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Estudo sobre implementação de trabalho em grupos com autonomia: pesquisa quantitativa numa amostra de empresas operando no Brasil

Study of the implementation of semi-autonomous groups and teamwork: survey research on a sample of enterprises operating in Brazil

Resumos

O artigo apresenta uma pesquisa sobre grupos semiautônomos e trabalho em grupos numa amostra intersetorial de 49 empresas operando no Brasil, as quais declararam utilizar equipes com autonomia em suas operações. Foi enviado um questionário com questões visando caracterizar as empresas, a abrangência da autonomia de suas equipes e os resultados obtidos a partir da sua utilização. Os dados foram submetidos a tratamento estatístico apropriado para variáveis não paramétricas, buscando encontrar possíveis correlações entre determinadas características das empresas, entre a abrangência da autonomia das equipes e respectivos resultados. Foi encontrada correlação positiva entre o grau de autonomia das equipes e resultados associados à sua capacidade superior de aprendizado, maior flexibilidade para responder a mudanças na produção e maior eficiência no fluxo de informações. O método (questionário e tratamento estatístico) pode ser replicado por outros pesquisadores em outras amostras de empresas. Trata-se de pesquisa cujos resultados permitem agregar dados quantitativos para o entendimento da utilização da autonomia nas empresas brasileiras.

Autonomia; Trabalho em equipes ou grupos; Gestão e organização do trabalho; Pesquisa quantitativa; Survey


This paper presents research on semi-autonomous groups and teamwork in an inter-sectorial sample of 49 firms operating in Brazil, which recognized the use of autonomous teams in its operations. A questionnaire was sent with questions aimed at profiling these firms, the comprehensiveness of the autonomy of their teams, and the results attained by adopting such teams with degrees of autonomy. Data were submitted to appropriate non-parametric statistical treatment, aiming to find possible correlations among characteristics of the firms, the comprehensiveness of the autonomy of the teams, and the respective results. A positive correlation was found between the degree of autonomy of teams and results linked to their superior learning ability, flexibility to respond to changes in the production set-up, and better efficiency of information flow. The method (questionnaire and statistical treatment) may be replicated by other researchers using samples from other firms. It is a survey which offers results that add quantitative data to the effort to analyze the use of autonomy in the country's companies.

Autonomy; Teamwork; Management and work organization; Quantitative Study; Survey research


Estudo sobre implementação de trabalho em grupos com autonomia: pesquisa quantitativa numa amostra de empresas operando no Brasil

Study of the implementation of semi-autonomous groups and teamwork: survey research on a sample of enterprises operating in Brazil

Paulo Eduardo SimonettiI,1 1 USP, São Paulo, SP, Brasil ; Roberto MarxII

Ipsimonetti@uol.com.br, USP,Brasil

IIrobemarx@usp.br, USP, Brasil

RESUMO

O artigo apresenta uma pesquisa sobre grupos semiautônomos e trabalho em grupos numa amostra intersetorial de 49 empresas operando no Brasil, as quais declararam utilizar equipes com autonomia em suas operações. Foi enviado um questionário com questões visando caracterizar as empresas, a abrangência da autonomia de suas equipes e os resultados obtidos a partir da sua utilização. Os dados foram submetidos a tratamento estatístico apropriado para variáveis não paramétricas, buscando encontrar possíveis correlações entre determinadas características das empresas, entre a abrangência da autonomia das equipes e respectivos resultados. Foi encontrada correlação positiva entre o grau de autonomia das equipes e resultados associados à sua capacidade superior de aprendizado, maior flexibilidade para responder a mudanças na produção e maior eficiência no fluxo de informações. O método (questionário e tratamento estatístico) pode ser replicado por outros pesquisadores em outras amostras de empresas. Trata-se de pesquisa cujos resultados permitem agregar dados quantitativos para o entendimento da utilização da autonomia nas empresas brasileiras.

Palavras-chave: Autonomia. Trabalho em equipes ou grupos. Gestão e organização do trabalho. Pesquisa quantitativa. Survey.

ABSTRACT

This paper presents research on semi-autonomous groups and teamwork in an inter-sectorial sample of 49 firms operating in Brazil, which recognized the use of autonomous teams in its operations. A questionnaire was sent with questions aimed at profiling these firms, the comprehensiveness of the autonomy of their teams, and the results attained by adopting such teams with degrees of autonomy. Data were submitted to appropriate non-parametric statistical treatment, aiming to find possible correlations among characteristics of the firms, the comprehensiveness of the autonomy of the teams, and the respective results. A positive correlation was found between the degree of autonomy of teams and results linked to their superior learning ability, flexibility to respond to changes in the production set-up, and better efficiency of information flow. The method (questionnaire and statistical treatment) may be replicated by other researchers using samples from other firms. It is a survey which offers results that add quantitative data to the effort to analyze the use of autonomy in the country's companies.

Keywords: Autonomy. Teamwork. Management and work organization. Quantitative Study. Survey research.

1. Introdução

Tem havido crescente interesse em alternativas de organização do trabalho baseadas em equipes com autonomia, especialmente após a década de 1990. Essa afirmação é compartilhada por vários autores: Appelbaum e Batt (1994), Lawler et al. (1992), Muller et al. (2000), Tubbs (1994), Zarifian (1995), Marx (1997, 2008), Salerno (1998), Zilbovicius e Dias (2005), para mencionar alguns.

Esse movimento deve ser considerado como uma entre muitas iniciativas das empresas para sobreviver em um novo cenário, caracterizado por rápidas mudanças nos ambientes de negócios e por uma crescente competição por custos, qualidade, inovação e flexibilidade. Nesse sentido, algumas companhias tentam rever o modelo taylorista de posto de trabalho fixo associado à prescrição e controle externo de tarefas (SALERNO, 1998). O trabalho em equipes com autonomia é uma alternativa viável a este modelo (MARX, 1997).

O projeto de pesquisa que originou este artigo buscou descrever e entender como o conceito de autonomia tem sido adotado por empresas operando no Brasil. Encontra-se, entre a produção científica nacional aplicada a empresas atuando no país, uma série de estudos de caso. Por outro lado, trabalhos com enfoque quantitativo, abrangendo dezenas de empresas, são encontrados apenas na literatura estrangeira. Os autores entenderam que uma pesquisa de enfoque quantitativo, portanto mais abrangente, envolvendo dezenas de empresas, contribuiria para o estudo do tema "autonomia na organização do trabalho" nas empresas no Brasil.

Com esse propósito, um questionário foi desenvolvido para coletar informações que permitissem conhecer:

  • Características das empresas da amostra;

  • Motivações para as companhias adotarem o conceito de autonomia na organização do trabalho;

  • Condução do projeto, incluindo a influência do sindicato e as estratégias de remuneração adotadas;

  • Características das equipes, a profundidade e abrangência da autonomia; e

  • Resultados obtidos.

O questionário permitiu caracterizar as empresas da amostra quanto à origem do capital, setor da economia, tamanho, tipo de processo produtivo e perfil com relação à inovação. Outra parte do questionário foi desenvolvida para medir o grau de autonomia das equipes, usando uma escala de respostas graduada, do tipo Likert - proposta ao entrevistado, para ele poder quantificar a autonomia das equipes, relacionando tarefas cotidianas da produção, gestão de recursos humanos e gerenciamento da unidade de negócios em que se encontram inseridas. A última parte enfoca as razões que estimularam as empresas a escolher autonomia como uma estratégia de organização do trabalho e os respectivos resultados obtidos.

O questionário foi aplicado a uma amostra não probabilística de centenas de empresas, e foram obtidas 49 respostas com a qualidade necessária. Um teste de estatística indutiva (coeficiente de correlação ρ de Spearmann) foi utilizado para examinar as hipóteses, buscando eventuais correlações entre a abrangência da autonomia das equipes e:

  • Rapidez e efetividade da comunicação intraequipe e interequipes;

  • Velocidade para resolver problemas;

  • Eficácia para lidar com variações na produção; e

  • Eficácia das equipes para atender às necessidades das empresas mais inovadoras.

Nos tópicos abaixo a metodologia do trabalho será exposta em maiores detalhes, bem como os resultados obtidos.

2. Fundamentos teóricos

2.1. O conceito de autonomia e grupos semiautônomos

O modelo taylorista/fordista foi o primeiro paradigma de organização do trabalho da sociedade industrial. Seus fundamentos principais são (Taylor, 1990):

  • Proposição de um método para substituir os métodos empíricos de execução das atividades;

  • Seleção criteriosa do trabalhador, baseada nas exigências da aplicação do método proposto no item anterior; e

  • Separação radical entre planejamento e execução do trabalho.

O taylorismo/fordismo foi fundamental para o desenvolvimento da indústria no século XX, por permitir importantes ganhos de produtividade e consequente redução de custos. Enorme contingente de pessoas que antes não tinham acesso a produtos industrializados passaram a ter, criando-se a sociedade de consumo. No entanto, o modelo apresenta, desde o início, significativos efeitos colaterais:

  • Doenças relacionadas ao trabalho;

  • Polarização entre industriais/capitalistas e operários e seus representantes;

  • Alienação dos operários;

  • Lentidão para reagir a problemas de qualidade, devido a seu enfoque reativo; e

  • Mais recentemente, o mercado de consumo tem assumido maior complexidade, exigindo diversidade de produtos, maior frequência de inovações, situações que requerem aumento de flexibilidade operacional, aspecto em que o modelo é deficiente.

Por sua vez, o conceito de autonomia aplicado à manufatura e produção em larga escala foi identificado na década de 1940, na Grã-Bretanha e na Índia. Em diversos aspectos é antagônico ao modelo taylorista/fordista, justamente visando evitar alguns de seus efeitos colaterais. O modelo de autonomia pode ser definido pelas características abaixo, as quais podem se manifestar em maior ou menor grau (Cherns, 1987):

  • Um grupo de operários passa a dominar um ciclo maior de tarefas, exercendo diversas funções na equipe;

  • Integrantes da equipe participam da divisão das tarefas entre si;

  • Operários participam da elaboração dos padrões de trabalho;

  • Atividades de administração da produção são compartilhadas pelos supervisores e gerentes com as equipes;

  • A comunicação entre equipes e outros departamentos da empresa pode ser feita sem intermédio de supervisores. Em casos mais avançados, a supervisão direta é suprimida; e

  • Tarefas como controle de qualidade e manutenção são assumidas, totalmente ou parcialmente, pelas equipes.

O conceito de autonomia tem sido aplicado desde então em diversas empresas pelo mundo, com maior ou menor abrangência, no que se refere à autonomia das equipes. O próprio modelo japonês, conhecido como toyotismo, traz em si alguns elementos de autonomia (Ohno, 1997). Longe de se tornar um novo paradigma, o modelo tem se mostrado de difícil implementação, uma vez que pressupõe mudanças profundas na mentalidade de empresários e trabalhadores, e na própria estrutura das empresas. Por consequência, seus resultados não são imediatos, o que também pesa contrariamente na decisão de empresários e trabalhadores por adotá-lo.

Mesmo assim, o conceito de autonomia e trabalho em grupos continua sendo identificado nos mais variados estudos de caso e pesquisas quantitativas, no exterior e no Brasil, conforme foi mencionado na Introdução deste artigo. A pesquisa que motivou este artigo visa ajudar a entender esse movimento no país, bem como identificar que resultados têm logrado.

3. Elaboração das hipóteses a serem testadas

Vários autores relacionados ao tema defendem a tese de que o trabalho em equipes com autonomia oferece desempenho superior em alguns aspectos, se comparado com o esquema (tradicional) taylorista de organização do trabalho. Para mencionar alguns exemplos, pode-se referenciar Appelbaum e Batt (1994), Dankbaar (1998), Jonsson (2004), Moldaschl e Weber (1998). As características inerentes às equipes com autonomia favorecem alguns aspectos do seu desempenho. Este artigo vai se concentrar nos seguintes aspectos:

  • Fluxo de informações mais eficiente;

  • Melhoria da capacidade de aprendizado; e

  • Aumento da flexibilidade para responder a variações nas demandas feitas à empresa e suas equipes.

3.1. Relacionando autonomia das equipes à comunicação mais eficiente

Foram enunciados por Cherns (1987) vários princípios para um projeto organizacional e de equipes de trabalho compatíveis com o modelo sociotécnico de grupos semiautônomos. Alguns desses princípios se relacionam ao fluxo de informações (intraequipes, interequipes e entre equipes e outros departamentos da empresa) e buscam otimizar a comunicação. São três princípios:

  • Posicionamento de fronteiras: os limites de atuação de uma equipe devem ser definidos de forma a possibilitar seu domínio de uma etapa completa dentro do processo de produção. Dessa forma poderá ser mais efetiva em suas ações, bem como será mais fácil aferir os resultados de sua atividade. Por exemplo, numa montadora de automóveis que adote

    layout por função (compatível com o modelo taylorista/fordista de divisão de tarefas), o grupo responsável pela área de prensa de matriz deveria compor uma única equipe, bem como o grupo responsável pela fundição etc. Já numa montadora de automóveis que adote

    layout em células (agrupando várias funções, como uma pequena fábrica dentro da fábrica maior), cada célula, por definição, é concebida para compor uma única equipe multifuncional;

  • Fluxo de informações: as informações relevantes para o processo decisório das equipes devem estar disponíveis, não dependendo de gerentes ou supervisores para fornecê-las. As equipes também devem receber avaliações e críticas no que se refere a suas atitudes e seu desempenho; e

  • Suporte compatível: os departamentos de planejamento da produção, manutenção, logística, compras, comercial, enfim, aqueles que têm relacionamento relevante com as equipes, deveriam operar de modo coerente com o projeto organizacional, trocando informação em tempo real com elas. As equipes, em contrapartida, deveriam divulgar a informação que produzem.

A partir das considerações acima, construiu-se uma primeira hipótese para ser testada na pesquisa de campo, tentando evidenciar se há melhor comunicação num contexto de equipes com autonomia.

  • H1: Há correlação positiva entre a autonomia e a efetividade da comunicação entre equipes e gestores, bem como entre equipes e outros departamentos da empresa.

3.2. Relacionando a autonomia à velocidade para resolver problemas

De acordo com Trist (1981):

[...] equipes com autonomia são sistemas que aprendem. Conforme crescem suas capacidades, elas estendem seu espaço de decisão. Em unidades de produção, tendem a absorver certas atividades de manutenção e funções de controle. Elas se tornam capacitadas a ajustar as próprias máquinas. A capacidade de resolução de problemas aumenta no que diz respeito a assuntos cotidianos. (TRIST, 1981, p. 24)

Outro princípio de projeto sociotécnico (Cherns, 1987) é o conceito de multifuncionalidade: os componentes das equipes devem desenvolver capacidade de desempenhar uma série de tarefas de operação e coordenação. A multifuncionalidade é fundamental para a flexibilidade das equipes e para o crescimento profissional de seus componentes, crescimento que advém da diversificação de suas competências profissionais.

O projeto organizacional baseado em equipes com autonomia estimula os indivíduos a expandirem suas habilidades. As pessoas tendem a ampliar seu espaço de decisão, seu senso de propriedade, sua capacidade de coordenação e a habilidade de resolver problemas mais complexos que as situações cotidianas, passando a depender menos dos gestores. Esse raciocínio leva a uma segunda hipótese:

  • H2: Há correlação positiva entre a autonomia das equipes e a velocidade para resolver problemas rotineiros e também problemas não rotineiros.

3.3. Relacionando a autonomia à flexibilidade para responder a mudanças de configuração na produção

No que se refere à flexibilidade, autores como Muller, Procter e Buchanan (2000) e Salerno (1998) concordam que equipes com autonomia são uma alternativa melhor para responder a certas variações nas condições operacionais (programação da produção, curva de aprendizado para novos produtos, diferentes matérias-primas, alterações frequentes de mix etc.) do que a tradicional organização do trabalho baseada em prescrição externa de tarefas e controle externo do trabalho.

Estudando uma amostra de empresas japonesas do setor eletrônico, Miyake (2005) encontrou evidências de que equipes com autonomia podem desenvolver capacidade superior para se adaptarem dinamicamente a desvios de processo e programa de produção. Essas empresas da amostra em questão competem em um mercado que desafia a área de manufatura, com grande diversidade de produtos (muitos itens diferentes produzidos ao mesmo tempo), variação de gama de produtos (muitos itens diferentes na lista de produtos), frequente renovação de produtos e usual inovação de produtos ou processos.

  • H3: O grau de autonomia das equipes é positivamente correlacionado a sua maior velocidade/flexibilidade para responder a mudanças no programa de produção e trocas de configuração.

3.4. Relacionando a autonomia às necessidades das empresas mais inovadoras

Qual a relação entre autonomia das equipes e as necessidades das firmas inovadoras? Entenda-se aqui "inovação" como maior taxa de lançamento de produtos, não se está referindo exclusivamente à inovação que advém de novas tecnologias. A empresa que possui frequência maior de lançamento de produtos vai sofrer um ajuste mais usual de equipamentos, além de ter que dar conta da curva de aprendizado posterior a cada lançamento. Não raro vai enfrentar maiores alterações de mix, de gama de produtos e de set-up.

No mesmo estudo citado logo acima, em uma amostra de empresas japonesas do setor eletrônico, Miyake (2005) discute a contribuição das equipes para reduzir o tempo de curva de aprendizado quando novos produtos/processos são implementados: por serem mais efetivas ao lidarem com a variação de mix e mais eficientes para mudanças de configuração nos equipamentos.

Em seu estudo de empresas brasileiras que adotaram trabalho em grupos, Marx (1997) encontrou evidências de aumento da flexibilidade de mix e de set-up. Porém não achou provas de aumento da flexibilidade para introdução de novos produtos. O autor justifica os resultados, pois tais eventos eram pouco frequentes nas empresas estudadas.

Há, portanto uma oportunidade de contribuir com essa discussão, testando os dados obtidos na pesquisa de campo, por meio da hipótese 4:

  • H4: Há correlação positiva entre o grau de autonomia adotado pelas empresas da amostra e a variável inovação, medida em termos de taxa de lançamento de novos produtos.

A variável inovação será medida como taxa de lançamento de produtos. Será possível assim procurar identificar correlação entre a variável inovação e a variável autonomia. Se confirmada a hipótese 4, tal conclusão significaria que as empresas mais inovadoras tendem a propiciar maior autonomia a suas equipes e assim obter melhores resultados para suas necessidades.

A seguir, será detalhada a metodologia utilizada para o teste dessas hipóteses.

4. Metodologia da pesquisa de campo

4.1. Questionário

O projeto foi fundamentado num roteiro para pesquisa quantitativa desenvolvido por Forza (2002) e de recomendações para o desenvolvimento de um questionário (HILL, 2002; ALRECK; SETTLE, 1995). Desenvolver de forma correta o questionário é crucial, pois a formulação apropriada das questões é de grande importância em uma pesquisa quantitativa baseada em questionário, como esta, no qual elas são respondidas na ausência do pesquisador.

Uma das mais importantes tarefas foi medir apropriadamente o grau de autonomia das equipes. Uma vez que se trata de variável de natureza até certo ponto subjetiva, esta foi determinada indiretamente, a partir da identificação de medidas parciais relacionadas à autonomia das equipes, tais como a capacidade de "determinar a velocidade de execução das tarefas" ou a possibilidade de "escolher lideranças internas". Esse artifício é comum nas pesquisas em ciências sociais. Para esse propósito, um questionário já testado em campo, por meio de estudos de caso feitos por Marx (1997), foi adaptado para essa situação. É muito importante usar questões já testadas e validadas em outras pesquisas, caso contrário a capacidade do instrumento de medir corretamente os aspectos desejados pode ficar comprometida.

Embora tenham sido tomados os cuidados considerados importantes para que a noção de autonomia não fosse entendida pelos respondentes como sendo um valor positivo em si mesmo, é possível que, pelo fato de se buscar entender o processo de implantação de formas organizacionais baseadas nesse conceito, esses esforços não tenham sido plenamente satisfatórios. De qualquer forma, essa foi uma preocupação constante ao longo do processo de elaboração do questionário.

Uma escala de respostas do tipo Likert foi proposta para o respondente, de modo que ele pudesse quantificar a autonomia das equipes de acordo com 16 dimensões estudadas que, nesta pesquisa, compõem os indicadores parciais da autonomia:

4.1.1. Tarefas operacionais

  • Q1: capacidade/possibilidade de distribuir as tarefas entre os membros da equipe;

  • Q2: capacidade/possibilidade de definir a velocidade padrão do trabalho;

  • Q3: capacidade/possibilidade de definir a sequência de tarefas;

  • Q4: capacidade/possibilidade de mobilizar serviços de suporte, tais quais manutenção, qualidade etc.;

  • Q5: capacidade/possibilidade de rejeitar materiais fora de especificação;

  • Q6: capacidade/possibilidade de operar a interface com outros departamentos (recursos humanos, compras, planejamento da produção, vendas); e

  • Q7: capacidade/possibilidade de liberar produtos terminados para o mercado.

4.1.2. Aspectos relacionados à gestão de recursos humanos

  • Q8: capacidade/possibilidade de escolher líderes;

  • Q9: capacidade/possibilidade de planejar escala de férias;

  • Q10: capacidade/possibilidade de organizar reuniões quando necessário;

  • Q11: capacidade/possibilidade de influenciar na admissão ou saída de membros da equipe;

  • Q12: capacidade/possibilidade de participar da avaliação de desempenho da equipe e seus indivíduos;

  • Q13: capacidade/possibilidade de definir necessidades de treinamento; e

  • Q14: capacidade/possibilidade de definir e medir indicadores de desempenho dos indivíduos/grupos.

4.1.3. Aspectos relacionados à gestão da unidade do negócio

  • Q15: capacidade/possibilidade de gerenciar orça-mento próprio;

  • Q16: capacidade/possibilidade de influenciar na gestão de sua unidade de negócio.

Fixou-se uma escala de 0 a 10 sendo que o valor "0" significa que as equipes não têm nenhuma capacidade/possibilidade de participação no processo de decisão; "5" representa uma escolha em que as equipes têm responsabilidade parcial no processo de decisão; a escolha do valor "10" levaria à alternativa em que as equipes têm total autonomia no processo de decisão específico.

A última parte das questões enfocou as razões que estimularam as empresas a escolher o conceito de autonomia como estratégia de organização do trabalho, e os resultados a eles associados. Os respondentes deveriam dar peso de 0 a 10 para a importância de cada um dos nove objetivos propostos, bem como dar peso de 0 a 10 para o resultado, ou sucesso, obtido em cada um.

  • R1: maior velocidade/flexibilidade para responder a mudanças no programa de produção e mudanças no

    set-up;

  • R2: maior velocidade para resolver problemas rotineiros;

  • R3: maior velocidade para resolver problemas não rotineiros e complexos;

  • R4: motivar as pessoas a controlarem a qualidade do próprio trabalho, dependendo menos de inspeção externa;

  • R5: redução de custos devido à redução do número de funcionários;

  • R6: motivar as pessoas, devido ao fato de trabalharem com menos controle direto e supervisão;

  • R7: melhoria da comunicação entre as equipes e os gestores;

  • R8: liberar tempo para os gestores, para se dedicarem a assuntos mais estratégicos; e

  • R9: melhorar a comunicação entre as equipes e outros departamentos da empresa.

4.2. Amostra

Por conta de limitações de tempo e recursos, não foi objetivo desta pesquisa utilizar uma amostra probabilística. Portanto, os resultados não são adequados para serem extrapolados para além da amostra. O objetivo, entretanto, foi encontrar respondentes (firmas) que reconhecessem adotar o conceito de autonomia, de acordo com instruções e definições explicitadas ao respondente. Outra condição necessária era encontrar um número de casos que permitisse realizar testes de estatísticas indutivas (correlação, por exemplo) com significância estatística (HILL, 2002; GRIMM, 1993).

A amostra, portanto, foi escolhida por conveniência: as 500 empresas pertencentes ao ranking "Maiores e Melhores" conforme a revista Exame, tradicional publicação de negócios da editora Abril, que tem compilado tal ranking há quase duas décadas. Outra fonte foi a base de dados de clientes corporativos da Fundação Carlos Alberto Vanzolini, uma organização com 30 anos de existência, vinculada à Escola Politécnica da USP, dedicada à difusão do conhecimento na área de gestão de operações e melhores práticas de negócios. Por último, outras companhias foram convidadas, por pertencerem ao Grupo de Estudos do Trabalho Autônomo (GETA), uma rede informal composta por profissionais de diferentes empresas, que organiza fóruns nos quais se dedicam ao estudo e intercâmbio de experiências relacionadas à adoção do conceito de autonomia. Portanto, uma importante amostra de firmas operando no Brasil foi convidada a participar da pesquisa, sem distinção de tipo de processo, setor de economia, origem de capital. Entretanto, uma significativa questão metodológica deve ser considerada: pela forma como foi composta, a amostra apresenta tendência a contemplar empresas de grande faturamento (maiores que R$ 100 milhões/ ano).

Usando cartas ou emails, cerca de 1.300 questionários foram enviados. A resposta foi de 72 casos, dentre os quais 56 reconheceram adotar o conceito de autonomia, mas somente 49 foram considerados adequados para ser tratados na pesquisa (4 eram repetidos, ou seja, tratava-se de diferentes respondentes, mas na mesma empresa, e 3 questionários foram descartados por falta de consistência dos dados).

4.2.1. Resumo do perfil das empresas da amostra

  • 51% das empresas da amostra são de grande porte, ou seja, possuem mais de 500 funcionários (critério de porte utilizado pelo IBGE);

  • 75% faturam mais de R$ 100 milhões por ano, a mais alta faixa de faturamento entre as oferecidas no questionário, para classificar as empresas;

  • 12% delas são de capital público, 54% são de capital majoritariamente estrangeiro e 27% de capital majoritariamente nacional;

  • Em relação ao tipo do processo de operação, 57% podem ser classificados como pertencendo ao tipo manufatura de larga escala;

  • 11% são empresas do setor de serviços;

  • 75% exportam pelo menos 10% da sua produção;

  • 65% exportam produtos intensivos em tecnologia; e

O número de empresas que adota trabalho em grupos com autonomia no Brasil é crescente, desde o final dos anos 90.

4.3. Testes estatísticos

O propósito foi testar a hipótese de correlação positiva entre as variáveis independentes relacionadas à autonomia (16 variáveis) e as variáveis dependentes associadas aos resultados atingidos pelas equipes (9 variáveis). Apesar de ser comum em pesquisas como esta (HILL, 2002), a técnica de análise fatorial não foi usada para reduzir o número de variáveis, porque requer variáveis métricas com distribuições próximas da normal. Tais condições não são atendidas pela totalidade dos dados disponíveis. Seguindo o procedimento de validação proposto por Hill (2002), as 16 variáveis relacionadas à autonomia foram reduzidas para uma variável latente denominada autonomia, com 49 componentes, cada uma correspondente a um caso (o somatório das notas das 16 questões usadas para medir a autonomia das equipes, em cada caso). O coeficiente Alfa de Cronbach, amplamente aceito em estudos desse tipo, para analisar a validade interna de uma variável, resultou 0,870, calculado por meio do programa estatístico SPSS 15.0 para a nova variável autonomia. Trata-se de excelente resultado, considerando a faixa adequada de 0,8 a 0,9 prescrita pela literatura.

Para testar a correlação entre a variável autonomia e cada uma das variáveis entre R1 e R9 relacionadas aos resultados obtidos pós-implantação das equipes, foi utilizado o coeficiente de correlação ρ de Spearman. Trata-se de um teste não paramétrico, particularmente adequado ao tipo de dados disponíveis: escala de respostas tipo Likert e número de casos relativamente pequeno (HILL, 2002). Procedimento similar foi adotado, por exemplo, em trabalho de Perrons e Plats (2005).

5. Resultados dos testes de hipóteses

Os coeficientes de correlação calculados usando-se o SPSS 15.0 são exibidos na Tabela 1 abaixo. Para o teste bicaudal, com nível de significância α = 0,05, foi encontrada correlação entre a variável autonomia e os seguintes resultados:

  • R1: maior velocidade/flexibilidade para responder a mudanças no programa de produção e mudanças no

    set-up;

  • R2: maior velocidade para resolver problemas rotineiros;

  • R3: maior velocidade para resolver problemas não rotineiros e complexos;

  • Com nível de significância ainda maior, α = 0,01, foi encontrada correlação entre a variável autonomia e os seguintes resultados:

  • R7: melhor comunicação entre as equipes e os gestores;

  • R8: liberar tempo para os gestores, para se dedicarem a assuntos mais estratégicos; e

  • R9: melhorar a comunicação entre as equipes e outros departamentos da empresa.

A hipótese H1 está, portanto, confirmada para o teste bicaudal, com nível de significância α = 0,01, ou seja, há correlação positiva entre a autonomia das equipes e a efetividade da comunicação entre elas e gestores, e também entre as equipes e outros departamentos da empresa. Quanto mais autonomia, mais eficiente o fluxo de informações. É um fato importante a ser considerado, numa sociedade na qual a informação é cada vez mais rápida e mais complexa. É também um aspecto fundamental para a flexibilidade, mencionada na hipótese H3, e para o processo de aprendizado das equipes, mencionado na hipótese H2.

A hipótese H2 também foi confirmada, para o teste bicaudal, com nível de significância α = 0,05. Assim, chega-se ao resultado de que há correlação positiva entre a autonomia das equipes e a velocidade para resolver problemas rotineiros e também problemas não rotineiros e complexos. A habilidade para resolver problemas, com menor dependência de prescrição externa direta e da supervisão, é vista como indicador da capacidade de aprendizado das equipes. A maioria dos tipos de empresas se beneficiaria de equipes que "aprendem sozinhas", mas alguns tipos de empresas se beneficiariam mais: em tese, aquelas empresas mais pressionadas por flutuações na demanda, e pela necessidade de serem mais flexíveis para responder a essas flutuações; ou aquelas empresas nas quais a inovação, de produto ou processo, seja mais importante para a estratégia do negócio (MARX, 1997).

Também a hipótese H3 foi confirmada, para o teste bicaudal, com nível de significância α = 0,05: o grau de autonomia das equipes é positivamente correlacionado com a sua maior velocidade/flexibilidade para responder a mudanças no programa de produção e trocas de configuração. Trata-se de importante resultado empírico, pois confirma o que muitos estudos de caso indicam (SHIOBARA, 2000; MARX, 1997). Firmas que são desafiadas por maiores frequências de alteração de mix de produtos e de gama de produtos deveriam se beneficiar mais das características das equipes com autonomia. O mesmo vale para as empresas mais inovadoras, aquelas que frequentemente oferecem novos produtos ao mercado.

Os dados obtidos não permitem confirmar a hipótese H4 que testou se há correlação positiva entre o grau de autonomia adotado pelas empresas da amostra e a variável inovação, medida em termos de taxa de lançamento de novos produtos. Importante ressaltar que o teste é bicaudal, ou seja, também foi testada a possibilidade de correlação negativa, e não foi encontrada correlação negativa significativa.

6. Considerações complementares

Além dos testes de hipóteses, a análise dos dados permite outras conclusões:

6.1. Trabalho em grupos com autonomia é uma iniciativa encontrada principalmente em empresas de grande porte, ambientes de operação na manufatura e que produzem bens com alto conteúdo tecnológico

Os dados obtidos indicam que o conceito de trabalho em grupos com autonomia foi adotado por organizações mais complexas, de maior porte, normalmente mais desenvolvidas nas questões de organização e estrutura. Os dados mostram ainda que, embora em menor número, iniciativas nessa direção têm sido tomadas por empresas atuando no setor de serviços, tanto privados como públicos.

O que chama atenção é o fato de empresas cuja configuração se aproxima da burocracia mecanizada (empresas de grande porte, que operam com grandes volumes e altas escalas de produção) ser as que mais frequentemente buscam implantar conceitos como o de trabalho em grupos semiautônomos. Esse ponto será retomado mais à frente neste artigo, uma vez que, tomando-se como referência o trabalho de Mintzberg e mesmo de autores como Salerno (1998) e Marx (1997), o conceito de grupos semiautônomos é coerente com organizações do tipo adhocráticas, segundo a denominação proposta por Mintzberg (2003), ou seja, que buscam continuamente a inovação e se organizam de forma coerente (não raro empresas de pequeno porte), com base em características que se encontram presentes exatamente nesse conceito.

6.2. A autonomia na alocação de postos e de funções tem sido o principal resultado buscado

Em relação ao tipo de autonomia que foi introduzido, das 49 empresas pesquisadas 24% delas se declaram como possuindo estruturas organizacionais nas quais não há supervisores diretos. No outro extremo, 6% delas afirmam que suas equipes têm muito pouca autonomia devido à manutenção de supervisores diretos responsáveis por parte substancial das decisões. Isto significa que os restantes 70% estão na escala intermediária, sendo que uma análise mais detalhada deste grupo de empresas revela que:

  • No que se refere às decisões de caráter mais operacional como: autonomia para interromper a produção, para alocar indivíduos aos postos ou atividades de primeira manutenção, as equipes apresentam elevado grau de autonomia (7,3 em uma escala de 0 a 10);

  • No que se refere aos aspectos ligados à gestão de pessoas (em decisões como avaliação do desempenho de colegas, participação em incorporações e desligamentos do grupo, entre outras), este número cai para 6.2, sinalizando uma avaliação menor na autonomia ligada a este quesito; e

  • Finalmente, nos aspectos que avaliam a autonomia das equipes em relação a decisões de gestão do negócio, a autonomia é significativamente menor, atingindo o grau 3,6.

A autonomia das equipes pesquisadas revela-se concentrada nos aspectos de divisão do trabalho no cotidiano das operações, em detrimento das decisões de caráter mais estratégico ou daquelas ligadas às questões de gestão de pessoas.

6.3. Não foi possível afirmar que trabalho em grupos com autonomia está correlacionado com inovação de produtos

Essa discussão será feita a partir de diferentes fontes de resultados de pesquisa. No caso dos resultados desta pesquisa, inovação é definida como sendo a taxa de lançamento de novos produtos/serviços, e parte-se do pressuposto que formatos organizacionais baseados em autonomia são adequados para lidar com ambientes marcados pela necessidade de inovação2 2 A definição de inovação nesta pesquisa é diferente da definição do Manual de Oslo, a mais comumente utilizada. No manual em referência considera-se inovação de produtos qualquer produto novo para a operação considerada. Isto significa que produtos anteriormente produzidos em outra fábrica do mesmo grupo, se transferidos para a operação em questão, seria considerado como uma incidência de novo produto. . As empresas objeto desta análise foram convidadas a se autoavaliar em relação ao grau de inovação, e a média obtida por essa resposta atingiu 7,5 (de 1 a 10).

Como mencionado há pouco, não foi possível refutar nem aceitar a hipótese 4, de que há correlação positiva entre autonomia e inovação. Os dados da amostra não permitem avançar nessa discussão. Mesmo assim, vale a pena insistir em uma possível resposta para essa questão. Recuperando dados da PAEP (FUNDAÇÃO..., 2001)3 3 Os dados da PAEP permitem discutir relação entre inovação e organização da produção, mesmo que de forma superficial, uma vez que no questionário utilizado pela PAEP as questões organizacionais sejam tratadas com pouco detalhe. Outras fontes de dados sobre inovação disponíveis, tais como a PINTEC, não permitem esse tipo de relação por não conterem perguntas sobre organização da produção. , uma pesquisa censitária, realizada somente para empresas localizadas no estado de São Paulo, percebe-se que são as empresas de manufatura e de grande porte as que mais frequentemente inovam em produtos e utilizam novas técnicas de gestão da produção. Dentre as técnicas disponíveis na pesquisa da PAEP, a que mais se aproxima do conceito de trabalho em equipes é a assim denominada "minifábricas" (a rigor, em uma "minifábrica" não necessariamente o trabalho é realizado em grupo, muito embora em determinadas empresas o conceito de grupos semiautônomos tenha sido "batizado" exatamente com esse nome). Pode haver, portanto, indícios de que essa correlação exista, mesmo não tendo sido possível confirmá-la nesta pesquisa.

Resultados mais conclusivos foram obtidos por um trabalho pioneiro sobre a relação entre organização e inovação por um conjunto de pesquisadores europeus (JANSEN et al., 2007) a partir de dados agregados de empresas dinamarquesas. Os autores constroem um referencial teórico que identificam como "modos de inovação", ou seja, estratégias pelas quais as empresas priorizam seus esforços de inovação. Dois perfis genéricos são propostos: o assim chamado perfil "STI" (baseado na produção e utilização de conhecimentos técnicos e científicos codificados) e, alternativamente, o perfil "DUI", fundamentado na geração de inovações centradas em processos de aprendizado e conhecimento gerado a partir da experiência dos indivíduos. Os indicadores para avaliar o perfil "STI" são os convencionais: investimentos em P&D, número de contratos de parceria, número e formação de técnicos etc. No caso do perfil "DUI", o principal indicador foi a utilização do que neste trabalho estamos chamando "novas formas de organização do trabalho" ou características das empresas inovadoras.

Esta pesquisa, que contou com 1.141 respondentes, revela que empresas que adotam o perfil "DUI" são mais inovadoras que as que adotam o perfil "STI". Porém as empresas que adotam fortemente os dois perfis são ainda mais inovadoras (JANSEN et al., 2007).

Estas constatações e a análise da bibliografia sobre o tema revelam algumas conclusões preliminares sobre a relação entre organização do trabalho na produção e inovação de produtos e processos:

  • Os processos de inovação, nas empresas da amostra, não têm priorizado a sua integração com a organização do trabalho em grupos na operação fabril. Há indícios de que as empresas que mais inovam seus produtos e serviços sejam também as que mais frequentemente implementam novas formas de organização do trabalho. Se essa relação existir, entretanto, não se pode afirmar que a inovação ocorra sob influência dessas novas formas de organização, já que estas últimas se concentram na operação, função que, provavelmente, não participa dos processos de inovação dessas mesmas empresas;

  • O reconhecimento da fonte de inovação representada pelos trabalhadores diretos tem sido buscado - quando ocorre - a partir do estímulo à iniciativa individual dos trabalhadores, ou então em atividades de projetos de melhoria contínua que, embora incorporem atividades grupais, pouca relação possuem com a existência (ou não) de uma base organizacional fundada em trabalho em equipes e autonomia como critérios para projeto e operação fabril; e

  • Essas conclusões preliminares merecem ainda, por parte da academia brasileira em especial, um número maior de pesquisas e de elaboração teórica. O trabalho de Jansen et al. (op. cit.) é extremamente provocador e merecedor de uma pesquisa semelhante para o caso brasileiro.

6.4. Sistemas de reconhecimento pouco se modificam após a implantação dos grupos

Das 49 empresas analisadas na pesquisa em referência, 7 (14%) delas manifestaram explicitamente não ter havido mudança nos sistemas de reconhecimento depois de implantada a forma de organização do trabalho em grupos. Por outro lado, em 35% dos casos (17 empresas) os critérios considerados na literatura como os mais adequados para compor a remuneração (objetivos individuais, metas por equipe e evolução das competências) não têm nenhuma participação efetiva na sistemática de remuneração adotada. Por outro lado, em 43% dos casos os critérios acima respondem por 30 a 50% da composição total da remuneração. Não foi possível levantar, nesta pesquisa, se a implementação de novas formas de organização do trabalho provocou a adoção de novas maneiras de remuneração e reconhecimento de modo mais amplo.

Para contribuir com essa discussão pode-se lançar mão da pesquisa realizada por Soares e Marx e que serviu de material para a dissertação de mestrado do primeiro autor (MARX; SOARES, 2006)4 4 O objetivo desta pesquisa foi identificar as relações porventura existentes entre novas práticas de RH e o discurso da geração de valor para os acionistas, em empresas que implementaram trabalho em equipes na produção. . Neste estudo, que contemplou quatro casos de implementação de grupos semiautônomos na produção, em empresas operando no Brasil, mostra-se que critérios de remuneração variável têm sido muito pouco adotados e, embora a necessidade de envolver os trabalhadores na discussão de valor e criação de valor esteja presente no discurso e nos mecanismos de comunicação das empresas, a sua implementação prática, especialmente nos aspectos ligados à gestão de recursos humanos, ainda tem sido muito tímida. O autor se pergunta, inclusive, se de fato as empresas pretendem transformar esse discurso em iniciativas práticas ou se o discurso é (em si mesmo) uma forma pela qual elas buscariam mudar a "mentalidade das pessoas".

Testou-se ainda a correlação entre inovação de produtos e a adoção de critérios de remuneração considerados mais adequados para apoiar trabalho em grupos com autonomia. O teste estatístico novamente não obteve resultado suficiente nem para aceitar nem para negar essa correlação, o que reforça a constatação desta e de outras pesquisas, mesmo aquelas realizadas fora do Brasil (APPELBAUM; BATT, 1994): quando a questão é a mudança dos critérios de remuneração e de reconhecimento, o conservadorismo é muito forte e tende a prevalecer mais do que o observado nas práticas organizacionais. Nesses aspectos, as empresas tendem mesmo a ser conservadoras, uma vez que se considera que a remuneração tem forte componente política que regula a sua definição (FISCHER, 2002). No entanto, como já tem sido discutido por muitos autores, resta saber o que essas empresas perdem ao não alinharem de forma mais consistente as suas estratégias de organização e de negócio com as sistemáticas de remuneração e reconhecimento (DUTRA, 2002).

7. Conclusão

Esta pesquisa teve como objetivo descrever e analisar como o conceito de trabalho em grupos com autonomia está sendo aplicado em empresas operando no Brasil. Seu diferencial em relação às pesquisas já realizadas está no fato de trabalhar com o maior número de empresas possível, buscando descrever e analisar as práticas e os impasses do processo de decisão e de implantação de forma abrangente e não somente restrita a poucos estudos de casos. Por ser uma pesquisa detalhada, não foi possível utilizar (e fazer comparações com) dados previamente existentes, de caráter censitário, tais como os disponibilizados pelo IBGE ou pelo SEADE, uma vez que estas fontes praticamente não incorporam as questões que aqui foram abordadas.

É importante frisar que entre os 49 respondentes - empresas de diferentes setores e localidades, incluindo manufatura e serviços, e diversos tipos de processos - foi encontrada correlação com significância estatística entre o grau de autonomia das equipes e a relevância de boa parte dos indicadores de resultado selecionados para a análise.

Entretanto, há importantes questões metodológicas a considerar. Não se pode garantir, por exemplo, que a introdução de um dado conjunto de práticas de gestão tenha sido responsável pela totalidade ou mesmo por parte dos resultados produzidos pelo negócio. Ichniowski (2000), em seu importante estudo sobre pesquisas de base estatística que buscam relacionar mudanças organizacionais e resultados empresariais, sugere que

[...] nenhum estudo por si só pode ser completamente convincente, mas sim um conjunto de estudos que use diferentes projetos, com suas forças e limitações particulares. (ICHNIOWSKI, 2000, p. 31)

Como conclusão deste trabalho, podem-se oferecer os seguintes comentários finais:

  • As empresas que utilizam esquemas de organização do trabalho em grupos com autonomia no Brasil estão interessadas em atingir objetivos de eficiência "convencionais", ou seja, indicadores de desempenho oriundos da eficiência operacional. Nessa direção tem conseguido resultados consideráveis. Flexibilidade e velocidade de resposta a variações, capacidade superior de aprendizagem e resolução de problemas, comunicação mais eficaz são virtudes muito desejadas, das quais muitas empresas poderiam se beneficiar, considerando a crescente competição por mercados globais. Entretanto, não há consenso, entre pesquisadores em gestão de operações, para qual tipo de firma o esquema de trabalho em grupos com autonomia seria mais adequado. Nesse sentido fica clara a necessidade de se trazer mais evidências empíricas sobre o tema;

  • Os processos de inovação em empresas brasileiras não têm priorizado sua integração com a organização do trabalho em grupos na operação fabril. Há indícios de que as empresas que mais inovam são as que mais frequentemente implementam novas formas de organização do trabalho, mas, mesmo se existir essa relação, não se pode afirmar que a inovação ocorre sob influência dessas formas de organização, já que elas se concentram na operação direta, função que - por sua vez - dificilmente toma parte dos processos de inovação dessas mesmas empresas; e

  • O reconhecimento da fonte de inovação representada pelos trabalhadores diretos tem sido buscado - quando ocorre - a partir do estímulo à iniciativa individual dos trabalhadores; ou então em atividades de projetos de melhoria contínua que, embora incorporem atividades grupais, pouca relação possuem com a existência de uma forte base organizacional fundada no trabalho em equipes e na autonomia como critérios para projeto e operação.

Estas conclusões preliminares merecem, por parte da academia brasileira em especial, um número mais significativo de pesquisas e de elaboração teórica. O trabalho de Jansen et al. (2007) é extremamente provocador e seus resultados chamam atenção para a necessidade de uma pesquisa semelhante ser desenvolvida para o caso brasileiro. Dessa forma, pesquisas que busquem aprofundar a relação entre organização do trabalho direto e os esforços de inovação incremental e radical devem merecer maior atenção da academia brasileira e, em especial, dos trabalhos relacionados à gestão das operações. Os autores deste trabalho estão presentemente envolvidos nesse esforço e esperam poder contribuir futuramente com mais pesquisas e resultados consistentes sobre esse tema.

Recebido 13/05/2008; Aceito 19/05/2010

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  • 1
    USP, São Paulo, SP, Brasil
  • 2
    A definição de inovação nesta pesquisa é diferente da definição do Manual de Oslo, a mais comumente utilizada. No manual em referência considera-se inovação de produtos qualquer produto novo para a operação considerada. Isto significa que produtos anteriormente produzidos em outra fábrica do mesmo grupo, se transferidos para a operação em questão, seria considerado como uma incidência de novo produto.
  • 3
    Os dados da PAEP permitem discutir relação entre inovação e organização da produção, mesmo que de forma superficial, uma vez que no questionário utilizado pela PAEP as questões organizacionais sejam tratadas com pouco detalhe. Outras fontes de dados sobre inovação disponíveis, tais como a PINTEC, não permitem esse tipo de relação por não conterem perguntas sobre organização da produção.
  • 4
    O objetivo desta pesquisa foi identificar as relações porventura existentes entre novas práticas de RH e o discurso da geração de valor para os acionistas, em empresas que implementaram trabalho em equipes na produção.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      19 Maio 2010
    • Recebido
      13 Maio 2008
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