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Editorial

EDITORIAL

Nos últimos tempos a educação ganhou espaço seguro na grande imprensa brasileira. É muito rara a semana em que os periódicos não trazem reportagens sobre a educação pública ou privada, sobre uma experiência realizada em alguma escola ou notícias de algum grupo de voluntários que desenvolvem um projeto especial em bairro de periferia de um grande centro urbano. Têm sido igualmente freqüentes as publicações de estudos ou de artigos de opinião sobre as mazelas do sistema; sobre as limitações de cobertura na educação básica; e sobre o baixo desempenho dos estudantes nas diferentes áreas do conhecimento. O foco, que historicamente esteve sobre o Ensino Superior, começou a deslocar-se para o Ensino Médio, sintoma de que a sociedade reclama mais atenção a esse grau de ensino. A juventude ganhou recentemente uma secretaria especial no Governo Federal e o compromisso de geração de políticas para esse grupo etário.

Dentro do clima de preocupações com a juventude e com sua escolarização, o Conselho Nacional de Educação – CNE – designou uma comissão interna para realizar um estudo sobre o Ensino Médio e a falta de professores qualificados em algumas áreas do conhecimento. O resultado foi divulgado em outubro passado, em forma de relatório, sob o título: Escassez de professores no ensino médio: propostas estruturais e emergenciais, e merece apreciação e discussão.

É mais do que oportuno o estudo que ora se divulga, uma vez que revela a preocupação com o Ensino Médio, apontado como o gargalo do sistema educacional brasileiro há um século. Talvez a última iniciativa bem-sucedida nesse sentido tenha sido realizada pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais – INEP –, nos anos 1950, quando da criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais – CBPE –, cuja missão era desenvolver pesquisas e preparar professores em todos os níveis e áreas, com vistas a expandir a educação nacional — projeto abortado pelo Governo Militar em meio à fracassada reforma de ensino cuja culminância foi a Lei 5.692/71.

O relatório do Conselho Nacional de Educação anuncia as consultas feitas às associações e aos sindicatos do campo educacional, desde a Associação Nacional de Formação dos Profissionais da Educação – ANFOPE – até o Fórum de Pró-Reitores de Graduação – FORGRAD –, além dos órgãos oficiais federais. De posse dos dados e das opiniões dos representantes diretamente interessados no assunto, a comissão elaborou seu relatório.

Na introdução, o texto apresenta os dados comparativos sobre a cobertura nacional de Ensino Médio em relação aos países vizinhos: Argentina, Chile e México e em relação aos países centrais; mostra que o Brasil apresenta os menores índices, o que se repete nos dados sobre o desempenho dos estudantes e nos de investimentos públicos em educação. Esta é, pois, a base sobre a qual trabalha a comissão. É notável o desconforto dos poderes públicos brasileiros com a permanente comparação de nossos índices educacionais nas estatísticas mundiais em relação aos nossos indicadores econômicos e às nossas pretensões políticas no campo internacional.

Ainda na introdução do texto encontra-se outra justificativa do estudo, apoiada em pesquisas realizadas em países de economia consolidada, nos termos que seguem:

Estudos realizados nesses países mostram que nem sempre existe uma associação de baixas taxas de desemprego e altas taxas de realizações educacionais. Entretanto, os mesmos estudos mostram, por sua vez, que existe uma relação direta entre a renda do trabalhador e o número de estudos por ele realizados. Os dados do Banco Mundial revelam que quatro anos de estudo ampliam em 33% a renda de um trabalhador; com oito anos de estudos, o impacto chega a 55% e, com 12 anos, a renda mais que duplica, alcançando 110%. Por isso, a universalização das matrículas no Ensino Médio torna-se decisiva para aumentar a renda do trabalhador e promover o desenvolvimento social de forma mais justa.

De pleno acordo com a necessidade premente de expandir o Ensino Médio; entretanto, a justificativa acima deve ser questionada, pois ela pode ser verdadeira ou falsa, dependendo do universo pesquisado pelo Banco Mundial. Para tomar essa afirmação em definitivo, teríamos que, pelo menos, estudar todos os indicadores sociais e culturais da população pesquisada, além das condições de empregabilidade no País. Este argumento, usado à exaustão durante os anos de ditadura para justificar o ensino profissional, já foi suficientemente criticado nos estudos desenvolvidos ao longo das últimas três décadas. Mesmo que se possa comprovar que população com mais anos de escolaridade tem melhores rendimentos, não me parece que essa deva ser a principal justificativa para a expansão do ensino, pois corre-se o risco de expandir uma escola desacreditada, na qual os estudantes não querem permanecer. A evasão e o número de vagas ociosas no Ensino Superior privado, mesmo com a oferta de bolsas de estudos, podem ser indicadores desse descrédito.

O simples fato de vivermos numa sociedade urbana e letrada, além de internacionalizada, já nos indica a necessidade de escolarização como fator de sobrevivência e de condições de vida dignas. Por outro lado, uma educação humanística, com vistas a oferecer a todos os jovens o acesso à cultura, às obras do pensamento universal e da arte não tem encontrado lugar nas políticas educacionais brasileiras desde o início do século XX.

No diagnóstico da situação brasileira de oferta educacional, o relatório do CNE aponta algumas das razões de nosso mau desempenho: ausência de propostas pedagógicas inovadoras e motivadoras; carência de professores bem preparados; falta de financiamento; baixos índices de investimentos em educação, comparados com outros países; necessidade de ingresso precoce no mercado de trabalho, por parte dos jovens; falta de transporte e de alimentação nas escolas que atendem a população rural. O estudo destaca, ainda, a desigualdade regional brasileira no atendimento às crianças e aos jovens em idade escolar, sendo o Nordeste a região de mais precário atendimento.

Entre as razões da situação atual da educação brasileira no que se refere aos professores é destacada a falta crucial de professores nas áreas científicas (Física, Química, Matemática, Biologia e Geografia), fruto da alta evasão de estudantes das licenciaturas em todas as áreas; dos baixos salários pagos aos professores; e das más condições de trabalho de todos os profissionais ligados à educação.

Com tal diagnóstico, os conselheiros responsáveis pelo estudo1 1 . Antonio Ibañez Ruiz, Mozart Neves Ramos, Murilo Hingel. oferecem dois níveis de propostas: estruturais e emergenciais. O conjunto de propostas estruturais parece que seria assinado e aplaudido pela ampla maioria dos educadores e pesquisadores do campo educacional. Vejamos por quê.

A comissão afirma que "não há como melhorar a qualidade da educação básica se as instituições de educação superior, em especial as federais, não forem convocadas e estimuladas a priorizar a formação inicial e continuada dos recursos humanos que vão atuar na educação básica".

Reconhece a condição precária de remuneração docente, responsável pela fuga de estudantes e de recém-formados desse campo profissional.

[...] os salários dos professores no Brasil, em qualquer etapa da Educação Básica, são muito mais baixos do que em outros países, inclusive Argentina, Chile e México, e não se pode enfrentar o atual déficit docente sem um estímulo financeiro aos profissionais, capaz de levar mais jovens a buscar os cursos de licenciatura em nossas universidades. Portanto, é fundamental estabelecer, no âmbito do Fundeb, um piso salarial para o professor de Ensino Médio, associado à avaliação de desempenho e que possa vincular-se a uma estratégia de formação continuada e de dedicação em tempo integral.

Considera a substituição do FUNDEF pelo FUNDEB um avanço, pois começa-se a dar a devida atenção ao Ensino Médio; entretanto, destaca a necessidade de aumentar o investimento em educação, para garantir que todos os estudantes possam ter acesso à informática, aos livros, ao transporte de boa qualidade e à alimentação na escola.

Propõe revisões curriculares e formação de professores por áreas, ao invés da tradicional formação por disciplina. Formação em licenciatura separada da formação no bacharelado. Traz a proposta — já apresentada por diversos pesquisadores e universidades — de criação de licenciaturas polivalentes. A Universidade Estadual de Campinas, por exemplo, mantém hoje cursos com ingresso diferenciado de estudantes ao bacharelado e à Licenciatura e uma bem-sucedida experiência de formação por área no seu Curso de Licenciatura em Física e Química, de responsabilidade da Faculdade de Educação, com a cooperação dos Institutos de Física e de Química da Universidade.

Outro bloco de propostas ligadas à formação dos professores com vistas a aumentar o número de formados e a melhorar a qualidade dessa formação destaca como desejáveis: ofertas especiais de bolsas de estudos para estudantes que se interessem por cursar licenciaturas nas áreas de maior deficit de professores; incentivo aos professores universitários que se dediquem à Educação Básica; apoio a projetos de integração entre a Educação Básica e o Ensino Superior; supervisão da qualidade da educação a distância.

Até aqui o relatório está de acordo com os debates produzidos no campo da educação; entretanto, a última parte do documento gera apreensões entre os educadores e pesquisadores. Trata-se das medidas emergenciais propostas. Tal apreensão está fundamentada na cultura brasileira, dentro da qual os poderes públicos têm transformado, ao longo da história, medidas emergenciais e transitórias em medidas permanentes e, muitas vezes, os governos acabam por acatar as medidas transitórias e emergenciais sugeridas, sem implementar jamais aquelas que de fato poderiam solucionar os problemas de fundo.

Assim, consideramos de alto risco para o sistema nacional de educação as medidas emergenciais propostas, especialmente se elas não vierem acompanhadas de mecanismos capazes de garantir a sua transitoriedade. Trata-se das propostas de contratação de profissionais liberais para assumir aulas para as quais faltem professores; de busca de professores estrangeiros para essas mesmas vagas. As opções por contratação de estudantes universitários e de professores aposentados parecem mais razoáveis.

No clima de busca de soluções rápidas para o baixo desempenho da educação pública, a Secretária de Educação do Estado de São Paulo divulgou em fevereiro último, na Revista Veja, em entrevista nas "Páginas amarelas", algumas das concepções que orientam a política daquela secretaria. A profª Maria Helena Castro, membro da equipe do Ministério de Educação na gestão Paulo Renato Costa Souza, no governo Fernando Henrique Cardoso, dá prosseguimento à política liberal que marcou aquele ministério. E apresenta propostas de caráter economicista e altamente conservadoras. O conteúdo da entrevista pode ser resumido com a citação de alguns parágrafos emblemáticos do pensamento da Secretária. Para defender seus pontos de vista, começa por atacar os educadores e os estudiosos da área.

Em pleno século XXI, há pessoas que persistem em uma visão sindicalista ultrapassada e corporativista, segundo a qual todos os professores merecem ganhar o mesmo salário no fim do mês. Essa velha política da isonomia salarial passa ao largo dos diferentes resultados obtidos em sala de aula, e aí está o erro. Ao ignorar méritos e deméritos, ela deixa de jogar luz sobre os mais talentosos e esforçados e, com isso, contribui para a acomodação de uma massa de profissionais numa zona de mediocridade. Por isso, demos um passo na direção oposta.

Resolve os problemas da educação paulista com a distribuição de verbas para as escolas bem comportadas. E bonificação aos professores por produtividade.

[...] Criamos um indicador para aferir a situação atual de cada escola e, com base nele, estabelecer metas concretas. O desempenho dos alunos em provas aplicadas pela própria secretaria terá o maior peso. Esse é, não resta dúvida, um excelente medidor do sucesso acadêmico de uma escola. Outro é o tempo que um aluno leva para concluir os ciclos escolares. Da combinação desses e mais fatores resultará o tal índice. Depois de um ano, ele voltará a ser calculado. Só as escolas que conseguirem melhorar nas estatísticas vão receber mais dinheiro. O bônus (para professores) pode chegar ao equivalente a mais três salários num ano. Isso para cada funcionário da escola, da faxineira ao diretor. Foi com um sistema bem semelhante a esse que a cidade de Nova York alcançou avanços notáveis. Fizemos aqui uma adaptação necessária à realidade brasileira: os professores mais faltosos serão automaticamente excluídos da lista dos premiados. É apenas o justo. O Brasil ainda está pouco habituado a encarar as políticas para a educação sob uma ótica mais voltada para os alunos. Eles merecem, afinal, assistir a uma boa aula – e por isso estamos deixando de premiar os professores campeões em ausência.

A Secretária clama por professores e pedagogos que, em lugar de saber pensar, analisar, discutir e interpretar as políticas públicas, saibam executar tarefas.

[...] No dia-a-dia, os alunos de pedagogia se perdem em longas discussões sobre as grandes questões do universo e os maiores pensadores da humanidade, mas ignoram o básico sobre didática. As faculdades de educação estão muito preocupadas com um discurso ideológico sobre as múltiplas funções transformadoras do ensino. Elas deixam em segundo plano evidências científicas sobre as práticas pedagógicas que de fato funcionam no Brasil e no mundo. Com isso, também prestam o desserviço de divulgar e perpetuar antigos mitos. Ao retirar o foco das questões centrais, esses mitos só atrapalham.

O pressuposto da Secretaria de Educação de São Paulo está em considerar que os professores das escolas públicas e os professores das universidades não resolvem o problema da educação escolar por birra. Pensa a Secretária que basta acirrar as disputas por bônus — já estabelecido que não serão para todos —, que o problema estará resolvido. Imagina que na escola pública estão professores com sólida formação humanística e científica, com adequadas condições de trabalho e com excelente qualidade de vida. Assim, basta oferecer bônus – que não serão incorporados aos salários – no final do ano, sobrecarregar os professores com cursos e mais cursos nos finais de semana e nas férias, empilhar material didático nas portas das escolas e fechar os Cursos de Pedagogia, tapando a boca dos educadores, que tudo se resolve.

Ora, o que deixa de considerar a Senhora Secretária é que o drama de São Paulo repousa na péssima formação dos professores, realizada em cursos noturnos, nas faculdades privadas isoladas ou nas universidades privadas que apostaram na titulação em massa. As estatísticas sobre a formação dos professores paulistas indicam que menos de 5% deles são formados nas universidades públicas. Outro indicador importante é que as escolas públicas do Estado mantêm um número muito alto, próximo a 50%, de professores não concursados e convivem com alta circulação de professores pelas escolas.

De todos os problemas da escola pública paulista, o maior e mais grave é a formação dos professores, que compõe um círculo vicioso que precisa ser interrompido, pois um professor não se forma só nas salas de aula. O professor necessita formar-se com hábitos de estudo, em contato com os bens da cultura, e dispor de condições dignas de trabalho, com tempo para estudar – o que não é sinônimo de horas em curso de capacitação –, e de condições adequadas de vida em sociedade, sem ter que chamar a polícia para garantir sua entrada e sua saída da escola. Sem isso não há bônus milagreiro que possa aumentar os índices de desempenho escolar.

A Comissão Editorial da Revista Pro-Posições acredita que a cultura é maior do que as produções instrumentais e que os educadores são, acima de tudo, pensadores e fruidores de pensamento e de arte. Por essa razão, apresenta neste número o dossiê que, segundo o prof. Milton Almeida, seu coordenador, pode ser melhor definido pela não-definição Aqui os textos são fotografia, imagem, literatura, poesia, arte, academia... Os gêneros estão misturados numa forma para a qual não temos um nome, e o leitor tem a liberdade de entendê-los como quiser.

Os textos da seção Artigos expressam a tradição da revista de acolher a produção escrita em abordagens diversas, cobrindo o amplo campo da educação e de conhecimentos conexos. Neste número encontram-se artigos que abordam desde a Educação Física como campo acadêmico; a formação de professores em Cuba; a educação e a recreação operária no princípio do século XX no Brasil; a socialização da criança e dos adultos e de crianças, entre si, em creches; a política educacional sobre mídias na escola; a centralidade da educação e da saúde básica; e as estratégias políticas e ideológicas da globalização, até o arbitrário da linguagem e o lugar da cultura.

Na seção Leituras e Resenhas são apresentadas e discutidas quatro obras publicadas que podem ser de interesse do leitor.

A seção Diverso e Prosa apresenta aspectos pouco conhecidos da vida social de Mario de Andrade e do grupo modernista, expressos por um exemplar de cardápio de um jantar com mecenas de São Paulo. Esse documento é apresentado e comentado por Telê Ancona Lopez, estudiosa da obra do poeta paulista.

Agueda Bittencourt

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    . Antonio Ibañez Ruiz, Mozart Neves Ramos, Murilo Hingel.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Set 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2008
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