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Convergências e Complementaridades entre as Teorias dos Três Mundos da Matemática e a da Sociointeratividade

Convergences and Complementarities between the Theories of the Three Worlds of Mathematics and that one of Sociointeractivity

Resumo

Este artigo apresenta uma reflexão teórica cujo foco é a defesa do uso concomitante das Teorias dos Três Mundos da Matemática e da Sociointeratividade como uma possibilidade para o alcance de melhores resultados em relação à aprendizagem de Matemática. A leitura analítica do referencial teórico trouxe elementos relativos à coerência epistemológica entre as teorias, elucidando justificativas para a sua associação, bem como sua utilização nas práticas educacionais. A dimensão da linguagem, o uso de símbolos e os momentos mentais do sujeito são enunciados como pontos convergentes, fundamentando a coerência teórica. A complementariedade entre ambas as teorias também é analisada, propondo-se, desse modo, um uso ampliado de cada uma das teorias.

Palavras-chave:
Teoria; Três Mundos da Matemática; Sociointeratividade; Educação Matemática

Abstract

This paper presents a theoretical reflexion focused on the defense of the simultaneous employment of the Theory of the Three Worlds of Mathematics and Social interaction as a possibility of better results in teaching Math. The analytical reading of the theoretical sources has brought about elements regarding the epistemological coherence between theories, bolstering the justifications for their association as well as their employment in teaching practices. The dimension of the language, the usage of symbols, and one's mental moments are deemed the convergent points; therefore, cementing the theoretical coherence. The way both theories complement each other is also analyzed, thus, leading to propositions of an amplified use of each.

Keywords:
Theory; Three Worlds of Mathematics; Social Interaction; Mathematical Education

1 Introdução

A sociedade contemporânea está em constante mutação, caracterizada pela cultura digital, cenário que fomenta e, de certa maneira, exige formas distintas do homem se comunicar, estabelecer relações sociais, acessar a informação e até mesmo pensar (CASTELLS; CARDOSO, 2005CASTELLS, M.; CARDOSO, G. (Org.). A sociedade em rede do conhecimento à acção política. Belém (Portugal): Imprensa Nacional, 2005. Disponível em: https://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/a_sociedade_em_rede_-_do_conhecimento_a_acao_politica.pdf. Acesso em: 20 jan. 2019.
https://egov.ufsc.br/portal/sites/defaul...
). A Educação não está imune a essas mudanças, parecendo ser cada vez mais necessário o redimensionamento das práticas norteadoras do fazer pedagógico, sendo aparentemente insuficiente uma única teoria de aprendizagem para contemplar os anseios e necessidades do estudante do século XXI.

Neste artigo, apresenta-se uma proposta de aliança entre os pressupostos teóricos da Sociointeratividade, de Vygotsky, e os da teoria dos Três Mundos da Matemática, de David Tall, a partir de razões que elucidam a convergência e a complementariedade entre ambos. Essa perspectiva direciona argumentos ao uso conjunto dos dois eixos nas práticas de ensino de Matemática, potencializando, assim, as possibilidades para melhores resultados em relação à aprendizagem e à superação das históricas dificuldades inerentes à disciplina.

A investigação justifica-se a partir de sua relevância científica ao propor aproximações entre dois marcos teóricos significativos para a Educação. As compreensões alcançadas no decorrer do processo investigativo podem se constituir em guias orientadoras para práticas educacionais passíveis de desencadearem mudanças nos cenários de ensino e aprendizagem da Matemática.

O relato de pesquisa que se segue está organizado em quatro seções, além desta própria introdução. Inicialmente, são trazidas as bases teóricas, em dois tópicos, com abordagens relativas aos elementos teóricos de Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.) e de Vygotsky (1989VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2.ed. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Revisão de José Cipolla-Neto et al. São Paulo: Ícone, 1989.; 1998VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.). Dando continuidade, são apresentados os resultados e discussões, com as aproximações e complementaridade entre as teorias. Por último, nas considerações finais, discorre-se sobre as percepções emergentes do processo investigativo.

Este trabalho é uma reflexão essencialmente teórica, sendo parcela de uma tese de doutorado desenvolvida junto a um Programa de Doutorado em Educação em Ciências e Matemática, cuja pesquisa na íntegra amplia este artigo, apresentando também elementos oriundos da dimensão empírica.

2 A teoria dos Três Mundos da Matemática

A teoria dos Três Mundos da Matemática, proposta por David Tall, aborda a evolução do pensamento matemático, sendo um referencial teórico já considerado em distintas pesquisas brasileiras como, por exemplo, Almeida, Fatori e Souza (2007)ALMEIDA, L. M. W.; FATORI, L. H. SOUZA, L. G. S. Ensino de Cálculo: uma abordagem usando Modelagem Matemática. Revista Ciência e Tecnologia, São Paulo, v. 10, n. 17, p. 47 -59, 2007., Almeida e Igliori (2013)ALMEIDA, M. V.; IGLIORI, S. B. C. Um panorama de proposições teóricas sobre a aprendizagem do cálculo diferencial e integral na perspectiva de David Tall. Educação Matemática Pesquisa, São Paulo, v. 2, n. 1, p. 3 - 13, 2013., Lima (2007)LIMA, R. N. de. Equações Algébricas No Ensino Médio: Uma Jornada Por Diferentes Mundos Da Matemática. 2007. 358 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Faculdade de Ciências Exatas e Tecnológicas, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007., Müller (2015)MÜLLER, T. J. Objetos de aprendizagem multimodais e o Ensino de Cálculo: uma proposta baseada em análise de erros. 2015. 203 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) – Centro de Estudos Interdisciplinares em Novas Tecnologias na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015., Soares e Cury (2017)SOARES, G. O.; CURY, H. N. O conteúdo de limite em cursos de licenciatura em Matemática: uma pesquisa à luz da teoria dos três mundos da matemática. Revista Brasileira de Educação em Ciências e Matemática, Cascavel, v. 1, p. 64 - 68, 2017., dentre outras. Nesse sentido, Bueno e Viali (2019)BUENO, R. W. S.; VIALI, L. O cálculo e os três mundos da matemática: um estado do conhecimento. DYNAMIS, Blumenau, v. 25, n. 2, p. 39 -55, 2019. apontam um número significativo de teses e dissertações que vinculam a teoria dos Três Mundos da Matemática ao ensino de Cálculo, demonstrando que seu uso tem se tornado recorrente em pesquisas brasileiras.

O trânsito de Tall entre as áreas de Matemática e Educação favoreceu o desenvolvimento de uma teoria que procura elucidar o desenvolvimento do pensamento matemático do indivíduo, o qual ocorre a partir do percurso, sem uma direção exata, por três mundos, denominados como: corporificado, proceitual simbólico e formal axiomático (TALL, 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.). Não existe hierarquia ou roteiro definido previamente, ou seja, ocorre a estruturação de um trajeto próprio, com dificuldades e possibilidades únicas inerentes ao indivíduo que o percorre.

As ideias de Tall (2013)TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013. apontam para a complexidade intrínseca à evolução do pensamento matemático, sendo algo mais amplo do que o acréscimo de novos saberes à base prévia do sujeito. Dessa forma, existem maiores possibilidades para a aprendizagem quando as práticas pedagógicas possibilitam o livre caminho entre as três esferas referidas pelo autor, cujos principais fundamentos teóricos são elucidados na sequência.

O mundo corporificado está relacionado às percepções e compreensões relativas às coisas, vinculando-se às experiências físicas ou mentais desenvolvidas em relação aos objetos (TALL, 2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.). Essas corporificações sustentam o pensamento formal, havendo possibilidades para a edificação de representações especiais para a compreensão de conceitos e de propriedades, conforme exemplificado por Müller (2015)MÜLLER, T. J. Objetos de aprendizagem multimodais e o Ensino de Cálculo: uma proposta baseada em análise de erros. 2015. 203 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) – Centro de Estudos Interdisciplinares em Novas Tecnologias na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.:

Figura 1
Esquema para a propriedade distributiva

O esquema acima é uma representação para a propriedade distributiva da multiplicação em relação à adição, muitas vezes chamada de “chuveirinho”, indicando uma organização e compreensão mental própria, individual e pessoal (MÜLLER, 2015MÜLLER, T. J. Objetos de aprendizagem multimodais e o Ensino de Cálculo: uma proposta baseada em análise de erros. 2015. 203 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) – Centro de Estudos Interdisciplinares em Novas Tecnologias na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.). Desse modo, as concepções construídas na mente que não pertencem ao mundo concreto abrangem a criação de imagens cada vez mais aprimoradas.

O mundo proceitual simbólico está relacionado aos símbolos, representando as percepções e ações presentes no mundo corporificado (TALL, 2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.). Ao mundo simbólico pertencem os símbolos empregados nas manipulações algébricas e aritméticas. Para Lima (2007)LIMA, R. N. de. Equações Algébricas No Ensino Médio: Uma Jornada Por Diferentes Mundos Da Matemática. 2007. 358 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Faculdade de Ciências Exatas e Tecnológicas, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007., é equivocado pensar isoladamente no símbolo, pois ele não é apenas uma representação, formando uma trinca: símbolo, processo e conceito. Essa ideia sugere o uso da expressão “proceito”1, englobando as três perspectivas. Nas palavras da autora:

2+3, 3+2, 1+4 são ‘proceitos’ elementares de um mesmo processo, pois resultam no mesmo conceito, o número 5. Ao entender que qualquer um dos diferentes procedimentos que dão o mesmo resultado pode ser usado na mesma situação, o indivíduo vê esses procedimentos como um mesmo processo (LIMA, 2007LIMA, R. N. de. Equações Algébricas No Ensino Médio: Uma Jornada Por Diferentes Mundos Da Matemática. 2007. 358 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Faculdade de Ciências Exatas e Tecnológicas, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007., p. 58).

O procedimento é entendido como etapas elementares, enquanto processo é algo amplo, abarcando o conjunto de procedimentos direcionados ao mesmo fim. Partindo desses elementos, Gray e Tall (1994)GRAY, E.; TALL D. O. Duality, Ambiguity and Flexibility: A proceptual view of simple arithmetic. The Journal for research in mathematics education, v. 26, n. 2, p. 115 – 141, 1994. preconizam o pensamento proceitual, caracterizado pela livre manipulação dos símbolos, passando de um processo para um conceito quando a situação assim exigir, entendendo que distintos procedimentos levam ao mesmo resultado. Exemplificando essa situação, Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. considera duas possíveis resoluções para a equação do segundo grau incompleta x² − 4 = 0. Uma possibilidade é a aplicação da fórmula de Bháskara, utilizando os coeficientes a = 1, b = 0 e c = − 4, como podemos observar a seguir:

x = 0 ± 0 2 4.1 · ( 4 ) 2.1
x = ± 0 + 16 2
x = ± 4 2 ; x = ± 2

Outra estratégia seria:

x 2 = 4 ; x = ± 4 ; x = ± 2.

A equação foi resolvida a partir de dois procedimentos distintos, porém pertencentes ao mesmo processo, conduzindo ao mesmo resultado (FLORES, 2018FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.). Quando existe a percepção da inexistência de um caminho único, havendo múltiplos procedimentos direcionados ao mesmo conceito, evidenciam-se elementos pertencentes ao mundo proceitual simbólico.

Bueno e Viali (2019)BUENO, R. W. S.; VIALI, L. O cálculo e os três mundos da matemática: um estado do conhecimento. DYNAMIS, Blumenau, v. 25, n. 2, p. 39 -55, 2019. complementam os argumentos acima definindo que o pensamento matemático se inicia com ações, as quais avançam até processos que podem ser substituídos por conceitos empregados para pensar-se sobre. Para os autores, nem todos estudantes completam esse ciclo: enquanto alguns seguem restritos aos processos, outros percebem o símbolo como objetos a serem operados a partir do cálculo e da álgebra.

Já o mundo formal axiomático está relacionado às formalidades, teoremas e axiomas empregados em definições de estruturas matemáticas, como um anel abeliano, por exemplo (TALL, 2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.). Na visão de Lima (2007)LIMA, R. N. de. Equações Algébricas No Ensino Médio: Uma Jornada Por Diferentes Mundos Da Matemática. 2007. 358 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Faculdade de Ciências Exatas e Tecnológicas, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007., o fluxo por esse mundo exige o domínio da linguagem formal e a capacidade de realizar demonstrações e deduções, uma vez que as provas devem ser compostas unicamente por definições formais, excluindo-se elementos alheios a esse mundo. Nessa esfera, temos o que é comumente chamado de pensamento matemático avançado, algo desejável para o discente de ciências exatas, porém, de difícil consolidação (FLORES, 2018FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.).

Os pressupostos relativos ao mundo formal axiomático não são trabalhados de maneira suficiente na Educação Básica e no Ensino Superior, ficando seu ensino praticamente restrito a cursos de bacharelado em Matemática e mestrados e doutorados em Matemática Pura (MÜLLER, 2015MÜLLER, T. J. Objetos de aprendizagem multimodais e o Ensino de Cálculo: uma proposta baseada em análise de erros. 2015. 203 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) – Centro de Estudos Interdisciplinares em Novas Tecnologias na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015.). Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. ainda ressalta a tendência dos cursos de Engenharia em transitar unicamente pelos mundos corporificado e proceitual simbólico, não completando a tríade referida por Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.).

O percurso pelos três mundos promove a consolidação da imagem de conceito, entendida como

[…] estrutura cognitiva total associada a um conceito, que inclui todas as imagens mentais, propriedades e processos associados. Ela é construída ao longo dos anos por meio de experiências de todos os tipos, mudando à medida que o indivíduo encontra novos estímulos e amadurece (TALL; VINNER, 1981TALL, D.; VINNER, S. Concept image and concept definition in mathematics, with special reference to limits and continuity. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 3, n. 12, p. 151-169, 1981., p. 15).

Lima (2007)LIMA, R. N. de. Equações Algébricas No Ensino Médio: Uma Jornada Por Diferentes Mundos Da Matemática. 2007. 358 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Faculdade de Ciências Exatas e Tecnológicas, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. enfatiza a dimensão individual pertencente à construção da imagem de conceito, envolvendo as experiências físicas e mentais, desenvolvidas dentro ou fora da escola, levando à reconstrução interna dos conceitos pertencentes ao mundo externo. Os conceitos reconstruídos internamente são chamados de já-encontrados, sendo parte da imagem do conceito.

Quando o sujeito se depara com uma situação desconhecida, ele utiliza como referência para avaliação os já-encontrados, sendo uma base prévia modificadora de uma ação futura (TALL, 2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.). No entanto, Lima (2007)LIMA, R. N. de. Equações Algébricas No Ensino Médio: Uma Jornada Por Diferentes Mundos Da Matemática. 2007. 358 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) - Faculdade de Ciências Exatas e Tecnológicas, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. esclarece que eles não são necessariamente positivos, pois experiências mal sucedidas ou mal orientadas podem produzir uma imagem de conceito equivocada, constituindo-se em entraves para a aprendizagem de outros conceitos e para o avanço do pensamento matemático.

Para ilustrar esse ponto, Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. exemplifica ao citar um sujeito que teve experiências com uma bola e entendeu esse objeto como um círculo, sendo essa ideia uma composição individual presente na sua imagem de conceito a partir dessa vivência. Quando for necessário o uso das propriedades dos círculos ou das esferas, haverá a evocação daquele construto equivocado, conduzindo a incompreensões e a erros conceituais.

Cabe destacar a dinamicidade pertencente aos já-encontrados, não sendo elementos estáticos, ou seja, podem ser redimensionados a partir de práticas pedagógicas passíveis de levarem à reflexão sobre os conceitos e propriedades relacionadas aos objetos matemáticos (FLORES, 2018FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.). Considerando o exemplo anterior, a partir de manipulações e visualizações e da prática docente problematizadora, o estudante pode perceber que, de fato, a bola não é um círculo. Esse é o caso em que uma experiência posterior modifica a anterior, sendo os conceitos emergentes desse processo denominados por Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.) de a-encontrar.

O trânsito entre a tríade de dimensões proposta por Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.) tende a produzir a corporificação de elementos externos. Quando ocorre a verbalização de um conceito, existe a efetivação da definição de conceito, produto individual, muitas vezes desvinculado da Matemática formal, pois, também, essa definição está vinculada às experiências individuais e pessoais.

Os princípios dos Três Mundos da Matemática propõem a evolução do pensamento matemático a partir da relação do homem com o objeto de conhecimento. No entanto, as situações de ensino e de aprendizagem desenvolvidas em qualquer nível de ensino pressupõem o contato com o outro, ponto que o arcabouço de David Tall parece não considerar de maneira suficiente. Por isso, propomos um complemento de seus argumentos com as propostas previstas na teoria da Sociointeratividade de Vygotsky, cujos principais aspectos abordamos no próximo item.

3 A teoria da Sociointeratividade

Vygotsky nasceu no leste europeu, mais precisamente na Bielorrússia, em 1896. Teve uma formação ampla e diversificada, envolvendo Direito, História, Filosofia, Linguística e outras áreas das Ciências Humanas. Mesmo tendo vivido em um cenário de revolução socialista, cujos ecos, de certa forma, fazem-se presentes em seus textos, seu arcabouço teórico vai muito além de autores soviéticos (IVIC, 2010IVIC, I. Lev Semionovich Vygotsky. Tradução de José Eustáquio Romão. Recife: Massangana, 2010.).

Os estudos de Vygostky (1989VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2.ed. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Revisão de José Cipolla-Neto et al. São Paulo: Ícone, 1989.; 1998VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.) partem do princípio da sociabilidade primária inerente ao ser humano, ou seja, da existência de uma predisposição biológica e genética para a dimensão social. Assim sendo, o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores, envolvendo o pensamento e a linguagem, está essencialmente vinculado à ação social. A partir das interações mediadas com o ambiente no qual está inserido, o ser humano reconstrói internamente elementos externos produzidos histórico e culturalmente (VYGOTSKY, 1989VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2.ed. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Revisão de José Cipolla-Neto et al. São Paulo: Ícone, 1989.; 1998VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.).

A relação com o objeto do conhecimento e com o mundo não ocorre de maneira direta, mas mediada, trazendo à tona dois elementos-chave nos pressupostos de Vygotsky: instrumentos e signos.

Instrumentos são construções históricas do homem, entendidos como meios físicos auxiliares no controle da natureza. Nas palavras de Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.: “um condutor da influência humana sob o objeto de atividade; ele é orientado externamente, deve necessariamente levar a mudanças nos objetos”. Eles não são compreendidos como ferramentas, pois, quando combinados com signos, modificam as funções psicológicas superiores.

Signos são atividades internas do sujeito, relacionadas ao seu próprio controle, auxiliando-o, por exemplo, na memorização, na realização de escolhas e na comparação (VYGOTSKY, 1998VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.). Nesse sentido, palavras são signos cujo significado é determinado socialmente. Exemplificando esse ponto, Moreira (1999MOREIRA, M. A. A teoria da mediação de Vygotsky. In: Moreira, M. A. (org.). Teorias de Aprendizagem. São Paulo: EPU, 1999. p. 109-122., p. 111) define: “as palavras, por exemplo, são signos linguísticos, os números são signos matemáticos; a linguagem falada e escrita e a matemática são sistemas de signos”.

Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. é enfático ao considerar que, somente por meio dos signos, principalmente os do âmbito da linguagem verbal, será possível a efetivação da reconstrução interna de elementos externos. Nesse sentido, a compreensão da Matemática, enquanto linguagem, exige a apropriação dos sistemas de signos pertencentes a ela.

Nesse contexto, Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. considera dois aspectos: o conjunto de atitudes e práticas para as quais já existem habilidades para a realização autônoma e aquelas que serão desenvolvidas a partir da relação mediada com alguém mais experiente em determinada tarefa.

O momento denominado nível de desenvolvimento real em relação à compreensão de determinado objeto reflete o conhecimento já consolidado, indicando as ações para as quais existe autonomia suficiente para a realização. Já o nível de desenvolvimento potencial indica o potencial embrionário, ativado e desenvolvido a partir do contato com o outro. A distância entre esses dois níveis é denominada zona de desenvolvimento proximal (ZDP), a qual corresponde ao espaço processual em que o sujeito se encontra. Com auxílio de alguém mais experiente, tal sujeito ganha domínio para, posteriormente realizar algo de forma autônoma (VYGOTSKY, 1998VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.).

Pensar no ensino e na aprendizagem a partir desses elementos teóricos sugere a relevância da mediação de situações que fomentem e estimulem o contato social na prática docente educativa. No entanto, é significativo ressaltar que Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. preconiza a necessidade da bidirecionalidade da socialização, ou seja, os melhores resultados são obtidos quando ambas as partes estão envolvidas e efetivando trocas mútuas.

A relação social estabelecida entre os sujeitos é passível de promover o desenvolvimento mental e a aprendizagem quando o trabalho ocorrer em cooperação. As práticas cooperativas no contexto da Educação são entendidas como “[…] uma filosofia de ensino que envolve trabalhar juntos, construir juntos, aprender juntos, mudar juntos, aperfeiçoar juntos” (WIERSEMA, 2002WIERSEMA, N. How does collaborative learning actually work in classroom and how do students react to it? A brief reflection. Mexico City, 2002. Disponível em: https://eric.ed.gov/?id=ED4645102. Acesso em: 20 jul. 2019.
https://eric.ed.gov/?id=ED4645102...
, p. 1). Para o autor, essas práticas levam a uma interdependência positiva, ou seja, quando alguém está ligado ao seu próximo, existe a promoção da qualificação de todos os envolvidos.

Entender o ensino a partir dessa perspectiva direciona a atenção às práticas docentes capazes de alcançar melhores resultados quando o professor adota a postura de mediação, desenvolvendo situações direcionadas à interatividade. Na visão de Ivic (2010IVIC, I. Lev Semionovich Vygotsky. Tradução de José Eustáquio Romão. Recife: Massangana, 2010., p. 33): “As modalidades de assistência adulta na zona proximal são múltiplas: demonstrações de métodos que devem ser imitados, exemplos dados à criança, questões que façam apelo à reflexão intelectual”. Complementando as reflexões do autor, cabe destacar que a compreensão do desenvolvimento a partir da relação com o próximo não deve se limitar à relação dirigida do adulto para o aprendiz, mas deve ocorrer sem limitações de idade nem de contexto.

Desse modo, o sujeito pode se desenvolver a partir da relação com os seus colegas, além daquelas desencadeadas com o professor ou com os familiares. No contexto escolar, é desejável uma prática pedagógica permissora e fomentadora dessa rede de relações.

As propostas teóricas de Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. apresentam potencial significativo para a promoção da construção do conhecimento. A teoria dos Três Mundos da Matemática apresenta elementos similares e convergentes com o eixo teórico vygotskyano, argumento elucidado na sequência deste artigo.

4 Dimensão da convergência

Os estudos desenvolvidos por David Tall partiram de uma base teórica consistente, composta por autores como Piaget, Bruner e Dienes. Neste estudo, propõe-se uma associação entre os pressupostos teóricos de Tall e Vygotsky, aliança ainda não encontrada nos trabalhos analisados até o momento.

A ideia de associação entre os pressupostas da teoria da Sociointerativiadade e os da teoria dos Três Mundos da Matemática foi proposta originalmente na tese de Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018., com o autor defendendo a coerência entre os eixos, cujos principais aspectos encontram-se no quadro que segue:

Quadro 1
Proximidade entre as teorias

Na primeira dimensão, os dois eixos teóricos abordam a importância da linguagem para a aprendizagem. Vygostky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. preconiza que pensamento e linguagem estão intimamente ligados, sendo a linguagem um sistema representativo passível de redimensionar os processos psicológicos superiores. A linguagem como função epistêmica tem papel fundamental na aprendizagem, envolvendo as operações conscientes da oralidade e a própria estruturação do pensamento (VYGOTSKY, 1998VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.). A partir de seus experimentos, Vygotsky (1989)VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2.ed. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Revisão de José Cipolla-Neto et al. São Paulo: Ícone, 1989. percebe que a habilidade de formar conceitos é anterior à de estabelecer uma definição acerca deles.

De maneira análoga, na Teoria dos Três Mundos, quando existe a demonstração da capacidade de verbalizar algum conceito, encontra-se um indicativo de que houve uma apropriação ou reconstrução conceitual mental (TALL; VINNER, 1981TALL, D.; VINNER, S. Concept image and concept definition in mathematics, with special reference to limits and continuity. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 3, n. 12, p. 151-169, 1981.). Uma criança, ao brincar com algum objeto, por exemplo, percebe as suas características com o emprego dos sentidos e efetiva a descrição a partir da sua linguagem materna, mesmo sem conhecer o conceito na sua acepção formal. Para Tall e Vinner (1981)TALL, D.; VINNER, S. Concept image and concept definition in mathematics, with special reference to limits and continuity. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 3, n. 12, p. 151-169, 1981., esse processo envolve as habilidades de sintetizar imagens, empregar símbolos, esquemas e representações, de modo que as expressões serão dadas a partir da linguagem.

Ambas as teorias entendem a linguagem como um espelho do pensamento, refletindo o modo e a forma da reconstrução interna dos conceitos externos. Nesse transcurso, a linguagem se constitui em um elemento para o professor mapear a aprendizagem dos estudantes, identificando os pontos consistentes e as eventuais fragilidades em relação aos conceitos matemáticos. Essa dimensão assume a Matemática como uma linguagem passível de verbalização, levando à consideração da dimensão simbólica dessa ciência.

O uso dos símbolos é o ponto chave da segunda dimensão, entendido como um meio para a compreensão do contexto, a partir da leitura e interpretação do mundo. Nesse sentido, o acompanhamento do emprego dos símbolos se organiza como um meio para a visualização das operações intelectuais e da evolução do pensamento matemático.

No entendimento de Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998., o símbolo tem uma função mediadora entre o homem e a natureza, possibilitando o desenvolvimento social e intelectual. Para o autor, existe a complexificação do conhecimento na medida em que o sujeito agrega símbolos à sua estrutura cognitiva. Desse modo, os objetos são associados não apenas a partir das impressões, mas igualmente relacionado às relações factuais e concretas existentes entre esses objetos (VYGOTSKY, 1989VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2.ed. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Revisão de José Cipolla-Neto et al. São Paulo: Ícone, 1989.).

De forma similar, Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.) entende os símbolos como entidades mentais, indicativas de corporificações e percepções relativas aos objetos e ao mundo, bem como as ações e relações relativas a esses objetos e ao contexto. Tanto em Tall quanto em Vygotsky, o símbolo relaciona o processo mental com o objeto, sendo em Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.), de maneira específica a objetos matemáticos.

Em Vygotsky (1989)VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2.ed. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Revisão de José Cipolla-Neto et al. São Paulo: Ícone, 1989., a formação de conceitos é entendida a partir de três fases: a agregação desorganizada, em que os objetos são unidos sem parâmetros, a partir da visualização; pensamento por complexos, em que a associação ocorre pelas relações concretas e factuais e formação de conceitos, que envolve as habilidades de generalizar e diferenciar. Similarmente, Tall (2004)TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288. entende que o sujeito evolui cognitivamente a partir da percepção que ocorre de maneira visual e espacial. Para o aprofundamento dessa relação, exige-se a realização de abstrações, generalizações e a efetivação de provas, indicando uma maneira de pensar a Matemática de forma mais complexa.

O progresso do pensamento matemático relaciona-se à compreensão da natureza simbólica da Matemática, pois é necessária a compreensão das representações formais inerentes a essa ciência (FLORES, 2018FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018.). Essa ideia é válida tanto em Tall (2004)TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288., que situa a dimensão simbólica como um dos mundos necessários para o desenvolvimento do pensamento matemático; quanto em Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998., que os entende como mediadores entre o homem e o mundo.

Confirmando os argumentos acima, Moysés (1997MOYSÉS. L. Aplicações de Vygotsky à educação matemática. Campinas: Papirus, 1997., p. 67) afirma:

Se o professor e alunos defrontam-se com sentenças, regras e símbolos matemáticos sem que nenhum deles consiga dar sentido e significado a tal simbologia, então a escola continua a negar ao aluno – especialmente aquele que frequenta a escola pública – uma das formas mais essenciais de ler, interpretar e explicar o mundo.

O excerto indica a necessidade da compreensão da natureza simbólica da Matemática como elemento pertencente à construção do conhecimento matemático, o que nos remete ao mundo proceitual simbólico de Tall (2004)TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288. e às concepções de mediação propostas por Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.. Os símbolos representam processos e conceitos além de estabelecerem uma relação mediada entre o homem e o objeto do conhecimento.

Na terceira dimensão, as teorias partem das experiências prévias, entendendo-as como elementos a serem considerados como fator relevante para a aprendizagem. Os conhecimentos prévios podem ser entendidos como as reconstruções internas já dispostas, sendo denominados por Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.) como já-encontrados. De forma similar, Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. conceitua as ações realizadas de forma autônoma como estabelecidas, dominadas no nível de desenvolvimento real.

Nas duas teorias consideradas, existe a ideia de conceitos internalizados, indicando a existência da habilidade necessária para resolver problemas inerentes a eles. Os dois autores também preconizam a dinamicidade relacionada a esses momentos: os conceitos a-encontrar podem se tornar já-encontrados e, de forma análoga, em Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998., aquilo que antes não era dominado (potencial), uma vez dominado passa a ser realmente desenvolvimento, constituindo um novo patamar de domínio para seguir-se adiante.

A distinção entre os eixos teóricos reside no fato de que, para Tall (2004)TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288., esse caminho é feito unicamente a partir da relação com o objeto matemático; ao passo que, para Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998., envolve a relação com qualquer objeto de conhecimento via mediação do próximo, do agente social.

Entendem-se que as práticas de ensino de Matemática podem apresentar efeitos mais positivos quando os conhecimentos anteriores são identificados e levados em consideração pelo professor. Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. e Müller (2015)MÜLLER, T. J. Objetos de aprendizagem multimodais e o Ensino de Cálculo: uma proposta baseada em análise de erros. 2015. 203 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) – Centro de Estudos Interdisciplinares em Novas Tecnologias na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. argumentam que essa identificação pode conduzir ao redimensionamento das bases conceituais, promovendo, assim, a construção do conhecimento matemático.

Nesse processo, o direcionamento a partir das teorias dos Três Mundos da Matemática e a da Sociointeratividade possibilita a aprendizagem a partir da base anterior, considerando o percurso pelas três esferas e o contato com o próximo necessários à aprendizagem, uma vez que contemplam as habilidades de abstrair, generalizar e demonstrar.

5 Dimensão da complementaridade

A sociedade contemporânea, caracterizada pela complexidade e pelo pensamento sistêmico (CASTELLS; CARDOSO, 2005CASTELLS, M.; CARDOSO, G. (Org.). A sociedade em rede do conhecimento à acção política. Belém (Portugal): Imprensa Nacional, 2005. Disponível em: https://egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/a_sociedade_em_rede_-_do_conhecimento_a_acao_politica.pdf. Acesso em: 20 jan. 2019.
https://egov.ufsc.br/portal/sites/defaul...
), parece sugerir o uso de múltiplas teorias para fundamentar os processos educativos, pois os cenários apresentados também são multifacetados. Entretanto, é necessário que haja uma coerência interna epistemológica entre os eixos teóricos para que os pressupostos norteadores das ações não sejam conflitantes.

Entende-se que as teorias dos Três Mundos da Matemática e da Sociointeratividade são coerentes entre si, conforme os argumentos já expostos. Além disso, são complementares, no sentido de uma ampliar a outra, indicando a possibilidade de seu uso conjunto.

Quadro 2
Complementariedade entre as teorias

A primeira dimensão elucida a perspectiva de que a experiência prévia nem sempre é algo positivo, podendo se constituir em um entrave para a aprendizagem. Isso ocorre quando existe a vivência de uma experiência mal orientada e, a partir disso, a reconstrução interna de conceitos de maneira equivocada.

Para ilustrar esse ponto, Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. aborda as dificuldades em Cálculo Diferencial e Integral apresentadas sobretudo por estudantes de Engenharia, as quais têm origem em etapas anteriores, como, por exemplo, no Ensino Fundamental e Médio. Para o autor, adversidades em conteúdos como funções, operações algébricas e racionalização são consequência de experiências malsucedidas relacionadas ao contato com o objeto do conhecimento e, também, com o outro. Essas construções mentais equivocadas apresentam potencial para atrapalhar o desenvolvimento do pensamento matemático e, muitas vezes, dificultar a aprendizagem.

Outro exemplo trazido por Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. refere-se a um sujeito que efetiva a operação de soma no contexto dos números naturais, mas realiza-a de maneira mecânica, sem a compreensão das propriedades e conceitos envolvidos. Quando houver a necessidade de efetuar a mesma operação na conjuntura dos números racionais, é possível que ele siga o mesmo algoritmo. Essa lacuna conceitual produz erros tais como na soma de frações: 23+15=38, equívoco esse observado de maneira frequente em cursos de Cálculo, demonstrando um entendimento do processo operatório válido em um conjunto numérico, mas equivocado em outro. Evocando os conceitos de Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.), entende-se que a incompletude da imagem de conceito, proveniente de suas experiências anteriores, constituiu-se em uma barreira para a aprendizagem matemática.

Nesse ponto é que se evidencia a complementariedade teórica: nem sempre uma experiência trará um impacto positivo, sendo muito comum o resultado ser negativo em relação à aprendizagem. Essa perspectiva aponta a necessidade do acompanhamento das atividades, seja pelo professor, monitor ou colega mais adiantado. Tall não abordou esse aspecto em sua teoria, sugerindo-se, assim, o uso comum dos princípios vygotskyanos. Em contraponto, o teórico bielorrusso aparentemente não considerou os possíveis efeitos negativos de uma experiência malsucedida em relação à aprendizagem. Tais premissas tendem a justificar o uso concomitante de ambos os eixos teóricos nas práticas de ensino de Matemática.

O acompanhamento referido no parágrafo anterior apresenta melhores resultados quando o professor desenvolve um mapeamento da imagem de conceito, procurando detectar as inconsistências e construções mentais equivocadas. Em sua pesquisa, Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. indica que essa abordagem é mais frutífera quando é indireta, pois reduz as possíveis relações de poder que uma prova, por exemplo, poderia desencadear. Na visão do autor, alternativas viáveis seriam o uso de objetos de aprendizagem e de games para o mapeamento indireto dos conceitos estabelecidos como já-encontrados, ou seja, já no nível de desenvolvimento real.

Assim como Müller (2015)MÜLLER, T. J. Objetos de aprendizagem multimodais e o Ensino de Cálculo: uma proposta baseada em análise de erros. 2015. 203 f. Tese (Doutorado em Informática na Educação) – Centro de Estudos Interdisciplinares em Novas Tecnologias na Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015., Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. sugere que um aluno com dificuldades em Cálculo Diferencial e Integral desenvolva um processo interativo com o uso de objetos de aprendizagem voltados para conteúdos que subsidiam a disciplina. A partir dos resultados observados, o professor pode compreender as fragilidades conceituais e, desse modo, traçar um plano de ação para a sua aula.

Dessa forma, as prerrogativas de Vygotsky (1989VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2.ed. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Revisão de José Cipolla-Neto et al. São Paulo: Ícone, 1989.; 1998VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.) situam a necessidade do acompanhamento de alguém mais experiente na tarefa, enquanto as de Tall destacam a necessidade da atenção para as experiências prévias que foram desenvolvidas, trazendo a ilação de que o uso comum das duas teorias é passível de produzir melhores resultados em relação à aprendizagem.

A segunda dimensão apresenta a complementaridade dos pressupostos de David Tall em relação aos de Vygotsky. Os estudos vygotskyanos tratam do desenvolvimento psíquico de crianças e de adolescentes a partir da relação mediada com o outro. Acoplar os argumentos de Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.) a essa abordagem leva à ampliação da faixa etária proposta pelo autor soviético, possibilitando o seu uso no Ensino Superior.

Apesar do trabalho em grupos ainda ser visto com resistência por parcela significativa de professores de Cálculo, Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018. aponta resultados favoráveis quando essa prática é adotada. Na perspectiva do autor, é necessário aliar o aspecto coletivo e social com a relação com o objeto do conhecimento, sugerindo o uso comum dos aspectos sociointerativos com os dos Três Mundos da Matemática.

Para Flores (2018)FLORES, J. B. Monitoria de cálculo e processo de aprendizagem: perspectivas à luz da sociointeratividade e da teoria dos três mundos da matemática. 2018. 226 f. Tese (Doutorado em Educação em Ciências e Matemática) – Escola de Ciências, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2018., o trabalho de maneira isolada nas aulas de Cálculo tende a levar os estudantes a evocar conceitos que podem ter sido reconstruídos internamente de maneira equivocada, produzindo um percurso acidentado pelos Três Mundos. Essa problemática pode ser contornada a partir da relação com o outro, na troca de experiências e vivências, seja com o professor, monitor ou colega. Nesse contexto, torna-se evidente que os resultados em relação à aprendizagem podem apresentar melhores resultados quando as práticas pedagógicas partilham, de forma concomitante, dos fundamentos dos dois eixos teóricos considerados neste trabalho.

Tanto Vygotsty (1989)VYGOTSKY, L. S. Pensamento e linguagem. 2.ed. Tradução de Jefferson Luiz Camargo. Revisão de José Cipolla-Neto et al. São Paulo: Ícone, 1989. quanto Tall (2004)TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288. entendem que as habilidades de abstração, generalização e diferenciação são próprias da formação de conceitos. No entanto, apenas o autor britânico menciona os atos de realizar demonstrações e provas como algo pertencente à formação conceitual. Esse é um complemento significativo, especialmente no que se refere ao ensino de Matemática no contexto do Ensino Superior, pois provar e demonstrar são manifestações do pensamento matemático avançado.

A terceira dimensão parte da perspectiva de que ambos autores consideram o desenvolvimento do pensamento. Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.) versa, sobretudo, a respeito do desenvolvimento do pensamento matemático quando existe o estabelecimento de uma relação do homem com o objeto matemático. Seja em situações de sala de aula, seja em situações de aplicabilidade da Matemática como na indústria, por exemplo, é possível que as relações não sejam desenvolvidas de maneira isolada, mas de forma conjunta.

Especialmente em relação ao ensino de Engenharia, as diretrizes contemporâneas preconizam a necessidade de um profissional que saiba trabalhar de maneira coletiva (ABMES, 2019ABMES. Resolução no 2, de 24 de abril de 2019. Disponível em: https://abmes.org.br/arquivos/legislacoes/Resolucao-CNE-CES-002-2019-04-24.pdf. Acesso em: 8 ago. 2019.
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). Desse modo, parece ser urgente e necessário não apenas o estabelecimento de uma relação com o objeto do conhecimento, mas essencialmente com o outro. Aparentemente, Tall (2004TALL, D. Thinking Through Three Worlds of Mathematics. In: CONFERENCE OF THE INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 28., 2004, Bergen. Proceedings… Bergen: PME, 2004. p. 281-288.; 2013TALL, D. How humans learn to think mathematically: exploring the three words of mathematics. New York: Cambridge, 2013.) não abordou esse ponto em sua teoria, o que sugere a necessidade do complemento desses pressupostos com os preconizados por Vygotsky (1998)VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Tradução de José Cippola Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998..

Ambas as teorias foram desenvolvidas em seus contextos específicos a partir das perspectivas e visões de mundo dos autores. Atualmente, em uma sociedade caracterizada pela complexidade e pelo pensamento em rede, parece-nos difícil que um único norteador teórico seja suficiente para explicar a elaboração do conhecimento em situações de aprendizagem. O uso comum de mais de um eixo teórico possibilita que as limitações de cada um sejam complementadas pelo outro. No entanto, é necessária coerência epistemológica interna para que as práticas de ensino desenvolvidas a partir de eixos teóricos distintos tenham a sustentação necessária à promoção da aprendizagem.

6 Considerações finais

A Educação para a sociedade contemporânea carece de redimensionamento, pois o mundo atual encontra-se imerso em um contexto caracterizado pelo dinamismo e pela constante mutação. Nesse cenário de complexidade, a orientação de práticas educativas por referenciais teóricos únicos parece não ser o suficiente para contemplar-se as demandas dos estudantes do século XXI. A tendência de obtenção de melhores resultados ocorre quando pressupostos teóricos, mesmo que consistentes, com valor inestimável para a humanidade, são revisados, repensados e ampliados. A ciência cai em dogmatismo quando não existe uma revisão sistemática e constante de seus norteadores teóricos e epistemológicos.

Essencialmente, os fundamentos da Sociointeratividade compreendem a esfera social como o catalizador do desenvolvimento e da aprendizagem, pois, a partir da relação mediada com o próximo e com o ambiente, o sujeito reconstrói internamente os elementos externos estabelecidos social e culturalmente. No entanto, isso não é suficiente para a construção do conhecimento matemático, pois ambos os sujeitos envolvidos no processo de mediação podem partilhar imagens de conceito equivocadas a partir de experiências mal orientadas.

Dessa forma, não é apenas a relação social que levará o indivíduo à aprendizagem; é necessária uma relação crítica deste indivíduo com o objeto de conhecimento. Para isso, é essencial uma prática pautada pela mediação.

Do uso concomitante dos fundamentos da Sociointeratividade em Vygotsky e os da teoria dos Três Mundos da Matemática em Tall, emergem os seguintes princípios:

  1. Linguagem e símbolos: a Matemática, por conta de sua dimensão simbólica, exige a capacidade de leitura e compreensão dos seus simbolismos. A comunicação e as trocas simbólicas entre os sujeitos também exigem habilidades de linguagem. Sem um domínio linguístico referente à Matemática, inexiste a possibilidade de efetivação de críticas, de questionamentos ou de problematizações, limitando-se ao universo de compreensão.

  2. Conhecimentos prévios: a construção do conhecimento matemático depende daquilo que já é sabido. Assim, é essencial que o professor mapeie os conhecimentos anteriores dos estudantes, pois esses conhecimentos se relacionam com experiências e nem sempre vão na direção da Matemática formal.

  3. Redimensionamento dos saberes: conceber a possibilidade de os conceitos internalizados estarem equivocados leva à necessidade de constante crítica e questionamento em relação aos conhecimentos matemáticos. O professor tem um papel essencial nesse processo: desenvolver práticas que levem à problematização e ao pensar sobre. O redimensionamento dos saberes é entendido como a reconstrução de conceitos a partir da relação com o próximo e com objeto de conhecimento matemático nas suas distintas representações

  4. Relação entre os pares: o trabalho em equipe apresenta um potencial para a aprendizagem. No entanto, para que a aprendizagem se consolide, essa relação precisa ser bidirecional, ou seja, pede o envolvimento de ambas as partes nas trocas simbólicas. Caso contrário, haverá apenas a troca de informações.

  5. Prática docente: o emprego comum das duas teorias consideradas neste trabalho sugere a necessidade de uma prática docente que possibilite as trocas entre os sujeitos e, simultaneamente, o percurso pelos três mundos. Assim, é desejável a superação do modelo educacional centrado na transmissão de informações, com a possibilidade de trocas sociais e de manipulação e visualização de objetos matemáticos.

Por último, destaca-se a necessidade da aliança entre teorias de aprendizagem, ampliando os norteadores teóricos para contemplar as necessidades educacionais do cidadão do século XXI.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    30 Nov 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2020

Histórico

  • Recebido
    15 Maio 2020
  • Aceito
    06 Ago 2020
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