros.

As profundas transformações vividas na virada do século XX para o XXI nas esferas da economia e das instituições sociais, culturais e políticas convocam os pesquisadores para observar com sagacidade as novas dinâmicas, as relações e as configurações sociais; para revisar os marcos conceituais e, quando necessário, construir novas categorias analíticas que permitam compreender a realidade contemporânea. É um momento de extrema fertilidade intelectual e nos coloca, como pesquisadores da educação, o desafio de descobrir as mudanças vividas pela escola e seu lugar na sociedade, para além dos desejos e das expectativas particulares.

O dossiê aqui apresentado tem como eixo condutor a análise dessa problemática e reúne um conjunto de artigos que estabelecem um interessante debate, a partir de abordagens disciplinares e teóricas diversas, sobre as mutações que a sociedade e a instituição escolar atravessam na atualidade, em diferentes contextos latino-americanos. Tem o intuito de estimular o aprofundamento - em estreita articulação com as transformações gerais das instituições sociais na atualidade - do estudo das transformações que estão afetando a escola.

Inicia-se o dossiê com o artigo de Pablo Pineau, em que o autor nos convida a refletir sobre a possível "crise da escola" pelo esvaziamento do sentido social e político que a escola carregava na sua constituição. Para isso, o texto analisa de forma bastante didática a construção dos sistemas escolares como forma educacional hegemônica no espaço cultural da modernidade, nos países centrais e latino-americanos. Desenvolve-se um conjunto de premissas sobre as quais a modernidade constrói, ao longo de vários séculos, sua compreensão de educação e de como elas foram incorporadas pela escola com base em escritos de Kant e Durkheim. Esta análise oferecerá ao leitor o suporte histórico para a reflexão sobre o passado e o presente da educação escolar neste dossiê.

O artigo de Pablo De Marinis oferece uma analise histórico-sociológica da pluralidade de sentidos implicados na noção de comunidade à luz dos processos contemporâneos de ressignificação do poder dos Estados nacionais, do social e da noção de cidadania. O autor discute a coexistência de um processo de globalização, caracterizado pela homogeneização e pelo enfraquecimento das identidades nacionais, com a intensificação das diferenças, da revalorização do local e do recrudescimento dos particularismos. É preocupação do autor brindar o leitor com ferramentas teóricas para compreender o impacto - sobre os sistemas educacionais - da desconversão do social estatal-nacional, das mudanças na lógica de regulação educacional, da recuperação das necessidades particulares e dos modos de gestão comunitários como formas de regulação institucional/escolar.

Neusa Gusmão realiza uma análise minuciosa das relações existentes entre Antropologia, Estudos Culturais e Educação. Identifica as raízes mais antigas postas pela Antropologia e considera seu percurso, bem como as críticas já feitas sobre seu passado, em paralelo com a história de emergência dos Estudos Culturais, já que para ambos os campos a centralidade do conceito de cultura é fundamental. Assim, propõe-se uma leitura crítica da corrente norte-americana dos Estudos Culturais, de sua perspectiva sobre o multiculturalismo e de sua penetração no campo educacional de modo significativo, no meio de um processo de intensas transformações sociais que, "aparentemente de forma esquizofrênica", intenta conjugar a globalização do mundo, a mundialização da cultura, a unificação dos mercados e a reafirmação das particularidades.

Com sua contribuição, Alejandro Morduchowicz analisa o paradigma dominante da administração e da economia da educação, desentranhando a relação existente entre Política e Economia. Analisa o impacto das lógicas de regulação social na lógica de alocação de fundos públicos para educação das últimas décadas na América Latina e suas conseqüências para os princípios e a análise na área da Economia da Educação. O autor orienta o leitor para uma compreensão mais aprofundada do debate contemporâneo sobre financiamento da educação e da tensão presente entre regulação estatal e autonomia na educação no âmbito político-educacional.

O dossiê se completa com o artigo em que Guillermina Tiramonti analisa a nova configuração que adquire a desigualdade educacional na Argentina, a partir das mudanças ocorridas na sociedade nas últimas décadas. A autora nos alerta para a importância de compreender que o fenômeno da desigualdade educacional é intrinsecamente de caráter relacional, porque compromete o con-junto da sociedade, e não apenas determinados grupos.

Os processos de fragmentação do sistema educacional, as mudanças na trama institucional escolar, os processos assimétricos de individualização dos jovens e outros são identificados a partir de resultados de pesquisa empírica, que busca recuperar um olhar para a totalidade do sistema educacional, e são analisados de forma bastante criativa, à luz de conceitos acunhados no debate contemporâneo das Ciências Sociais.

Nora Krawczyk

Doutora em Educação pela UNICAMP. Professora do Departamento de Ciências Sociais na Educação e do Programa de Pós Graduação em Educação (DECISE) - FE/UNICAMP. Coordenadora, pela Faculdade de Educação da Unicamp, do Programa de Centros Associados Brasil-Argentina (Capes) com a Flacso. Possui Bolsa Produtividade PQ - ID/CNPq. Entre suas últimas publicações podemos destacar: A reforma educacional na América Latina. Uma perspectiva histórico-sociológica (Argentina, Brasil, Chile e México na década de 1990) (co-autoria com Vera Lucia Vieira). São Paulo: Xamão, 2008. "O PDE: novo modo de regulação estatal?". Caderno de Pesquisa - FFCH da Usp, São Paulo, 2008. "O Plano Decenal de Educação Estadual: reflexões para pensar os desafios do Ensino Médio". In: Albuquerque, M. G. M. T.; Farias, I. M. S. de; Ramos, J. F. P. (Org.). Política e gestão educacional: contextos e práticas. Fortaleza: Ed. UECE, 2008. norak@uol.com.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2008
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