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Olho mágico

DOSSIÊ: ENTRE IMAGENS E TEXTOS

Olho mágico

Fernando de Tacca

Fotógrafo e professor no Departamento de Multimeios, Mídia & Comunicação, Instituto de Artes-Unicamp. Vencedor do I Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, Funarte (1984), recebeu o Prêmio Pierre Verger de Ensaio Fotográfico – 2006, da Associação Brasileira de Antropologia. É autor do livro: A Imagética da Comissão Rondon – Etnografias Fílmicas Estratégicas. Campinas: Papirus, 2001. É coordenador do Núcleo de Pesquisa «Fotografia: Cultura e Comunicação», da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares de Comunicação – Intercom e editor da Revista Eletrônica Studium: http://www.studium.iar.unicamp.br. tacca@unicamp.br

De todos os tipos de edifícios, só um me interessa, a ruína. É a ruína que dá sentido à cidade

(Paulo Leminski)

Milhares de imagens passam hoje pelos nossos olhos. Milhares delas são fotografias. Poucas ficam na retina; dessas, poucas nos fazem sentido, outras tantas servem para nos embaralhar a vista, como diziam os mais velhos. Estar diante de uma fotografia é ritual pouco celebrado, pois é preciso tempo e silêncio. Assim o era com as primeiras fotografias chamadas então de daguerreótipos, objetos de culto. As fotografias são silenciosas, precisam do tempo do olhar e de uma imersão, um mergulho em águas profundas às vezes nunca dantes navegadas.

Muitas fotografias nos trazem um sentimento de dor e de perda, mas, mesmo essas que possam implicar momentos de angústia, abrem-nos para outras dimensões do nosso devir. As obviedades passam ao largo das significações em imagens pessoais e intransferíveis na medida do impossível. Como compartilhá-las? Como deixar fluir intimidades protegidas por couraças sociais insensíveis? Não pretendo deixar pouco de minhas imagens pessoais, de minhas autorias íntimas. Não pretendo somente cair em redes de universalidades codificadas da imagem fotográfica, mesmo que assim o faça muitas vezes. Interessam-me imagens que nutrem a alma, que me atingem e me elevam a um estado de espírito que somente obras de arte o fazem; poucas fotografias conseguem ter a aura benjaminiana — ou, ao menos, digo que nunca a encontrei frente a cópias fotográficas em museus.

Escolher fotografias pelas quais tenho apreço, como O Chofer, de Alexander Rodtchenko, implicaria uma série de relações de aproximação com o código fotográfico, com referências a Magritte e ao sujeito enunciador da imagem, temas ricos de exploração conceitual, mas distantes de minha interioridade. Rodtchenko utiliza-se dos elementos propriamente constitutivos do código fotográfico e nos anuncia que está muito além de mero funcionário do programa. Ou seja, ao fornecer um input, conhece mais do que simplesmente o output do aparelho, ele joga com e contra o próprio aparelho. A descontinuidade entre a profundidade de campo do próprio quadro e do extraquadro cria um infinito para dentro e um infinito para fora, dois modos de existência da perspectiva. O uso de uma grande focal e o espelhamento do extraquadro na imagem refletiva desarticula o programa. O primeiríssimo plano nos diz que a parte escura das mãos do chofer carrega um elemento próximo de seu corpo e afirma visualmente «isto é um cachimbo», ao contrário de Magritte no quadro La Trahison des Images (1952), em que ele acrescenta junto ao «cachimbo», a frase «Ceci continue de ne pas être pipe». Em O Chofer Rodtchenko é sujeito da enunciação e leva o leitor ao seu encontro obrigatoriamente, deslocando-o de sua passividade, inércia ainda do realismo fotográfico na recepção das imagens. Essa sensação de estranheza conduz o leitor ao encontro do processo como significação.

Poderia ainda escolher algumas das fotografias de Diane Arbus, como a foto das gêmeas, e adentrar a questão das diferenças entre os quase iguais. Ou ainda, as grandes metáforas de Joel-Peter Witkin, como a foto Glassman, para falar do corpo mutilado, ou talvez uma referência a Bayard em auto-afogamento. Poderia também eleger a fotografia Migrant Mother, de Dorothea Lange, como ícone da extensa documentação fotográfica da depressão norte-americana, imagens que influenciaram John Steinbeck a escrever Vinhas da Ira, e John Ford a fazer a película com o mesmo nome — tendo Steinbeck como roteirista — e demonstrar a permanência simbólica dessas imagens nos dias de hoje, mesmo na crítica de Lars Von Thiers no filme Dogville, quando o diretor lança mão dessas imagens no slideshow final de seu filme.

Escolher fotografias de minha autoria seria uma viagem egocentrada sem passaportes e as fronteiras ultrapassadas poderiam incorrer em iluminações plásticas que não cabem a mim discorrer. Talvez escolhesse minha primeira fotografia, aquela com que me descobri fotógrafo no próprio ato fotográfico: a imagem do palhaço Macarrão, na primeira feira da Vila Madalena, em São Paulo, e cartaz de minha primeira exposição, uma individual no Museu da Imagem e do Som de São Paulo em 1981. Penso, entretanto, que pouco teria a acrescentar com palavras a essa fotografia.

Buscar em Barthes um companheiro de viagem é parte desse processo de encontro com imagens ontológicas de meu ser e não poderia ser diferente, pois foi ele que se expôs e se desnudou ao falar da fotografia. Mesmo que a tal foto de sua mãe não tenha sido exposta aos nossos olhos, é possível compartilharmos com ele um clima, uma atmosfera sensível. Presentificar fotografias com características pessoais é campo rico que a fenomenologia nos propicia, e assim me inspiro em Barthes, nos seus últimos escritos, pois a ele devemos uma quebra dos rígidos cânones do método, quando diante de imagens fotográficas. Encontro em Barthes algo muito mais nobre do que meros modelos neopositivistas, como o fazem alguns autores que encontram alguma forma de porto seguro para desgarrar-se do fenomenológico e não se expor. Procuro adentrar sua obra magistral pela iluminação que faz de áreas da caixa preta, uma fotografia como chave temporal de portais de nossa memória, um estado de espírito. O que procuro em Barthes é a mim mesmo. Se existiu alguém em sintonia dialógica com Barthes essa pessoa foi Susan Sontag.

Olho mágico é uma expressão comum às ações de olhares através da materialidade das casas para o exterior, para a busca de quem chega para uma visita ou qualquer outra intencionalidade. Talvez ainda possamos comprar um olho mágico em lojas de material para construção e ele — hoje substituído pela imagem de uma câmera de vigilância — sirva para esconder nossa presença ao observar o outro, mesmo com a sensação de estar sendo percebido. A diferença é a intermediação: a imagem do olho mágico é ótica e direta — como a imagem da Sala Mae West, de Salvador Dali no museu teatro em sua cidade natal em Figueras, Espanha —, pois somente a percebemos pela imensa lente no lugar indicado pelo artista e nenhuma imagem substitui essa experiência única e individual.

A foto do olho mágico da casa de meus avós é uma abertura para o exterior, mas que se volta para visitar meus afetos familiares e minha vivência interiorana. Não poderia ser mais adequada para minhas observações sobre um olhar mágico. Magia aqui compreendida de segunda ordem ou da ordem técnica da fotografia, como coloca Vilém Flusser, de uma imagem que altera e transforma a realidade direta para o campo da afetividade, e não magia somente indicial, de ordem metonímica na relação de causa e efeito.

A magia interior dessa fotografia percorre meu ser, minha natureza fragmentada pelos tempos rápidos de nossa existência atual. É imagem que conduz para a reflexão de tempos vividos e experienciados, como janela para intimidades protegidas e, nesse sentido, mais do nunca — como já disse Gaston Bachalard — a casa é um canto do mundo onde encontramos o primeiro e acolhedor abrigo, um lugar de leite materno em seios generosos.

O olho mágico dessa porta me conduz à matriz de uma casa mater, casa de meus avós, na qual passei toda minha infância, percorrendo o chão por baixo das mesas e vendo as pernas dos adultos, deliciando-me com as três jabuticabeiras, uma mangueira e uma pequena macieira no quintal. Foi nessa casa que vi televisão pela primeira vez, quando os tios em ato coletivo compraram o primeiro aparelho e todos se encontravam todas as noites para ver as novelas da antiga TV Tupi, todos acompanhando Direito de Nascer, primeira novela massiva, em 1965. Olhar pela magia dessa imagem remete-me também para a rua; para as inúmeras brincadeiras ali jogadas: matança, bolinha de gude, esconde-esconde e as muitas pequenas brigas, sem machucados, somente rusgas de crianças e adolescentes; e para o lugar de primeiros namoros.

Estar diante da fotografia do olho mágico implica olhar para as duas faces da mesma moeda, para o olhar contrário, ou o impossível ótico, ou seja, coloca-me também olhando para dentro da casa — e agora para uma casa interior — e essa magia é ainda mais surpreendente, ao fazer emergir outras tantas imagens impregnadas nessa existência. A foto do olho mágico abre também para meu inconsciente ótico, anuncia ausências. Uma das imagens que permeiam minha relação com a casa é uma foto do casamento de meus pais. Por muito tempo não sabia o que me atraía na imagem, se o porte nobre e altivo de meu pai ou se o acetinado brilho do vestido de noiva de minha mãe. Uma manhã, antes de uma aula exatamente para falar de Barthes, deparei-me com essa imagem; o chão se acendeu como nunca, um chão frio até aquele momento, e pela primeira vez identifiquei a casa de meus avós nessa foto. Foi uma aula memorável, pude compartilhar algo com meus alunos por uma foto pessoal, algo que nunca havia ocorrido.

O olho mágico remete-me a outra fotografia que ficava logo na entrada. A foto da grande família, todos ainda vivos. Estou ali na foto, agachado, com seis anos, um tanto acanhado frente à direção de cena do fotógrafo: afinal, não é fácil colocar mais de trinta pessoas olhando para a câmera, pedindo para não se mexerem; a velocidade da película era baixa, com certeza. A imagem do olho mágico remete para essa fotografia emoldurada na sala, em que todos sempre paravam para encontrar um tempo passado e os mais jovens, para procurar as identificações e as marcas do tempo nos rostos. A construção de uma imagem de uma casa interior remete para a idéia de família, ainda mais evidente para quem teve uma forte experiência de famílias extensas. E assim foi essa casa coletiva de muitas famílias a base simbólica de minha casa interior, e o olho mágico é porta para esse universo particular.

A foto do olho mágico torna-se mais forte quando escrevo essas linhas, por implicar perdas. Casa sempre habitada e freqüentada, na qual o cafezinho era corriqueiro, muitas vezes ao dia, fresquinho, com um pedaço de queijo minas que ficava em cima da geladeira. Depois da morte de meus avós, primeiro de meu avô, no começo da década de sessenta, e dez anos depois de minha avó, uma tia solteira continuou a saga da permanência, e o convívio perdurou por mais décadas. Foi nessa casa que eu, ela e outros familiares cuidamos de nossos doentes: muitos morreram dignamente acolhidos no leito de uma cama afetiva e não na frieza de um hospital. Entre essas pessoas, minha mãe, que ali passou seus últimos três meses; e me lembro que um de seus últimos desejos era comer sorvete, que eu providenciava imediatamente.

Recentemente minha velha tia faleceu e minhas referências ficaram abaladas, minha relação com a cidade natal entrou em colapso. Perderia eu essas referências? A casa se tornaria um estacionamento, ou um prédio, ou uma loja, como todos os prédios à sua volta? Quase todas as antigas construções, os antigos palacetes ou os casarões dos barões do café já caíram ao chão devido à ganância de seus herdeiros decadentes, sem muitos fundos.

Permito-me contar a passagem da perda dos valores dessa decadente aristocracia cafeeira que envolve minha relação com imagens fotográficas. Depois de passagens por São Paulo e Goiânia, voltei para a cidade, envolvido com uma pesquisa sobre a vida operária e através das imagens fotográficas que eles mesmos fizeram de suas próprias casas. Esse retorno me fez aproximar da cotidianidade operária e de suas casas, uma nova descoberta da cidade e de seus habitantes1 1 . Sapateiro: o retrato da casa. Revista Studium 10. Disponível em: < http://www.studium.iar. unicamp.br/10/4.html>. .

Em família, morando em bairro de classe média, um dia bateu à minha porta uma conhecida vizinha. Trazia consigo um envelope com muitas fotografias e me disse que as encontrara na lata de lixo de uma família que conhecíamos e da qual éramos amigos. Ela estranhou, passando um dia em frente dessa casa: viu imagens no lixo, como se alguém tivesse jogado fora fotos familiares. Sem nem abrir o envelope, telefonei para ela na mesma noite e soube que essas fotografias foram recolhidas de outro lixo. Naqueles dias iria ao chão um dos casarões mais antigos e belos da cidade, que continha ainda todos os móveis de época. Com a morte da matriarca, os herdeiros entraram em enxame, buscando tudo que lhes interessava e muitas coisas foram para a rua, literalmente para o lixo. Alguns dias depois a casa foi demolida da noite para o dia, para não correr o risco de um processo de tombamento pelo patrimônio histórico. Essas pessoas preferiram um prédio de um banco no lugar de sua memória contida na casa. Pois bem, sem donos, tendo o envelope habitado dois lixos, resolvi abri-lo e encontrei vários cartes-de-visite de 1876/77 e uma foto surpreendente, um retrato, provavelmente um auto-retrato de Valério Vieira. Eu conhecia a famosa fotografia de sua autoria chamada de Os Trinta Valérios, na qual ele faz uma fotomontagem com trinta auto-retratos e se coloca nos rostos de trinta pessoas em um sarau, inclusive em um busto; reconheci de imediato o selo de seu estúdio. Ou seja, estava eu frente a um original de Valério Vieira que tinha habitado duas latas de lixo e tinha sido felizmente resgatado.

Pelas sincronicidades de minha vida — e são inúmeras — um original da fotomontagem Os Trinta Valérios veio parar em minhas mãos, e através de uma pessoa que pela primeira vez analisou, pouco tempo depois, uma fotografia de minha autoria. E foi em uma exposição, chamada Diários Portenhos, frente a essa imagem depois analisada, que travamos o primeiro contato sobre a existência dessa raridade. A foto diante da qual estávamos era de um recorte do cemitério La Recoleta, em Buenos Aires, e indica ausências que são exploradas no texto2 2 . «Ausências», Luiz Vadico, Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 5 (14/15): p.197-202, ago/dez 2006. Disponível em: < http://www.cchla.ufpb.br/rbse/VadicoArt.pdf> . .

Exemplifico essa passagem por não querer que a casa do olho mágico seja um outro lugar sem sentido urbano, um quase não-lugar. E principalmente pelo fato de essa casa ter sido construída por imigrantes e persistir no tempo mais do que as casas da elite, ou seja, é importante que a memória seja preservada, nem que o seja pelas suas ruínas, muito mais significativas que esses outros não-lugares urbanos. A ruína teria significado, na sua permanência, e eu poderia ainda me sentir com pertencimento ao lugar, com uma ligação indicial.

A perda recente da resistente tia, que habitou vivamente essa ambiência, tornando sua constância em ponto de encontro, fez com que eu me detivesse sobre a foto do olho mágico, realizada em uma série recente de fotos da casa, em uma de minhas viagens, com ela ainda viva e habitando a casa. A perda física disparou outros sentimentos, inclusive a perda das próprias referências espaciais e de minha relação com a cidade natal, pois sem a casa tudo se torna memórias imateriais. A imanência de algumas coisas, como o alpendre aberto da casa e as três cadeiras de madeira, pintadas de branco, em forma curvilínea, alimenta diretamente o imaginário de tanto tempo passado sentado alternativamente com todos da família ou somente observando o movimento da rua. Nas sincronicidades de minha vida, outras três cadeiras idênticas me rodearam há pouco tempo e, como parte de outro luto, também são somente memórias.

A imagem do olho mágico remete para esse espaço de convívio visual, que se perdeu com os altos muros e grades. Poderia eu ainda sentar algum dia nessas cadeiras para deixar o tempo correr aos meus olhos. Muitas vezes sentei-me ali sozinho, depois de muito tempo morando fora da cidade, e observava rostos amigos do passado, mesmo que não tivesse o imediato reconhecimento, quase rostos fantasmas de meu imaginário, mas com algo comum. Penso que essa seja a sensação a que o olho mágico me remete: ausências, pertencimentos e permanências.

A foto do olho mágico leva-me para essa tentativa de manter em sincronicidades inseparáveis — e de a elas pertencer — o tempo e o espaço como um só conceito, assim como os índios Hopi já percebiam essa justaposição, antes mesmo de Albert Einstein3 3 . A trilogia fílmica monossilábica de Godfrey Reggio (Koyaanisqatsi, Powaaqatsi e Naqoyqatsi) inspira-se nesse grupo étnico que habita montanhas rochosas no Arizona, EUA, e é conhecido pela complexidade simbólica de sua cosmogenia. . Talvez isso não seja possível em nossa cultura, que transforma tudo em liquefação, mas ao menos posso dizer que minha alma, ou um estado de espírito, alimentou-se desse momento especial. Não sei se é possível compartilhar com o leitor, mas indico uma possibilidade; afinal, o poeta Torquato Neto já dizia que se tornou homem na medida do impossível.

Estar diante dessa imagem do olho mágico aperta uma tecla sonora: o som agudo do ranger de abertura do portão e de sua característica marca ao se fechar. Brincávamos de conhecer as pessoas pela forma como abriam o portão e o fechavam, antes de descobrir aquele que chegava pelo olho mágico. Alguns abriam devagar e fechavam com força, outros abriam rápido e fechavam com cuidado, enfim, acertávamos muitas vezes, principalmente minha tia Rosa, que tinha uma percepção auditiva aguçada, tanto que muitas vezes falávamos baixo para ela não nos escutar. Uma vez, já adulto, em tempo de jabuticabas maduras, fui para minha árvore preferida, em entrelaçamento de galhos escolhidos desde muito tempo, e surpreendentemente tive minha única experiência de regressão: ouvi sons, conversas da infância, como se as pessoas estivessem por ali embaixo.

Se pudesse levar comigo alguns pertences junto com meu esquife, uma das fotos que escolheria seria a do olho mágico da casa de meus avós. Alguns povos tradicionais fazem desse procedimento ritualístico uma homenagem à pessoa falecida, de dar a ela dignidade na sua condição de existência em passagem, ao deixar que seja acompanhada pelos seus objetos mais íntimos. Como bens subjetivos, essas imagens imanentes para a intimidade protegida poderiam continuar a propiciar conforto para minha alma, e o indizível presente em pertencimentos e permanências dessa imagem iluminaria uma existência terrena. Afinal, quem não olhou pelo visor desse olho mágico não sabe de sua intimidade protegida, é apenas uma foto deslocada, e talvez até um dia habite as paredes de um museu – permito agora minha viagem egocentrada, mas, onde quer que esteja, ela não terá essa carga afetiva.

Soube, poucos dias antes de escrever este texto, que a casa foi cedida temporariamente a um casal de primos com um lindo filho ainda pequeno; fiquei muito feliz a imaginar essa criança crescendo ali com o cheiro doce do manacá, entre jabuticabas e roseiras, e chegando até o olho mágico depois de ouvir o som do portão. Sinto-me vivo nessa ilusão de um dia ainda sentar em cadeiras brancas de madeira no alpendre e olhar pelo visor da porta, mesmo que seja pela experiência da criança que ali habita. Uma vivência a mais estaria sendo alimentada por esse olho mágico...

Recebido em 20 de agosto de 2007 e aprovado em 23 de novembro de 2007.

Foto: Olho mágico da casa de meus avós em Franca-SP, de Fernando de Tacca

  • 1
    . Sapateiro: o retrato da casa. Revista Studium 10. Disponível em: <
  • 2
    . «Ausências», Luiz Vadico, Revista Brasileira de Sociologia da Emoção, 5 (14/15): p.197-202, ago/dez 2006. Disponível em: <
  • 3
    . A trilogia fílmica monossilábica de Godfrey Reggio (Koyaanisqatsi, Powaaqatsi e Naqoyqatsi) inspira-se nesse grupo étnico que habita montanhas rochosas no Arizona, EUA, e é conhecido pela complexidade simbólica de sua cosmogenia.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2008
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