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Os Desafios da Abordagem Exploratória no Ensino da Matemática: aprendizagens de duas futuras professoras através do estudo de aula

The Challenges of the Exploratory Approach in Mathematics Teaching: preservice teachers’ learning through lesson study

Resumo

Este artigo tem por base um estudo de aula realizado com duas futuras professoras de Matemática do 7° ano de escolaridade. O objetivo é compreender as aprendizagens das futuras professoras num estudo de aula no que se refere à familiarização com a abordagem exploratória, nomeadamente em relação à preparação, condução e reflexão sobre os momentos da aula. A metodologia segue uma abordagem qualitativa e interpretativa e a recolha de dados inclui notas resultantes de observação participante, transcrições das áudio-gravações das sessões do estudo de aula e das entrevistas (iniciais e finais) com as futuras professoras, assim como todos os documentos produzidos e analisados durante as sessões. Os resultados mostram que, apesar de inicialmente preparar uma aula exploratória ter sido difícil para as futuras professoras, as discussões e partilha de ideias durante as sessões permitiram que compreendessem em que consiste uma aula desta natureza. As aprendizagens mais significativas registraram-se ao nível da preparação dos momentos da aula, especialmente na antecipação das dificuldades dos alunos e na preparação das intervenções do professor, e ainda na compreensão da importância que as discussões coletivas assumem na aula de Matemática.

Palavras-chave:
Abordagem Exploratória; Formação Inicial de Professores; Estudo de Aula; Ensino da Matemática

Abstract

This article is based on a lesson study carried out at a 7th grade with two mathematics’ preservice teachers. It aims to understand the preservice teachers’ learning about the exploratory approach, in particular regarding preparation, teaching, and reflection on the class moments, during the lesson study. The research follows a qualitative and interpretative approach and data collection includes notes from participant observation, audio record transcripts of sessions as well as individual interviews (initial and final) with the preservice teachers, and the all the documents created and analyzed in the sessions. The results show that, despite initial difficulties in preparing an exploratory lesson, the lesson study discussions and sharing of ideas allowed the preservice teachers to understand what this kind of approach involves. The most significant learning was in preparing the lesson moments, especially anticipating students’ difficulties and preparing teacher's interventions, and also the understanding of the importance of whole-class discussions in a mathematics lesson.

Keyword:
Exploratory Approach; Initial Teacher Education; Lesson Study; Mathematics Teaching

1 Introdução

Adotar uma abordagem exploratória na aula de Matemática é um desafio para muitos professores. É necessário compreender como se organiza uma aula desta natureza e perceber os aspectos envolvidos na sua condução, desde a escolha de tarefas apropriadas para promover um ambiente de discussão e aprendizagem na sala de aula. A tarefa proposta deve assim ser criteriosamente selecionada de acordo com o objetivo de aprendizagem estabelecido para a aula. Para além disso, o professor deve preparar e antecipar os momentos da aula para gerir eficazmente o trabalho autônomo dos alunos e a discussão coletiva, articulando as ideias que surgem nas suas intervenções de forma a promover um ambiente de aprendizagem produtivo. Desta forma, o planejamento de uma aula exploratória permite ao professor estar alerta para as possíveis dificuldades dos alunos, ficando assim mais preparado para ajuda-los a ultrapassá-las e mais confiante para conduzir as discussões coletivas (CANAVARRO, 2011CANAVARRO, A. P. Ensino exploratório da Matemática: Práticas e desafios. Educação e Matemática, Lisboa, v. 115, p. 11-17, 2011.; PONTE, 2005PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: Grupo de TRabalho sobre Investigação (GTI) em Educação Matemática (Org.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34.; PONTE; BRANCO; QUARESMA, 2014PONTE, J. P.; BRANCO, N.; QUARESMA, M. Exploratory activity in the mathematics classroom. In: LI, Y.; SILVER, E. A.; LI, S. (ed.). Transforming mathematics instruction: Multiple approaches and practices. Dordrecht: Springer Science+Business Media Dordrecht, 2014. p. 103-125.).

No entanto, planejar e conduzir uma aula exploratória é ainda mais desafiante para os futuros professores que ainda não têm experiência no ensino da Matemática. É, por isso, fundamental que os cursos de formação inicial criem oportunidades para que os seus estudantes aprendam, através da prática e da reflexão sobre a prática, a organizar e a conduzir uma aula desta natureza (CONCEIÇÃO; BAPTISTA; PONTE, 2019CONCEIÇÃO, T.; BAPTISTA, M.; PONTE, J. P. Lesson study as a trigger for preservice physics and chemistry teachers’ learning about inquiry tasks and classroom communication. International Journal for Lesson and Learning Studies, Reino Unido, v. 8, n. 1, p. 79-96, 2019.; RODRIGUES; CYRINO, 2018RODRIGUES, R. V. R.; CYRINO, M. C. C. T. A fase inicial de uma aula de Matemática no Ensino Exploratório na visão profissional de futuros professores. Revista Insignare Scientia – RIS, Rio Grande do Sul, v. 1, n. 2, p. 1-23, 2018.; SANTOS et al., 2019SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; PONTE, J. P.; HENRIQUES, A. Pre-service teachers’ experiences in selecting and proposing challenging tasks in secondary classrooms. In: CERME, 11., 2019, Utrecht. Proceedings of CERME 11, 11th Congress of European Research in Mathematics Education. Utrecht: University of Utrecht, The Netherlands, 2019. p. 3762-3769.). Várias investigações referem que, num estudo de aula, os futuros professores podem explorar os aspectos relacionados com o planejamento e condução de uma aula, incluindo a seleção e adaptação da tarefa a propor aos alunos, a preparação dos vários momentos da aula, a condução e observação da aula de investigação e ainda a reflexão sobre a aula com foco na aprendizagem dos alunos (NI SHUILLEABHAIN; BJULAND, 2019NI SHUILLEABHAIN, A.; BJULAND, R. Incorporating lesson study in ITE: organisational structures to support student teacher learning. Journal of Education for Teaching, Abingdon, UK, v. 45, p. 1-12, 2019.; SIMS; WALSH, 2009SIMS, L.; WALSH, D. Lesson study with preservice teachers: Lessons from lessons. Teaching and Teacher Education, Cardiff, v. 25, n. 5, p. 724-733, 2009.).

No entanto, são poucas as investigações que se centram na abordagem exploratória como abordagem de ensino a seguir pelos futuros professores de Matemática durante este processo formativo. Deste modo, este artigo tem como objetivo compreender as aprendizagens de duas futuras professoras de Matemática durante um estudo de aula no que se refere à familiarização com a abordagem exploratória, enquanto abordagem de ensino, nomeadamente em relação à sua preparação, condução e reflexão sobre os momentos da aula. Para tal, serão descritos e analisados episódios de um estudo de aula realizado com duas futuras professoras, considerando a preparação e a condução de uma aula exploratória, assim como a reflexão que fazem sobre esse processo.

2 Abordagem exploratória no ensino da Matemática

A abordagem exploratória, próxima do inquiry-based approach, é uma abordagem de ensino que deixa “uma parte importante do trabalho de descoberta e de construção do conhecimento para os alunos realizarem” (PONTE, 2005PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: Grupo de TRabalho sobre Investigação (GTI) em Educação Matemática (Org.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34., p. 13). O trabalho na aula decorre a partir de uma tarefa desafiante e os alunos são envolvidos em atividades de exploração de conceitos e ideias matemáticas, o que lhes permite refletir sobre essas atividades e, dessa forma, aprender (PONTE; BRANCO; QUARESMA, 2014PONTE, J. P.; BRANCO, N.; QUARESMA, M. Exploratory activity in the mathematics classroom. In: LI, Y.; SILVER, E. A.; LI, S. (ed.). Transforming mathematics instruction: Multiple approaches and practices. Dordrecht: Springer Science+Business Media Dordrecht, 2014. p. 103-125.). É assim uma abordagem que, tal como o inquiry-based approach, tem potencialidades para “promover a compreensão de conceitos, o pensamento crítico e atitudes positivas (dos alunos) em relação à ciência” (KRÄMER; NESSLER; SCHLÜTER, 2015KRÄMER, P.; NESSLER, S. H.; SCHLÜTER, K. Teacher students’ dilemmas when teaching science through inquiry. Research in Science and Technological Education, Adingdon, UK, v. 33, n. 3, p. 325-343, 2015., p. 326), mas que é complexa, requerendo um planejamento cuidadoso.

Esta abordagem de ensino é estruturada, usualmente, em três momentos: (i) proposta de uma tarefa; (ii) trabalho autônomo dos alunos; e (iii) discussão coletiva e síntese final. Primeiro, o professor propõe uma tarefa aos alunos e assegura-se que todos a compreenderam e a interpretaram corretamente. No segundo momento, os alunos trabalham autonomamente de forma individual ou em pequenos grupos e o professor acompanha esse trabalho de forma a identificar as estratégias de resolução dos alunos, os erros que estão a cometer e as dificuldades que estão a manifestar, apoiando-os sem diminuir o grau de desafio da tarefa. Por último, o professor seleciona algumas resoluções que considera interessante discutir com toda a turma, sequencia-as, e pede aos alunos que expliquem e justifiquem as suas respostas. Desta forma, o professor cria oportunidades para que os alunos relacionem as ideias discutidas, permitindo que façam conexões. A aula termina com uma síntese das ideias matemáticas exploradas (PONTE, 2005PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: Grupo de TRabalho sobre Investigação (GTI) em Educação Matemática (Org.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34.; PONTE; BRANCO; QUARESMA, 2014PONTE, J. P.; BRANCO, N.; QUARESMA, M. Exploratory activity in the mathematics classroom. In: LI, Y.; SILVER, E. A.; LI, S. (ed.). Transforming mathematics instruction: Multiple approaches and practices. Dordrecht: Springer Science+Business Media Dordrecht, 2014. p. 103-125.; STEIN et al., 2008STEIN, M. K.; ENGLE, R. A.; SMITH, M. S.; HUGHES, E. K. Orchestrating productive mathematical discussions: five practices for helping teachers move beyond show and tell. Mathematical Thinking and Learning, Adingdon, v. 10, n. 4, p. 313-340, 2008.).

Numa aula desta natureza, as tarefas devem ser cuidadosamente selecionadas pelo professor de forma a potenciar “os momentos de reflexão e discussão com toda a turma” (PONTE, 2005PONTE, J. P. Gestão curricular em Matemática. In: Grupo de TRabalho sobre Investigação (GTI) em Educação Matemática (Org.). O professor e o desenvolvimento curricular. Lisboa: APM, 2005. p. 11-34., p. 15-16). Também a preparação dos momentos da aula é fundamental, começando pela antecipação das resoluções dos alunos e das suas dificuldades, passando para a previsão dos possíveis caminhos para alcançar o objetivo de aprendizagem delineado para a aula e estabelecendo tempos para cada um dos momentos. Após o planejamento da aula, o professor deve conduzi-la sem baixar o grau de desafio da tarefa e sem validar resoluções dos alunos, controlando as balizas temporais estabelecidas e garantindo que todos os alunos estão envolvidos, promovendo um ambiente de aprendizagem estimulante. Cabe ao professor gerir o trabalho autônomo dos alunos e as interações em sala de aula, permitindo a criação de discussões coletivas ricas e que potenciam a aprendizagem dos alunos (CANAVARRO, 2011CANAVARRO, A. P. Ensino exploratório da Matemática: Práticas e desafios. Educação e Matemática, Lisboa, v. 115, p. 11-17, 2011.; SANTOS et al., 2019SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; PONTE, J. P.; HENRIQUES, A. Pre-service teachers’ experiences in selecting and proposing challenging tasks in secondary classrooms. In: CERME, 11., 2019, Utrecht. Proceedings of CERME 11, 11th Congress of European Research in Mathematics Education. Utrecht: University of Utrecht, The Netherlands, 2019. p. 3762-3769.; STEIN et al., 2008STEIN, M. K.; ENGLE, R. A.; SMITH, M. S.; HUGHES, E. K. Orchestrating productive mathematical discussions: five practices for helping teachers move beyond show and tell. Mathematical Thinking and Learning, Adingdon, v. 10, n. 4, p. 313-340, 2008.).

Considerando a exigência que a abordagem exploratória representa, é importante que os futuros professores se familiarizem e reflitam sobre ela (RODRIGUES; CYRINO, 2018RODRIGUES, R. V. R.; CYRINO, M. C. C. T. A fase inicial de uma aula de Matemática no Ensino Exploratório na visão profissional de futuros professores. Revista Insignare Scientia – RIS, Rio Grande do Sul, v. 1, n. 2, p. 1-23, 2018.). Por isso, a formação inicial deve potenciar a aprendizagem dos futuros professores sobre como organizar uma aula exploratória, de que forma esta se conduz e que tipo de comunicação se privilegia (CONCEIÇÃO BAPTISTA; PONTE, 2019CONCEIÇÃO, T.; BAPTISTA, M.; PONTE, J. P. Lesson study as a trigger for preservice physics and chemistry teachers’ learning about inquiry tasks and classroom communication. International Journal for Lesson and Learning Studies, Reino Unido, v. 8, n. 1, p. 79-96, 2019.; KRÄMER; NESSLER; SCHLÜTER, 2015KRÄMER, P.; NESSLER, S. H.; SCHLÜTER, K. Teacher students’ dilemmas when teaching science through inquiry. Research in Science and Technological Education, Adingdon, UK, v. 33, n. 3, p. 325-343, 2015.).

3 O Estudo de Aula na formação inicial de professores

Na formação inicial, os futuros professores enfrentam vários desafios quando selecionam ou preparam tarefas, planejam aulas ou mesmo quando gerem a sala de aula e os imprevistos próprios da prática letiva (BURROUGHS; LUEBECK, 2010BURROUGHS, E. A.; LUEBECK, J. L. Pre-service teachers in mathematics lesson study. The Montana Mathematics Enthusiast, Montana, v. 7, n. 2-3, p. 391-400, 2010.; GALVÃO et al. 2018GALVÃO, C.; PONTE, J. P.; JONIS, M. Os professores e a sua formação inicial. In: GALVÃO, C.; PONTE, J. P. (ed.). Práticas de formação inicial de professores: participantes e dinâmicas. Lisboa: Instituto de Educação/Universidade de Lisboa, 2018. p. 25-46.; SIMS; WALSH, 2009SIMS, L.; WALSH, D. Lesson study with preservice teachers: Lessons from lessons. Teaching and Teacher Education, Cardiff, v. 25, n. 5, p. 724-733, 2009.). Assim, é fundamental que os programas de formação inicial proporcionem aos futuros professores experiências próximas da sua prática profissional futura. Para além disso, devem criar situações em que os futuros professores possam trabalhar colaborativamente e em que possam refletir sobre a prática letiva realizada e observada com o apoio dos seus orientadores (FERNÁNDEZ, 2010FERNÁNDEZ, M. L. Investigating how and what prospective teachers learn through microteaching lesson study. Teaching and Teacher Education, Cardiff, v. 26, n. 2, p. 351-362, 2010.; LEAVY; HOURIGAN, 2016LEAVY, A. M.; HOURIGAN, M. Using lesson study to support knowledge development in initial teacher education: Insights from early number classrooms. Teaching and Teacher Education, Cardiff, v. 57, p. 161-175, 2016.; SANTOS et al., 2019SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; PONTE, J. P.; HENRIQUES, A. Pre-service teachers’ experiences in selecting and proposing challenging tasks in secondary classrooms. In: CERME, 11., 2019, Utrecht. Proceedings of CERME 11, 11th Congress of European Research in Mathematics Education. Utrecht: University of Utrecht, The Netherlands, 2019. p. 3762-3769.).

O estudo de aula, enquanto processo formativo de natureza reflexiva, é uma estratégia para envolver os futuros professores em situações próximas do que será a sua prática profissional futura (BURROUGHS; LUEBECK, 2010BURROUGHS, E. A.; LUEBECK, J. L. Pre-service teachers in mathematics lesson study. The Montana Mathematics Enthusiast, Montana, v. 7, n. 2-3, p. 391-400, 2010.; FERNÁNDEZ, 2010FERNÁNDEZ, M. L. Investigating how and what prospective teachers learn through microteaching lesson study. Teaching and Teacher Education, Cardiff, v. 26, n. 2, p. 351-362, 2010.; NI SHUILLEABHAIN; BJULAND, 2019NI SHUILLEABHAIN, A.; BJULAND, R. Incorporating lesson study in ITE: organisational structures to support student teacher learning. Journal of Education for Teaching, Abingdon, UK, v. 45, p. 1-12, 2019.). Num estudo de aula, os professores reúnem-se num ambiente colaborativo e de partilha de ideias e planejam detalhadamente uma aula com um objetivo definido. Ao planejarem a aula, antecipam as estratégias de resolução dos alunos e as suas possíveis dificuldades, preparando as suas intervenções e os vários momentos da aula. Após um dos professores conduzir a aula e os demais observarem, voltam a reunir-se para refletir sobre todo o processo e procuram melhorar as estratégias e abordagens adotadas (STIGLER; HIEBERT, 1999STIGLER, J. W.; HIEBERT, J. The teaching gap. New York: Free Press, 1999.).

Num ambiente de partilha de ideias sobre uma aula com foco em determinado tópico matemático e centrada na aprendizagem dos alunos, os futuros professores têm oportunidade para discutir as tarefas a serem propostas aos alunos, antecipando estratégias de resolução e possíveis dificuldades, e preparando estratégias para conduzir a aula. Tal como afirmam Sims e Walsh (2009SIMS, L.; WALSH, D. Lesson study with preservice teachers: Lessons from lessons. Teaching and Teacher Education, Cardiff, v. 25, n. 5, p. 724-733, 2009.), através do estudo de aula,

Os professores podem aprender a pensar mais pormenorizadamente nos objetivos a longo prazo; podem melhorar aulas, aprender abordagens valiosas e aprofundar os seus conhecimentos. Podem aprender a trabalhar colaborativamente (…), aprender a estudar a aprendizagem e o comportamento dos alunos, (…), e tornar-se mais autorreflexivos (SIMS; WALSH, 2009SIMS, L.; WALSH, D. Lesson study with preservice teachers: Lessons from lessons. Teaching and Teacher Education, Cardiff, v. 25, n. 5, p. 724-733, 2009., p. 731).

Assim, o estudo de aula potencializa um ambiente que ajuda os futuros professores a ultrapassarem as dificuldades que vão encontrando, compreendendo e experienciando contextos próximos da sua prática profissional futura (BURROUGHS; LUEBECK, 2010BURROUGHS, E. A.; LUEBECK, J. L. Pre-service teachers in mathematics lesson study. The Montana Mathematics Enthusiast, Montana, v. 7, n. 2-3, p. 391-400, 2010.; NI SHUILLEABHAIN; BJULAND, 2019NI SHUILLEABHAIN, A.; BJULAND, R. Incorporating lesson study in ITE: organisational structures to support student teacher learning. Journal of Education for Teaching, Abingdon, UK, v. 45, p. 1-12, 2019.; SIMS; WALSH, 2009SIMS, L.; WALSH, D. Lesson study with preservice teachers: Lessons from lessons. Teaching and Teacher Education, Cardiff, v. 25, n. 5, p. 724-733, 2009.).

4 Metodologia de investigação

Esta investigação segue uma abordagem qualitativa e interpretativa (BODGAN; BIKLEN, 1994BODGAN, R.; BIKLEN, S. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora, 1994.), uma vez que o foco são as aprendizagens de duas futuras professoras sobre a abordagem exploratória, nomeadamente em relação à preparação, condução e reflexão sobre os momentos da aula. Assim, a análise dos dados centra-se no trabalho realizado durante as sessões do estudo de aula e nas reflexões das futuras professoras sobre esse trabalho.

O estudo de aula foi realizado com um grupo composto por duas futuras professoras de Matemática, Mônica e Olívia (nomes fictícios), durante o seu estágio curricular que, quando terminado, as habilita para serem professoras de Matemática entre o 7° e o 12° ano de escolaridade. As futuras professoras nunca tinham tido experiências de ensino embora tivessem já preparado planos de aula e observado algumas aulas de outros professores. O estágio curricular foi orientado por uma professora da Instituição de Ensino Superior (Professora IES) e um professor titular de duas turmas do 7° ano de uma escola pública.

Os dados foram recolhidos através de observação participante pela investigadora (primeira autora), da qual resultou a construção de um diário de bordo, da realização de entrevistas semiestruturadas individuais inicial (EI) e final (EF) com as futuras professoras e da recolha dos documentos elaborados e analisados durante as sessões do estudo de aula. Foram realizadas entrevistas às futuras professoras antes do estudo de aula para compreender as suas perspectivas iniciais acerca da abordagem de ensino a adotar e depois do processo formativo para perceber como é que o tinham experienciado, nomeadamente no que diz respeito às aprendizagens que realizaram. Os documentos recolhidos incluem todas tarefas selecionadas e adaptadas durante o estudo de aula, os planejamentos elaboradas pelas futuras professoras e ainda os trabalhos individuais que lhes foram propostos, análise crítica do artigo de Quaresma e Ponte (2015)QUARESMA, M.; PONTE, J. P. Comunicação, tarefas e raciocínio: aprendizagens profissionais proporcionadas por um estudo de aula. Zetetiké, Campinas, v. 23, n. 44, p. 297-310, 2015. e reflexão final escrita (RE) sobre o estudo de aula. As sessões do estudo de aula e as entrevistas foram áudio-gravadas. Foram pedidas todas as autorizações necessárias para recolher estes elementos e foram seguidos os princípios éticos próprios da Investigação em Educação (AERA, 2011AERA. Code of ethics. Educational Researcher, Washington, DC, v. 40, n. 3, p. 145-156, 2011.), considerando a vontade dos participantes e assegurando a sua participação voluntária.

A análise de dados foi realizada considerando os momentos significativos presentes nas sessões do estudo de aula, nas entrevistas e nas reflexões realizadas pelas futuras professoras relativos às suas perspectivas em relação às dinâmicas de uma aula exploratória, não apenas enquanto abordagem de ensino, como também relativamente aos desafios ultrapassados. Assim, selecionaram-se as evidências que explicitam as aprendizagens das futuras professoras em relação aos vários aspectos relativos à abordagem exploratória, considerando especialmente a forma como se organiza, como se conduz e tipo de comunicação nos diferentes momentos. A análise destes momentos teve em consideração o quadro teórico e foi realizada com suporte do software NVivo.

5 O Estudo de Aula

O estudo de aula teve 9 sessões, com cerca de 90 minutos cada, e decorreu entre outubro e dezembro de 2019. As sessões foram preparadas e conduzidas pela investigadora e pela Professora IES. A abordagem exploratória, enquanto abordagem para a aula de investigação, assumiu um papel de destaque no estudo de aula. A primeira sessão foi dedicada à familiarização com o estudo de aula, havendo uma explicação do processo formativo e esclarecimento de questões. Nas duas sessões seguintes, foi feita a exploração de aspectos didáticos, nomeadamente no que diz respeito ao planejamento e condução de uma aula exploratória. Esta exploração teve por base três elementos: (i) a análise dos documentos curriculares e o planejamento anual da escola; (ii) a análise do artigo de Quaresma e Ponte (2015)QUARESMA, M.; PONTE, J. P. Comunicação, tarefas e raciocínio: aprendizagens profissionais proporcionadas por um estudo de aula. Zetetiké, Campinas, v. 23, n. 44, p. 297-310, 2015. acerca das aprendizagens realizadas por uma professora num estudo de aula, tendo por base a abordagem exploratória; e (iii) a discussão dos aspectos contemplados num primeiro plano de aula elaborado pelas futuras professoras (cujo objetivo era compreender os conceitos de cubo perfeito e de raiz cúbica e reconhecer a relação entre eles), revisitando a abordagem exploratória enquanto abordagem de ensino. Nesta fase ficou ainda decidido que as duas futuras professoras iriam assegurar a mesma aula de investigação em duas turmas diferentes do 7° ano de escolaridade, no tópico matemático “Funções”.

Assim, as três sessões seguintes tiveram como foco a elaboração do plano para as aulas de investigação, seguindo a abordagem exploratória. Inicialmente, foram analisados excertos do artigo de Ponte, Quaresma e Mata-Pereira (2015)PONTE, J. P.; QUARESMA, M.; MATA-PEREIRA, J. É mesmo necessário fazer planos de aula? Educação e Matemática, Lisboa, v. 133, n. 26, p. 26–35, 2015. sobre o modo de planejar aulas o que permitiu uma maior atenção sobre alguns aspectos não considerados no plano de aula anterior (Figura 1). Assim, o planejamento das aulas de investigação seguiu a organização proposta no artigo, cujos cinco domínios foram preparados em detalhe, considerando a interligação entre eles (Figura 2).

Figura 1
Aspectos discutidos para o planejamento das aulas de investigação
Figura 2
Domínios a considerar no plano de aula

Após o objetivo para as aulas de investigação ter ficado decidido (rever a proporcionalidade direta como relação entre duas variáveis), foram analisadas diferentes tarefas propostas pelas futuras professoras e pela investigadora, e selecionou-se uma, procedendo-se à sua adaptação para o contexto sociocultural das turmas onde seriam propostas (sessão 4). Com a sucessiva adaptação e melhoria da tarefa, as futuras professoras foram estruturando o plano das aulas de investigação (sessões 5 e 6), incluindo as diferentes estratégias de resolução que os alunos poderiam adotar, antecipando as suas dificuldades e preparando questões para ajudar os alunos a ultrapassar essas dificuldades. Houve ainda oportunidade para preparar a observação das duas aulas de investigação, tendo ficado definidos quais os focos de observação (sessão 6).

Depois das aulas de investigação (sessão 7), houve uma sessão de reflexão conjunta no próprio dia (sessão 8), centrada nas aprendizagens dos alunos durante as aulas. A última sessão (sessão 9), cerca de 2 semanas depois das aulas de investigação, teve por base uma reflexão mais aprofundada sobre as aulas e processo formativo no seu todo. Todos os participantes, exceto o professor titular, fizeram uma breve apresentação oral, levando a uma partilha de ideias mais sustentada sobre o trabalho realizado. As futuras professoras realizaram ainda uma reflexão final escrita após o estudo de aula, seguindo um roteiro previamente elaborado pela investigadora e pela Professora IES.

6 Resultados

6.1 Perspectivas iniciais sobre a abordagem exploratória

Numa fase inicial, as futuras professoras manifestaram perspectivas distintas acerca da abordagem que pretendiam adotar nas suas aulas. Mônica manifestou desde logo a sua preferência por ambientes de discussão entre o professor e os alunos, em que estes são incentivados a justificar as suas respostas:

Eu gosto de aulas com barulho, com discussão. Em que eu vou orientando e vou questionado, (…) questiono mesmo quando a resposta está certa, eu gosto de os questionar para saber até que ponto eles têm a certeza do que me estão a dizer… E orientar a discussão deles todos (EI com Mônica, 2019).

Já Olívia, mostrando alguma insegurança, remeteu para a sua experiência enquanto aluna, relembrando a prática do seu professor:

Se calhar dar uma tarefa inicial de conhecimentos que eles já têm e para eles próprios (…) ou com a minha ajuda, chegarem ao que eu quero. E depois sim, aplicar tarefas naquele conceito… não é? É essa a ideia que eu tenho. Era assim que o meu professor fazia (EI com Olívia, 2019).

Em contrapartida, ambas consideraram que a tarefa deve ser discutida com a turma antes de propor aos alunos que a resolvam. Mónica acrescentou ainda que é fundamental que todos os alunos a compreendam, esclarecendo as possíveis dúvidas que possam surgir:

A proposta da tarefa deve ser feita para a turma, de modo a que todos a entendam e ir questionando se eles estão a perceber (…) e também apoiar para aproveitar as ideias que eles têm às vezes (EI com Mônica, 2019).

Para além disso, também ambas pareceram valorizar as discussões numa aula:

O professor aprende muito com o aluno (…) e ouvir certas respostas dos alunos (…) ajudam-nos a ajudar outros alunos. E para o aluno também é bom porque obriga-o também um bocadinho a falar Matemática (…) (EI com Mônica, 2019).

Eu acho que isso é muito importante! Para eles. E eles (…) devem sentir-se motivados (…), conseguem explicar ao outro [aluno] que realmente é assim e porque é que é assim! Porque existem muitos [alunos], eles têm diferentes ideias (EI com Olívia, 2019).

Apesar de mostrarem uma atitude positiva em relação à existência de discussões durante a aula, valorizando as interações em sala de aula, as futuras professoras evidenciaram nunca ter refletido sobre as sínteses finais da aula, parecendo interpretá-las como resumos matemáticos:

Sínteses… sim… os resumos, depende um bocadinho daquilo que nós interpretamos como resumo. (…) acho que é importante fazer uma síntese do domínio completo (EI com Mônica, 2019).

No final do capítulo, o professor fazer um resumo? (…) Não é mal pensado (…) assim o aluno sabe quais são as direções que tem que saber… para o teste, para a avaliação. [silêncio] (…) Quando eu andava a estudar, quando eu era aluna, o meu professor não fazia nada disso (EI com Olívia, 2019).

Foi na exploração do artigo de Quaresma e Ponte (2015)QUARESMA, M.; PONTE, J. P. Comunicação, tarefas e raciocínio: aprendizagens profissionais proporcionadas por um estudo de aula. Zetetiké, Campinas, v. 23, n. 44, p. 297-310, 2015. e na discussão do primeiro plano de aula elaborado pelas futuras professoras (sessões 2 e 3) que Mônica e Olívia evidenciaram um entendimento superficial sobre a abordagem exploratória. Focadas na discussão do artigo, quando questionadas pela Professora da IES “qual é o entendimento que vocês tiveram destas atividades exploratórias?” (Sessão 2), as futuras professoras apenas referiram “que é importante os conhecimentos prévios dos alunos” (Gravação áudio da sessão 2, Olívia, 2019) e identificaram o professor como quem “guia e deixa de ser a principal figura da aula para passarem a ser os alunos” (Gravação áudio da sessão 2, Mônica, 2019).

A primeira proposta de plano de aula que elaboraram assumia um carácter descritivo sobre o que deveria acontecer na aula, não dando espaço aos alunos para trabalharem na tarefa antes da discussão coletiva e revelando não ter sido feito trabalho de antecipação (Figura 3).

Figura 3
Excerto do primeiro plano de aula (cubos perfeitos e raiz cúbica)

Apesar de as futuras professoras parecerem valorizar as discussões (professor-aluno e aluno-aluno) em sala de aula e de Mônica ter evidenciado que compreendia que os alunos assumem um papel central na exploração da Matemática numa aula exploratória, o primeiro plano de aula que elaboraram não refletiu essas ideias. As futuras professoras não estruturaram a aula nos três momentos usuais da aula exploratória, não anteciparam possíveis estratégias de resolução ou dificuldades que os alunos pudessem manifestar, não consideraram momentos de trabalho autônomo dos alunos e centraram o plano de aula na ação do professor.

6.2. Preparar e conduzir uma aula exploratória

6.2.1 Proposta da tarefa

As perspectivas iniciais das futuras professoras em relação ao modo como uma tarefa deve ser proposta em sala de aula eram idênticas: ambas assumiram na entrevista inicial que a tarefa deve começar por ser apresentada à turma, esclarecendo eventuais dúvidas na intepretação e garantindo que todos os alunos compreendam o que é dado e o que é pedido. Assim, a investigadora e a Professora IES consideraram que este momento da aula não necessitaria de uma preparação tão detalhada, uma vez que as futuras professoras evidenciaram compreender de que forma deveriam orientá-lo. A Professora IES fez apenas um breve comentário em relação a este aspecto, exemplificando como poderia ser abordado o contexto sociocultural da tarefa e sugerindo que as futuras professoras remetessem para este contexto, que era próximo da realidade dos alunos, para facilitar a interpretação.

As futuras professoras incluíram este momento no plano de aula que elaboraram para as aulas de investigação, deixando indicações sobre o que era esperado dos alunos e como é que o professor deveria proceder (Figura 4). No entanto, durante as aulas de investigação, este momento teve pouco destaque. Mônica apenas fez uma chamada de atenção para a possível causa de faltarem valores na tabela a preencher, sem ter garantido que todos os alunos tinham interpretado corretamente o enunciado e compreendido o que era pedido na tarefa. Olívia referiu apenas aspectos mais práticos tais como a organização da turma (indicando que o trabalho seria em pares) e os recursos a que os alunos poderiam recorrer. Na reflexão sobre a aula que conduziu, afirmou que os alunos facilmente reconheceram o contexto, justificando assim o fato de não ter dado mais importância a este momento. Porém, e já durante o trabalho autônomo, os alunos evidenciaram que não tinham compreendido totalmente o que a tarefa pedia e colocaram dúvidas sobre os significados de algumas palavras existentes no enunciado.

Figura 4
Excerto do plano das aulas de investigação: proposta da tarefa

Inicialmente, as futuras professoras mostraram compreender como deveriam propor a tarefa aos alunos, não apenas com as perspectivas iniciais que manifestaram, como também através do plano para as aulas de investigação que elaboraram (Figura 4). No entanto, quando propuseram a tarefa aos alunos, não lhe atribuíram muita importância, evidenciando uma desvalorização do momento de proposta da tarefa aos alunos. Não aproveitaram o contexto da tarefa para a introduzir nem manifestaram preocupação em perceber se todos os alunos a tinham interpretado corretamente, acabando por se centrarem em aspectos de gestão de sala de aula, tais como a organização da turma em pares e a baliza temporal para cada momento.

6.2.2 Trabalho autônomo dos alunos

Antes do estudo de aula, as futuras professoras consideravam importantes os momentos de interação entre alunos. Olívia salientou inclusivamente um possível aumento da motivação dos alunos quando explicam aos colegas as suas ideias e quando surgem diferentes opiniões. Porém, a primeira proposta de plano de aula não incluía este momento, deixando apenas espaço para a realização da tarefa em conjunto com a turma toda. Após a discussão e melhoria do plano de aula, as futuras professoras passaram a incluir este momento nos seus planejamentos, embora se mostrassem reticentes em relação ao trabalho em pequeno grupo:

Olívia: Achas que é melhor em grupo ou a pares?

Mônica: Individual.

Investigadora: Achas que é melhor individual? Porquê?

Mônica: No máximo a pares.

Olívia: Pois… no máximo a pares. (…)

Investigadora: Eu diria a pares ou até em grupos de quatro.

Professor titular: Se calhar é melhor a pares, senão não conseguimos nada (Gravação áudio da sessão 5, 2019).

Apesar de as futuras professoras considerarem que a troca de ideias entre os alunos era importante, foi evidente o receio de os deixar trabalhar em pequeno grupo. Mônica apressou-se a dizer que a realização da tarefa deveria ser individual, sem justificar, e Olívia manteve a orientação da colega. Nas aulas de investigação, acabaram por seguir a opinião do professor titular (trabalho a pares) por ser a pessoa que melhor conhecia as turmas e as suas dinâmicas de trabalho.

Ainda em relação ao trabalho autônomo dos alunos, a investigadora sugeriu às futuras professoras que, quando fossem dinamizar a aula, estivessem atentas a todos os grupos de trabalho, focando-se nas estratégias de resolução de cada um, nos erros que estariam a cometer e nas dificuldades que estariam a manifestar. Como estes aspectos já tinham sido antecipados, as futuras professoras conseguiriam selecionar as resoluções dos alunos mais interessantes para partilhar com a turma, de acordo com o objetivo da aula.

No entanto, gerir o trabalho autônomo dos alunos levou a experiências diferentes para as futuras professoras. Mônica afirmou ter sentido dificuldades em recolher as diferentes estratégias de resolução, alegando que os alunos foram alterando sucessivamente as suas estratégias:

Eu senti dificuldades em recolher as estratégias dos alunos (…) Porque (…) cada vez que eu passava eles tinham uma estratégia diferente. Já tinham apagado o que tinham feito e já tinham mudado (Gravação áudio da sessão 9, Mônica, 2019).

Esta situação parece não ter sido sentida por Olívia, atendendo ao trabalho de antecipação de estratégias que tinha sido feito:

Não senti dificuldades de verificar quais as estratégias, por elas serem antecipadas, elas estarem previstas (Gravação áudio da sessão 9, Olívia, 2019).

[Gerir o trabalho autônomo dos alunos] é fácil. É só dirigir. É deixar que eles consigam ir pela estratégia deles (EF com Olívia, 2020).

Assim, em relação ao trabalho autônomo dos alunos, as futuras professoras evidenciaram alguma preocupação em propor trabalho em pequeno grupo e manifestaram opiniões diferentes sobre a gestão deste momento. Ao planejarem a aula, mostraram algumas reservas em incluir momentos em que os alunos pudessem efetivamente discutir e explorar autonomamente, evidenciando algum receio em colocar os alunos a trabalhar em conjunto. Já no que diz respeito à gestão do trabalho dos alunos, Mônica reconheceu que gerir o trabalho autônomo dos alunos é complexo, especialmente quanto à recolha das diferentes estratégias de resolução, enquanto que Olívia considerou que a antecipação das possíveis estratégias de resolução dos alunos a ajudou na gestão do trabalho autônomo.

6.2.3 Discussão coletiva e síntese final

Durante as sessões do estudo de aula, parte dos aspectos relativos às discussões coletivas e às interações com os alunos foram abordados quando se exploravam os objetivos para cada alínea da tarefa, se antecipavam estratégias de resolução dos alunos e possíveis dificuldades e se preparavam as respostas do professor. No entanto, a preparação da discussão coletiva teve mais destaque nas duas últimas sessões antes destas aulas.

Na sessão 5, o trabalho centrou-se na preparação dos momentos de discussão de cada uma das alíneas da tarefa. No excerto seguinte é possível verificar uma certa preocupação de Olívia em relação à forma como conduzir a discussão coletiva caso todos os alunos recorressem à mesma estratégia de resolução. A investigadora esclareceu que, mesmo que essa situação acontecesse, ela poderia introduzir uma outra estratégia de resolução, aproveitando para relacionar as estratégias de resolução exploradas:

Olívia: E se todos tiverem usado a regra de três simples? (…)

Investigadora: Podem aproveitar e dizerentão vamos lá pensar: para passar de 2 para 10, por quanto é que multiplicamos?E assim já relacionam com fatores multiplicativos. (…) o que vos interessa é a estratégia, não é se o resultado está correto (Gravação áudio da sessão 5, 2019).

O trabalho desta sessão permitiu que as futuras professoras melhorassem o plano da aula para que este fosse revisto pela Professora IES e pelo professor titular. Assim, na sessão seguinte, o plano da aula foi revisto e aprimorado com as sugestões da Professora IES e da investigadora:

Professora IES: Mas imaginem que o aluno faz [somas sucessivas] podem dizer-lhes(…) qual é a relação entre o 10 e o 2?”, como nós dizemos que o preço é sempre o mesmo…

Mônica: Sim, essa estratégia com o suporte de outra mais visual… porque eles realmente têm muitas dificuldades em fatores multiplicativos, divisões… (…)

Investigadora: Eu faria mesmo no quadro uma setinha, até com outra cor, para indicar o produto.

Professora IES: Até para eles verem que, se vissem logo [o fator multiplicativo], comiam uma passagem. (…) Obriga a uma certa reflexão da parte do aluno. (…) Assim como depois relacionarem o preço que obtiveram (Gravação áudio da sessão 6, 2019).

Neste excerto da sessão 6, foram discutidas estratégias que as futuras professoras poderiam adotar de forma a ajudar os alunos a estabelecerem relações entre as diversas estratégias de resolução, dando especial destaque ao uso de fatores multiplicativos e às somas sucessivas e utilizando a organização dos elementos transcritos para o quadro como suporte visual. Com este trabalho de preparação da discussão coletiva, as futuras professoras foram tomando consciência de quais eram os aspectos mais importantes para discutir com os alunos, evidenciando preocupação com o objetivo da tarefa. Assim, o enunciado das alíneas foi sendo melhorado (Figura 5) de forma a potencializar uma discussão coletiva mais rica:

Professora IES: [lê o enunciado da alínea b)] Está muito balizado!

Mônica: Não… não porque isso gera uma resposta alternativa. O que nós fizemos foi uma regra de três simples, e eles vão ver que dá 4,6 caixas.

Investigadora: Mas eles podem não ir por aí…

Mônica: (…) Aqui importa explicar-lhes que são só 4 caixas [que dá para comprar] com 1500€, mas que com os 200€ que sobram, não é possível comprar mais nenhuma caixa. (…)

Professora IES: Sim, eu compreendo isso, só que esta parte poderia ser para a discussão. (…). E vocês querem discutir com eles a questão de sobrar e de serem caixas exatas (Gravação áudio da sessão 6, 2019).

Figura 5
Alteração à tarefa

Em relação à síntese final, e apesar de as futuras professoras terem incluído este momento no plano de aula (Figura 6), os aspectos referidos não foram cuidadosamente preparados. Foi apenas na sessão 6, anterior às aulas de investigação, que a Professora IES fez um breve apontamento sobre um dos aspectos a incluir na síntese:

Pronto, mas então o principal objetivo desta tarefa (…) é eles [os alunos] chegarem à relação entre duas variáveis. E isso significa que quando vão fazer a síntese vocês vão usar estes termos que é o preço do bacalhau varia conforme o número de caixas. Temos aqui duas variáveis (Gravação áudio da sessão 6, Professora IES, 2019).

Figura 6
Excerto do plano das aulas de investigação: síntese

Apesar de as futuras professoras terem sempre participado na preparação da aula e terem mostrado interesse nos aspectos que estavam a ser explorados, gerir a discussão coletiva foi um grande desafio. Mônica iniciou a discussão da primeira alínea, trazendo para a discussão coletiva duas estratégias de resolução distintas, porém sem ter tido tempo de as relacionar. Olívia optou por três estratégias de resolução diferentes, propondo aos alunos que as explicassem, mas sem ter explorado a relação entre elas.

Desde o início as futuras professoras manifestaram preocupação com a gestão da discussão coletiva e não participaram tão ativamente para a preparação deste momento comparativamente à preparação da proposta da tarefa e do trabalho autônomo dos alunos. Olívia mostrou-se preocupada com o fato de os alunos poderem recorrer a apenas uma estratégia de resolução e, desse modo, não conseguir recolher várias estratégias de resolução para levar para a discussão coletiva. Já Mônica centrou a sua atenção nos objetivos que cada parte da tarefa exigia, o que mostra uma compreensão da influência que a discussão de cada alínea tem na aprendizagem dos alunos. Ambas não conseguiram controlar o tempo, não tendo aproveitado a discussão coletiva para fazer ligações entre as diferentes estratégias de resolução e não chegando a fazer uma síntese final das ideias matemáticas discutidas.

6.3 Refletir sobre o trabalho realizado

6.3.1 Proposta da tarefa

Ao refletir sobre as dinâmicas criadas em sala de aula, a Professora IES começou por apontar a proposta da tarefa como um momento que não tinha merecido o devido destaque nas aulas de investigação. Justificou a sua opinião afirmando que as futuras professoras não tinham aproveitado o contexto para a motivação dos alunos ou para ajudá-los a compreender o enunciado da tarefa. As futuras professoras reconheceram que, apesar da tarefa ter sido cuidadosamente elaborada para se aproximar do contexto dos alunos, este aspecto não foi destacado nas aulas. Ao refletirem sobre este momento, ambas acabaram apenas por descrever o momento e, apesar de terem notado que os alunos apresentaram dificuldades de interpretação, não valorizaram a situação:

A tarefa proposta foi planejada cuidadosamente com o contexto cultural dos alunos, ainda assim na fase da introdução não explorei muito este contexto (…) No primeiro momento de trabalho autônomo notou-se que alguns alunos tiveram problemas na interpretação dos dados da tabela fornecida na tarefa, contudo não houve grandes dúvidas, (…), após a interpretação da tarefa (RE de Mônica, 2020).

Poderia ter alertado aos alunos que a tarefa se tratava de um contexto muito próximo deles, mas eles ao lerem a tarefa, rapidamente identificavam isso (Gravação áudio da sessão 9, Olívia, 2019).

Ambas reconheceram que os alunos manifestaram dificuldades em interpretar parte do enunciado da tarefa. No entanto, não relacionaram esta situação com a forma como conduziram o momento da proposta da tarefa:

[As dificuldades manifestadas] foram maioritariamente de interpretação de texto. Os alunos não entenderam muito bem o que era suposto fazer em cada alínea… (Gravação áudio da sessão 9, Mônica, 2019).

A dúvida que quase todos os alunos me apresentaram foi o significado de quociente (RE de Olívia, 2020).

Tanto Mônica como Olívia afirmam que os alunos reconheceram o contexto da tarefa como familiar, porém nenhuma das futuras professoras refletiu sobre a proposta da tarefa enquanto momento de interpretação e compreensão do enunciado por parte dos alunos. Assim, e apesar de terem observado dificuldades dos alunos na interpretação, as futuras professoras assumiram que, uma vez que o contexto era familiar para os alunos, a tarefa não traria dificuldades de interpretação.

6.3.2 Trabalho autônomo dos alunos

Na reflexão pós-aula, Mônica e o professor titular retomaram a questão da organização da turma em pares, alegando que os alunos não sabiam trabalhar desta forma. No entanto, Olívia constatou que, apesar desse fato, os alunos realizaram a tarefa proposta:

Investigadora: Como é que foi a interação entre eles [os alunos]?

Mônica: Eles não sabem trabalhar em grupo… nem em grupo nem a pares. (…) eles ainda não entenderam que é para trabalhar e que não é para estar na conversa. (…)

Olívia: Mas depois até se fez… eles até alinham (Gravação áudio da sessão 8, 2019).

Mônica voltou a refletir sobre este aspecto na entrevista final. Na entrevista inicial, revelou alguma renitência em relação às discussões entre alunos, afirmando que “Acho produtivo, mas aí já tem que haver outro cuidado porque facilmente aquilo explode” (EI com Mônica, 2019). Essa preocupação ficou visível quando, na sessão 5, foi discutido como seria proposto o trabalho aos alunos. Já na entrevista final, a sua perspectiva foi diferente. Mônica reconheceu que o trabalho a pares foi importante e constatou que, se os grupos fossem de três alunos, poderia ser evitada a replicação de erros dentro do grupo:

Eles acabaram por trabalhar pares com pares depois, e eu acho que é importante. (…) É assim, o fato de eles trabalharem só a pares, para mim, teve um pequeno problema… que se calhar se fossem trios, não teria: a replicação do erro. (…)E eles ainda hoje fazem os erros que cometeram na aula de investigação. Porque houve mesmo a replicação (EF com Mônica, 2020).

Este momento da aula não mereceu muito destaque nas reflexões finais. Mônica foi quem pareceu ter refletido mais profundamente sobre a influência do trabalho em pequeno grupo na exploração da tarefa. Apesar de ter manifestado relutância em deixar os alunos trabalharem em pequeno grupo, pareceu reconhecer as potencialidades da partilha de diferentes ideias entre os alunos durante o trabalho autônomo, passando a valorizar as interações entre os alunos, algo que não colocava como hipótese à partida.

6.3.3 Discussão coletiva e síntese final

Na reflexão pós-aula (sessão 8), a Professora IES chamou a atenção para o fato de, na sua opinião, as futuras professoras não terem potencializado uma discussão coletiva. Afirmou que a discussão não envolveu todos os alunos e que, para além disso, não tinham recorrido ao contexto para ajudar os alunos na interpretação da tarefa. Olívia reconheceu que efetivamente sentiu dificuldades na gestão da discussão coletiva, nomeadamente em envolver todos os alunos na exploração das estratégias apresentadas:

As dificuldades que senti foi na interação com a turma, na parte da discussão coletiva, em que não consegui chamar a atenção de todos os alunos (Gravação áudio da sessão 9, Olívia, 2019).

Numa outra perspectiva, o professor titular salientou o fato de não ter existido uma interligação entre as diferentes estratégias de resolução levadas para a discussão coletiva:

Professor titular: Eu vou voltar ao que aconteceu. Eles [os alunos] não associaram proporcionalidade direta à regra de três simples. Vocês é que induziram as palavrasproporcionalidade direta”.

Olívia: Eu só falei em proporção. (…)

Mônica: Mas isso é porque ficou escrito no plano para reforçar a ideia de proporção se os alunos falarem em regra de três simples. (…) O reforço que aconteceu aqui foi esse. Foi traduzir… lá está, a proporção aparece de uma forma diferente que é esta, e regra de três simples eles escrevem assim, mas é reportar uma para a outra. Porque a operação acaba por ser a mesma.

Professora IES: Pronto, mas o que se calhar o professor [titular] quis dizer é que essa ligação não foi feita. Falou-se só em proporção, mas a ligação não foi feita (Gravação áudio da sessão 8, 2019).

Mais uma vez, Olívia mostrou que refletiu sobre este aspecto, constatando que poderia ter recorrido às relações entre as estratégias de resolução:

Quando solicitei à aluna, que tinha feito diferente no quadro em relação à ficha de trabalho, que explicasse a sua estratégia aos colegas, ela relatou exatamente como tinha feito na ficha de trabalho. No entanto, escreveu de forma mais abreviada no quadro, com multiplicações em vez das somas sucessivas. Deste modo, poderia ter realçado à turma que a multiplicação é uma simplificação da adição. (…) Foi detectado que os alunos não relacionaram a regra de três simples com a proporção. (RE de Olívia, 2020).

No final, e ao refletir sobre o trabalho que tinha sido realizado durante o estudo de aula e a sua influência na prática de sala de aula, ambas as futuras professoras apontaram os desafios com que tinham se deparado ao gerir as interações durante a aula:

Acho que devíamos ter preparado melhor (…) a parte da comunicação. (…) Por exemplo, nesta dúvida, realmente qual será a palavra-chave a usar? Para puxar os alunos. (…) Tínhamos só descrito “o professor deve orientar para” (…) [A maior dificuldade na prática de sala de aula] foi o tempo e a discussão. Mas… eu acho que, refletindo melhor agora passado este tempo, não foi a gestão do tempo. Foi a gestão dos imprevistos. (…) eu escolhi uma aluna (…) que não quis colaborar comigo e eu não soube gerir esse conflito (EF com Mônica, 2020).

As maiores dificuldades que senti foi a interação e a gestão do tempo. (…) Depois a parte mais difícil é sim a discussão. (…) Nós fomos mais seguras e foi muito mais fácil porque tínhamos previsto as orientações e isso foi a base e foi muito importante para dinamizar esta aula. Mas sim, senti dificuldades na parte da interação com o grupo. (…) E a gestão do tempo também foi muito difícil porque nós damos oportunidade aos alunos de falarem e de ir buscar praticamente todas as estratégias para aquela resolução (EF com Olívia, 2020).

Esta reflexão mostra que as futuras professoras compreenderam a complexidade associada à gestão da discussão coletiva, do tempo e dos imprevistos próprios de uma aula. Ambas pareceram conscientes dos desafios relativos à gestão da sala de aula e, embora Olívia tenha considerado que o planejamento da aula lhe deu mais segurança para conduzir a aula, na perspectiva de Mônica, a comunicação deveria ter sido melhor preparada. Apesar de as futuras professoras considerarem a discussão coletiva como um momento importante numa aula, gerir este momento foi um desafio. No entanto, parecem compreender que a preparação da discussão coletiva é fundamental para que essa gestão seja mais fácil.

6.4 Abordagem exploratória na aula de Matemática

Inicialmente, as futuras professoras não estavam familiarizadas com a abordagem exploratória enquanto abordagem de ensino. Após alguma exploração das características de uma aula desta natureza através da preparação das aulas de investigação, Mônica e Olívia foram evidenciando algumas aprendizagens. Começaram por elaborar planos de aula centrados nas ações do professor e sem grande espaço para a exploração autônoma dos alunos. Porém, conseguiram reformular e preparar aulas mais próximas da abordagem exploratória, embora não tenham previsto as diferentes estratégias de resolução dos alunos ou antecipado as dificuldades que poderiam manifestar. Já o plano das aulas de investigação considerava a abordagem exploratória, organizada em três momentos e incluindo todos os aspectos antecipados e discutidos durante as sessões do estudo de aula.

Durante a condução das aulas de investigação, ambas encararam a abordagem exploratória como um desafio para o professor:

Realmente numa abordagem exploratória, as discussões coletivas são extremamente difíceis, o que leva depois a problemas de gestão de tempo. (Gravação áudio da sessão 9, Mónica, 2019).

Traz grandes desafios ao professor que dá a aula (…) há sempre imprevistos (RE de Mônica, 2020).

É um desafio dinamizar uma aula com abordagem exploratória, pelo fato de qualquer que for a estratégia escolhida, é essa que vai conduzir a aula (RE de Olívia, 2020).

Olívia parece ter valorizado a abordagem exploratória por reconhecer que esta cria um ambiente que desenvolve capacidades dos alunos e o seu espírito crítico. Defendeu que a abordagem exploratória permite que os alunos discutam entre si, obrigando-os a explicarem e a justificarem as suas estratégias de resolução, potencializando a aprendizagem:

Claro que vale [a pena] porque (…) o aluno dá a sua opinião, diz que tem diferente e eu pergunto porque é que tem diferente e peço para justificar, e ele depois vê que realmente a [estratégia] dele também não está errada só porque o do outro colega está diferente. (…) Acho que temos que ir por este caminho e sair um bocado do ensino tradicional. (…) mas eu acho que os alunos aprendem bastante com a abordagem exploratória (EF com Olívia, 2020).

Proporciona um espírito crítico nos alunos, ao questionarem-se sobre a forma que resolveram a questão, e é importante também no desenvolvimento da comunicação e do seu raciocínio entre eles (Gravação áudio da sessão 9, Olívia, 2019).

Também Mônica referiu o espírito crítico como uma capacidade que é desenvolvida com a abordagem exploratória. A futura professora destacou o aluno como o centro da sua própria aprendizagem e realçou as discussões como fator potenciador dessa aprendizagem:

As aprendizagens significativas vêm realmente por serem eles a ouvirem os colegas e a perceberem-se mutuamente, e não ser a palavra do professor a aula inteira, num ambiente de espírito crítico (Gravação áudio da sessão 9, Mônica, 2019).

Permite que os alunos questionem e sejam críticos sobre o que estão a fazer, pois o foco deixa de ser o professor e a sua resolução e passa a ser os alunos e a suas estratégias (…) os alunos acabam por aprender com os seus erros (…) os alunos desenvolvem um grande espírito crítico, pois eles questionam com mais facilidade as estratégias dos seus pares do que do professor (RE de Mônica, 2020).

Esta futura professora referiu ainda na entrevista final que as aprendizagens mais significativas que realizou com o estudo de aula foram “em termos das abordagens didáticas para gerir tudo” (EF com Mônica, 2020) e considera que, apesar de reconhecer potencialidades na abordagem exploratória, vê nas suas futuras aulas essencialmente a criação de ambientes de justificação, não necessariamente com a estrutura de uma aula exploratória:

As minhas aulas vão ser barulhentas (…) não sei se vou continuar numa abordagem exploratória (…) porque acho que depois a aula conduz-nos um bocadinho (….) faço muitas vezes oporquêdentro da sala e isso vai continuar a acontecer (EF com Mônica, 2020).

Assim, apesar de inicialmente mostrarem alguma reserva em planejar aulas seguindo a abordagem exploratória, as futuras professoras passaram a organizar e planejar aulas considerando esta abordagem. Apesar de ambas terem se deparado com vários desafios relativos à condução de uma aula desta natureza, reconhecendo a sua complexidade, também lhe reconheceram potencialidades. As futuras professoras destacaram assim a criação de ambientes de discussão e justificação que promovem o desenvolvimento de diversas capacidades dos alunos e que, por isso, têm impacto na aprendizagem dos alunos.

7 Conclusão

Inicialmente, as futuras professoras apresentaram ideias muito superficiais sobre os momentos de uma aula exploratória, evidenciado não estarem familiarizadas com esta abordagem de ensino. As suas perspectivas iniciais faziam referência às interações entre os alunos e à discussão como elementos importantes na aula de Matemática. No entanto, o primeiro plano de aula que elaboraram era centrado no professor, não incluindo espaço para estes momentos.

Foi com as discussões durante as sessões do estudo de aula (especificamente nas sessões 3, 4, 5 e 6) que as futuras professoras começaram a compreender melhor a estrutura de uma aula exploratória. Evidenciaram aprendizagens ao nível do planejamento, passando a considerar o aluno como o centro da aula, sentindo necessidade de alterar o enunciado da tarefa para potenciar um ambiente rico de discussão, antecipando estratégias de resolução e possíveis dificuldades e passando a contemplar momentos de trabalho autónomo e de discussão no plano da aula. Além disso, e tal como já havia sido referido em investigações anteriores (PONTE et al., 2017PONTE, J. P.; SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; HENRIQUES, A. Research on teaching practice in a Portuguese initial secondary mathematics teacher education program. ZDM Mathematics Education, Berlim, República Federal da Alemanha, v. 49, n. 2, p. 291-303, 2017.; SANTOS et al., 2019SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; PONTE, J. P.; HENRIQUES, A. Pre-service teachers’ experiences in selecting and proposing challenging tasks in secondary classrooms. In: CERME, 11., 2019, Utrecht. Proceedings of CERME 11, 11th Congress of European Research in Mathematics Education. Utrecht: University of Utrecht, The Netherlands, 2019. p. 3762-3769.), conduzir a aula constituiu um grande desafio para as futuras professoras, especialmente no que diz respeito à gestão das discussões e dos imprevistos. Assim, em trabalhos futuros, será fundamental compreender de que forma o estudo de aula pode também contribuir para ajudar os futuros professores a se prepararem melhor para se sentirem mais confiantes e não se depararem com tantos desafios quando conduzem uma aula exploratória, desenvolvendo assim também aprendizagens ao nível da condução de uma aula desta natureza.

Galvão, Ponte e Jonis (2018GALVÃO, C.; PONTE, J. P.; JONIS, M. Os professores e a sua formação inicial. In: GALVÃO, C.; PONTE, J. P. (ed.). Práticas de formação inicial de professores: participantes e dinâmicas. Lisboa: Instituto de Educação/Universidade de Lisboa, 2018. p. 25-46., p. 31-32) afirmam que “a análise de situações de aula, por vezes assumindo a forma de uma narrativa autobiográfica, tem um papel muito importante na formação dos futuros professores” e, efetivamente, as sessões de reflexão mostraram-se importantes para a aprendizagem das futuras professoras. Tal como já havido sido relatado noutras investigações (NAKAMURA, 2019NAKAMURA, K. How lesson study helps student teachers learn how to teach mathematics through problem-solving: case study of a student teacher in Japan. In: HUANG, R.; TAKAHASHI, A.; PONTE, J. P. (ed.). Theory and Practice of Lesson Study in Mathematics: An International Perspective. Switzerland: Springer Nature Switzerland, 2019. p. 507-525.; SANTOS et al., 2019SANTOS, L.; OLIVEIRA, H.; PONTE, J. P.; HENRIQUES, A. Pre-service teachers’ experiences in selecting and proposing challenging tasks in secondary classrooms. In: CERME, 11., 2019, Utrecht. Proceedings of CERME 11, 11th Congress of European Research in Mathematics Education. Utrecht: University of Utrecht, The Netherlands, 2019. p. 3762-3769.), foi no processo de reflexão sobre a própria prática que Mônica e Olívia apontaram os desafios que sentiram (nomeadamente na gestão da discussão coletiva), indicaram os aspectos que passaram a valorizar (como a preparação dos momentos da aula e a antecipação das dificuldades dos alunos) e reconheceram as potencialidades da abordagem exploratória na aprendizagem dos alunos. Assim, também nas sessões finais do estudo de aula, as futuras professoras evidenciaram aprendizagens em relação a esta abordagem de ensino.

Desta forma, o estudo de aula, enquanto processo formativo, mostra importantes potencialidades para a familiarização de futuros professores com a abordagem exploratória, não apenas ao nível do planejamento, como também na condução e reflexão sobre esta abordagem de ensino, e mostra igualmente o caminho que será necessário percorrer para a sua efetiva concretização na prática letiva.

Agradecimentos

Trabalho financiado por fundos nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e Tecnologia por meio de uma bolsa atribuída a Micaela Martins (SFRH/BD/143869/2019).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    Abr 2021

Histórico

  • Recebido
    12 Jun 2020
  • Aceito
    26 Out 2020
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