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Invariantes Operatórios de Equilíbrio Algébrico Presentes nas Estratégias de Estudantes do 3° Ano do Ensino Fundamental

Algebraic Balance Invariants present in the strategies of third grade of elementary school students

Resumo

Em vários países, têm sido recorrentes relatos de dificuldades de entendimento de conceitos algébricos. A solução para este problema, proposta por grande parte da comunidade de educadores matemáticos pelo mundo, foi promover a introdução de conceitos algébricos desde os primeiros anos escolares. O objetivo deste trabalho foi descrever e analisar os invariantes operatórios utilizados por estudantes do terceiro ano do Ensino Fundamental em situações que envolvem a noção de equilíbrio algébrico. A metodologia de produção e análise de dados utilizada foi o método clínico de manipulação-formalização. Os sujeitos da pesquisa foram 24 estudantes do terceiro ano do Ensino Fundamental, os quais foram submetidos a uma atividade envolvendo quatro pesos e duas balanças. Os participantes deveriam equilibrar os pesos dois-a-dois, sem saber a medida de um dos pesos, que representava a incógnita do problema algébrico proposto. Foram realizadas entrevistas clínicas com todos os participantes para investigar os invariantes operatórios utilizados por eles na resolução do problema. O referencial teórico da pesquisa é a teoria dos campos conceituais. Constatou-se a possibilidade de uso de quatro invariantes operatórios: os teoremas-em-ação “completar a quantidade que falta” e “encontrar a incógnita a partir do equilíbrio”; e os respectivos conceitos-em-ação “sequência sem números que se repetem” e “equilíbrio dos pesos na balança”.O conhecimento de como a criança desenvolve a noção inicial de equilíbrio algébrico, que é o princípio do processo de entendimento do conceito formal de equação, pode ajudar professores dos Anos Iniciais a criar atividades que estimulem o desenvolvimento desta habilidade algébrica.

Palavras-chave:
Equilíbrio Algébrico; Pensamento Algébrico; Ciclo de Alfabetização

Abstract

In several countries, there have been recurrent reports of difficulties in understanding of algebraic concepts. The solution to this problem, proposed by much of the mathematical educators' community around the world, was to promote the introduction of algebraic concepts since the early school years. The aim of this work was to describe and analyze the operational invariants used by third grade students elementary school in situations involving the notion of algebraic balance. The methodology of data production and data analysis used was the handling-formalization clinical method. The subjects were 24 third grade students of elementary school, which were submitted to an activity involving four weights and two scales. The participants should balance the weights twoby-two, without knowing the extent of one of the unknown weights the algebraic problem. Clinical interviews were held with all participants to investigate the operational invariants used by them to solve the problem. The theoretical research framework is the theory of conceptual fields. It was noted the possibility of using four operational invariants: the theorems-in-action "complete the missing amount" and "find the unknown from the balance"; and related concepts-in-action "sequence without numbers that repeat" and "balance weights on the scale". The knowledge of how the child develops the initial algebraic balance notion, which is the beginning of the process of understanding the formal equation concept, can help early years teachers to create activities that stimulate the development of this algebraic ability.

Keywords:
Algebraic Balance; Algebraic Thinking; Literacy Cycle

1 Apresentação do estudo

Os primeiros métodos formais de resolução de equações polinomiais foram introduzidos pelo matemático Al-Khwarizmi no século IX D.C., com a publicação de seu livro Al-Kitab al-jabr wa'l Muqabalah. Segundo Baumgart (1992)BAUMGART, J. K. Álgebra. São Paulo: Editora Atual, 1992. (Coleção Tópicos em sala de aula para uso em sala de aula - Volume 4)., tal publicação deu origem à palavra Álgebra, utilizada hoje para designar uma grande área da Matemática, que estuda diversos tipos de equações, proposições gerais sobre polinômios e, também, todas as possibilidades de generalização simbólica das mais variadas ideias matemáticas.

Métodos informais de resolução de equações do primeiro grau e alguns casos particulares de equações do segundo grau foram desenvolvidos por povos antigos, tais como os babilônios e os egípcios (BOYER, 1996BOYER, C. B. História da matemática. 2 ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1996.). Textos escritos em tábuas cuneiformes e papiros apresentam registros de resolução de equações. Segundo Freitas (2015)FREITAS, C. W. A. Equações Diofantinas. 2015. 201f. Dissertação (Mestrado em Matemática) - Universidade Federal do Ceará, Fortaleza, 2015., o matemático grego Diofanto de Alexandria foi responsável pela adoção de símbolos específicos para representar incógnitas. Somente a partir do século XVI, as letras passaram a representar incógnitas, após o trabalho do matemático Viète (BOYER, 1996BOYER, C. B. História da matemática. 2 ed. São Paulo: Edgard Blücher, 1996.).

No âmbito da Matemática avançada, a Álgebra atualmente estuda funções, matrizes, números complexos, sistemas lineares, vetores, funções, estruturas tais como grupos, anéis, corpos, etc (HEFEZ, 2014HEFEZ, A. Curso de Álgebra: volume 1. Rio de Janeiro: Sociedade Brasileira de Matemática, 2014.). No âmbito da Educação Básica, o conceito de equação é, em geral, o primeiro a ser ensinado, geralmente na etapa do sistema de ensino de cada país quando a criança possui entre dez e doze anos de idade. Segundo dados do National Council of Teachers of Mathematics (NCTM), associação de professores e pesquisadores da área de Educação Matemática, sediada nos Estados Unidos, é precisamente nessa etapa que ocorre grande parte das dificuldades no aprendizado de conceitos matemáticos (NCTM, 2008NCTM.Princípios e Normas para a Matemática Escolar. Tradução portuguesa dos Principles and Standards for School Mathematics. Lisboa: APM, 2008.).

Para contornar tais dificuldades, a solução indicada pelos membros do NCTM (2008)NCTM.Princípios e Normas para a Matemática Escolar. Tradução portuguesa dos Principles and Standards for School Mathematics. Lisboa: APM, 2008., corroborada por grande parte da comunidade de educadores matemáticos pelo mundo, foi promover a introdução de conceitos algébricos desde os primeiros anos escolares, adaptando a linguagem algébrica para o contexto da criança. Isto possibilitaria trabalhar com as ideias de equação, incógnita, simplificação de expressões algébricas e operações com variáveis em fórmulas, sem o empecilho das representações, que constituem uma barreira para o aprendizado de conceitos algébricos iniciais.

O primeiro movimento de inclusão da Álgebra desde os Anos Iniciais no Brasil aconteceu com a publicação do documento do MEC intitulado Elementos Conceituais e Metodológicos para Definição dos Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1o, 2o e 3o anos) do Ensino Fundamental (BRASIL, 2012BRASIL. Elementos Conceituais e Metodológicos para os Direitos de Aprendizagem e Desenvolvimento do Ciclo de Alfabetização (1°, 2° e 3° anos) do Ensino Fundamental. Ministério da Educação. Brasília: Secretária de Educação Básica, 2012.). O pensamento algébrico passou a fazer parte do currículo oficial com a publicação da Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação. Brasília: Secretária de Educação Básica, 2017.), também conhecida pela sigla BNCC.

Embora o pensamento algébrico esteja cada vez mais presente nos documentos oficiais que orientam o currículo escolar, ainda há muita discussão a ser realizada a respeito de como deve ser o ensino deste eixo de conhecimentos matemáticos, pois se trata da subárea da Matemática mais recentemente integrada aos Anos Iniciais da escolaridade.

Um aspecto do pensamento algébrico bastante discutido em pesquisas internacionais é o desenvolvimento da noção de equilíbrio algébrico, que vem a ser uma espécie de “protótipo” do conceito formal de equação matemática. O que caracteriza esta noção de equilíbrio é o fato de haver um valor desconhecido que torna verdadeira uma igualdade entre duas quantidades. Escolhemos este aspecto para ser analisado com mais profundidade na presente pesquisa.

O objetivo deste trabalho é descrever e analisar os invariantes operatórios utilizados por estudantes do terceiro ano do Ensino Fundamental em situações que envolvem a noção de equilíbrio algébrico. Pretende-se elucidar as estratégias mentais espontâneas de estudantes dos Anos Iniciais em situações que envolvem a ideia de equilíbrio algébrico. Esta ideia de equilíbrio algébrico é normalmente representada na escola pelo sinal de igualdade, porém este sinal só é explorado do ponto de vista do equilíbrio, em geral, na etapa em que é introduzido o conceito de equação. Raramente apresenta-se o sinal de igualdade como uma representação de equilíbrio nos Anos Iniciais de escolaridade.

Nossa principal referência internacional é o trabalho de Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015.. Em nossas buscas por estudos anteriores, tanto brasileiros quanto internacionais, não encontramos trabalhos que tenham realizado procedimentos de coleta e análise de dados semelhantes aos realizados neste trabalho, ou que tenham abordado a questão do pensamento algébrico a partir da ótica da teoria dos campos conceituais. Pretendemos contribuir para a literatura sobre pensamento algébrico nesses pontos.

2 Pesquisas sobre o pensamento algébrico

Segundo Blanton e Kaput (2005BLANTON, M.; KAPUT, J. Characterizing a classroom practice that promotes algebraic reasoning. Journal for Research in Mathematics Education, v.36, n.5, p. 412-446, 2005., p.413), o pensamento algébrico podeser caracterizado como o “processo pelo qual os alunos generalizam ideias matemáticas a partir de um conjunto de casos particulares, estabelecem essas generalizações através de discurso argumentativo, e expressam-nas de formas progressivamente mais formais e adequadas à sua idade”.

Um dos aspectos do pensamento algébrico que se destacou, com relação à ideia de equação, foi a existência de ideias da criança em relação à função da relação de igualdade em expressões. Alguns estudiosos passaram a denominar pensamento relacional o conjunto de esquemas mentais utilizados na resolução de expressões que envolvem o sinal de igualdade.

Problemas do tipo a+b=_+c, foram analisados no trabalho Carpenter et al. (2005)CARPENTER, T. P.; LEVI, L.; FRANKE, M. L. ZERINGUE, J. K. Algebra in the elementary school: developing relational thinking. ZDM – The International Journal on Mathematics Education, inserir cidade, v.37, n.1, p. 53-59, 2005.. Segundo os autores, é possível desenvolver na criança a noção de equilíbrio a partir deste tipo de situação. Stephens e Wang (2008)STEPHENS, M.; WANG, X. Investigating some junctures in relational thinking: a study of year 6 and 7 students from Australia and China. Journal of Mathematics Education, v.1, n.1, p. 28-39, 2008. analisaram as habilidades envolvendo o pensamento relacional de estudantes do 6° e 7° anos escolares em Portugal, em situações aritméticas de adição, subtração, multiplicação e divisão, concluindo que aplicação de problemas de pensamento relacional promove no estudante uma visão mais ampla do significado do sinal de igualdade em expressões matemáticas.

Trivilin e Ribeiro (2015)TRIVILIN, L. R.; RIBEIRO, A. J. Conhecimento Matemático para o Ensino dos Diferentes Significados do Sinal de Igualdade: um estudo desenvolvido com professores dos Anos Iniciais do ensino Fundamental. Bolema, Rio Claro, v.29, n.51, p. 38-59, 2015. estudaram as noções de professores dos Anos Iniciais a respeito dos diferentes significados do sinal de igualdade, constatando limitações dos participantes da pesquisa, inclusive no que diz respeito ao reconhecimento da importância da abordagem deste tipo de problema desde os Anos Iniciais.

Outro trabalho bastante recente, e que representa o estado da arte das pesquisas sobre o pensamento algébrico é o de Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015.. Nesse trabalho, os autores propõem aos participantes a seguinte situação, que envolve o pensamento relacional: “Preencha as lacunas com os números que tornam a sentença verdadeira. Como você conseguiu sua resposta? a) 7+3=__+4. Por quê? b) 5+3=__+3. Por quê?” (BLANTON et al., 2015BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015., p. 83, tradução nossa).

Não encontramos estudos focados nas estratégias mentais de estudantes frente a situações algébricas de equilíbrio algébrico em língua portuguesa, o que nos motivou a analisar com mais profundidade este aspecto neste trabalho. Além disso, também não encontramos trabalhos precedentes sobre pensamento algébrico embasados na teoria dos campos conceituais. Isto significa que a temática é nova em língua portuguesa, e também o ponto de vista teórico é sem precedentes, pelo menos de acordo com nossas buscas.

3 Referencial teórico

Gérard Vergnaud (1990VERGNAUD, G. La théorie dês champs conceptuels. Recherches em Didactique dês Mathématiques, v.10, n.2-3, p. 133-170, 1990., 2009), professor e pesquisador francês que realizou diversos estudos sobre a aprendizagem das operações aritméticas, é autor da teoria dos campos conceituais. Esta teoria tem como base a epistemologia genética de Jean Piaget. Para Vergnaud (1990VERGNAUD, G. La théorie dês champs conceptuels. Recherches em Didactique dês Mathématiques, v.10, n.2-3, p. 133-170, 1990., 2009), um conceito pode ser entendido como uma síntese de situações, invariantes operatórios e representações utilizadas pelo sujeito, que servem como parâmetros para apontar características de diferenciação em relação a outros conceitos.

As representações possuem a função de compartilhamento social, possibilitando ao sujeito comunicar suas formas de pensar por meio da linguagem. Em termos psicológicos, as representações constituem os significantes, ou seja, objetos socialmente estabelecidos para a comunicação no contexto de caracterização do conceito.

Na teoria dos campos conceituais, as situações são entendidas como aquelas experiências vivenciadas pelo sujeito que, de alguma forma, requerem ou possibilitam o uso do conceito em torno do qual se analisa o campo conceitual.

Os invariantes operatórios são, na verdade, herança da epistemologia genética de Piaget (1971PIAGET, J. A epistemologia genética. Petrópolis: Editora Vozes, 1971., 2003PIAGET, J. Biologia e Conhecimento. Petrópolis: Editora Vozes, 2003.), e constituem a forma como o pensamento se organiza em esquemas de ação. Os invariantes operatórios consistem nos aspectos relacionais e nocionais universais, os quais sustentam as condutas (esquemas), para determinadas classes de situações (problemas). Quando colocados em ação, os invariantes operatórios se transformam em conjuntos de esquemas progressivamente mais complexos.

Na teoria dos campos conceituais, os invariantes operatórios podem ser de dois tipos: teoremas-em-ação, quando são proposições, ainda que provisórias, construídas pelo sujeito para agir nas situações que envolvem o conceito; ou conceitos-em-ação, quando são premissas que o sujeito utiliza para fundamentar as ações, e também para aplicar os teoremasem-ação. No presente trabalho os invariantes operatórios constituem o tema central, uma vez que, na literatura, as situações e representações envolvidas no pensamento algébrico da criança já são bem conhecidas.

É importante ressaltar que, tanto os teoremas-em-ação quanto os conceitos-em-ação constituem-se em sequência de ações mentais implícitas, ou seja, o sujeito não formula conscientemente uma proposição, ou deriva formalmente uma proposição de um conceito, ele apenas age, e tal ação expressa o esquema mental que o sujeito utiliza na situação ou problema que lhe é apresentado.

No trabalho de Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015., por exemplo, são apresentados vários exemplos de situações que envolvem pensamento algébrico, bem como possibilidades de representações mentais que os sujeitos desenvolvem quando agem nesse tipo de situação.

Esses invariantes operatórios são “captados” por meio de uma metodologia chamada de método clínico, que vem a ser um conjunto de procedimentos que consistem em entrevistar sujeitos, enquanto agem em determinadas tarefas, e posteriormente, formulam explicações sobre as ações realizadas.

4 Procedimentos metodológicos

Neste trabalho utilizamos o método clínico de manipulação-formalização de Piaget para coletar e analisar os dados qualitativos oriundos de entrevistas realizadas com estudantes do terceiro ano do Ensino Fundamental. Seguimos os procedimentos apontados por Delval (2002)DELVAL, J. Introdução à Prática do Método Clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002.

É importante esclarecer que Jean Piaget não utilizava esta denominação para seu método. Na verdade, há poucos detalhes da descrição de métodos na obra de Piaget. Esta terminologia, bem como o detalhamento dos procedimentos é uma reinterpretação realizada por Delval (2002)DELVAL, J. Introdução à Prática do Método Clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002.

Segundo Delval (2002)DELVAL, J. Introdução à Prática do Método Clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002, no método clínico de manipulação-formalização, o pesquisador propõe ao participante que manipule objetos, os quais são previamente selecionados pelo pesquisador especialmente para que o participante pense a respeito do conceito que o pesquisador pretende abordar. Em seguida, o pesquisador pede ao participante que explique os movimentos realizados, o que possibilita rastrear o pensamento do participante, e, por conseguinte, obter pistas sobre seus invariantes operatórios.

O método clínico de manipulação-formalização foi utilizado para captar o pensamento algébrico dos participantes desta pesquisa, especialmente os esquemas invariantes relacionados com a noção de equilíbrio algébrico. Uma atividade, que chamamos de Problema da Balança, foi proposta para os estudantes. A partir desta atividade realizamos a análise dos invariantes operatórios utilizados pelas crianças.

Outras atividades também foram realizadas nos mesmos dias em que os dados apresentados neste trabalho foram coletados. O conjunto total dos dados, de todas as cinco atividades aplicadas para os mesmos 24 participantes, foi analisado na tese de doutorado do primeiro autor deste trabalho (BECK, 2018). Neste artigo fizemos um recorte que pretende discutir os resultados da pesquisa da tese no que se refere particularmente à noção de equilíbrio algébrico. Da análise das ações, reações, condutas que os participantes manifestaram nessa atividade, identificamos os invariantes operatórios ali por eles utilizados.

Atividade (Problema da Balança): Quatro potes de plástico, preenchidos com bolinhas de argila não visíveis para o participante, são distribuídos igualmente em duas balanças eletrônicas. Pede-se para o participante equilibrar os pesos, de modo que a soma dos dois pesos de uma das balanças seja equivalente à soma dos pesos da outra. Três dos potes contêm uma etiqueta com a quantidade de bolinhas de argila que estão em seu interior, e um deles apresenta apenas um ponto de interrogação no rótulo. Pergunta-se ao participante quantas bolinhas estão contidas no pote com ponto de interrogação. Ressalta-se que para os primeiros doze participantes, os três rótulos identificados com as quantidades foram os seguintes: um, quatro e cinco, sendo dois o valor da incógnita. A partir do décimo terceiro participante, os números identificados foram: um, dois e três, sendo quatro o valor da incógnita.

A troca de valores foi realizada devido ao fato de as entrevistas com os últimos doze participantes terem sido realizadas alguns dias após as entrevistas com os doze primeiros estudantes, o que provocou receio nos pesquisadores de os estudantes comentarem sobre a atividade realizada neste intervalo de tempo entre as duas coletas de dados, e assim, prejudicar a segunda etapa da coleta. A troca dos pesos foi importante para surpreender os participantes, no caso de eles previamente já estarem a par das quantidades que estariam envolvidas na atividade.

Figura 1
Material de aplicação da atividade

Vinte e quatro estudantes do terceiro ano do Ensino Fundamental participaram do estudo. A pesquisa foi realizada em uma escola pública da periferia de um município do interior do estado do Rio Grande do Sul. A escolha pelo terceiro ano se deu pelo fato de ser o encerramento do Ciclo de Alfabetização, ou seja, espera-se que os alunos já estejam alfabetizados matematicamente; também, pelo fato de esta atividade ser uma adaptação de outra, apresentada no trabalho de Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015., que tem como público alvo participantes de nível escolar equivalente.

Na etapa de coleta de dados, o Problema da Balança foi aplicado na mesma escola, com duas turmas diferentes. Doze alunos realizaram a atividade numa tarde e outros doze em outra. A etapa de análise dos dados seguiu a sequência de passos sugerida por Delval (2002DELVAL, J. Introdução à Prática do Método Clínico: descobrindo o pensamento das crianças. Tradução de Fátima Murad. Porto Alegre: Artmed, 2002, p. 166): 1) categorização; 2) agrupamento das categorias; 3) validação qualitativa das categorias (comparação das respostas dos sujeitos e conferência geral das categorias de procedimentos); 4) definição dos níveis de respostas (verificação de sobreposição categórica e diferenciação clara das categorias construídas).

Na categorização, procedimentos semelhantes foram classificados na mesma categoria. O critério para associar dois procedimentos semelhantes foi a semelhança de ideias nas falas dos sujeitos participantes. O agrupamento das categorias aconteceu, primeiramente ordenando as categorias em ordem de complexidade das ações realizadas pelos sujeitos, e avaliando se algumas categorias poderiam ser reorganizadas, possivelmente como uma categoria só.

A validação qualitativa aconteceu através de uma revisão detalhada da configuração da categorização realizada. Também foi realizado um teste utilizando um diálogo representante de cada categoria e o nome da respectiva categoria, os quais foram apresentados a uma pessoa alheia à pesquisa (no método clínico chama-se de juiz esta pessoa externa), que verificou se o diálogo realmente corresponderia à categoria que escolhemos. A categorização pensada inicialmente concordou com a classificação do juiz.

Os níveis de respostas foram definidos a partir da comparação dos procedimentos que os estudantes realizaram, com as estratégias que emergiram dos dados da pesquisa de Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015., as quais constituem o estado da arte das estratégias de pensamento algébrico de estudantes dos Anos Iniciais, em termos de pesquisas internacionais.

A partir dos níveis de respostas, constatamos as principais ideias que constituem os esquemas mentais dos estudantes, em uma ordem ascendente de complexidade. Dessa forma, foi possível sintetizar cada estratégia em ideias mais simples, inferindo desta forma, algumas proposições mentais dos participantes, e também ideias a priori que fundamentam tais proposições. São essas ideias e proposições que caracterizam os conceitos-em-ação e os teoremas-em-ação relacionados com cada nível de respostas. Este processo possibilitou descrever e analisar os invariantes operatórios de equilíbrio algébrico.

5 Resultados e discussão

Nesta seção apresentamos os resultados da pesquisa, no que diz respeito aos diferentes significados do sinal de igualdade. A ideia de igualdade como forma de equilíbrio entre duas quantidades foi representada pela igualdade dos pesos nas balanças.

5.1 Categorias de procedimentos

Iniciamos apresentando nesta seção os procedimentos realizados pelos participantes. Consideramos como procedimentos válidos, as ações físicas realizadas por eles, além da verbalização, isto é, ações envolvendo a manipulação dos objetos que foram colocados diante dos estudantes, e posterior explicação sobre as ações realizadas.

A primeira categoria de procedimentos que consideramos relevante apresentar é a que denominamos de Escolha-Aleatória. Esta categoria se caracteriza pela ausência de um procedimento bem definido para agir na situação proposta, na qual o estudante apenas sugere um número para que possa cumprir sua participação, não seguindo uma linha de pensamento operacional, isto é, um pensamento que apresenta claramente relações de causa e efeito. No Quadro 1 são apresentados alguns trechos de falas que ilustram os procedimentos característicos da categoria Escolha-Aleatória1 1 Os números entre colchetes se referem aos participantes, na ordem em que as entrevistas foram realizadas. Os trechos em itálico constituem as respostas dadas pelos sujeitos participantes da pesquisa. O restante das falas, ou seja, sem itálico, foram realizadas pelo pesquisador, enquanto entrevistava as crianças. .

Quadro 1
Categoria Escolha-Aleatória

É importante ressaltar que, na elaboração do problema chamamos de potes o material utilizado, mas ao longo da entrevista, tanto o pesquisador, como os participantes passaram a se referir aos potes, chamando-os de caixas,caixinhas ou maletinhas. Portanto, para informação do leitor, na análise da atividade, os termos pote, caixa,caixinha ou maletinha são considerados sinônimos.

O procedimento utilizado pelo estudante [7], que disse ter chegado à resposta contando de dois em dois, ainda que não houvesse diferença em agrupar as quantidades, pareceu uma justificativa para que as perguntas cessassem, porém sem o desenvolvimento de uma linha de pensamento bem definida. O estudante [7] aparentemente não atribuiu importância à resposta do problema proposto. A estudante [11] reagiu às perguntas de forma semelhante. Ambos os estudantes realizaram escolhas aleatórias, sem considerar formas de pensar mais elaboradas para chegar à resposta.

A categoria Pega-Caixa (Quadro 2) apresenta procedimentos que se basearam principalmente no contato físico dos estudantes com os potes. Para eles, o critério de determinação da quantidade de bolinhas de argila contidas nos potes era unicamente o peso dos potes, não admitindo soluções envolvendo algum tipo de operação aritmética.

Quadro 2
Categoria Pega-caixa

A grande maioria dos entrevistados desta categoria optou por tentar descobrir o número de bolinhas de argila da caixa não identificada pelo peso (ou massa, que seria o termo formalmente científico), às vezes comparando com as outras, como no caso dos estudantes [16], [17] e [21], às vezes pelo barulho, como no caso da estudante [9]. Poucos estudantes observaram as relações entre as quantidades; talvez o estudante [20] tenha chegado o mais próximo disso, pois ele compreendeu que poderia usar a informação do peso do pote para responder a pergunta, mas este procedimento só serviu como um meio de testar se a caixa com a interrogação era a mais pesada, o que se mostrou uma forma eficiente de definir qual o mais pesado.

É importante destacar também que os procedimentos adotados pelos participantes da categoria Pega-Caixa foram os mais rapidamente colocados em prática, de modo que isso pode nos levar a inferir que este seja o procedimento mais intuitivo (isto é, um procedimento que indica a presença de relações de causalidade, porém com mínima capacidade de representação formal), o qual ocorreu quase instantaneamente por aqueles que o utilizaram.

A categoria Por-Exclusão (Quadro 3) abrange procedimentos que se basearam na hipótese inicial dos estudantes de que deveria haver uma sequência ininterrupta de números. Nos procedimentos adotados pelas respostas desta categoria, não seria permitido “pular números”.

Quadro 3
Categoria Por-exclusão

A expressão “pela ordem”, usada pelo estudante [23] indica que a criança que utiliza procedimentos da categoria Por-Exclusão adota um esquema, no qual certa regra deve reger a construção da sequência. Neste caso, parece que a sequência não poderia repetir, nem pular números. Esta hipótese inicial de completar a sequência aparece também na fala da estudante [15], o que pode ser percebido pelo uso da expressão “só falta”, na fala do estudante [4] quando usa a expressão “porque nenhum aqui é igual” e, também, na fala da estudante [5], quando justifica dizendo “porque não tem dois em nenhuma”.

Tendo em vista que os rótulos foram alterados após a aplicação da atividade para os doze primeiros participantes, e que na segunda aplicação os rótulos eram um, dois e três; acreditamos que a mudança dos números nos rótulos não influenciou a organização das ações dos participantes que utilizaram a categoria de procedimentos Por-Exclusão, já que de qualquer forma, em ambas as sequências, a incógnita é um número natural diferente dos demais, os quais formam uma sequência de sucessores, apesar de não haver um motivo estritamente lógico ou físico para que na sequência não pudesse haver números repetidos.

Destaca-se que as regras matemáticas utilizadas pelos participantes que adotaram procedimentos do tipo Por-Exclusão, não foram enunciadas pelo pesquisador, nem estavam explícitas no material de manipulação apresentado.

A categoria Compensação (Quadro 4) compreende procedimentos que se basearam no cálculo mental de busca por valor desconhecido, no sentido discutido por Beck e Silva (2016)BECK, V. C; SILVA, J. A. A Busca por valor desconhecido em problemas aditivos: uma possibilidade de desenvolvimento do pensamento algébrico na alfabetização. Jornal Internacional de Estudos em Educação Matemática, v. 9, p. 65-85, 2016., levando em consideração o equilíbrio dos potes nas balanças, e a relação matemática existente entre os potes. Este tipo de procedimento se mostrou bastante sofisticado, tendo em vista que envolve várias habilidades aritméticas e a percepção de valor desconhecido.

Quadro 4
Categoria Compensação

As expressões “para dar a mesma coisa dali”, utilizada pela estudante [1], e “então esse aqui deve ter bolinha a menos”, usada pelo estudante [3] indicam o uso do critério de que o equilíbrio deveria ser mantido. Embora sejam procedimentos baseados em estimativas, representam uma evolução importante no sentido do reconhecimento da relação de equilíbrio entre duas medidas.

Os raciocínios que fundamentaram os procedimentos que compõem a categoria Compensação permitiram que os estudantes ficassem mais atentos no fato de buscar o valor desconhecido do que nas operações aritméticas ou nas propriedades físicas envolvidas no problema. Ainda que tenham estimado, e não realizado cálculos exatos, os procedimentos desta categoria se mostraram eficientes.

5.2 Discussão dos procedimentos à luz das estratégias

Nosso referencial teórico é a teoria dos campos conceituais, pois a partir dos dados coletados, construímos os conceitos-em-ação e teoremas-em-ação que envolvem a noção de equilíbrio algébrico. Nesse sentido, o trabalho de Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015. constitui um importante ponto de partida, não como referencial teórico, mas sim como principal referência em termos de revisão de literatura, ou seja, trabalho anterior ao nosso que aborda exatamente a mesma temática.

As categorias construídas para situações envolvendo equilíbrio algébrico através da coleta de dados levaram em conta aquilo que foi efetivamente obtido das falas dos participantes. Nesta seção pretendemos aprofundar a relação entre os dados empíricos deste estudo com os tipos de estratégias já conhecidos da literatura, e mais especificamente, do estudo de Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015., que buscou compreender o efeito de se introduzir atividades relacionadas com o pensamento algébrico no entendimento de estudantes dos Anos Iniciais. Segundo Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015., os estudantes apresentam três tipos de estratégias frente às situações envolvendo equilíbrio algébrico, no que se refere aos diferentes significados do sinal de igualdade em equações: operatórias, computacionais e estruturais.

As estratégias operatórias consistem em focar apenas na operação aritmética a ser realizada entre os números. Por exemplo, ao se deparar com uma equação do tipo 7+3=_+4, a criança não hesita em preencher a lacuna com 10, pois entende que o sinal de igualdade cumpre a função de indicar que, logo em seguida, deve-se escrever o resultado da operação de adição entre os números 7 e 3.

As estratégias computacionais são caracterizadas por um tímido reconhecimento de que as quantidades dos dois lados do sinal de igualdade devem ser iguais, porém não há necessidade de que ambos os lados da igualdade sejam literalmente igualados a um mesmo resultado, possibilitando a conclusão de que ambos são iguais pela explicitação de um resultado de referência. Por exemplo, se perguntarmos a uma criança por que 7+3=6+4, e ela justificar esta afirmação dizendo que “é porque 7+3=10 e 6+4=10 também”, pode-se dizer que ela está usando uma estratégia computacional no entendimento do sinal de igualdade como equilíbrio entre duas quantidades, usando, para isso, o 10 como referência.

As estratégias estruturais se caracterizam pelo reconhecimento de que o sinal de igualdade representa equilíbrio entre quantidades e, além disso, um recurso que dispensa o uso de um terceiro valor de referência para comparação literal com as quantidades da equação. Por exemplo, ao se deparar com a equação 7+3=_+4, uma criança que utiliza esse tipo de estratégia irá responder que a lacuna deve ser preenchida com 6, sem a necessidade de igualar 7+3=10 e 6+4=10, ou seja, sem a explicitação do resultado “10”, conotando assim o entendimento de que o sinal de igualdade permite representar o equilíbrio de forma mais resumida.

Como procedimentos pré-operatórios, consideramos aqueles relacionados com estratégias que não apresentam explicitamente uma relação de causalidade nos raciocínios utilizados para agir nas situações. É o caso dos procedimentos de Escolha-Aleatória e Pega-Caixa, os quais não consideram as relações entre as quantidades apresentadas.

Os procedimentos operatório-computacionais se relacionam com estratégias que apresentam algum tipo de relação entre as quantidades, mas ainda não em um nível compensatório, que seria o desejável para obter sucesso na atividade apresentada envolvendo a ideia de equilíbrio algébrico. Não foi possível constatar a presença de procedimentos referentes às estratégias estritamente operatórias, no sentido de entender o sinal de igualdade apenas como indicativo de resultado, pois não havia uma representação clara do que seria o sinal de igualdade na atividade. Talvez possamos pensar que se algum dos participantes tivesse simplesmente somado os valores de dois potes, aleatoriamente, isto caracterizaria uma estratégia operatória, mas isto não aconteceu.

Nas estratégias encontradas no trabalho de Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015., o nível computacional se refere a um valor de referência que é obtido para os dois lados da igualdade, de modo que é imprescindível a representação explícita desse valor para que o sujeito se certifique da igualdade. Isto não aconteceu explicitamente, mas podemos dizer que o procedimento usado por alguns participantes de tentar encontrar a incógnita pela exclusão das outras quantidades se aproxima bastante dessa forma de pensar, no sentido de que é o princípio de pensamento sobre a relação entre as quantidades.

Devido à ausência de estratégias puramente operatórias e considerando, em um sentido mais amplo, as estratégias computacionais como uma primeira tentativa de relacionar as quantidades do problema, optou-se por classificar os procedimentos Por-Exclusão no mesmo tipo de estratégias, denominadas Operatórias-Computacionais.

Nas estratégias Estruturais do trabalho de Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015., a característica marcante está na compensação entre as quantidades, indicando o entendimento de que o sinal de igualdade representa o equilíbrio das quantidades, se distanciando do conceito de “igualdade como resultado”. Foi esta mesma característica que encontramos na categoria de procedimentos de Compensação em nosso experimento. Por isso, propomos a fusão entre a categoria Compensação (construída empiricamente neste trabalho a partir da coleta de dados) e o tipo Estrutural de estratégias de pensamento algébrico (BLANTON et al., 2015BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015.), em outro tipo de estratégias, que denominamos de Estruturais-Compensatórias.

É importante ressaltar que partimos do trabalho de Blanton et al. (2015)BLANTON, M.; STEPHENS, A.; KNUTH, E.; GARDINER, A. M.; ISLER, I.; KIM, J.-S. The development of children's algebraic thinking: the impact of a comprehensive early algebra intervention in third grade. Journal for Research in Mathematics Education, v.46, n.1, p. 39-87, 2015. apenas para seguir uma referência e, ao mesmo tempo, criar condições de discutir questões relacionadas com o pensamento algébrico no âmbito dos estudos mais recentes sobre esta temática. Todavia, ressalta-se que tanto a construção, quanto o agrupamento das categorias, teve como principal eixo condutor os resultados da etapa da coleta de dados.

5.3 Níveis de respostas e invariantes operatórios

Organizamos os níveis de respostas seguindo os diferentes tipos de estratégias, porém recuperando as características principais dos procedimentos associados a elas. Os níveis levam em conta as estratégias, mas sua hierarquização se dá de acordo com a qualidade operatória de cada estratégia, isto é, níveis mais altos estão associados com estratégias mais sofisticadas.

Uma única subdivisão foi realizada, para as estratégias pré-operatórias, uma vez que foi constatada uma clara diferença de procedimentos, entre aqueles participantes que optaram por comparar os pesos dos potes, como os estudantes [9], [16], [17], [20], [21],e aqueles que apenas enunciaram uma quantidade, sem esclarecer a estratégia matemática utilizada para chegar ao resultado, como os estudantes [7] e [11]. Por isso, consideramos a estratégia Pré-Operatória como o Nível I de respostas, subdividido em IA (procedimentos de Escolha-Aleatória) e IB (procedimentos de Pega-Caixa).

A estratégia Operatória-Computacional constitui o nível II de resposta, caracterizado por apresentar indícios de relações de causalidade no pensamento da criança, e constituída pelos procedimentos Por-Exclusão. Neste nível, o sujeito acredita que pode inferir o valor desconhecido a partir das relações entre as quantidades, se distanciando da ideia empírica de avaliar o peso dos objetos ou da escolha aleatória, sem nenhuma hipótese. No entanto, como se pode notar nos procedimentos usados pelos estudantes [4], [5], [15], [23], a organização dos esquemas da criança, com regras próprias, como “não pode repetir”, “tem que estar em sequência” falam mais alto, e a ideia de equilíbrio não é predominante como critério a ser utilizado para determinar a quantidade desconhecida.

Os procedimentos de compensação utilizados pelos estudantes [1] e [3] constituem a estratégia Estrutural-Compensatória, o nível mais avançado de respostas, no qual se percebe a importância que o sujeito dá ao equilíbrio entre as quantidades como critério de decisão para determinar a quantidade incógnita. Por isso, consideramos os procedimentos associados com esta estratégia como o nível III de respostas. Os diferentes níveis de respostas, acompanhados pela descrição dos procedimentos que os caracterizam, estão sintetizados no Quadro 5, a seguir.

Quadro 5
Níveis de resposta

A fim de resumir os principais resultados da pesquisa, no Quadro 6, a seguir, apresenta-se uma síntese dos procedimentos, estratégias e níveis de respostas para a situação de equilíbrio algébrico proposta.

Quadro 6
Procedimentos, estratégias e níveis de solução à tarefa de equilíbrio algébrico

Para delimitarmos os invariantes operatórios utilizados para a situação de equilíbrio algébrico proposta, deve-se realizar uma análise a partir de argumentos que levam em conta a caracterização de um campo conceitual (VERGNAUD, 1990VERGNAUD, G. La théorie dês champs conceptuels. Recherches em Didactique dês Mathématiques, v.10, n.2-3, p. 133-170, 1990., 2009VERGNAUD, G. A criança, a matemática e a realidade: problemas do ensino da matemática na escola elementar. Curitiba: Editora da UFPR, 2009.). Tendo em vista o objetivo geral da pesquisa, isto é, descrever e analisar os invariantes operatórios utilizados por estudantes do terceiro ano do Ensino Fundamental em situações que envolvem equilíbrio algébrico, os níveis de estratégias podem ser considerados reanalisados do ponto de vista da teoria dos campos conceituais.

Vale ressaltar que, embora Vergnaud (2009)VERGNAUD, G. A criança, a matemática e a realidade: problemas do ensino da matemática na escola elementar. Curitiba: Editora da UFPR, 2009. afirme que os esquemas constituem o centro na identificação e descrição de invariantes operatórios, não se restringindo à ideia de níveis, optamos aqui por levar os níveis de respostas em consideração, tendo em vista nossa escolha metodológica pelo método clínico. Além disso, também optamos por analisar os esquemas dentro dos níveis, pelo fato de que a literatura sobre o assunto já estabelece níveis graduais de complexidade estratégica para a resolução de problemas de equilíbrio algébrico.

Um primeiro teorema-em-ação que podemos destacar é “completar a quantidade que falta”, presente nas estratégias de nível II, caracterizado principalmente por um raciocínio de exclusão, ou seja, a partir de um modelo mental do que deveria ser a sequência das caixas contendo bolas de argila, os estudantes deduziam aquela que estava em falta. Muitos acertaram, ainda que não houvesse garantia nenhuma de que não haveria quantidades repetidas. Assim, podemos considerar que um dos invariantes operatórios, quando se trata de problemas de busca por valor desconhecido, é a dedução por exclusão de quantidades que se apresentam. Podemos associar a este teorema-em-ação, o conceito-em-ação de “número que não se repete”, que nem sempre se mostrará eficaz, mas que é uma estratégia utilizada, segundo os dados desta pesquisa.

Outro teorema-em-ação constado neste estudo foi o de “encontrar a incógnita a partir do equilíbrio”, que é caracterizado pelo entendimento de que o equilíbrio entre as quantidades deve ser o raciocínio predominante na estratégia de resolução do problema, de modo que os cálculos aritméticos são importantes apenas depois de haver uma definição clara da estratégia para encontrar o valor desconhecido. Sendo assim, na resolução de problemas que envolvem equilíbrio algébrico, o conceito-em-ação de “equilíbrio dos pesos na balança” é o mais importante, pois é ele que dá sentido à situação do ponto de vista algébrico.

6 Considerações finais

As representações utilizadas pelos participantes estiveram muito restritas ao plano mental. Podemos dizer que as representações de nível II se baseiam fortemente no conceitoem-ação “sequência sem números que se repetem”. A partir desse conceito, desenvolvem o teorema-em-ação “estabelecer relações entre quantidades”. No caso dos problemas propostos, este teorema-em-ação foi eficaz, mas poderia não ser para outras situações.

Podemos dizer que o teorema-em-ação “encontrar a incógnita a partir do equilíbrio”, parte de um conceito-em-ação que amplia o espectro de respostas em relação às estratégias de nível II. O procedimento de “compensar”, do nível III, procura eliminar a dúvida sobre o equilíbrio e, havendo equilíbrio, há garantia de que o problema foi resolvido, pois o objetivo da situação é garantir que as caixas tenham o mesmo peso.

Por isso, o invariante operatório mais eficaz em situações envolvendo equilíbrio algébrico é “encontrar a incógnita a partir do equilíbrio”, mas antes de tudo, é importante que haja o reconhecimento do equilíbrio como algo a ser observado durante todo o processo, se distanciando da ideia de focar nas operações aritméticas envolvidas.

Portanto, constatou-se a possibilidade de uso de quatro invariantes operatórios: os teoremas-em-ação “completar a quantidade que falta” e “encontrar a incógnita a partir do equilíbrio”; e os respectivos conceitos-em-ação “sequência sem números que se repetem” e “equilíbrio dos pesos na balança”.

A ideia de equilíbrio algébrico pode ser trabalhada desde os Anos Iniciais de escolaridade com atividades que envolvem uma quantidade desconhecida, como por exemplo, o Problema da Balança, abordado neste trabalho. As dificuldades apresentadas pelos estudantes nesse tipo de situação podem ser superadas a partir do conhecimento de seus invariantes operatórios. Este conhecimento sobre os invariantes oportunizará ao professor um repertório de atividades que possibilitem o uso de esquemas de compensação, os quais são muito importantes para o entendimento da ideia de equação, ensinada logo após os Anos Iniciais do Ensino Fundamental.

  • 1
    Os números entre colchetes se referem aos participantes, na ordem em que as entrevistas foram realizadas. Os trechos em itálico constituem as respostas dadas pelos sujeitos participantes da pesquisa. O restante das falas, ou seja, sem itálico, foram realizadas pelo pesquisador, enquanto entrevistava as crianças.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    30 Jan 2019
  • Aceito
    18 Jul 2019
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