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Narrativas de graduandos do curso de pedagogia: representações sobre a profissão docente e o silenciamento sobre a matemática

PRATES, E. M. de O. R.. Narrativas de graduandos do curso de pedagogia: representações sobre a profissão docente e o silenciamento sobre a matemática. 2014. 196p. Tese (Doutorado). Universidade São Francisco, Itatiba: 2014. Orientadora: Adair Mendes Nacarato

Em sua tese de doutorado, Ellen Marques de Oliveira Rocha** ** Doutora em Educação pela Universidade São Francisco (2014). Professora de Ensino Superior e Coordenadora de Pós-Graduação em Docência na Educação Infantil no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP). apresenta como objetivo principal estudar a formação docente do professor polivalente (aquele que atua na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental) no curso de Pedagogia e guia-se pela seguinte questão: “Como estudantes de um curso de Pedagogia se veem como (futuros) professores e quais representações eles têm sobre a profissão docente e a Matemática escolar?”.

Todo esse processo de reflexão foi feito através das narrativas, sendo o próprio texto da tese do gênero discursivo, mostrando, como afirma a própria autora, um modo de interpretar de quem organiza o texto, sua visão de mundo, de identidade ou de estética.

O sujeito que produz uma narrativa se utiliza de mecanismos e processos para explicar determinada situação e, através disso, é possível entendê-la, ou seja, entender como o sujeito chegou àquela dada situação, como a administra e como se propôs a superá-la.

Assim, a pesquisadora apresenta, numa tese composta por seis capítulos, um processo de reflexão de todos os participantes da pesquisa. No primeiro capítulo, apresenta sua própria trajetória profissional e acadêmica, enfatizando a importância da Educação Básica na formação do indivíduo. Prates tem formação em Pedagogia, atuou com crianças do 2° ao 5° ano e afirma ter norteado sua prática pelos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN's). Porém, apenas essa formação não foi suficiente para a pesquisadora que logo partiu para o mestrado voltado para a Filosofia. Atuou na Coordenação Pedagógica e com a formação de professores e foi assim que percebeu o distanciamento entre professores e alunos e a resistência dos professores em mudar sua prática. Logo começou a atuar como professora do Ensino Superior, o que a estimulou a, no doutorado, estudar a formação de professores.

Ainda neste primeiro capítulo, traça uma trajetória do curso de Pedagogia no Brasil a partir das décadas de 1970 e 1980, quando houve a reforma da LDB/61, que instituiu o fim do Curso Normal e acabou colocando a formação de professores em nível de segundo grau (Magistério). Já na década de 1990, na LDB/96 e nos PCN's/97 foi estabelecido um prazo de dez anos para a formação de professores em nível superior (Pedagogia) para trabalhar com a Educação Infantil e as séries iniciais do Ensino Fundamental.

Desse modo, o Magistério como preparação para o Ensino Superior torna-se desnecessário e, como resultado, surgiram os cursos de curta duração, com pouco exercício de reflexão sobre a prática e superficialidade do ensino dos conteúdos. Nos anos 2000, surgiram os conceitos de letramento e letramento matemático que passaram a circular no meio acadêmico, mas sem que os professores participassem das discussões. Em 2006, houve a aprovação do Conselho Nacional de Educação, que instituiu as Diretrizes Curriculares Nacionais para o curso de Pedagogia, focando na importância da elaboração de um projeto pedagógico. Porém, recebeu muitas críticas, principalmente quanto a falta de clareza na definição da Pedagogia e sua redução à docência.

A pesquisadora ainda fez todo um mapeamento sobre os estudos realizados na área de formação de professores que atuam nas séries iniciais e sua formação para ensinar Matemática, em bancos de teses da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e evidenciou a necessidade de se olhar para a formação didático-pedagógica do professor nos cursos superiores de Pedagogia.

No capítulo dois, a pesquisadora tratou da formação do professor polivalente, com foco na legislação, verificando uma situação de crise da educação que pede um repensar de práticas e de oportunidade de superação, uma necessidade urgente de uma identidade própria para a Pedagogia.

Em relação à LDB/6,1 destaca que essa lei trouxe a regulamentação do curso de Pedagogia com duração de quatro anos, englobando bacharelado e licenciatura. Em 1969 foi aprovado o parecer CFE 252/69, que regulamentou o diploma de licenciado, currículo modificado (Didática), obrigatoriedade do estágio supervisionado, etc. A Lei 5692/71 propôs a extinção do Curso Normal e criação da habilitação específica do Magistério em nível de Ensino Médio. Em 1982, houve a criação do CEFAM (Centro Específico de Formação e Aperfeiçoamento do Magistério) com 3 anos de duração. Em 1986, foi aprovado o parecer 161/86 que regulamentou o curso de Pedagogia também para a formação de professores das séries iniciais. A LDB 9394/96 estabelece a exigência da formação de professores das séries iniciais nos cursos de licenciatura, ainda admitindo a formação no magistério para um período de apenas 10 anos. Inicia-se assim uma corrida pelo curso de Pedagogia e uma preocupação com a qualidade dessa formação, através de um curso de Pedagogia voltado para a formação técnica e não para um processo teórico-investigativo de formação.

A pesquisadora objetivou, em sua pesquisa, caracterizar o aluno do curso de Pedagogia, dando voz a ele, permitindo que ele se expressasse por meio de narrativas instrumentalizadas na produção de autobiografias, memoriais de formação e grupo de discussão/reflexão. Isso para conhecer as razões que levaram aqueles alunos a escolherem a docência, suas representações sobre o trabalho docente, sobre o ensino e a aprendizagem, principalmente no que se refere aos conteúdos matemáticos.

No capítulo três, a pesquisadora trata da constituição da identidade profissional no atual contexto social, trazendo à tona a importância do conhecimento na sociedade atual, quanto ao nível de formação, a capacidade de inovação e o empreendimento e constante formação e aprendizagem.

Em seu texto, surgem alguns apontamentos relevantes sobre a necessidade de formação contínua para a formação identitária do professor, que envolve memória e subjetividade; a necessidade de mudança na formação inicial do professor: currículo e maneiras de ensinar, frente às mudanças econômicas e sociais; os projetos de formação oferecidos aos professores: não consideram os saberes práticos que o professor construiu; e a necessidade de reflexão sobre seu trabalho e sua identidade docente.

O que se pretende nesse momento da tese é situar, segundo a pesquisadora, o curso de Pedagogia como o lugar/tempo da formação da consciência crítica e reflexiva do ser professor, onde as experiências apreendidas no passado devem (ou deveriam) se constituir como base para as aprendizagens do presente e projeção das ações do futuro.

A partir daí, no capítulo quatro, a pesquisadora começa a construção de um caminho metodológico da pesquisa, tratando novamente do caráter qualitativo com foco biográfico, no campo das Ciências Sociais, em que o objeto de estudo é a formação docente do professor polivalente no curso de Pedagogia para conhecer a trajetória estudantil de graduandos quando frequentaram a escola básica e identificar as representações que esses estudantes têm da formação que estavam recebendo no curso de Pedagogia, da profissão docente e da Matemática escolar.

Para a pesquisa, contou com a participação de doze alunos graduandos do curso de Pedagogia de uma Instituição de Ensino Superior particular, confessional, tri campi, do estado de São Paulo, sendo 10 do sexo feminino e 2 do sexo masculino. Quando do início da pesquisa, todos eram alunos do 1° ano do curso de quatro anos e cursavam uma disciplina ministrada pela pesquisadora.

Os dados foram produzidos a partir de três instrumentos que se complementam: narrativas de formação (na perspectiva autobiográfica), grupo de discussão/reflexão e memorial de formação. Foi se constituindo, como base teórica, as posições assumidas por estudiosos da formação docente, tais como José Carlos Libâneo, Dermeval Saviani, Selma Garrido Pimenta, dentre outros, que têm apontado o curso de Pedagogia como sendo generalista, que se propõe a muito e que pouco forma.

Assim, foi solicitado aos alunos o exercício de narrar a si mesmo, com o objetivo primeiro de que eles, no esforço de escreverem a sua história de formação, aquilo que viveram e que aprenderam na escola, pudessem melhor compreender a educação e/ou formação como um processo construído historicamente pela humanidade. Segundo a pesquisadora, as 86 narrativas autobiográficas produzidas pelos alunos chamaram a atenção pelo fato de, em todas, sem exceção, o aspecto da afetividade entre professor e aluno, de modo positivo ou negativo, apareceram fortemente, mas nada nelas foi descrito sobre os conteúdos aprendidos na escola, principalmente os matemáticos, que constituíam a curiosidade primeira da pesquisadora e a tarefa a eles solicitada.

Depois disso, iniciaram-se os encontros com os graduandos e a pesquisadora solicitou a produção do memorial de formação de, pelo menos, dois anos, período de que dispunha para a realização da pesquisa. Apenas dois alunos entregaram seu memorial e um deles se limitou a repetir o que havia escrito na narrativa inicial e relatar os encontros do grupo. Assim, a pesquisadora considerou apenas o memorial escrito por “Catarina” (graduanda com experiência em sala de aula).

No capítulo cinco, o foco passou a ser as representações da docência para o aluno do curso de Pedagogia, bem como o motivo da opção pelo curso e o que pensa sobre ele. Foi possível perceber que são diferentes as circunstâncias da vida que colocam o sujeito no lugar que ocupa, como identificação com a profissão, provar a capacidade e até conciliar essa carreira “feminina” com a maternidade.

A partir dos discursos produzidos nas reuniões do grupo de discussão/reflexão, ficou claro, segundo a pesquisadora, que os graduandos, colaboradores desta pesquisa, não reconhecem o curso de Pedagogia a partir de críticas que lhe são atribuídas. De modo contrário, o graduando considera que grande parte das suas expectativas tem sido atendida e o que ele tem aprendido se mostra coerente com a concepção que tem de criança, de educação escolar e de trabalho docente no contexto atual.

Há, pelo que se pode perceber nos discursos e afirmado pela pesquisadora, uma dicotomia entre teoria e prática, desde a formação inicial, o que acaba tornando o trabalho do professor sem sentido para os alunos e para ele próprio que não consegue refletir sobre sua própria ação.

No capítulo seis, a pesquisadora começa a delinear as representações das alunas-professoras sobre o que é para elas ensinar Matemática e apresenta apenas as discussões que aconteceram com as alunas: “Catarina, Lika e Lara”, que já atuavam como docentes. Catarina e Lara apontam como desafio de aprendizagem a disciplina de Português e Lika encontra dificuldades em História e Geografia.

A pesquisadora partiu, então, do pressuposto de que “aquilo que nós gostamos de aprender também ensinamos melhor”. E, nessas bases, se interessou em conhecer os desafios e as possibilidades que se apresentam no cotidiano do trabalho docente dessas graduandas, as práticas que elas desenvolvem no ensino da Matemática e as crenças e/ou representações subjacentes das suas experiências de formação que permeiam ou até determinam o ensinar. Isso tudo foi realizado mobilizando narrativas de formação. Evidenciou-se que, na docência dos Anos Iniciais da Educação Básica, muito do que se pratica no ensino da Matemática é o rememorar de práticas tradicionais experienciadas. Em algumas falas, as professoras se mostram conformadas com a situação da aprendizagem das crianças e isso mostra mais uma vez a superficialidade dos estudos, principalmente sobre as teorias de aprendizagem.

As entrevistadas afirmaram, a todo o momento, que buscaram inovar a metodologia de trabalho, porém buscaram tais inovações nos livros didáticos. Buscaram um modelo a ser copiado, uma fonte de saber para ensinar. O livro acabou dando a elas uma falsa sensação de autonomia.

O que ficou de tudo isso foi a reafirmação de que as práticas tradicionais ainda persistem e, para a pesquisadora, dificultam a apropriação de um novo modo de perceber, ensinar e aprender Matemática. Para ela, é preciso refletir sobre as práticas pedagógicas, evitando manter, indefinidamente, um ciclo reprodutivo de experiências negativas com o ensino e a aprendizagem dessa disciplina do currículo escolar.

Assim, a pesquisadora chega ao fim de sua tese, apresentando nas considerações finais três apontamentos significativos para a finalização de todo o trabalho: a percepção do silenciamento, por parte dos graduandos, sobre sua formação matemática e sua importância para o trabalho na docência; a valorização dos aspectos psicológico, social e afetivo em detrimento dos saberes disciplinares; e a importância do trabalho com narrativas, memoriais de formação e grupos de discussão/reflexão para diferentes possibilidades de leituras e interpretações.

Para a pesquisadora, a função das narrativas é provocar os leitores através das vozes do texto, admitindo a possiblidade de novos olhares e estudos do ato de conhecer.

E, assim, ressalto a grande importância desta tese para o cenário da educação atual, em especial da Educação Matemática, pois, além de trabalhar com as narrativas num panorama recente e ainda diferenciado, nos impõe a necessidade do repensar dos cursos de formação de professores polivalentes que atuam e atuaram na base da formação do indivíduo. É importante que os professores, tanto aqueles em processo de formação quanto os que já atuam, leiam a presente tese como ponto inicial para repensar a formação e a prática do docente.

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    Doutora em Educação pela Universidade São Francisco (2014). Professora de Ensino Superior e Coordenadora de Pós-Graduação em Docência na Educação Infantil no Centro Universitário Adventista de São Paulo (UNASP).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016
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