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Conceções de Professores do Ensino Básico sobre a Prova Matemática: influência da experiência profissional

Conceptions of Basic Education Teachers about Math Proof: influence of professional experience

Resumo

A prova é uma atividade que desempenha um papel fundamental na construção do conhecimento matemático, razão pela qual adquire relevância nos programas escolares de Matemática. Admitindo que as conceções dos professores sobre a prova afetam a forma como ela é tratada em sala de aula, procuramos averiguar as conceções de professores portugueses de Matemática do 3.° ciclo do Ensino Básico (do 7.° ao 9.° ano) sobre diferentes aspetos da prova matemática e a influência que a experiência profissional tem nessas conceções. Adotando uma abordagem metodológica mista, recolhemos os dados através de um questionário, respondido por 72 professores, e de uma entrevista a duas professoras com experiências profissionais diferentes. Os resultados revelam que os professores, sobretudo os que têm menos tempo de docência, consideram que a prova matemática tem uma natureza distinta da de outras disciplinas, é uma atividade essencial para a construção do conhecimento matemático, tem como função verificar e explicar a veracidade de uma afirmação e permite desenvolver o raciocínio e a comunicação matemática. No que respeita à participação dos alunos na atividade de provar, são os professores com mais tempo de docência que mais o destacam, o que permite aos alunos perceberem a natureza desta atividade. Em termos curriculares, são os professores com menos experiência docente que mais concordam com a presença da prova logo nos primeiros anos, embora salientem que esta atividade só faz sentido em alguns tópicos programáticos.

Palavras-chave:
Prova Matemática; Conceções de Professores; Professores do Ensino Básico; Experiência Profissional

Abstract

Proof is an activity that plays a key role in the construction of mathematical knowledge, which is why it acquires relevance in mathematics programs. Admitting that teachers' conceptions about proof influence how it is handled in the classroom, we tried to investigate the conceptions of Portuguese mathematics teachers from the 3rd cycle of basic education (grade 7 to 9) on different aspects of mathematical proof and the relationship that the teachers' experience has in these conceptions. Adopting a mixed methodological approach, we collected data through a questionnaire answered by 72 teachers, and an interview with two teachers with different professional experience. The results show that teachers, especially those with less experience, consider that mathematical proof has a distinct nature from other disciplines, it is an essential activity for the construction of mathematical knowledge and its function is to verify and explain the truth of a statement by developing reasoning and mathematical communication. With respect to student participation in the activity of proving, teachers with more teaching experience are the ones that most highlight it, which allows students to realize the nature of this activity. In curriculum terms, teachers with less experience are the ones that most agree with the presence of proof in early grades, while emphasizing that this activity only makes sense in some program topics.

Keywords:
Mathematical Proof; Teachers' Conceptions; Teachers of Basic Education; Professional Experience

1 Introdução

A prova matemática é um aspeto central da atividade matemática, de tal forma que Davis e Hersh (1995)DAVIS, P. J.; HERSH, R. A Experiência Matemática. 1st ed. Lisboa: Gradiva, 1995. 401 p. consideram que a prova é o que distingue a Matemática de outras ciências. Apesar das diferenças, a necessidade da prova é transversal ao processo de produção de conhecimento, e este é o meio pelo qual se garante a sua veracidade aos outros, tendo, nessa medida, uma dimensão comunicativa e argumentativa.

A escola é um contexto educacional em que os alunos desenvolvem diversas competências matemáticas, construindo conhecimento e desenvolvendo capacidades transversais, como sejam o raciocínio, a comunicação e resolução de problemas matemáticos. Neste contexto, a necessidade de provar é inerente à construção do conhecimento e à comunicação dos alunos (HANNA, 2002HANNA, G. Mathematical Proof. In: TALL, D. (Ed). Advanced Mathematical Thinking. New York: Ed. Kluwer Academic Publishers, 2002. p. 54-62.). Contudo, na sala de aula, a prova matemática pode assumir formas diferentes. Estas dependem, em primeira instância, das orientações curriculares, mas também das conceções dos professores de Matemática, atuando estas últimas como filtro entre o currículo prescrito e o currículo ensinado (KNUTH, 2002KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002.; PONTE; CHAPMAN, 2006PONTE, J. P.; CHAPMAN, O. Mathematics teachers' knowledge and practices. In: GUTIERREZ, A.; BOERO, P. (Ed), Handbook of Research on the Psychology of Mathematics Education: past, present and future. Roterdham: Ed. Sense Publishers, 2006. p. 461-494.; SABAN; KOCBEKER; SABAN, 2007SABAN, A.; KOCBEKER, B. N.; SABAN, A. Prospective teachers' conceptions of teaching and learning revealed through metaphor analysis. Learning and Instruction, Leuven, v. 17, n. 2, p. 123- 139, 2007.).

Em Portugal, ao longo do Ensino Básico 1 1 Em Portugal, a Educação Básica é dividida em 3 ciclos: 1.° ciclo corresponde aos graus 1 a 4, o 2.° ciclo aos graus 5 e 6 e o 3.° ciclo refere-se aos graus de 7 a 9. (que decorre do 1.° ao 9.° ano de escolaridade), apesar de se assumir a necessidade de provar os resultados matemáticos (de modo a não assentarem apenas na autoridade do professor ou dos manuais escolares), a maneira de o fazer assume diferentes formas e, naturalmente, diferentes graus de sofisticação em função da capacidade dos alunos. Os professores de Matemática têm, eles próprios, diferentes percursos formativos e também experiência profissional com marcas específicas que os levam a interpretar o currículo de forma diversa.

Assim, e assumindo a estreita interdependência entre conceções e práticas profissionais, pareceu-nos relevante conhecer as conceções dos professores de Matemática sobre a prova matemática, especialmente daqueles que lecionam no final do Ensino Básico (do 7.° ao 9.° ano). Considerando que a experiência profissional, assente na reflexão, tem potencial para a construção e reconstrução das conceções dos professores, pareceu-nos igualmente importante perceber como esta experiência influi nas conceções e práticas letivas dos professores sobre a prova matemática. Para isso, inquirimos, através de questionário e entrevista, professores de Matemática que ensinam no último ciclo do Ensino Básico (do 7.° ao 9.° ano). A inquirição incidiu em seis dimensões das conceções dos professores sobre a prova matemática: (1) natureza da prova matemática; (2) funções da prova matemática; (3) atividade dos alunos na prova matemática; (4) prova matemática na aprendizagem dos alunos; (5) prova na atividade do professor de Matemática; e (6) prova nos currículos de matemática.

2 Fundamentação teórica

2.1 Natureza da prova matemática

Ainda que a prova esteja presente em vários campos da ciência, na Matemática ela assume contornos próprios, levando alguns autores (DAVIS; HERSH, 1995DAVIS, P. J.; HERSH, R. A Experiência Matemática. 1st ed. Lisboa: Gradiva, 1995. 401 p.; DREYFUS, 2000DREYFUS, T. Some views on proofs by teachers and mathematicians. In: MEDITERRANEAN CONFERENCE ON MATHEMATICS EDUCATION, 2, 2000, Nikosia. Proceedings… Nikosia: The University of Cyprus, 2000. p. 11-25; HANNA, 2000HANNA, G. Proof and its classroom role: a survey. In: ENCONTRO DE INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 9., 2000, Fundão. Atas… Fundão: SPCESEM, 2000. p. 75-104., 2002HANNA, G. Mathematical Proof. In: TALL, D. (Ed). Advanced Mathematical Thinking. New York: Ed. Kluwer Academic Publishers, 2002. p. 54-62.; KNUTH, 2002KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002.) a considerar que a prova é, em grande medida, aquilo que confere à Matemática, no quadro das outras áreas do saber, uma especificidade muito própria. Em Matemática, as proposições não podem ser provadas através de experiências, com exceção de situações em que há apenas um número finito de casos que precisam ser verificados. Deste modo, o raciocínio indutivo, embora possa ser útil para fazer conjeturas ou para descobrir novos resultados, não é, na grande maioria dos casos, adequado para provar. Um indivíduo pode ter uma sensação intuitiva de que uma dada proposição é verdadeira, mas é a prova que estabelece se o resultado é verdadeiro ou se a pessoa foi enganada pela sua intuição. Isso é feito usando o raciocínio lógico dedutivo, partindo de um conjunto de pressupostos iniciais e estabelecendo certas proposições. Este método foi iniciado na Grécia Antiga, como é referido por Eves (1990)EVES, H. Foundations and Fundamental Concepts of Mathematics. 3rd ed. New York: Dover Publications, 1990. 344 p.: “Os gregos insistiram que os factos matemáticos devem ser estabelecidos, não por procedimentos empíricos, mas por raciocínio dedutivo; as conclusões matemáticas devem ser asseguradas por demonstração lógica em vez de experimentação laboratorial” (p. 9).

Neste sentido, provar é intrínseco à atividade matemática porque nenhum resultado pode ser considerado aceitável ou válido até que seja provado. A prova permeia toda a Matemática, embora seja tradicionalmente associada à Geometria. Embora a prova seja intrínseca à atividade matemática, definir a prova é uma tarefa bastante desafiadora. Assumindo uma visão formal, lógica, a prova pode ser definida como “uma sequência de transformações de frases formais, realizadas de acordo com as regras do cálculo de predicados” (HERSH, 1993HERSH, R. Proving is convincing and explaining. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 24, n. 4, p. 389-399, 1993., p. 391). Mas a prova pode ser olhada de um modo mais pragmático, como “um argumento que convence juízes qualificados” (ibidem, p. 391).

Quando situamos o conceito de prova no plano da Matemática escolar e o procuramos definir, damos conta de algumas especificidades resultantes desta ecologia, em particular do nível de ensino onde nos situamos. O que é aceitável como prova nos primeiros anos de escolaridade é certamente diferente do que constitui prova no ensino secundário ou mesmo para a comunidade matemática. À medida que os alunos progridem na sua aprendizagem da Matemática, a sua capacidade para expressar o seu raciocínio de uma maneira mais formalizada aumenta. Nos níveis elementares, a prova é vista de maneira informal, como raciocínio e argumentação visando a validação de resultados (BUSSI, 2009BUSSI, M. Proof and proving in primary school: An experimental approach. In: ICMI STUDY 19 CONFERENCE: PROOF AND PROVING IN MATHEMATICS EDUCATION, 19, 2009, Taipei. Proceedings… Taipei: ICMI, 2009, p. 53-58.; MASON, 2001MASON, J. Convincing myself and others. Mathematics Teaching, Derby, n. 177, p. 31-36, 2001.). Esta distinção entre prova e argumentação é frequentemente mencionada por diversos investigadores (BOERO; GARUTI; MARIOTTI, 1996BOERO, P.; GARUTI, R.; MARIOTTI, M. A. Some dynamic mental processes underlying producing and proving conjectures. In: CONFERENCE OF INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 20, 1996, Valencia. Proceedings… Valencia: PME, 1996. p. 121-128.; DUVAL, 1989DUVAL, R. Langage et representation dans l'apprentissage d'une demarche deductive. In: CONFERENCE OF INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 13., 1989, Paris. Proceedings… Paris: PME, 1989. p. 228-235.; PEDEMONTE, 2001PEDEMONTE, B. Some cognitive aspects of the relationship between argumentation and proof in mathematics. In: CONFERENCE OF INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 25, 2001, Utrecht. Proceedings… Utrecht: PME, 2001. p. 33-40.; STYLIANIDES, 2007STYLIANIDES, A. Proof and proving in school mathematics. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, v. 38, n. 3, p. 289-321, 2007.; YACKEL; HANNA, 2003YACKEL, E.; HANNA, G. Reasoning and proof. In: KILPATRICK, J.; MARTIN, W. G.; SCHIFTER, D. E. (Ed). A Research Companion to Principles and Standards for School Mathematics. Reston: Ed. National Council of Teachers of Mathematics, 2003. p. 227-236.). Enquanto Duval (1989)DUVAL, R. Langage et representation dans l'apprentissage d'une demarche deductive. In: CONFERENCE OF INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 13., 1989, Paris. Proceedings… Paris: PME, 1989. p. 228-235. assume uma posição extrema afirmando que a prova e a argumentação são muito diferentes, outros investigadores consideram que a argumentação é muitas vezes útil para o processo de provar (YACKEL; HANNA, 2003YACKEL, E.; HANNA, G. Reasoning and proof. In: KILPATRICK, J.; MARTIN, W. G.; SCHIFTER, D. E. (Ed). A Research Companion to Principles and Standards for School Mathematics. Reston: Ed. National Council of Teachers of Mathematics, 2003. p. 227-236.) e que há uma continuidade entre argumentação e prova (BOERO; GARUTI; MARIOTTI, 1996BOERO, P.; GARUTI, R.; MARIOTTI, M. A. Some dynamic mental processes underlying producing and proving conjectures. In: CONFERENCE OF INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 20, 1996, Valencia. Proceedings… Valencia: PME, 1996. p. 121-128.; PEDEMONTE, 2001PEDEMONTE, B. Some cognitive aspects of the relationship between argumentation and proof in mathematics. In: CONFERENCE OF INTERNATIONAL GROUP FOR THE PSYCHOLOGY OF MATHEMATICS EDUCATION, 25, 2001, Utrecht. Proceedings… Utrecht: PME, 2001. p. 33-40.). Boavida, Paiva, Cebola, Vale e Pimentel (2008), tomando como referência o plano escolar, enquadram a prova na atividade de argumentação: “entende-se por argumentação em Matemática, conversações de carácter explicativo (…) [para] a formulação, teste e prova de conjeturas e a resolução de desacordos através de explicações e justificações convincentes e válidas de um ponto de vista matemático” (p. 84).

Para Stylianides (2007)STYLIANIDES, A. Proof and proving in school mathematics. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, v. 38, n. 3, p. 289-321, 2007., a prova é um argumento matemático, “uma sequência conectada de afirmações a favor ou contra um resultado matemático” (p. 291), construída no âmbito de uma comunidade, que tem três características): (1) usar um conjunto de afirmações verdadeiras e aceites; (2) utilizar uma forma de raciocínio válida; e (3) recorrer a formas de representação dos argumentos apropriadas.

Fazer a distinção entre prova e provar é igualmente importante. Enquanto provar é um processo, que pode incluir conjeturas, argumentações e linhas de raciocínio que eventualmente leva a um beco sem saída, a prova, por outro lado, é o resultado desse processo e deve ter uma conclusão (CADWALLADEROLSKER, 2011CADWALLADEROLSKER, T. What do we mean by mathematical proof? Journal of Humanistic Mathematics, Claremont, v. 1, n. 1, p. 33-60, 2011.). Assim, na escola, embora a atividade de provar seja tradicionalmente considerada como uma atividade para os alunos mais velhos, é cada vez mais claro que é uma parte fundamental da Matemática escolar, especialmente quando se refere a níveis elementares (BUSSI, 2009BUSSI, M. Proof and proving in primary school: An experimental approach. In: ICMI STUDY 19 CONFERENCE: PROOF AND PROVING IN MATHEMATICS EDUCATION, 19, 2009, Taipei. Proceedings… Taipei: ICMI, 2009, p. 53-58.; NCTM, 2007NATIONAL COUNCIL of TEACHERS of MATHEMATICS. Princípios e Normas para a Matemática Escolar. Lisboa: Associação de Professores de Matemática, 2007.; STYLIANIDES, 2007STYLIANIDES, A. Proof and proving in school mathematics. Journal for Research in Mathematics Education, Reston, v. 38, n. 3, p. 289-321, 2007.)

Mason, Burton e Stacey (1982)MASON, J.; BURTON, L.; STACEY, K. Thinking Mathematically. 2nd.ed. New York: Addison-Wesley. 1982. 264 p. descrevem três fases do processo de provar: em primeiro lugar, convencer-se; depois convencer os seus “amigos e inimigos”. Nesse processo, começa-se por trabalhar em torno de uma afirmação/declaração/problema, fazendo algumas conjeturas e desenvolvendo uma linha de raciocínio que pareça correto. Em seguida, é preciso desenvolver um argumento que seja plausível e explique por que razão a afirmação é (in)válida. Finalmente, é preciso organizar os argumentos e comunicá-los a fim de “convencer o inimigo”.

Como vimos, a prova matemática é um conceito multifacetado, especialmente quando olhamos para ela nos contextos da aula de Matemática e da comunidade matemática, e tendo em conta aquilo que ela tem em vista.

2.2 Funções da prova matemática

Considerando o contexto no qual são realizadas provas, elas podem desempenhar funções diferentes. De Villiers (2003)DE VILLIERS, M. Rethinking proof with The Geometer's Sketchpad. Emeryville: Key Curriculum Press, 2003. 214 p. considera seis funções de prova: (i) verificação: apurar a veracidade de uma afirmação; (ii) explicação: compreender as razões pelas quais uma proposição é verdadeira; (iii) sistematização: organizar os resultados num sistema dedutivo; (iv) descoberta: criar novas conclusões e teorias na tentativa de provar uma conjetura; (v) desafio intelectual: provar um resultado pode ser muito gratificante e estimulante; (vi) comunicação: partilhar os resultados entre os pares, não só para promover o conhecimento, mas também para refinar o significado dos conceitos.

As funções desempenhadas pela prova em sala de aula de Matemática são diferentes das desempenhadas na investigação da comunidade matemática. A função de verificação, embora esteja presente nas salas de aula de Matemática, é mais comum na atividade dos matemáticos. Segundo esta função, a prova fornece “um nível de confiança numa afirmação matemática que nenhum outro meio de justificação pode oferecer” (HANNA, 2000HANNA, G. Proof and its classroom role: a survey. In: ENCONTRO DE INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 9., 2000, Fundão. Atas… Fundão: SPCESEM, 2000. p. 75-104., p. 87). Também a função de sistematização é usada principalmente por matemáticos. Os Elementos de Euclides são provavelmente o mais famoso exemplo deste papel da prova.

A função de explicação aparece mais ligada à atividade educacional (CADWALLADEROLSKER, 2011CADWALLADEROLSKER, T. What do we mean by mathematical proof? Journal of Humanistic Mathematics, Claremont, v. 1, n. 1, p. 33-60, 2011.; HERSH, 1993HERSH, R. Proving is convincing and explaining. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 24, n. 4, p. 389-399, 1993.). Como Hersh (1993)HERSH, R. Proving is convincing and explaining. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 24, n. 4, p. 389-399, 1993. refere, “na sala de aula, convencer não é o problema. Os alunos são muito facilmente convencidos. O que uma prova deve fazer para o aluno é fornecer uma visão sobre por que é que o teorema é verdadeiro” (p. 396). Hanna (2000)HANNA, G. Proof and its classroom role: a survey. In: ENCONTRO DE INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 9., 2000, Fundão. Atas… Fundão: SPCESEM, 2000. p. 75-104. subscreve esta ideia ao afirmar que “Quando os alunos estão a estudar proposições que são sabidas serem verdadeiras, a principal função da prova é, obviamente, a de explicação” (p. 90).

A função de descoberta pode ser vista, em sala de aula, na unidade cognitiva, no sentido de uma certa continuidade, entre os argumentos usados para formular uma conjetura e a prova dessa mesma conjetura (MARIOTTI, 2006MARIOTTI, M. A. Proof and proving in mathematics education. In: GUTIÉRREZ. A.; BOERO, P. (Ed). Handbook of Research on the Psychology of Mathematics Education: past, present and future. Rotterdam: Ed. Sense Publishers, 2006. p. 173-204.). Através de suas explorações, os alunos “geram conjeturas e, em seguida, tentam verificar a veracidade das conjeturas, produzindo provas dedutivas. Neste caso, os alunos estão a usar a prova como um meio de criar novos resultados” (KNUTH, 2002KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002., p. 65).

Por sua vez, a função de comunicação tanto pode surgir na atividade do matemático como na sala de aula de Matemática, envolvendo alunos e professores. Esta função assume a prova como uma construção social e um produto do discurso matemático (HERSH, 1993HERSH, R. Proving is convincing and explaining. Educational Studies in Mathematics, Dordrecht, v. 24, n. 4, p. 389-399, 1993.).

A natureza e a função da prova são elementos integrantes da forma como o professor perceciona e integra esta atividade nas suas estratégias de ensino, o que remete para a discussão entre essa integração e o conhecimento do professor.

2.3 Conhecimentos e práticas de prova matemática dos professores

As conceções dos professores têm uma influência decisiva nas suas práticas de sala de aula. As conceções são as teorias pessoais dos professores, que cruzam elementos cognitivos e afetivos, como conhecimentos e crenças, que estão na base da tomada de decisões (KNUTH, 2002KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002.; PONTE; CHAPMAN, 2006PONTE, J. P.; CHAPMAN, O. Mathematics teachers' knowledge and practices. In: GUTIERREZ, A.; BOERO, P. (Ed), Handbook of Research on the Psychology of Mathematics Education: past, present and future. Roterdham: Ed. Sense Publishers, 2006. p. 461-494.). Em particular, as conceções dos professores sobre a prova matemática refletem uma variedade de conhecimentos e crenças sobre a Matemática, a produção do conhecimento matemático e intervêm na aprendizagem da Matemática, na validação e comunicação do conhecimento matemático (GUERREIRO; TOMÁS FERREIRA; MENEZES; MARTINHO, 2015GUERREIRO, A. et al. Comunicação na sala de aula: a perspetiva do ensino exploratório da matemática. Zetetiké, Campinas, v. 23, n. 4, p. 279-295, 2015.; KNUTH, 2002KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002.). Essas conceções são as lentes através das quais os professores “olham” os programas e recomendações curriculares e lhes permitem interpretá-los e colocá-los em ação na sala de aula, selecionando tarefas e materiais e gerindo as dinâmicas comunicacionais, especialmente o fluxo do conhecimento matemático entre alunos e professor.

O que apontam as recomendações curriculares sobre a prova matemática? O valor didático da prova Matemática tem sido afirmado por muitos autores e organizações profissionais (BOAVIDA, 2005BOAVIDA, A. M. A Argumentação em Matemática: investigando o trabalho de duas professoras em contexto de colaboração. 2005. 995f. Tese (Doutoramento em Educação, Didática da Matemática) - Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005.; HANNA, 2000HANNA, G. Proof and its classroom role: a survey. In: ENCONTRO DE INVESTIGAÇÃO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA, 9., 2000, Fundão. Atas… Fundão: SPCESEM, 2000. p. 75-104., 2002HANNA, G. Mathematical Proof. In: TALL, D. (Ed). Advanced Mathematical Thinking. New York: Ed. Kluwer Academic Publishers, 2002. p. 54-62., 2014HANNA, G. The width of a proof. PNA, Granada, v. 9, n. 1, p. 29-39, 2014.; KNUTH, 2002KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002.; NCTM, 2007NATIONAL COUNCIL of TEACHERS of MATHEMATICS. Princípios e Normas para a Matemática Escolar. Lisboa: Associação de Professores de Matemática, 2007.; YACKEL; HANNA, 2003YACKEL, E.; HANNA, G. Reasoning and proof. In: KILPATRICK, J.; MARTIN, W. G.; SCHIFTER, D. E. (Ed). A Research Companion to Principles and Standards for School Mathematics. Reston: Ed. National Council of Teachers of Mathematics, 2003. p. 227-236.). Hanna (2014)HANNA, G. The width of a proof. PNA, Granada, v. 9, n. 1, p. 29-39, 2014. observa que as recomendações curriculares existentes para a prova matemática em sala de aula são sobretudo baseadas no facto de ela contribuir para a compreensão conceptual. Nos Princípios e normas para a matemática escolar, o NCTM (2007)NATIONAL COUNCIL of TEACHERS of MATHEMATICS. Princípios e Normas para a Matemática Escolar. Lisboa: Associação de Professores de Matemática, 2007. associa a prova ao raciocínio matemático, e recomenda que os alunos, ao longo de toda a sua escolaridade, desenvolvam e avaliem argumentos matemáticos. Assume-se que a Educação Matemática deve habilitar todos os alunos a reconhecer o raciocínio e prova como aspetos centrais da Matemática, investigar e formular conjeturas matemáticas, desenvolver e avaliar argumentos matemáticos e selecionar e usar vários tipos de raciocínio e métodos de prova (NCTM, 2007NATIONAL COUNCIL of TEACHERS of MATHEMATICS. Princípios e Normas para a Matemática Escolar. Lisboa: Associação de Professores de Matemática, 2007.).

Diversos autores defendem que, ao contrário do que acontece com os matemáticos em que a produção da prova é o objetivo principal, no ensino da Matemática, tendo em conta o contexto didático, desenvolver o raciocínio matemático dos alunos deve ser o objetivo principal (BOAVIDA, 2005BOAVIDA, A. M. A Argumentação em Matemática: investigando o trabalho de duas professoras em contexto de colaboração. 2005. 995f. Tese (Doutoramento em Educação, Didática da Matemática) - Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005.; BOAVIDA et al., 2008BOAVIDA, A. M. et al. A Experiência Matemática no Ensino Básico. Programa de Formação Contínua em Matemática para Professores do 1.° e 2.° Ciclos do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação, 2008.; YACKEL; HANNA, 2003YACKEL, E.; HANNA, G. Reasoning and proof. In: KILPATRICK, J.; MARTIN, W. G.; SCHIFTER, D. E. (Ed). A Research Companion to Principles and Standards for School Mathematics. Reston: Ed. National Council of Teachers of Mathematics, 2003. p. 227-236.). A este propósito, Yackel e Hanna (2003YACKEL, E.; HANNA, G. Reasoning and proof. In: KILPATRICK, J.; MARTIN, W. G.; SCHIFTER, D. E. (Ed). A Research Companion to Principles and Standards for School Mathematics. Reston: Ed. National Council of Teachers of Mathematics, 2003. p. 227-236., p. 234) assinalam o valor formativo da prova:

A investigação fornece ampla evidência de que os alunos, desde muito cedo logo a partir da escola primária, devem ser inseridos em ambientes de sala de aula que favoreçam o raciocínio matemático e os encorajem a formular e refutar conjeturas, recorrendo a raciocínios indutivo e dedutivo.

Nesse sentido, a aprendizagem da Matemática deve ir além da aquisição de conhecimentos matemáticos, incluindo aprender a pensar com ideias matemáticas e aprender a comunicar e negociar o significado dessas ideias (BOAVIDA, 2005BOAVIDA, A. M. A Argumentação em Matemática: investigando o trabalho de duas professoras em contexto de colaboração. 2005. 995f. Tese (Doutoramento em Educação, Didática da Matemática) - Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005.; STEINBRING, 2015STEINBRING, H. Mathematical interaction shaped by communication, epistemological constraints and enactivism. ZDM, Berlin, v. 47, n. 2, p. 281-293, 2015.; YACKEL; HANNA, 2003YACKEL, E.; HANNA, G. Reasoning and proof. In: KILPATRICK, J.; MARTIN, W. G.; SCHIFTER, D. E. (Ed). A Research Companion to Principles and Standards for School Mathematics. Reston: Ed. National Council of Teachers of Mathematics, 2003. p. 227-236.).

Em Portugal, o programa de matemática do 3.° ciclo do Ensino Básico (do 7.° ao 9.° ano) salienta também a prova no contexto do raciocínio matemático: “o raciocínio matemático é por excelência o raciocínio hipotético-dedutivo, embora o raciocínio indutivo desempenhe também um papel fundamental, uma vez que preside, em Matemática, à formulação de conjeturas” (MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO e CIÊNCIA (MEC), 2013MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO e CIÊNCIA. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação e Ciência, 2013., p. 4). No entanto, neste mesmo programa, lembra-se que:

O raciocínio indutivo não é apropriado para justificar propriedades, e, contrariamente ao raciocínio dedutivo, pode levar a conclusões erradas a partir de hipóteses verdadeiras, razão pela qual as conjeturas formuladas, mas não demonstradas têm um interesse limitado, devendo os alunos ser alertados para este facto e incentivados a justificá-las a posteriori (MEC, 2013MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO e CIÊNCIA. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação e Ciência, 2013., p. 4).

O programa de Matemática do Ensino Básico anterior a este (MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO (ME), 2007MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação, 2007.) também já valorizava a prova matemática, apresentando-a como um aspeto distintivo e poderoso da Matemática. Contudo, apresentava-a de modo menos formal do que o programa de 2013 e com valor para a compreensão da Matemática e dos seus métodos de raciocínio. Assim, neste programa, logo a partir do 5.° ano, os alunos são desafiados a trabalhar com a prova, primeiro informalmente e depois com um grau progressivo de formalização. Nestes anos de escolaridade, o programa sugere, por exemplo, “para a soma das amplitudes de ângulos internos e externos de um triângulo recorrer a provas informais” (ME, 2007MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação, 2007., p. 38). Para os alunos do 7.° ao 9.° ano, este documento curricular releva que:

Os alunos realizam cadeias curtas de deduções quando resolvem problemas e quando fazem demonstrações simples, tanto de resultados clássicos (como o Teorema de Pitágoras) como de resultados das suas investigações. Prevê-se uma aprendizagem progressiva dos métodos de demonstração. Para tal, devem ser criadas oportunidades para os alunos elaborarem raciocínios dedutivos do tipo Se… então… [itálico no original]. Em todos os temas, o professor deve decidir da oportunidade de demonstrar certos resultados e de organizar as etapas de investigação e demonstração (ME, 2007MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação, 2007., p. 63).

O que pensam os professores sobre argumentação e prova matemática? E quais são as suas práticas de ensino sobre a prova? Os resultados da investigação revelam que a implementação da prova matemática para todos os alunos não é tarefa fácil para os professores de Matemática (AGUILAR JUNIOR; NASSER, 2014AGUILAR JUNIOR, C. A.; NASSER, L. Study on teacher views in relation to argumentation and mathematical proof in school. Bolema, Rio Claro, v. 28, n. 50, p. 1012-1031, 2014.; BOAVIDA, 2005BOAVIDA, A. M. A Argumentação em Matemática: investigando o trabalho de duas professoras em contexto de colaboração. 2005. 995f. Tese (Doutoramento em Educação, Didática da Matemática) - Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005.; HANNA, 2002HANNA, G. Mathematical Proof. In: TALL, D. (Ed). Advanced Mathematical Thinking. New York: Ed. Kluwer Academic Publishers, 2002. p. 54-62., 2014HANNA, G. The width of a proof. PNA, Granada, v. 9, n. 1, p. 29-39, 2014.; HAREL; SOWDER, 2007HAREL, G.; SOWDER, L. Toward comprehensive perspectives on the learning and teaching of proof. In: LESTER, F. (Ed). Second Handbook of Research on Mathematics Teaching and Learning. Charlotte: Ed. Information Age Publishing, 2007. p. 805-842.; KNUTH, 2002KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002.). A investigação mostra também que os professores tendem a considerar o trabalho com a prova como apropriado para uma minoria dos melhores alunos (HAREL; SOWDER, 2007HAREL, G.; SOWDER, L. Toward comprehensive perspectives on the learning and teaching of proof. In: LESTER, F. (Ed). Second Handbook of Research on Mathematics Teaching and Learning. Charlotte: Ed. Information Age Publishing, 2007. p. 805-842.; KNUTH, 2002KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002.). Mesmo com professores de Matemática do Ensino Secundário experientes, Knuth (2002)KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002. mostra que estes tendem a ver a prova com um potencial de aprendizagem reduzido, tanto enquanto tema de estudo, como enquanto ferramenta de comunicação e, especialmente, como modo de aprender Matemática. Para estes professores, a prova matemática tem principalmente a função de verificação e, por isso, torna-se pouco relevante para a aprendizagem da Matemática (HAREL; SOWDER, 2007HAREL, G.; SOWDER, L. Toward comprehensive perspectives on the learning and teaching of proof. In: LESTER, F. (Ed). Second Handbook of Research on Mathematics Teaching and Learning. Charlotte: Ed. Information Age Publishing, 2007. p. 805-842.; KNUTH, 2002KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002.). Nesta linha, quando procuramos descrever o que são as conceções e, conexamente, as práticas de argumentação e prova dos professores de Matemática, notamos que o panorama geral não é muito animador (AGUILAR JUNIOR; NASSER, 2014AGUILAR JUNIOR, C. A.; NASSER, L. Study on teacher views in relation to argumentation and mathematical proof in school. Bolema, Rio Claro, v. 28, n. 50, p. 1012-1031, 2014.; BOAVIDA, 2005BOAVIDA, A. M. A Argumentação em Matemática: investigando o trabalho de duas professoras em contexto de colaboração. 2005. 995f. Tese (Doutoramento em Educação, Didática da Matemática) - Faculdade de Ciências, Universidade de Lisboa, Lisboa, 2005.). Num estudo recente realizado no Brasil com professores de Matemática do ensino médio, Aguilar Junior e Nasser (2014)AGUILAR JUNIOR, C. A.; NASSER, L. Study on teacher views in relation to argumentation and mathematical proof in school. Bolema, Rio Claro, v. 28, n. 50, p. 1012-1031, 2014. mostram que estes revelam muitas dificuldades em materializar a argumentação e a prova matemática em sala de aula, devido, principalmente, ao nível de exigência que a condução destas aulas implica para o professor, mas também pelo elevado nível de exigência cognitiva requerido aos alunos.

3 Metodologia

A reformulação dos programas de Matemática do Ensino Básico realizada em Portugal em 2013 deu especial atenção à prova de resultados matemáticos. A ênfase dada a esta atividade levou-nos a averiguar e comparar as conceções sobre a prova matemática de professores de Matemática do último ciclo do Ensino Básico (do 7.° ao 9.° ano) em função da sua experiência profissional. Para concretizar estes objetivos, recorreu-se a dois métodos de recolha de dados: questionário e entrevista.

Adotou-se uma abordagem quantitativa no tratamento da informação resultante das respostas dos professores ao questionário elaborado, tendo em vista descrever e interpretar essa informação (GALL; GALL; BORG, 2003GALL, M.; GALL, P.; BORG, W. Educational Research: an introduction. 7th ed. Boston: Allyn and Bacon, 2003. 656 p.). Para além de itens destinados à caraterização dos participantes, o questionário utilizado nesta pesquisa é organizado em torno de seis dimensões de análise: 1) Natureza da prova matemática, com cinco itens; 2) Funções da prova matemática, com quatro itens; 3) Atividade dos alunos na prova matemática, com seis itens; 4) Prova matemática na aprendizagem dos alunos, com três itens; 5) Prova na prática letiva do professor de Matemática, com quatro itens; e 6) Prova nos currículos de Matemática, com seis itens.

A opção por apresentar itens fechados deveu-se a serem questões de resposta fácil e rápida para os professores. Assim, para responder a cada uma das questões, os professores teriam que selecionar uma opção de concordância, segundo a escala: Discordo Totalmente (DT); Discordo (D); Nem concordo Nem discordo (NCND); Concordo (C) e Concordo Totalmente (CT). Deste modo, procurou-se obter de cada professor uma posição clara sobre cada uma das questões formuladas. A partir das respostas dos professores e depois de codificadas as opções DT, D, NCND, C e CT com os valores 1, 2, 3, 4 e 5, respetivamente, determinou-se a média destes valores em cada item.

Para a seleção da amostra, enviou-se o questionário para escolas do Ensino Básico, situadas em dois distritos de Portugal, um situado no interior e outro no litoral do país. Assim, procurou-se captar diferenças entre as escolas do meio urbano e do meio litoral, de modo a contemplar uma maior diversidade de escolas existentes no país. O método de amostragem foi o de conveniência (HILL; HILL, 2012HILL, M. M.; HILL, A. Investigação por Questionário. 2ª. ed. Lisboa: Edições Sílabo. 2012. 377 p.), uma vez que os questionários foram distribuídos em várias escolas por professores conhecidos dos membros da equipa do Projeto. Esta abordagem metodológica justifica-se, fundamentalmente, por limitações ao nível dos recursos do Projeto. Deste modo, a amostra ficou constituída pelos 72 professores que responderam ao questionário.

Entre os professores inquiridos (N=72), com idades variando entre os 32 e os 55 anos e idade média de 42 anos, prevalecia o gênero feminino (75%) e a sua experiência profissional variava entre os 6 e 33 anos de docência (20 anos era o tempo de docência mais comum). De acordo com os anos de docência, estes professores foram distribuídos em três grupos: com 15 anos ou menos (N=23); entre 16 e 20 anos, inclusive (N=28); e com 21 anos ou mais (N=21).

Adicionalmente, de modo a esclarecer e aprofundar alguns aspetos das dimensões, antes referidas, cruzamos os resultados do questionário com dados das entrevistas semiestruturadas realizadas a duas professoras deste ciclo de ensino (Ana, com 18 anos de serviço docente, e Maria, com 9 anos de serviço docente), cujo guião se estrutura nas mesmas dimensões de análise do questionário.

Para compreendermos a influência que a experiência de ensino tem nas conceções de professores do 3.° ciclo do Ensino Básico sobre a prova matemática, organizamos, num primeiro momento, a informação proveniente das suas respostas ao questionário segundo as seis dimensões de análise. Mais especificamente, considerando os três grupos de experiência profissional dos professores, antes referidos, começou-se por determinar as médias dos valores das codificações das respostas desses grupos nas afirmações de cada um dos itens que organizam estas dimensões. Posteriormente, aplicou-se o teste de Kruskal-Wallis para amostras independentes tendo em vista comparar as médias dos três grupos de experiência profissional definidos, enfatizando os itens em que se verificaram diferenças estatisticamente significativas entre os grupos.

Tendo em vista a interpretação dos resultados, agrupamos as cinco opções de resposta em apenas três: Discordância, correspondente às opções DT/D e valor da média pertencente ao intervalo [1; 2,5[; Indiferença, coincidente com a opção NCND e valor da média pertencente ao intervalo [2,5; 3,5[; e Concordância, correspondente às opções C/CT e valor da média pertencente ao intervalo [3,5; 5]. Note-se que a um menor valor do intervalo [1; 2,5[corresponde uma maior discordância, a um maior valor do intervalo [3,5; 5] corresponde uma maior concordância e que, em geral, quanto maior é o valor da média maior é o grau de concordância.

A análise estatística foi efetuada através da utilização do Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão IBM SPSS Statistics 23 do Windows, e na tomada de decisão acerca da existência de diferenças estatisticamente significativas adotou-se o nível de significância de 0,1, considerado adequado para um estudo de natureza exploratória, como o que aqui se relata.

4 Apresentação dos resultados

4.1 Natureza da prova matemática

A formalidade subjacente aos argumentos lógicos de provar a veracidade de uma afirmação matemática leva os professores a revelarem, em média, concordância, com maior incidência para os professores com menos tempo de docência, sobre a natureza diferente da prova em Matemática, o papel essencial da prova na construção do conhecimento matemático e a aceitação de resultados matemáticos só depois de provados (Tabela 1).

Tabela 1
Natureza da prova matemática

No que diz respeito à distinção da natureza da prova nas diferentes disciplinas escolares, a professora Maria, na entrevista (2015), considera que essa distinção se deve por “as disciplinas de Ciências Naturais ou Físico-Química disporem de laboratórios, nos quais se podem provar determinados resultados de uma forma empírica, enquanto na disciplina de Matemática tal não é possível”. Para a professora Ana, tais diferenças existem porque “os matemáticos têm uma maneira de pensar diferente. Em Ciências fazem-se experiências para provar um fenômeno, mas para os matemáticos isto muitas vezes não é uma prova, é uma verificação de casos particulares” (Fonte: Entrevista, 2015).

O mesmo grau de concordância já não se verifica nos demais itens. Os professores revelam, em média, uma indefinição quanto ao método dedutivo ser o único método de prova e uma opinião de discordância quanto ao recurso a exemplos como forma de provar resultados matemáticos. A este respeito, a professora Maria defende que a apresentação de exemplos serve para “conjeturar mas não se adequa a uma prova” (Fonte: Entrevista, 2015). A consideração de exemplos é, segundo a professora Ana, “perigosa pois pode levar os alunos a concluir que se uma dada afirmação é verdadeira para um determinado caso, é verdadeira para todos” (Fonte: Entrevista, 2015). Para salvaguardar esta situação, a professora Ana costuma “dizer aos alunos que, na matemática, o importante não é parecer, mas sim ser e, para isso, existe a prova” (Fonte: Entrevista, 2015). Contudo, ao pensar no ensino da Matemática nos primeiros anos de escolaridade, a professora Maria pondera essa possibilidade: “Faz sentido aceitar como prova a apresentação de exemplos mais no 1.° ciclo, uma vez que os alunos não estão familiarizados com outro tipo de processos, como o analítico ou o geométrico” (Fonte: Entrevista, 2015).

4.2 Funções da prova matemática

Subjacente à conceção que se tem sobre a natureza da prova estão as funções implícitas desta atividade matemática. Conforme se verifica pela Tabela 2, os professores revelam, em média, concordância com a ideia da prova tanto com a função de verificação, como de explicação da veracidade de uma dada afirmação matemática. Relativamente a estas funções, são os professores com menos experiência profissional que manifestam maior concordância.

Tabela 2
Funções da prova matemática

Já relativamente à função da prova como descoberta/invenção de novos resultados e sistematização de uma dada afirmação matemática, os professores revelaram, em média, uma opinião de indefinição. Esta tendência de resposta também é manifestada pela professora Maria, que para além da função de verificar/garantir a veracidade de uma afirmação lhe introduz uma vertente de transmissão/comunicação, que podemos associar à função de explicação: “para além de demonstrar a veracidade de dado resultado, também tem a função de transmitir a universalidade, desenvolver a capacidade argumentativa. Tem mais a função de comunicar conhecimentos do que a função de sistematização” (Fonte: Entrevista, 2015). A par da capacidade de comunicação matemática, a professora Ana acrescenta que usa “a prova também é para ajudar os alunos a estruturar o raciocínio” (Fonte: Entrevista, 2015).

4.3 Atividade dos alunos na prova matemática

A consideração da prova matemática no currículo do 3.° ciclo leva a averiguar o papel do aluno nesta atividade. Como se verifica pela Tabela 3, os professores revelam, em média, concordância com a participação dos alunos na prova matemática, com o facto de a prova levar os alunos a compreenderem a atividade matemática, mas também com a ideia da dificuldade que a prova traz para os alunos e de fazer com que eles não gostem de provar.

Tabela 3
Atividade dos alunos na prova matemática

Nos demais itens (11 e 13), os professores manifestam, em média, uma opinião de indefinição sobre a utilização, por parte dos alunos, de resultados matemáticos sem conhecimento da sua prova e discordância sobre a realização de provas somente pelos melhores alunos. A este respeito, a professora Maria defende que “a prova deve ser realizada por todos os alunos, adequando as atividades com o cumprimento do programa, embora os alunos com maiores dificuldades poderão sentir-se desmotivados” (Fonte: Entrevista, 2015). Para esta professora, a prova matemática é uma atividade “necessária porque desenvolve o pensamento dedutivo” (Fonte: Entrevista, 2015), embora ressalve que esta “seja adequada ao nível cognitivo da faixa etária dos alunos” (Fonte: Entrevista, 2015). A professora Ana defende a mesma ideia, afirmando que “mesmo que os alunos não acompanhem uma ou outra prova, o facto de verem este tipo de atividade é importante para o desenvolvimento de raciocínio e da manipulação algébrica (…) [pois] uma prova pode estimular uma discussão que clarifica conceitos” (Fonte: Entrevista, 2015).

Quanto ao uso de resultados matemáticos sem os provar, a professora Maria revela defender esta ideia, sustentando que “nem todos os resultados precisam de ser provados. Por exemplo, os números primos, os alunos compreendem que pertencem a um conjunto infinito sem ser necessário provar-se a infinidade dos números primos” (Fonte: Entrevista, 2015). Já a professora Ana manifesta algum desagrado pelo facto de ter de utilizar resultados sem apresentar a sua prova. Argumenta que lhe custa “dizer aos alunos que acreditem que é verdade quando lhes digo que a matemática é objetiva e que se os resultados são válidos é porque existe uma razão para isso” (Fonte: Entrevista, 2015).

4.4 Prova matemática na aprendizagem dos alunos

A consideração do envolvimento dos alunos na prova de resultados matemáticos faz com que os professores manifestem, em média, concordância em todos os três itens desta dimensão, isto é, os professores concordam que a atividade de provar não só aumenta a compreensão matemática como também, com mais realce para os professores com menos experiência de ensino, desenvolve o raciocínio lógico e a capacidade de comunicação matemática dos alunos (Tabela 4).

Tabela 4
Prova matemática na aprendizagem dos alunos

As perspetivas de Maria corroboram tal concordância, para quem a prova serve para desenvolver a capacidade de “raciocínio abstrato e interpretativo dos alunos, auxiliar na organização e estrutura do pensamento e contribui para o desenvolvimento da capacidade de comunicar matematicamente” (Fonte: Entrevista, 2015). Relativamente à comunicação matemática, a professora Ana defende que “ao desenvolver provas vamos introduzindo uma linguagem que os alunos vão ouvindo e interiorizando. Quando os alunos chegam ao 9.° ano, já serão eles próprios capazes de comunicar usando essa linguagem. É como aprender a falar” (Fonte: Entrevista, 2015).

4.5 Prova na prática letiva do professor de Matemática

Ao refletirem sobre a prova nas suas práticas letivas, os professores manifestam pouca assertividade. Os professores revelam, em média, alguma indefinição sobre ter dificuldades em integrar a prova nas aulas, realizar frequentemente provas matemáticas nas aulas e, sobretudo os professores menos e mais experientes, desafiar os alunos a formularem conjeturas e a prová-las (Tabela 5).

Tabela 5
Prova na prática letiva do professor de Matemática

Os professores manifestam, em média, discordância sobre não ser necessário ensinar os alunos do Ensino Básico a provar, sem que, contudo, essa conceção seja categórica em nenhum dos três subgrupos.

A professora Maria não integra, com frequência, a prova matemática nas suas práticas letivas. Quando isso acontece, faz através de “processos analíticos ou geométricos”, como, por exemplo, “uso uma prova geométrica do Teorema de Pitágoras e provo analiticamente a fórmula resolvente para equações do 2.° grau” (Fonte: Entrevista, 2015). Já a professora Ana recorre à prova sempre que o resultado matemático o justifique, porque considera que “é interessante para os alunos e é importante pô-los em contacto com a prova de certos resultados” (Fonte: Entrevista, 2015).

Sobre as dificuldades de integrar a prova de resultados matemáticos nas suas aulas, a professora Maria aponta que “a maior dificuldade é tentar perceber que prova será mais adequada ao tipo de alunos. Quando a concretizo, sinto que muitos alunos não se envolvem porque não veem o seu interesse” (Fonte: Entrevista, 2015). Por essa razão, a professora Maria afirma que promove mais “a formulação de conjeturas do que a prova” (Fonte: Entrevista, 2015). A professora Ana não dissocia a prova da conjetura ao afirmar que “é importante mostrarmos que se, por exemplo, os 50 números naturais verificarem uma conjetura formulada pelos alunos aquela não é necessariamente verdade para todos os naturais e que a prova, aqui, tem um papel fundamental” (Fonte: Entrevista, 2015).

4.6 Prova nos currículos de Matemática

A integração da prova nos currículos de Matemática do Ensino Básico é defendida por diversos autores (HANNA, 2002HANNA, G. Mathematical Proof. In: TALL, D. (Ed). Advanced Mathematical Thinking. New York: Ed. Kluwer Academic Publishers, 2002. p. 54-62., 2014HANNA, G. The width of a proof. PNA, Granada, v. 9, n. 1, p. 29-39, 2014.; KNUTH, 2002KNUTH, E. Teachers' conceptions of proof in the context of secondary school mathematics. Journal of Mathematics Teacher Education, Dordrecht, v. 5, n. 1, p. 61-88, 2002.; NCTM, 2007NATIONAL COUNCIL of TEACHERS of MATHEMATICS. Princípios e Normas para a Matemática Escolar. Lisboa: Associação de Professores de Matemática, 2007.; YACKEL; HANNA, 2003YACKEL, E.; HANNA, G. Reasoning and proof. In: KILPATRICK, J.; MARTIN, W. G.; SCHIFTER, D. E. (Ed). A Research Companion to Principles and Standards for School Mathematics. Reston: Ed. National Council of Teachers of Mathematics, 2003. p. 227-236.). Também nos últimos anos, os currículos nacionais de Matemática enfatizaram a prova matemática no final do Ensino Básico, enquadrando-a no desenvolvimento do raciocínio matemático (ME, 2007MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação, 2007.; MEC, 2013MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO e CIÊNCIA. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação e Ciência, 2013.). Provavelmente devido às alterações curriculares dos últimos anos, são os professores com menos experiência de ensino que revelam concordar com a integração dessa atividade no programa do Ensino Básico e com a sua realização desde o 1.° ciclo em detrimento de se iniciar somente no 3.° ciclo. Os demais professores manifestam, em média, indefinição sobre a asserção de que a atividade de provar comece no 1.° ciclo do Ensino Básico (Tabela 6).

Tabela 6
Prova nos currículos de Matemática

Na perspetiva da professora Maria, “o programa do ensino básico não deve evitar a prova de resultados matemáticos, uma vez que uma das suas funções é desenvolver a capacidade argumentativa dos alunos” (Fonte: Entrevista, 2015). Justificando que, como sempre lecionou no 3.° ciclo, não está familiarizada com o modo de pensar dos alunos dos primeiros anos de escolaridade, a professora Ana não assume uma posição sobre a introdução de provas a partir do 1.° ciclo. No entanto, é da opinião que “se deve desde sempre incutir a ideia de que o que funciona para uns [casos] não tem de funcionar necessariamente para todos” (Fonte: Entrevista, 2015). Com esta ideia presente, esta professora conclui que “a necessidade da prova para a afirmação da veracidade de um resultado seria mais facilmente aceite pelos alunos do 3.° ciclo” (Fonte: Entrevista, 2015).

Independentemente do ciclo de ensino, os professores concordam, em média, que a prova de resultados matemáticos faz sentido que se realize em alguns tópicos matemáticos. Como refere a professora Maria, “a prova faz mais sentido em geometria, aritmética e álgebra do que em organização e tratamento de dados” (Fonte: Entrevista, 2015). Por sua vez, a professora Ana, embora refira que “as provas geométricas sejam as mais fáceis de abordar”, destaca que “nem sempre os tópicos de geometria são os mais simples de provar. Por exemplo, na geometria prevista nas metas do 9.° ano há [uma] linguagem nova (axiomas, lemas, teoremas) e raciocínios abstratos para a própria geometria que os alunos conhecem” (Fonte: Entrevista, 2015).

A forma como a prova é contemplada no programa de Matemática merece, por parte dos professores, sobretudo os menos e os mais experientes, em média, uma apreciação de alguma indefinição. A este respeito, a professora Maria, revela discordância relativamente à forma como a prova é contemplada no programa do 3.° ciclo. Considera que o programa introduz a prova “em demasia e em conteúdos demasiado complexos. Nomeadamente no 7.° ano, o programa introduz a prova do Teorema de Tales de uma forma bastante exaustiva e complexa para a maturidade intelectual dos alunos dessa faixa etária” (Fonte: Entrevista, 2015). A forma desadequada como a prova é contemplada nos programas do 3.° ciclo é também realçada pela professora Ana quando refere o exemplo de, no 7.° ano, ser “suposto que os alunos provem que a soma de duas funções lineares é linear sem terem trabalhado ainda monômios e operações com monômios, que é um tópico do 8.° ano” (Fonte: Entrevista, 2015).

Os professores também expressam, em média, indefinição quanto à relevância a dar à intuição comparativamente com a prova. Tal resultado pode dever-se à perceção que os professores podem ter sobre a separação destas capacidades. Para a professora Maria, “a intuição matemática desenvolve capacidades mais importantes, como o desenvolvimento do sentido crítico” (Fonte: Entrevista, 2015). Reconhecendo que tanto a intuição como a prova são importantes, a professora Ana considera que “a prova deveria ser mais valorizada, mas tenho consciência de que isso exige mais tempo de trabalho com os alunos, o que na realidade é impossível” (Fonte: Entrevista, 2015).

5 Comparação da confiança segundo a experiência de ensino dos professores

Uma análise mais aprofundada das médias de concordância dos professores aos itens que estruturam as seis dimensões contempladas permitiu determinar diferenças estatisticamente significativas em dois itens da dimensão 4 (Prova matemática na aprendizagem dos alunos) e em cinco itens da dimensão 6 (Prova nos currículos de matemática) (Tabela 7).

Tabela 7
Itens com diferenças estatisticamente significativas segundo a experiência de ensino dos professores

Relativamente aos itens sobre a prova matemática na aprendizagem dos alunos, a comparação das médias dos três grupos definidos segundo a experiência profissional dos professores, através da aplicação do teste de Kruskal-Wallis para amostras independentes, determinou diferenças estatisticamente significativas entre esses grupos no item “Provar desenvolve a capacidade de raciocinar logicamente dos alunos” (p=0.018) e no item “Provar desenvolve a capacidade de comunicação matemática dos alunos” (p=0.045). Entre os três grupos, é o dos professores com menos experiência de ensino que revela uma maior concordância média com o facto de a atividade de provar desenvolver as capacidades de raciocínio lógico e de comunicação matemática dos alunos.

Quanto aos itens sobre a prova nos currículos de Matemática, a comparação das médias dos três grupos definidos determinou diferenças estatisticamente significativas entre esses grupos nos itens: “A prova deve começar desde o 1.° ciclo” (p=0.025); “A prova deve começar no 3.° ciclo” (p=0.018); “O programa do ensino básico deve evitar a prova de resultados matemáticos” (p=0.099); “O programa atual contempla a prova de resultados matemáticos de forma adequada” (p=0,001); e “A prova faz sentido em alguns tópicos programáticos” (p=0,054). Aos professores com menos experiência de ensino corresponde uma maior concordância média com o facto de a prova dever começar desde o 1.° ciclo, de o programa atual contemplar a prova de forma adequada e de ela fazer mais sentido em alguns tópicos matemáticos. Nos restantes dois itens, são os professores com mais experiência de ensino que mais valorizam o facto de a prova dever começar no 3.° ciclo e de o programa do Ensino Básico dever evitar a prova, o que também sugere uma menor valorização da prova.

6 Conclusões

Para além da sua relevância na estruturação do pensamento matemático, a prova tem potencial didático na aprendizagem da Matemática, tal como é reconhecido por diversos autores, organizações e administrações educativas (HANNA, 2014HANNA, G. The width of a proof. PNA, Granada, v. 9, n. 1, p. 29-39, 2014.; ME, 2007MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação, 2007.; MEC, 2013MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO e CIÊNCIA. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação e Ciência, 2013.; NCTM, 2007MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação, 2007.; YACKEL; HANNA, 2003YACKEL, E.; HANNA, G. Reasoning and proof. In: KILPATRICK, J.; MARTIN, W. G.; SCHIFTER, D. E. (Ed). A Research Companion to Principles and Standards for School Mathematics. Reston: Ed. National Council of Teachers of Mathematics, 2003. p. 227-236.). O aproveitamento desse potencial depende da forma como os professores concebem e trabalham a prova nas suas aulas, o que, por sua vez, é influenciado pelas suas conceções. Por essa razão, neste trabalho, debruçamo-nos sobre as conceções de professores de Matemática do 3.° ciclo do Ensino Básico (7.° a 9. ° ano) relativamente à prova matemática, procurando compreender o efeito que a experiência profissional pode ter sobre elas.

A compreensão da natureza da prova é um aspeto central das conceções dos professores de Matemática. Relativamente a este aspeto, o estudo revela que são os professores com menos tempo de docência que mais concordam com a natureza diferente da prova matemática em relação à de outras disciplinas, como, por exemplo, as Ciências, e que mais concordam com a ideia da prova como uma atividade essencial, quer na construção do conhecimento matemático, quer na aceitação de resultados matemáticos. Tal posição explica por que razão são os professores mais novos que manifestam maior discordância relativamente à apresentação de exemplos como prova matemática. A diferença de conceções em face da experiência profissional pode dever-se à formação matemática recebida pelos professores nos seus cursos de formação inicial. No caso dos professores mais novos, as suas conceções podem ser influenciadas pela dificuldade em separar a atividade matemática da atividade de provar, atendendo à relevância que a segunda tem na primeira durante a sua formação inicial.

A prova matemática pode desempenhar na aula de matemática diferentes funções. Os professores com menos tempo de docência manifestam maior concordância quanto às funções de explicação e de verificação da veracidade de resultados matemáticos e menor indiferença quanto à função de descoberta/invenção de novos resultados. O mesmo já não acontece com a função de sistematização dos resultados matemáticos, onde são os professores com mais tempo de docência que expressam menor indiferença do que os restantes. Este resultado indicia que os professores com mais tempo de docência tendem a ver a prova como uma atividade fechada que consiste na reprodução de provas produzidas por especialistas ou veiculadas pelos livros escolares.

As conceções dos professores sobre a atividade dos alunos na prova matemática revelam algumas diferenças quando consideramos experiências profissionais diferentes. Os professores com mais experiência de ensino relevam o envolvimento dos alunos nesta atividade, o que, na sua perspetiva, os leva a distinguirem a natureza desta atividade matemática da atividade que apela simplesmente à memorização de factos e procedimentos. Porém, são os professores com menos experiência de ensino que manifestam maior discordância quanto à realização da prova pelos melhores alunos, o que se pode dever ao reconhecimento de que determinadas provas deverão apenas ser realizadas pelos melhores alunos, tal como é sugerido no programa do Ensino Básico (MEC, 2013MINISTÉRIO da EDUCAÇÃO e CIÊNCIA. Programa de Matemática do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação e Ciência, 2013.).

São os professores dos extremos (com menos e com mais experiência de ensino) que apresentam uma menor indiferença quanto ao uso pelos alunos de resultados matemáticos sem que sejam provados. A tendência de resposta desses professores pode ser explicada pela sua perceção de que, atendendo à sua complexidade, os alunos não gostam de provar devido às dificuldades que eles sentem na realização desta atividade.

Estes resultados divergem dos apresentados no estudo de Harel e Sowder (2007)HAREL, G.; SOWDER, L. Toward comprehensive perspectives on the learning and teaching of proof. In: LESTER, F. (Ed). Second Handbook of Research on Mathematics Teaching and Learning. Charlotte: Ed. Information Age Publishing, 2007. p. 805-842., no qual professores do ensino secundário não veem grande potencial didático da prova e concordam que a prova matemática deve ser reservada aos bons alunos.

Na perceção sobre a prova matemática na aprendizagem dos alunos, embora os professores concordem que a prova promove a compreensão de conceitos matemáticos, são os que têm menos experiência que manifestam uma maior concordância no que respeita ao desenvolvimento das capacidades de raciocínio lógico e de comunicação matemática.

No que concerne à prova na prática letiva, são os professores com experiência de ensino intermédia que revelam uma menor indiferença em integrar a prova nas suas aulas, uma maior indiferença em realizar mais esta atividade nas suas aulas e em considerar não ser necessário ensinar os alunos do Ensino Básico a provar e, finalmente, concordam em desafiar os alunos a formularem conjeturas e a prová-las. Ao contrário do estudo de Aguilar Junior e Nasser (2014)AGUILAR JUNIOR, C. A.; NASSER, L. Study on teacher views in relation to argumentation and mathematical proof in school. Bolema, Rio Claro, v. 28, n. 50, p. 1012-1031, 2014., em que estes autores salientam que os professores do Ensino Médio encontram muitas dificuldades em promover nas suas aulas a atividade de provar, devido ao elevado nível de exigência cognitiva, neste estudo isso não é afirmado claramente pelos professores estudados.

Em termos de orientações curriculares, são os professores com menos experiência de ensino que concordam que a prova deva ser recomendada desde os primeiros anos de escolaridade, em detrimento de se iniciar apenas a partir do 3.° ciclo, que discordam sobre a prova não fazer parte do programa do Ensino Básico, que maior indiferença manifestam sobre o programa atual contemplar a prova de forma adequada e que mais concordam sobre esta atividade se justificar mais em alguns tópicos matemáticos. Estes resultados, bem como outros antes referidos, que afirmam a valorização da atividade de provar desde os Anos Iniciais, devem ser vistos à luz de uma formação inicial mais limitada dos professores com mais tempo de docência acerca da prova matemática, conforme se verifica ao afirmarem, com menor concordância, a distinção entre a prova matemática e outros tipos de prova e, com maior concordância, admitirem exemplos como método de prova e que a prova se deve dirigir aos melhores alunos.

Os resultados deste estudo sugerem que a prova matemática, enquadrada no tema mais largo da argumentação e produção de conhecimento matemático, tem necessidade de ser mais refletida pelos professores, nomeadamente sobre as dimensões aqui analisadas (natureza e funções da prova matemática, atividade de alunos e professor na prova e prova no currículo), tanto no contexto da formação inicial, como da formação contínua. Este pensar sobre a prova no ensino-aprendizagem da Matemática estende-se também aos formadores de professores, nas diversas esferas em que ela ocorre. Torna-se, pois, pertinente conceber tarefas e desenvolver estratégias de ensino que desafiem os alunos para a atividade de provar, mostrando-lhes a importância da prova, e que não reduzam a prova a uma mera memorização de passos sem sentido (Bussi, 2009BUSSI, M. Proof and proving in primary school: An experimental approach. In: ICMI STUDY 19 CONFERENCE: PROOF AND PROVING IN MATHEMATICS EDUCATION, 19, 2009, Taipei. Proceedings… Taipei: ICMI, 2009, p. 53-58.).

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    Em Portugal, a Educação Básica é dividida em 3 ciclos: 1.° ciclo corresponde aos graus 1 a 4, o 2.° ciclo aos graus 5 e 6 e o 3.° ciclo refere-se aos graus de 7 a 9.

Agradecimento

Este trabalho contou com o apoio de Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PEst-OE/CED/UI1661/2014, do CIEd- UM e do projeto UID/Multi/04016/2016.

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    Maio 2016
  • Aceito
    Set 2016
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