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Praxeologias do Professor: análise comparativa do livro didático no ensino de equações polinomiais do primeiro grau

Teacher Praxeologies: comparative analysis of the didactic book in the teaching of first-degree polynomial equations

Resumo

O objetivo desse artigo foi analisar, comparativamente, as praxeologias pontuais, em livros didáticos e as praxeologias efetivadas pelos professores em sua prática docente, referentes ao ensino de equações polinomiais do primeiro grau, investigando as relações de conformidade entre eles. A realização deste estudo está fundamentada na ótica da Teoria Antropológica do Didático (TAD), proposta por Yves Chevallard. A metodologia se constituiu em uma abordagem qualitativa, em que foram analisadas as organizações matemáticas e didáticas de três professores, comparando-as com as dos livros de referência. Os resultados indicam que existe certa conformidade entre as praxeologias a serem ensinadas, propostas pelos autores dos livros didáticos e as praxeologias efetivamente ensinadas pelos professores em sala de aula. Os professores foram os organizadores das tarefas, técnicas e tecnologias de crescente complexidade que foram tornadas rotineiras e problematizadas em sala de aula. A resolução da equação polinomial do primeiro grau do tipo ax + b = c foi o ponto comum entre os três professores, embora os outros dois professores tenham trabalhado com a equação do tipo a1x+b1=a2x+b2.

Palavras-chave:
Equação Polinomial do Primeiro Grau; Teoria Antropológica do Didático; Professor

Abstract

The aim of this paper was to analyze, comparatively, praxeologies in didactic books and praxeologies carried out by teachers in their teaching practice, concerning the teaching of first-degree polynomial equations, investigating the relations of conformity between them. This study is based on the view of the Anthropological Didactic Theory (ATD), proposed by Yves Chevallard. The methodology consisted of a qualitative approach, in which we analyzed the mathematical and didactic organizations of three teachers, comparing them with those of reference books. The results indicate that there is a certain conformity between the praxeologies proposed by textbooks' the authors to be taught and the praxeologies effectively taught by the teachers in the classroom. Teachers were the organizers of the tasks, techniques, and technology of increasing complexity, made the routine and problematized in the classroom. The first-degree polynomial equation of the type ax + b = c was the common point among the three teachers, although two of them worked with the equation type a1x+b1=a2x+b2.

Keywords:
First-degree polynomial equation; Anthropological Theory of Didactics; Teacher

1 Introdução

Esse artigo é parte de uma tese de doutorado que discutiu a problemática do ensino da álgebra escolar, cujo principal objetivo foi reconstruir as organizações matemáticas pontuais (tipos de tarefa, técnicas, tecnologias e teorias) e as organizações didáticas (os momentos de estudos) para o ensino das equações polinomiais do primeiro grau. Para tanto, analisamos as organizações matemáticas propostas em três livros didáticos do 7° ano do Ensino Fundamental em comparação com as praxeologias efetivadas por três professores na sala de aula, à luz da Teoria Antropológica do Didático (TAD), proposta por Yves Chevallard (2002)13 CHEVALLARD, Y. Organiser l'étude 3: Ecologie et Regulation. 2002. Disponível em: http://yves.chevallard.free.fr/spip/spip/article.php3?id_article=53. Acesso em: 03 abril de 2016.
http://yves.chevallard.free.fr/spip/spip...
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A construção do conhecimento matemático é mediada, em sala de aula, pelo professor, que se apoia no texto de saber (CHEVALLARD, 19918 CHEVALLARD, Y. La transposition didactique: Du savoir savant au savoir enseigné. Grenoble: La pensée Sauvage, 1991.), que aparece no livro didático como resultado de um processo de transposição didática1 1 Transposição didática diz respeito à trajetória cumprida por um determinado saber, desde a comunidade científica até a transformação em objeto de ensino (CHEVALLARD, 1991). . Ainda segundo Chevallard (1999)11 CHEVALLARD, Y. L'analyse des pratiques enseignantes en Théorie Anthropologie Didactique. Recherches en Didactiques des MathématiquesGrenoble, p. 221-266, 1999., o livro didático determina em larga medida a opção do professor com relação ao tipo de conteúdo a ser desenvolvido na sala de aula. O livro didático exerce grande influência sobre a atuação do professor em sala de aula, pois, no contexto brasileiro, ele se torna uma das únicas ferramentas balizadoras para o trabalho docente.

A álgebra escolar não se restringe ao ensino e aprendizagem de um conjunto de regras e técnicas, mas constitui-se numa forma de pensar e relacionar, em que os estudantes generalizam, modelam e analisam situações matemáticas (KIERAN, 200719 KIERAN, C. Learning and teaching Algebra at the middle school through college levels: Building meaning for symbols and their manipulation. In: LESTER, F. K. Jr. (Ed.). Second Handbook of research on mathematics teaching and learning. Greenwich: Information Age Publishing, 2007. P. 707-762.). Dessa maneira, os estudantes necessitam compreender os conceitos algébricos, as estruturas e o formalismo de forma a utilizarem, adequadamente, sua simbologia para registrar as suas ideias e conclusões (NCTM, 200721 NCTM . Princípios e normas para a Matemática escolar. Lisboa: APM, 2007.).

Assim, o nosso propósito nesse trabalho foi investigar como o saber relativo às equações polinomiais do primeiro grau com uma incógnita surgem na sala de aula, tomando por base a identificação e análise das organizações matemáticas e didáticas do livro didático de referência do professor, em comparação com às praxeologias por eles materializadas. Nesse sentido, ao verificar as relações entre as organizações matemáticas (OM) e organizações didáticas (OD), podemos dizer que ambas são ferramentas que permitem analisar as transformações que são feitas nos objetos de saberes a ensinar, no interior do sistema didático2 2 Composto de três elementos: Professor, Aluno e Saber (BROUSSEAU, 1996). ou de outra determinada instituição (BOSCH; GASCÓN, 20075 BOSCH, M.; GASCÓN, J. 25 años de transposición didáctica. In: NOME DOS EDITORES/ORGANIZADORES DO LIVRO. Sociedad, escuela y matemáticas: Aportaciones de la teoría antropológica de lo didáctico (TAD) Jaén: Publicaciones de la Universidad de Jaén, 2007.).

Para cumprirmos o que é proposto nesse artigo, ele será apresentado em duas seções. A primeira seção é referente à fundamentação teórica e sua categorização a priori. A segunda seção discute os principais resultados do estudo realizado e algumas considerações a seu respeito.

2 Teoria Antropológica do Didático (TAD)

Desenvolvida por Chevallard (1992) e inscrita na extensão da transposição didática, a partir de uma problemática ecológica, essa abordagem propõe que os objetos matemáticos não existem em si, mas como entidades que emergem a partir de sistemas de práticas que se constituem em uma dada instituição. Segundo Bosch e Chevallard (1999)6 BOSCH, M.; CHEVALLARD, Y. Ostensifs et sensibilité aux ostensifs dans l'activité mathématique. Recherches en Didactique des MathématiquesGrenoblep. 77-124, 1999., a problemática ecológica ampliou o campo de análise da Didática da Matemática e permitiu a discussão sobre as condições instituídas entre os diferentes objetos do saber a ser ensinado.

A Teoria Antropológica do Didático (TAD), em especial a noção de praxeologia, é resultado da ampliação do campo de investigação procedente da transposição didática, ao consentir a interpelação e restrições que se instituem entre os diferentes objetos de saberes a ensinar, no interior de determinada instituição.

Chevallard (1999)11 CHEVALLARD, Y. L'analyse des pratiques enseignantes en Théorie Anthropologie Didactique. Recherches en Didactiques des MathématiquesGrenoble, p. 221-266, 1999. caracterizou sua teoria quase que de forma axiomática. Inicialmente, apoiou-se em três conceitos primitivos – objetos, pessoas e instituições – assim como nos conceitos de relações pessoais de um indivíduo com um objeto, e de relações institucionais de uma instituição com um objeto. Um exemplo de objeto matemático é a equação polinomial do primeiro grau, saber contemplado nesse estudo, mas existem também os objetos: escola, professor, aprender, saber, entre outros.

Nessa perspectiva teórica, tudo é objeto (passível de ser conhecido). E um objeto se constitui como tal a partir do momento em que uma pessoa (X) ou uma instituição (I) reconhece sua existência. Chevallard (1999)11 CHEVALLARD, Y. L'analyse des pratiques enseignantes en Théorie Anthropologie Didactique. Recherches en Didactiques des MathématiquesGrenoble, p. 221-266, 1999. propõe, ainda, outra noção básica, a de relação, configurada como relações pessoais (R (X, O) e relações institucionais (R I (O)) com o objeto. Isto é, a existência de um objeto (O) se dá, caso ele exista para, pelo menos, uma pessoa (X) ou uma instituição (I).

Outra noção fundamental dessa teorização é a de instituição (I), que consiste em um dispositivo social total que, mesmo tendo uma extensão muito reduzida no espaço social, permite e impõe a seus sujeitos maneiras próprias de fazer e de pensar, bem como de possibilitar a existência de um dado saber. Portanto, todo saber é saber de pelo menos uma instituição. Para Chevallard (2003)14 CHEVALLARD, Y. Approche anthropologique du rapport au savoir et didactique des mathématiques. In: MAURY, S.; CAILLOT, M. (Ed.). Rapport au savoir et didactiques. Paris: Éditions Fabert, 2003. p. 81-104., um saber não existe no vazio. São exemplos de instituição: a família, a sala de aula, a escola, um livro didático, entre outros.

Outro elemento importante é a pessoa (X). Noção complexa, que se desmembra e faz sentido quando consideradas outras duas dimensões: Indivíduo e Sujeito. Para Chevallard (2003)14 CHEVALLARD, Y. Approche anthropologique du rapport au savoir et didactique des mathématiques. In: MAURY, S.; CAILLOT, M. (Ed.). Rapport au savoir et didactiques. Paris: Éditions Fabert, 2003. p. 81-104., o estágio primário seria o de Indivíduo, que, como o próprio nome sugere, caracteriza esse ser único e imutável, contemplado em certo sentido, pela dimensão biológica. Independente de Instituições, ele será o mesmo Ser. O indivíduo torna-se um Sujeito quando se relaciona com uma Instituição I qualquer, e a partir de um processo de sujeição, passa a agir em conformidade com as exigências e restrições da(s) Instituição(ões) das quais ele faz parte. Desde cedo, o indivíduo é submetido a certas instituições com suas demandas, hábitos, formas, que o fazem, ao mesmo tempo, dependente e sustentado pelas múltiplas instituições com as quais se relaciona, como a família, em que se torna sujeito.

Para Chevallard (2003), a dimensão mais subjetiva diz respeito à Pessoa, que é a soma (ou produto) das sujeições ao grande número de instituições com as quais ela se relaciona ao longo de sua vida. Essas instituições foram, aos poucos, formando sua personalidade e inspirando as suas atitudes e maneiras de ser e viver suas relações pessoais.

Para se tornar um bom sujeito de I, uma pessoa X tem de se relacionar e se apropriar de determinados saberes (S), em especial porque alguns desses saberes vivem em I. De forma complementar, para ser um bom sujeito de I, na posição p que irá ocupar, necessariamente, será estabelecida uma relação R (X, S) (CHEVALLARD, 1992). Ao afirmamos que X é um bom sujeito da instituição I em posição p, simbolicamente queremos dizer que R (x; o) ≡ RI (p; o), em que o símbolo ≡ designa a conformidade da relação pessoal de x na relação institucional em posição p (CHEVALLARD, 200715 CHEVALLARD, Y. Passé et présent de la théorie anthropologique du didactique. In: RUIZ-HIGUERAS, L.; ESTEPA, A.; GARCIA, F. J. (Ed.). Sociedad, Escuela y Matemáticas. Jaén: Servicio de publicaciones de la Universidad de Jaén, 2007. p. 705-746.).

Ainda de acordo com Chevallard (2007), quando trata das relações pessoais e institucionais referentes a um objeto, uma pessoa detém um conjunto de praxeologias, o que ele denominou de equipamento praxeológico (EP(x)) que lhe permite ser e estar nessa Instituição, agindo de acordo com suas condições e restrições. Ainda segundo Chevallard (2007), esse equipamento tende a ser desenvolvido e remodelado ao longo do tempo, à medida que a relação dele com os objetos é aprimorada. Essa relação é pessoal e subjetiva, ou seja, cada sujeito possui uma forma peculiar de reconhecer o mesmo objeto.

A TAD consiste, então, no desenvolvimento da noção de organização praxeológica que permite modelizar, às práticas sociais, em geral, as atividades Matemáticas. Para Chevallard (199810 CHEVALLARD, Y. Analyse des pratiques enseignantes et didactique des mathematiques: L'approche anthropologique. Actes de l'U.E. de la Rochelle, 1998., 2014), a existência de um tipo de tarefa matemática em um sistema de ensino está associada à existência de, no mínimo, uma técnica de estudo desse tipo de tarefa e uma tecnologia referente a essa técnica, mesmo que a teoria que justifique essa tecnologia seja omitida. O tópico a seguir se ocupará de aprofundar essa questão.

2.1 Organização Praxeológica

A praxeologia se estabelece a partir de noções chaves, como tipos de tarefas3 3 Type de tâches (T) que podem ser expressas por um verbo pertencente a um conjunto de tarefas do mesmo tipo t, por meio de uma técnica (τ) que, por sua vez, é explicada e legitimada por uma tecnologia (θ), justificada e esclarecida por uma teoria (Θ). Assim, a praxeologia, constituída por estes componentes [T, τ, θ, Θ], está ligada a um primeiro bloco prático-técnico [T, τ], denominado o saber-fazer4 4 Savoir-faire , e um segundo bloco tecnológico-teórico [θ, Θ] revela-se na associação entre certo tipo de tarefa e uma técnica, designando o saber5 5 Savoir , resultado da articulação entre a tecnologia e a teoria.

Para Chevallard (1999)11 CHEVALLARD, Y. L'analyse des pratiques enseignantes en Théorie Anthropologie Didactique. Recherches en Didactiques des MathématiquesGrenoble, p. 221-266, 1999., é necessário, ainda, que se faça uma distinção das praxeologias que são compostas em Organizações (Matemática e Didática). A Organização Matemática é a construção da realidade matemática para sala de aula, constituída em torno de tipos de tarefas (T) matemáticas realizadas, de técnicas (τ) matemáticas explicadas, de tecnologias (θ) justificadas e de teorias (Θ) que se constitui em objetos matemáticos a serem estudados ou sistematizados em momentos de estudo.

Por sua vez, a Organização Didática se institui a partir do momento em que existe uma organização matemática sendo colocada em execução. Por exemplo: a concretização de um tema em sala de aula, encontrar a raiz de uma equação polinomial do primeiro grau com uma incógnita. Para isso, Chevallard (1999)11 CHEVALLARD, Y. L'analyse des pratiques enseignantes en Théorie Anthropologie Didactique. Recherches en Didactiques des MathématiquesGrenoble, p. 221-266, 1999. distingue seis momentos de estudo ou didáticos: (1) o primeiro encontro com a organização matemática; (2) a exploração do tipo de tarefa e elaboração de uma técnica; (3) a constituição do ambiente tecnológico-teórico; (4) o trabalho com a técnica; (5) a institucionalização; (6) a avaliação6 6 Sob dois aspectos: a avaliação das relações pessoais e a avaliação da relação institucional, ambas em relação ao objeto construído, que se articulam com o momento da institucionalização, permitindo relançar o estudo, demandar a retomada de alguns dos momentos e, eventualmente, do conjunto do trajeto didático. .

No que tange à sala de aula, Chevallard (1998) observa que o primeiro trabalho de um docente consiste em determinar e caracterizar as praxeologias matemáticas a serem estudadas, a partir das análises de documentos oficiais existentes, tais como os programas e livros didáticos. Para isso, deverá delinear e analisar, de maneira precisa, os conteúdos matemáticos, os tipos de tarefas matemáticas que eles contêm e o grau de desenvolvimento atribuído aos demais elementos: a técnica, a tecnologia e a teoria.

A descrição das organizações matemáticas em níveis (prático, técnico, tecnológico, teórico) é suficiente (inicialmente) para modelar a atividade matemática institucional, e é um dos postulados da TAD que deve ser testado empiricamente. Desse modo, a TAD postula, ainda, que toda a atividade matemática institucional pode ser modelada por meio da noção da praxeologia (ou organização) matemática, ou seja, pode ser analisada em termos de praxeologias matemáticas de complexidade crescente. Ou seja, desde as tarefas mais simples até as mais complexas, que demandam mais recursos e propriedades matemáticas para a justificação das técnicas. De forma resumida, isso é o que se entende por “complexidade crescente” de uma organização matemática (FONSECA, 200417 FONSECA, C. Discontinuidades matemáticas y didácticas entre la Enseñaza Secundaria y la Enseñaza Universitaria. 635p. Tesis (Doctoral Matemática Aplicada) – Universidad de Vigo, 2004.).

Finalmente, caracteriza-se a seguir outra ferramenta de análise proposta nesse artigo: a noção de topos, que se constitui como o lugar em que se agrega o trabalho do professor e do estudante, ou seja, quando esses sujeitos didáticos são chamados para desempenharem seu papel em fases cooperativas (CHEVALLARD; GRENIER, 199716 CHEVALLARD, Y. & GRENIER, Denise. Le topos d'élève. Actes de la IX École d'été de didactique des mathématiques. Houlgate, 1997.).

2.2 Topos

Chevallard e Grenier (1997)16 CHEVALLARD, Y. & GRENIER, Denise. Le topos d'élève. Actes de la IX École d'été de didactique des mathématiques. Houlgate, 1997. e Chevallard (1999)11 CHEVALLARD, Y. L'analyse des pratiques enseignantes en Théorie Anthropologie Didactique. Recherches en Didactiques des MathématiquesGrenoble, p. 221-266, 1999. discutem que a palavra “topos” é oriunda do grego e significa lugar. No topos (lugar) do estudante deve haver relativa independência em relação ao do professor para que ele seja capaz de desempenhar o seu papel. Em uma a sala de aula, a tarefa didática é constituída por um professor e seus estudantes em uma atividade dirigida. Ou seja, em uma classe de Matemática, “fazer um exercício”, que é uma tarefa eminentemente cooperativa, leva geralmente ao topos do professor (escrever um teorema, resolver uma equação).

A tarefa que consiste em produzir, por exemplo, por escrito uma solução do exercício pertence ao topos do estudante, enquanto que a tarefa seguinte, construir uma correção, pertence de novo ao topos do professor. Observa-se que há uma relação estreita entre o topos do professor e do aluno, de modo que eles ocupam posições e desempenham papéis que são complementares.

Efetivamente, as tarefas didáticas são, em certo número de situações, as que auxiliam o significado de que necessitam para serem concretizadas em combinação por várias pessoas X1, X2, …, Xn, que são os atores da tarefa. Cada um dos atores Xi precisa executar alguns gestos, e o conjunto deles compõe seu papel no cumprimento da tarefa cooperativa t. Gestos estes que, por sua vez, são distintos (conforme os atores) e coordenados entre si por uma técnica τ colocada em execução geral.

Ao organizar essas tarefas, cabe ao professor escolher as técnicas e tecnologias adequadas, ou seja, o papel central do professor é organizar o trabalho do estudante, enquanto ao estudante cabe aceitar o professor como uma ajuda ao estudo. No entanto, o professor deve aos poucos ir se desligando, para o estudante se tornar responsável pela sua própria aprendizagem, adquirindo assim autonomia para realizar seu percurso de estudo. Isso remete à ideia de devolução didática, discutida por Brousseau (2008)3 BROUSSEAU, G. Introdução ao Estudo da Teoria das Situações Didáticas: conteúdos e métodos de ensino. Tradução de Camila Bogea. São Paulo: Ática, 2008., que remete ao momento em que o aluno deve aceitar a tarefa como sua.

De maneira sintética, Chevallard (1992)9 CHEVALLARD, Y. Concepts fondamentaux de la didactique: perspective apportèes par une aproche anthropogique. Recherches en Didactiques des Mathématiques, v. 12, p. 73-112, 1992., Chevallard (1994)12 CHEVALLARD, Y. Ostensifs et non-ostensifs dans l'activité mathématique. In: Intervention au Séminaire de l'Associazione Mathesis. Texte paru dans les actes du séminaire pour l'année. Turin: 1994, p. 190-200. e Bosch e Chevallard (1999)6 BOSCH, M.; CHEVALLARD, Y. Ostensifs et sensibilité aux ostensifs dans l'activité mathématique. Recherches en Didactique des MathématiquesGrenoblep. 77-124, 1999., concebem que são características do topos do professor em relação ao saber matemático:

  • Escolher atividades que permitam manipular os distintos objetos ostensivos7 7 Os objetos ostensivos possuem uma qualidade material, como os sons, os grafismos e os gestos, o que os tornam possíveis de serem manipulados. Já os objetos não-ostensivos não são dotados dessa característica material; são objetos como as ideias e os conceitos Bosch e Chevallard (1999). e a chamar os não ostensivos que lhe são integrados;

  • Justificar as distintas passagens no desenvolvimento de uma técnica, através de um discurso tecnológico, isto é, adaptar os não ostensivos de forma a explicar os ostensivos utilizados na introdução e desenvolvimento de um determinado conceito matemático;

  • Distinguir os ostensivos e não ostensivos de forma a produzir um discurso tecnológico que ajude o estudante a ultrapassar os problemas e os obstáculos, e resolver as tarefas que lhes são propostas;

  • Mostrar, por meio de um discurso tecnológico, a diferença entre os ostensivos e sua relação com os não ostensivos, e a necessidade de escolhas adequadas que permitam resolver outras situações, em diferentes momentos e contextos.

A seguir, apresentamos a metodologia e os principais resultados da pesquisa proposta, que teve como arcabouço teórico o que foi discutido até agora.

3 Procedimentos metodológicos

Este estudo apresenta uma metodologia de abordagem qualitativa, que teve como propósito de investigar como três professores de Matemática ensinam e desenvolvem suas aulas no 7° ano do Ensino Fundamental, no que diz respeito às relações institucionais esperadas do professor, às efetivas relações construídas em sala de aula, referentes às organizações matemáticas e didáticas, quando o objeto matemático em questão é a equação polinomial do primeiro grau com uma incógnita.

O olhar sobre o professor se deu, fundamentalmente, pelo fato de que o professor é o responsável pelas opções adotadas na sala de aula, pela escolha dos recursos que farão parte de seu contexto, os procedimentos que nortearão seu cotidiano escolar, o livro didático a ser usado, as situações propostas pelos autores dos livros, o gerenciamento de cada aula, entre outras situações. Essas ações têm como alvo transformar o saber a ser ensinado em saber ensinado.

Para a construção dos dados, recorremos à observação direta das aulas, em que foram filmadas 37 aulas, cada uma com 50 minutos, bem como os livros didáticos de referência de cada docente. Além disso, fizemos anotações de atividades desenvolvidas e disponibilizadas pelos sujeitos pesquisados.

3.1 A Organização Matemática em torno da equação polinomial do primeiro grau

Chevallard (1984)7 CHEVALLARD, Y. Le passage de l'arithmétique à l'algébrique dans l'enseignement des mathématiques au collège: l'évolution de la transposition didactique. In : Petit X n° 5, IREM, Grenoble, 1984. classifica os procedimentos de resoluções de equações do primeiro grau em duas grandes categorias: (1) equações do tipo ax + b = c, que podem ser resolvidas por procedimentos aritméticos e (2) equações do tipo a1x + b1 = a2x + b2, que não podem ser resolvidas por procedimentos que se apoiem em raciocínios específicos das operações aritméticas. Nessa definição, x é a incógnita e ai, bi ∈ ℝ com a1 ≠ 0.

No entanto, nem sempre as equações polinomiais do primeiro grau apresentam-se escritas nas formas simplificadas. Frequentemente, numa atividade, elas aparecem sob diferentes formas. Destacamos aqui outras duas categorias: equações dos tipos A(x) = c e A1(x) = A2(x), em que A(x), A1(x) e A2(x) são expressões polinomiais, na variável x, que ainda não foram reduzidas à forma canônica ax + b, e a, b ∈ ℝ e a ≠ 0, mas que podem ser reduzidas a essa forma por processo de desenvolvimento e redução.

Para esse estudo classificamos e caracterizamos a priori os seguintes subtipos de tarefas, relativos à resolução de equações polinomiais do primeiro grau com uma incógnita, no campo do ℝ, que agrupamos em quatro categorias:

Quadro 01
Técnica principal e mista dos Tipos de Tarefa

Para justificar as técnicas distintas para resolver as equações polinomiais do primeiro grau com uma incógnita, foram identificadas e caracterizadas a priori as seguintes tecnologias:

Quadro 02
Tecnologias dos tipos de tarefas

Os critérios de análise da organização didática basearam-se nos momentos de estudos descritos por Chevallard (1999)11 CHEVALLARD, Y. L'analyse des pratiques enseignantes en Théorie Anthropologie Didactique. Recherches en Didactiques des MathématiquesGrenoble, p. 221-266, 1999.. Dessa forma, propomos:

Quadro 03
Categorias e critérios de análise das praxeologias didáticas do professor

Após apresentação e categorização das tarefas, bem como das tecnologias, analisamos os três livros didáticos de referência dos professores, em comparação com o trabalho dos três professores na sala de aula. Os resultados encontrados serão apresentados a seguir.

4 Principais resultados

Em vista do exposto, com base nas observações e análise das aulas conduzimos a análise e os questionamentos à luz da TAD sobre conceito de equação polinomial do primeiro com uma incógnita, priorizados em nossa fundamentação teórica.

No quadro a seguir, registramos as tarefas e técnicas utilizadas pelos professores em sala de aula.

Quadro 04
Comparativo das organizações matemáticas pontuais dos professores

Percebemos que, em relação às tarefas e técnicas sugeridas pelos professores para os estudantes no curso das 37 aulas filmadas, transcritas e analisadas, podemos dizer que as propostas de introdução e efetivação das praxeologias matemáticas e didáticas referentes às equações foram diferentes quando comparamos os três professores.

A professora P1 fez a opção em apenas trabalhar com as tarefas do tipo T1 ax + b = c (2x + 3 = 9). Já em relação as técnicas utilizadas por P1 são de fáceis utilização e forma concentradas em duas técnicas: mover o número de membro, invertendo o sinal e transferir o número para o segundo membro com sinal trocado e fazer a operação aritmética. Entretanto, ao fazer essa escolha de trabalhar com os tipos de tarefas mais simples, a professora pode, dentre outros fatores, cooperar para o surgimento de dificuldades para os estudantes, quando se depararem com a necessidade de resolver problemas do cotidiano que requeiram os demais tipos de tarefas.

A segunda professora, P2, trabalhou os diferentes tipos de tarefas (T1, T2, T3, e T4). Quanto as técnicas utilizadas por P2 são de fáceis utilização e se concentrou nas seguintes técnicas: mover o número de membro, invertendo o sinal; transferir o número para o segundo membro com sinal trocado, fazendo a operação aritmética; transferir o número para o segundo membro, dividindo e fazendo a operação aritmética; neutralizar termos e coeficientes; desenvolver ou reduzir expressões; e neutralizar termos ou coeficientes.

Destacamos ainda que essa professora foi a única que escolheu o livro didático no Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e o livro foi distribuído para sua escola. Dentre outros fatores, isso nos leva a inferir que P2, por ter afinidade com p livro de sua escolha, buscou trabalhar de forma mais próxima à realizada idealizada pelos autores da coleção didática.

Quanto ao terceiro professor pesquisado, o P3, identificamos que ele se concentrou nas tarefas do tipo T1 e T2 e não trabalhou as tarefas T3 e T4. Em relação às técnicas utilizadas por P3, observa-se que ele recorreu às seguintes técnicas (de fácil utilização): usar as operações opostas; mover o número de membro, invertendo o sinal; eliminar denominadores; transferir de membro invertendo o sinal (aritméticas); e desenvolver a multiplicação dos parênteses, fazendo a operação aritmética. Destacamos ainda que P3 trabalhou com resolução de problemas, relacionando-os com o cotidiano dos estudantes. A resolução de equações se deu a partir de problemas em que era necessário transformar a linguagem natural em linguagem algébrica.

No quadro a seguir, registramos a tecnologia/teoria dos professores em sala de aula.

Quadro 05
Comparativo das tecnologias dos professores

Percebemos que os professores fizeram uso das tecnologias comuns, tais como: propriedades das operações inversas e propriedades gerais da igualdade. Apesar de P2 e P3 terem feito uso das propriedades distributivas da multiplicação em suas aulas, a sequência de aulas não foi a mesma. Quanto à relação de conformidade entre o que foi proposto nos livros didáticos e o que foi efetivamente transposto pelo professor nas aulas, P2 foi quem mais se aproximou de toda a sequência proposta no livro didático em relação às equações polinomiais do primeiro grau.

A seguir apresentamos um comparativo entre as praxeologias matemáticas e as tarefas efetivamente trabalhadas na sala pelos professores em relação aos seus respectivos livros.

Tabela 1
Distribuição dos tipos de tarefas referentes à equação nas aulas dos professores em comparação com as tarefas sugeridas nos livros didáticos

Conforme a tabela descrita acima, podemos verificar a quantidade das tarefas propostas pelos professores que foram trabalhas nas salas de aulas e o número de tarefas preconizadas pelos autores dos livros didáticos. Dessa forma, ao acompanhamos a sequência das aulas dos professores, percebemos que: P1 se concentrou em trabalhar apenas as tarefas do grupo um (T1), totalizando 100%. As tarefas dos demais grupos não foram propostas para os estudantes. Destacamos ainda que P1 propôs outros exemplos que não estavam em seu livro de referência, como (x + 4 = 9). Esse e outros exemplos eram replicados nos exercícios propostos pela professora, modificando-se o sinal da equação, x − 4 = 9. Em relação ao livro didático, os autores privilegiam as tarefas do tipo T4 (42% das tarefas para serem resolvidas). O que percebemos que a professora balizou suas aulas nas resoluções de equação com procedimentos aritméticos em detrimento dos procedimentos algébricos.

A professora P2 distribuiu o seu trabalho didático na sala de aula nos quatros tipos de tarefas para resolver as equações polinomiais do primeiro grau que são resolvíveis por procedimentos aritméticos (T1 e T2) e resolvíveis por meios algébricos (T3 e T4), e que demandam uma maior mobilização dos termos e coeficientes para a sua resolução.

Em comparação ao livro adotado por P2, podemos constatar que os autores propuseram 139 tarefas que priorizaram os tipos T1 e T4 (84%), em detrimento dos tipos T2 e T3 (16%). A professora, em suas aulas, optou por 24 tarefas, o que representa 17% em relação às tarefas sugeridas pelo autor. Destas, priorizou as tarefas do tipo T1 e T3 (88%), o que efetiva certo distanciamento do que foi sugerido pelo autor do livro didático.

Em relação ao professor P3 concentrou suas aulas nas tarefas do tipo T1 (67% das tarefas), que são resolvíveis por procedimentos aritméticos (T1 e T2). Verificamos que o livro de referência de P3 traz 108 tarefas, priorizando os tipos T1 e T4 (71%) em detrimento das do tipo T2 e T3 (29%). Entretanto, P3, em suas aulas, optou em trabalhar com 15 tarefas, o que representa 14% das tarefas sugeridas pelo autor do livro. Ainda destacamos que P3 buscou trabalhar com resoluções de problemas envolvendo equações polinomiais do primeiro com uma incógnita. Dessa forma, os estudantes eram levados a transformar a linguagem natural em linguagem algébrica e a resolver os problemas, e não simplesmente resolver as equações prontas do tipo 2x + 4 = 10 ou 2x + 4 = x + 15.

Após apresentarmos um comparativo entre as praxeologias matemáticas e as tarefas efetivamente trabalhadas na sala pelos professores, passamos, a analisar os momentos didáticos dos três professores, descritos por Chevallard (1999)11 CHEVALLARD, Y. L'analyse des pratiques enseignantes en Théorie Anthropologie Didactique. Recherches en Didactiques des MathématiquesGrenoble, p. 221-266, 1999..

Quadro 06
Comparativo descrição dos momentos didáticos dos professores

Em relação à organização didática do conceito de equação polinomial do primeiro grau com incógnita, percebemos que os três professores constituíram os seis momentos didáticos, mesmo seguindo sequências diferentes um do outro. O primeiro momento didático (referente ao encontro com o objeto de estudo), foi instituído P1 por meio das seguintes questões: “O que é uma equação? Vocês sabem o que é uma incógnita? Todos aqui conhecem uma balança de dois pratos? Aquela que é utilizada para pesar frutas, verduras. Quando seus pais, avôs ou tios vão à feira e pedem um quilo de tomate, por exemplo, de um lado tem um peso de um quilo e, do outro lado, tem os tomates. Se a quantidade for igual, os pratos da balança estarão alinhados”. Após esses questionamentos, P1 fez o desenho na lousa de uma balança de dois pratos (balança de feira livre) como descrito em seu livro de referência.

Figura 01
Introdução à equação polinomial do primeiro grau

No segundo momento (relativo à exploração das técnicas), enunciou o seguinte: conjunto universo e conjunto solução de uma equação. Constituiu através do tipo de tarefa T1 “determinar a solução de equação polinomial do primeiro grau”.

No terceiro momento (concernente à constituição do ambiente tecnológico-teórico), propôs que adicionando ou subtraindo valores iguais o equilíbrio seria mantido (propriedades gerais da igualdade e propriedades das operações inversas). O quarto momento (alusivo ao trabalho da técnica) foi instituído nas sexta, sétima e oitava aulas, quando foi proposta aos estudantes a resolução dos exercícios em classe e indicadas atividades a serem feitas em casa. Já o quinto (concernente à institucionalização) foi concretizado na constituição das técnicas “transpor termos e coeficientes ou neutralizar termos ou coeficientes”.

O sexto momento (sobre a avaliação) não ocorreu de forma pontual, mas associado a outros momentos didáticos. A avaliação foi realizada na forma de indagações orais ou escrita na lousa, quando P1 solicitava que os estudantes verificassem se os valores da incógnita eram iguais. Ao final das 12 aulas, foi realizada uma avaliação escrita.

Em relação aos topos (do professor no trabalho com os estudantes) esperados pelo autor do livro Tempo de matemática, identificamos o que está registrado no quadro apresentado a seguir.

Quadro 07
Descrição dos topos da professora P1

Passaremos a analisar os momentos didáticos da professora P2. O primeiro momento se deu por meio da leitura do livro, capítulo 10, intitulado “Comunicando ideias por símbolos”. A professora escreveu na lousa o exemplo do livro (a+3a) e disse: “Quando digo assim, eu sei qual o valor de a”? “Eu chamo este ‘a’ de variável, é número natural qualquer e aí eu pego o valor de ‘a’ multiplicado por três e terei o resultado. E isso é equação.” (inserir fonte. Ex: Gravação da aula de P2, ano). O Segundo Momento ocorreu na quinta e sexta aula, quando a professora resolveu as duas primeiras questões da página 231 do livro didático, (verificar figura abaixo). Constituiu através do tipo de tarefa T1 “determinar a solução de equação polinomial do primeiro grau”.

Figura 02
Extrato de do exercício do livro proposto pela professora P2

No Terceiro Momento foram constituídas as tecnologias: princípio de equilíbrio entre equações; princípios gerais de igualdade; propriedade distributiva da multiplicação; propriedades gerais da igualdade. O Quarto Momento foi estabelecido nas sétima, oitava, nona, décima, décima primeira e décima segunda aulas, quando P2 propôs exercícios referentes às equações para os estudantes resolverem.

Sobre o quinto Momento, as técnicas foram trabalhadas de forma simultânea quando, a partir dos exemplos, a professora procurou fazer a institucionalização das técnicas (transpor termos e coeficientes, ou neutralizar termos ou coeficientes [metáfora da balança] e desenvolver ou reduzir expressões), conforme descrito em seu livro de referência.

Figura 03
Extrato de modelo de resoluções de equações por meio da técnica τNTC

O sexto momento não ocorreu de forma pontual, mas associado a outros momentos didáticos. A avaliação era realizada na forma de indagações orais ou escrita na lousa, quando P2 solicitava que os estudantes verificassem se o valor da incógnita era igual em ambos os lados da igualdade. Ao final das 12 aulas, foi realizada uma avaliação escrita.

Já em relação aos topos (do professor, no trabalho com os estudantes) esperados pelo autor no livro Matemática, registramos no quadro abaixo apresentado o que identificamos a partir das nossas observações das aulas ministradas por P2:

Quadro 08
Descrição dos topos do livro didático e os topos de P2

Após analisar as organizações didáticas das professoras P1 e P2, chegamos às análises relativas a P3. O primeiro momento aconteceu quando o professor iniciou a aula indagando os estudantes sobre o que é uma equação. Trabalhou a passagem da língua materna (por exemplo: o dobro de um número) para a linguagem algébrica (2x) e fez uso de fórmulas para expressar sentenças matemáticas. Em seguida, definiu o que é uma equação polinomial do primeiro grau na lousa.

O Segundo Momento foi vivenciado a partir da enunciação do conjunto universo e conjunto solução de uma equação. Assim, ocorreu a exploração dos quatros tipos tarefas ((t1), 2x + 2 = 10; (t2) 2(x + 1) + x = 20, (t3), 2x − 3 = x + 15; (t4), 2(x − 1) + x = x + 16.) e suas técnicas (τ): a) Testar a igualdade; b) Transpor termos ou coeficientes c) Neutralizar termos ou coeficientes; d) Reagrupar os termos semelhantes.

O terceiro momento se constituiu por meio das seguintes tecnologias: propriedades gerais da igualdade, propriedade distributiva da multiplicação e propriedades das operações inversas., conforme descrito em seu livro de referência.

Figura 04
Introdução à noção de equações do primeiro grau

Já o quarto momento foi estabelecido na sexta, sétima, oitava, nona, décima, décima primeira e décima segunda aula, quando foi proposto que os estudantes resolvessem os exercícios referentes às equações. No Quinto Momento, as técnicas foram trabalhadas de forma simultânea: o professor, na proposição dos exemplos, fez a institucionalização das técnicas (transpor termos e coeficientes e/ou desenvolver ou reduzir expressões, eliminar denominadores).

O Sexto Momento não ocorreu de forma pontual, mas associado a outros momentos didáticos. A avaliação era realizada na forma de indagações orais ou escrita na lousa, quando P3 solicitava que os estudantes verificassem se o valor da incógnita era igual entre a igualdade. Ao final das 13 aulas, foi realizada uma avaliação escrita.

Em relação aos topos (do professor, no trabalho com os estudantes) esperados pelo autor no livro “Praticando matemática” (Andrini (2012)1 ANDRINI, A. Praticando Matemática: 7. 3. ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2012 (Coleção Praticando Matemática)) identificamos aspectos que registramos no quadro a seguir apresentado.

Quadro 09
Descrição dos topos do livro didático e os topos de P3

Pudemos perceber que os professores seguiram em parte os livros balizadores de suas aulas e trabalharam as tarefas, técnicas e tecnologias propostas pelos autores. Ressaltamos uma diferença na forma de apresentação do livro de referência da professora P1: o autor apresenta duas maneiras para resolver as equações, como a técnica de neutralizar termos ou coeficientes, método completo, seguida da técnica de transpor termos ou coeficientes com operações inversas (adição ou subtração), método prático. Nas aulas, P1 apenas fez opção por trabalhar com a forma prática (método prático livro), pois, segundo ela, quando entrevistada, esse era o método mais simples para seus estudantes entenderem o assunto.

Com relação à tarefa T2 observa-se que ela não foi explicitada nos livros Matemática (Imenes; Lellis (2010)18 IMENES, L. M. Matemática. São Paulo: Moderna, 2010.) e Tempo de Matemática (Andrini (2012)1 ANDRINI, A. Praticando Matemática: 7. 3. ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2012 (Coleção Praticando Matemática), enquanto que o livro Praticando Matemática (Andrini (2012)1 ANDRINI, A. Praticando Matemática: 7. 3. ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2012 (Coleção Praticando Matemática)) explicitou essa tarefa logo após a constituição da tarefa T1. Ressaltamos que os dois livros de referência dos professores (P1 e P2), que não explicitaram esse subtipo de tarefa, contemplaram-na nos exercícios sugeridos pelos autores para os estudantes. Os professores P2 e P3, nas atividades que propuseram em suas aulas, trabalharam com esse subtipo de tarefa. P1 não trabalhou em suas aulas a técnica alusiva a T2 e a tecnologia que justifica essa tarefa

No tipo de tarefa T3, os três livros didáticos apresentaram a técnica de neutralizar termos e coeficientes, bem como a tecnologia das propriedades gerais da igualdade. Em relação aos professores, P2 e P3 trabalharam a sequência proposta no livro didático, todavia P1 não trabalhou em sua de aula a tarefa T3. Quando questionada na entrevista sobre esse fato, ela justificou que, em face do tempo e do nível dos seus estudantes, procurou trabalhar com as tarefas mais simples.

Observamos que os professores P2 e P3 seguiram em parte as propostas dos autores dos livros didáticos e trabalharam as tarefas mais simples até chegarem às mais complexas, que demandam mais recursos e propriedades matemáticas para a justificação das técnicas. Entretanto, P1 não trabalhou essa quarta tarefa em suas aulas, detendo-se nas tarefas de transpor termos e coeficientes com o método prático para resolver uma equação. Em relação às tecnologias, trabalhou a propriedade geral da igualdade e a propriedade das operações inversas.

Ressaltamos ainda que apenas P2 escolheu o livro Matemática (Imenes; Lellis (2010)18 IMENES, L. M. Matemática. São Paulo: Moderna, 2010., na avalição do PNLD e o mesmo chegou à sua escola. Os professores P1 e P3, por outro lado, escolheram outras coleções na avaliação do PNLD que não chegaram às suas escolas. Ressaltamos, ainda, que o livro Matemática, que chegou à escola desses professores, não foi a primeira nem a segunda opção deles. Percebemos que o livro didático escolhido por P2 foi sistematicamente trabalhado em suas aulas. Já os demais professores não trabalharam com o livro Matemática.

Por fim, concordamos com Chevallard (2007) quando trata das relações pessoais e institucionais referentes a um objeto. Para esse autor, uma pessoa detém um conjunto de praxeologias, o que ele denominou de equipamento praxeológico (EP(x)). Segundo Chevallard (2007), esse equipamento tende a ser desenvolvido e remodelado ao longo do tempo, à medida que a relação dele com os objetos é aprimorada. Essa relação é pessoal e subjetiva, ou seja, cada sujeito possui uma forma peculiar de reconhecer o mesmo objeto.

Dessa forma, percebemos que os três professores tiveram relações diferentes com o objeto equação polinomial do primeiro grau com uma incógnita. As professoras P1 e P2 trabalharam com a metáfora da balança de dois pratos em equilíbrio, como sugerido pelos autores de seus respectivos livros de referência, enquanto o professor P3 não trabalhou com esse recurso, mesmo sugerido em seu livro de referência. P3 justificou isso na entrevista alegando não haver balança na escola.

Em relação às atividades docentes, verificamos que elas foram baseadas nos componentes praxeológicos matemáticos e didáticos de três livros didáticos, nos documentos oficiais e na prática efetiva dos três professores, sendo eles os organizadores das tarefas, técnicas e tecnologias de crescente complexidade com os professores P2 e P3 (FONSECA, 200417 FONSECA, C. Discontinuidades matemáticas y didácticas entre la Enseñaza Secundaria y la Enseñaza Universitaria. 635p. Tesis (Doctoral Matemática Aplicada) – Universidad de Vigo, 2004.), que são tornadas rotineiras para serem problematizadas em sala de aula. Entretanto, a professora P1, ao não proporcionar aos seus estudantes a ampliação de seu “Equipamento Praxeológico”, poderá trazer dificuldades para eles no momento em que forem enfrentar novos tipos de tarefas.

5 Considerações finais

Tomando como referência os três livros didáticos, pudemos comparar e analisar as praxeologias referentes às resoluções de equações polinomiais do primeiro grau propostas nesses manuais, em comparação às praxeologias efetivadas em sala de aula por três professores.

Ao analisarmos os livros, percebemos que neles foram desenvolvidas sequências diferentes para o trabalho de elaboração e sistematização de diferentes técnicas. No entanto, esses livros não justificam a existência de diferentes técnicas, assim, não deixam claras as fronteiras ou alcance de cada técnica, além do que não explicam a diferença entre os procedimentos aritméticos e os procedimentos algébricos (CHEVALLARD, 19847 CHEVALLARD, Y. Le passage de l'arithmétique à l'algébrique dans l'enseignement des mathématiques au collège: l'évolution de la transposition didactique. In : Petit X n° 5, IREM, Grenoble, 1984.).

Quanto aos professores, de forma geral, eles balizaram suas aulas, em parte, nas sequências recomendadas pelos autores dos livros didáticos. As relações pessoais e institucionais dos professores com o objeto estudado nessa pesquisa compuseram-se de um conjunto de praxeologias ou equipamento praxeológico (EP(x)), (CHEVALLARD, 2007). Constatamos, então, que os professores são os organizadores das tarefas e técnicas e tecnologias de crescente complexidade (FONSECA, 200417 FONSECA, C. Discontinuidades matemáticas y didácticas entre la Enseñaza Secundaria y la Enseñaza Universitaria. 635p. Tesis (Doctoral Matemática Aplicada) – Universidad de Vigo, 2004.), que foram tornadas rotineiras e problematizadas em sala de aula.

Quanto às técnicas trabalhadas pelos professores, verificamos que eles optaram por técnicas de fácil utilização. Ressaltamos ainda que os professores P2 e P3 desenvolveram as técnicas mais próximas das sugestões dos autores dos livros. Em relação às tecnologias trabalhadas em sala de aula, essas foram comuns aos três professores para justificarem as técnicas.

No que concerne às organizações didáticas, os professores contemplaram os seis momentos didáticos, mas as sequências das aulas de cada professor foram diferentes. P2 (T1. T2, T3, e T4) e P3 (T1, T2, T3,) construíram as praxeologias matemáticas sugeridas nos livros didáticos e efetivaram as tarefas. Por sua vez P1, efetivou apenas as tarefas do tipo T1 de procedimentos aritméticos e de complexidade mais simples.

Por fim, analisamos a trajetória do saber a ensinar até o saber efetivamente ensinado em sala de aula. Constatamos que o professor foi o mediador desse processo e, apesar de termos os documentos oficiais ou outros meios didáticos, o professor opta em seguir, em larga medida, o que propõem os autores de livros didáticos. Ou seja, o livro didático ainda exerce grande influência na sala de aula. Mesmo o professor tendo escolhido institucionalmente seu livro de referência, os mesmos fizeram adaptações no processo de ensino em sua sala de aula.

  • 1
    Transposição didática diz respeito à trajetória cumprida por um determinado saber, desde a comunidade científica até a transformação em objeto de ensino (CHEVALLARD, 19918 CHEVALLARD, Y. La transposition didactique: Du savoir savant au savoir enseigné. Grenoble: La pensée Sauvage, 1991.).
  • 2
    Composto de três elementos: Professor, Aluno e Saber (BROUSSEAU, 19964 BROUSSEAU, G. Fundamentos e Métodos da Didática da Matemática. In: BRUN, J. Didática das Matemáticas. Tradução de Maria José Figueredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.).
  • 3
    Type de tâches
  • 4
    Savoir-faire
  • 5
    Savoir
  • 6
    Sob dois aspectos: a avaliação das relações pessoais e a avaliação da relação institucional, ambas em relação ao objeto construído, que se articulam com o momento da institucionalização, permitindo relançar o estudo, demandar a retomada de alguns dos momentos e, eventualmente, do conjunto do trajeto didático.
  • 7
    Os objetos ostensivos possuem uma qualidade material, como os sons, os grafismos e os gestos, o que os tornam possíveis de serem manipulados. Já os objetos não-ostensivos não são dotados dessa característica material; são objetos como as ideias e os conceitos Bosch e Chevallard (1999)6 BOSCH, M.; CHEVALLARD, Y. Ostensifs et sensibilité aux ostensifs dans l'activité mathématique. Recherches en Didactique des MathématiquesGrenoblep. 77-124, 1999..

Referências

  • 1
    ANDRINI, A. Praticando Matemática: 7. 3. ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2012 (Coleção Praticando Matemática)
  • 2
    BARBOSA, E. J.T, Praxeologia do professor: análise comparativa com os documentos oficiais e do livro didático no ensino de equações polinomiais do primeiro grau Tese de doutorado, UFRPE. 2017.
  • 3
    BROUSSEAU, G. Introdução ao Estudo da Teoria das Situações Didáticas: conteúdos e métodos de ensino. Tradução de Camila Bogea. São Paulo: Ática, 2008.
  • 4
    BROUSSEAU, G. Fundamentos e Métodos da Didática da Matemática. In: BRUN, J. Didática das Matemáticas. Tradução de Maria José Figueredo. Lisboa: Instituto Piaget, 1996.
  • 5
    BOSCH, M.; GASCÓN, J. 25 años de transposición didáctica. In: NOME DOS EDITORES/ORGANIZADORES DO LIVRO. Sociedad, escuela y matemáticas: Aportaciones de la teoría antropológica de lo didáctico (TAD) Jaén: Publicaciones de la Universidad de Jaén, 2007.
  • 6
    BOSCH, M.; CHEVALLARD, Y. Ostensifs et sensibilité aux ostensifs dans l'activité mathématique. Recherches en Didactique des MathématiquesGrenoblep 77-124, 1999.
  • 7
    CHEVALLARD, Y. Le passage de l'arithmétique à l'algébrique dans l'enseignement des mathématiques au collège: l'évolution de la transposition didactique. In : Petit X n° 5, IREM, Grenoble, 1984.
  • 8
    CHEVALLARD, Y. La transposition didactique: Du savoir savant au savoir enseigné. Grenoble: La pensée Sauvage, 1991.
  • 9
    CHEVALLARD, Y. Concepts fondamentaux de la didactique: perspective apportèes par une aproche anthropogique. Recherches en Didactiques des Mathématiques, v. 12, p. 73-112, 1992.
  • 10
    CHEVALLARD, Y. Analyse des pratiques enseignantes et didactique des mathematiques: L'approche anthropologique. Actes de l'U.E. de la Rochelle, 1998.
  • 11
    CHEVALLARD, Y. L'analyse des pratiques enseignantes en Théorie Anthropologie Didactique. Recherches en Didactiques des MathématiquesGrenoble, p. 221-266, 1999.
  • 12
    CHEVALLARD, Y. Ostensifs et non-ostensifs dans l'activité mathématique In: Intervention au Séminaire de l'Associazione Mathesis. Texte paru dans les actes du séminaire pour l'année. Turin: 1994, p. 190-200.
  • 13
    CHEVALLARD, Y. Organiser l'étude 3: Ecologie et Regulation. 2002. Disponível em: http://yves.chevallard.free.fr/spip/spip/article.php3?id_article=53 Acesso em: 03 abril de 2016.
    » http://yves.chevallard.free.fr/spip/spip/article.php3?id_article=53
  • 14
    CHEVALLARD, Y. Approche anthropologique du rapport au savoir et didactique des mathématiques. In: MAURY, S.; CAILLOT, M. (Ed.). Rapport au savoir et didactiques Paris: Éditions Fabert, 2003. p. 81-104.
  • 15
    CHEVALLARD, Y. Passé et présent de la théorie anthropologique du didactique. In: RUIZ-HIGUERAS, L.; ESTEPA, A.; GARCIA, F. J. (Ed.). Sociedad, Escuela y Matemáticas Jaén: Servicio de publicaciones de la Universidad de Jaén, 2007. p. 705-746.
  • 16
    CHEVALLARD, Y. & GRENIER, Denise. Le topos d'élève. Actes de la IX École d'été de didactique des mathématiques Houlgate, 1997.
  • 17
    FONSECA, C. Discontinuidades matemáticas y didácticas entre la Enseñaza Secundaria y la Enseñaza Universitaria 635p. Tesis (Doctoral Matemática Aplicada) – Universidad de Vigo, 2004.
  • 18
    IMENES, L. M. Matemática São Paulo: Moderna, 2010.
  • 19
    KIERAN, C. Learning and teaching Algebra at the middle school through college levels: Building meaning for symbols and their manipulation. In: LESTER, F. K. Jr. (Ed.). Second Handbook of research on mathematics teaching and learning Greenwich: Information Age Publishing, 2007. P. 707-762.
  • 20
    NAME, M. A. Tempo de Matemática, 7: ensino fundamental. 2 ed. São Paulo: Editora do Brasil, 2010
  • 21
    NCTM . Princípios e normas para a Matemática escolar Lisboa: APM, 2007.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    13 Ago 2018
  • Aceito
    29 Maio 2019
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