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Enunciados de Tarefas de Matemática Baseados na Perspectiva da Educação Matemática Realística

Math Tasks Instructions Based on the Realistic Mathematics Education Perspective

Resumo

Este artigo apresenta um estudo a respeito de enunciados de tarefas de Matemática na perspectiva da Educação Matemática Realística que permite: analisá-las no que diz respeito à sua classificação, às suas características, potencialidades e constituição; saber se a tarefa é rotineira ou não, a que tipo de situação e item remete, se oportuniza matematização, se a tarefa é flexível, se permite diferentes estratégias de resolução, que tipo de competências promove, se é caracterizada como exercício ou problema. Uma intenção subjacente é que este trabalho sirva como um recurso para professores que ensinam Matemática reconhecerem potencialidades e limitações em tarefas de Matemática para utilizá-las em um ambiente de avaliação como prática de investigação.

Palavras-chave:
Educação Matemática; Educação Matemática Realística; Enunciados de Tarefas de Matemática; Contexto; Avaliação como Prática de Investigação

Abstract

The objective of this article is to present a study on Math tasks instructions based on the Realistic Mathematics Education perspective, which allows: a) the analysis of Math tasks regarding their classification, characteristics, potentialities and constitution; b) to know whether the task is carried out routinely or not, what type of situation is refers to, whether it promotes mathematization processes, whether the task is flexible, whether it allows different resolution strategies, what kind of competencies it promotes, and whether it is characterized as an exercise or problem. An underlying intention of this research is to work as a resource for Math teachers, helping them understand Math tasks, analyze their potentials and limitations, and use them in the context of assessment as an investigative practice.

Key words:
Mathematics Education; Realistic Mathematics Education; Mathematics Tasks Instructions; Context; Assessment as an Investigative Practice

1 Considerações preliminares

Na reflexão a respeito das informações que os alunos apresentam em situações de aula ou de prova, mais especificamente na busca da compreensão das formas como os alunos lidam com tarefas de Matemática, deve-se levar em consideração o papel relevante que os enunciados das tarefas propostas exercem.

Estudos desenvolvidos pelo GEPEMA1 1 GEPEMA – Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Matemática e Avaliação, da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Outras informações em: http://www.uel.br/grupo-estudo/gepema/index.html. que tiveram como objeto a “avaliação como prática de investigação” (BURIASCO; FERREIRA; CIANI, 2009BURIASCO, R. L. C.; FERREIRA, P. E. A.; CIANI, A. B. Avaliação como prática de investigação (alguns apontamentos). Bolema, Rio Claro, v. 22, n. 33, p. 69-96, 2009.; FERREIRA, 2009FERREIRA, P. E. A. Análise da produção escrita de professores da Educação Básica em questões não-rotineiras de matemática. 2009. 166 f. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2009.) e a análise da produção escrita e, como meta, conhecer as formas pelas quais alunos e professores lidavam com as tarefas propostas revelam que uma das principais dificuldades apresentadas pelos estudantes refere-se à interpretação de seus enunciados em situação de avaliação. Por considerar relevante conhecer o papel que os contextos podem desempenhar nas tarefas dos estudantes, apresentamos um estudo a respeito de enunciados de tarefas matemáticas na busca para conhecer suas classificações, características, potencialidades, constituição.

Considerando que, por um lado, o contexto envolvido em uma tarefa exerce um papel importante (TREFFERS; GOFFREE, 1985TREFFERS, A.; GOFFREE, F. Rational analysis of realistic mathematics education. In: STREEFLAND, L. (Ed.). Proceedings of the 9th International Conference for the Psychology of Mathematics Education. Utrecht, The Netherlands: OW&OC. 1985. p. 97-123.; DE LANGE, 1987DE LANGE, J. Mathematics, Insight and Meaning. Utrecht: OW &OC, 1987.; TREFFERS, 1987TREFFERS, Three Dimensions: a model of goal and theory description in mathematics instruction – The Wiskobas Project. Dordrecht: Reidel Publishing Company, 1987.; VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Assessment and Realistic Mathematics Education. Utrecht: CD-ß Press/Freudenthal Institute, Utrecht University. 1996., 2005VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. The role of contexts in assessment problems in mathematics. For the Learning Mathematics, Alberta-Canadá, v. 25, n. 2, p. 2-9, 2005. Disponível em: <http://www.fi.uu.nl/~marjah/documents/01-Heuvel.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2008.
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; SHANNON, 2007SHANNON, A. Task Context and Assessment. In: SCHOENFELD, A. H. (Ed.). Assessing Mathematical Proficiency. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. Disponível em: <http://library.msri.org/books/Book53/files/13shannon.pdf >. Acesso em: 24 jun. 2014.
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), sendo, por vezes, um aspecto que pode determinar o sucesso, ou não, dos estudantes em suas resoluções (CLEMENTS, 1980CLEMENTS, M. Analyzing children's errors on written mathematical tasks. Educational Studies in Mathematics, v. 11, n.1, p.1-21, 1980.; VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Assessment and Realistic Mathematics Education. Utrecht: CD-ß Press/Freudenthal Institute, Utrecht University. 1996., 2005VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. The role of contexts in assessment problems in mathematics. For the Learning Mathematics, Alberta-Canadá, v. 25, n. 2, p. 2-9, 2005. Disponível em: <http://www.fi.uu.nl/~marjah/documents/01-Heuvel.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2008.
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) e, por outro, que as tarefas de sala de aula não devem ser diferentes das de avaliação, e que esta deveria mostrar indícios da aprendizagem do estudante, fez-se relevante um estudo do que as tarefas podem oportunizar, isso na perspectiva de uma Educação Matemática que leva em conta a fenomenologia didática2 2 A fenomenologia didática, segundo Freudenthal (1983), se mostra como uma maneira de o professor oportunizar aos alunos os “lugares” ou “situações” pelas quais podem reinventar “suas” matemáticas, matematizar. , a matematização, a reinvenção guiada3 3 Neste artigo tomamos como base pressuspostos teóricos da Educação Matemática Realística – uma abordagem de ensino e aprendizagem cujo desenvolvimento foi inspirado, principalmente, pelas ideias e contribuições do educador matemático alemão Hans Freudenthal (1905-1990) (FERREIRA, 2013). .

Nessa direção, a pesquisa (FERREIRA, 2013FERREIRA, P. E. A. Enunciados de Tarefas de Matemática: um estudo sob a perspectiva da Educação Matemática Realística. 2013. 121 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.) que gerou este artigo buscou apresentar um quadro de referência para a leitura de enunciados de tarefas matemáticas e, no sentido de conhecer suas características, seguiu uma abordagem qualitativa de cunho interpretativo sob as orientações presentes na análise de conteúdo (BARDIN, 2004BARDIN, L. Análise de conteúdo. 3 ed. Lisboa: Edições 70 Ltda., 2004.), à luz de pressupostos teóricos da Educação Matemática Realística como quadro de referência para a análise dos enunciados e contextos de tarefas de Matemática presentes em um livro didático.

2 Os contextos das tarefas e suas classificações

Partindo do pressuposto de que a avaliação escolar deve fornecer informações a respeito da aprendizagem dos estudantes, devemos pensar em instrumentos de avaliação que contenham tarefas que possibilitem aos estudantes apresentar essas informações. Para tanto, a flexibilidade4 4 Uma tarefa é considerada flexível quando permite resolução em diferentes níveis de complexidade e/ou diferentes estratégias. Por outro lado, uma tarefa inflexível é aquela que, geralmente, dá margem para uma única resolução, muitas vezes padronizada. da tarefa, a pergunta, o contexto, a forma de apresentação são assuntos que merecem ser estudados.

A ênfase que a RME (Realistic Mathematics Education - Educação Matemática Realística) coloca no contexto das tarefas matemáticas, que envolvem situações por meio das quais os estudantes possam imaginá-las, torná-las reais em suas mentes, realizá-las, é o que dá o nome à abordagem realística da educação matemática preconizada por Hans Freudenthal (FREUDENTHAL, 1983FREUDENTHAL, H. Didactical phenomenology of mathematical structures. Dordrecht: Reidel Publishing Company, 1983.). Os contextos, nessa perspectiva, parecem ser a matéria-prima da matematização.

O contexto de uma tarefa pode apresentar situações realísticas, fantasiosas, factuais, ou pode até mesmo ser estritamente circunscrito por uma linguagem matemática (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Assessment and Realistic Mathematics Education. Utrecht: CD-ß Press/Freudenthal Institute, Utrecht University. 1996.). O contexto pode ser um potencializador para a oportunidade de matematizar. O fato de um contexto integrar uma situação do cotidiano não é suficiente para que o estudante possa aprender algo ao lidar com ele. Com isso, não é possível dizer a priori quais seriam bons problemas de contexto, visto que essa caracterização depende da relação que o resolvedor em potencial estabelece com o enunciado. Todavia, a hipótese é de que a proximidade do contexto com o repertório do estudante aumenta a possibilidade de matematização5 5 “[…] uma atividade organizada. Ela refere-se à essência da atividade matemática, à linha que atravessa toda educação matemática voltada para a elaboração de conhecimento factual, à aprendizagem de conceitos, à obtenção de habilidades e ao uso da linguagem e de outras organizações, às habilidades na resolução de problemas que estão, ou não, em um contexto matemático” (TREFFERS, 1987, p. 51-52, tradução nossa). .

Para Borasi (1986)BORASI, R. On the nature of problems. Educational Studies in Mathematics, v. 17, n. 2, p. 125141, 1986., um dos principais papéis do contexto para a realização de uma tarefa é o de fornecer ao resolvedor as informações que possam permitir sua resolução. Também argumenta que experiências na resolução de problemas da vida real poderiam contribuir para o desenvolvimento de diferentes estratégias, para analisar contextos, para elaborar formulações matemáticas.

Clements (1980)CLEMENTS, M. Analyzing children's errors on written mathematical tasks. Educational Studies in Mathematics, v. 11, n.1, p.1-21, 1980. chamou a atenção para a necessidade de pesquisas a respeito dos fatores que fazem com que alguns problemas aritméticos verbais sejam mais acessíveis do que os correspondentes aritméticos estruturados, apesar de envolverem mais leitura, compreensão e transformação. Sua pesquisa revelou que, em um teste com 126 estudantes, 58 acertaram o item6 6 Usualmente, é chamado de item, ou questão, uma tarefa em circunstância de prova/teste. a seguir “Questão 5 - Escrevam a resposta correta para 1−1/4″, enquanto 98 acertaram o problema aritmético verbal correspondente “Questão 18 - Um bolo é cortado em quatro partes iguais e Bill leva uma das partes. Que fração do bolo resta?” (CLEMENTS, 1980CLEMENTS, M. Analyzing children's errors on written mathematical tasks. Educational Studies in Mathematics, v. 11, n.1, p.1-21, 1980., p. 19, tradução nossa).

Os problemas que apresentam situações contextuais não devem ser apresentados apenas em fase de aplicação, como é feito tradicionalmente, mas também em fase de desenvolvimento e exploração, pois fazem com que os estudantes reconheçam a utilidade da Matemática em suas necessidades e vida diária, além de despertarem a curiosidade e a criatividade (DÍAZ; POBLETE, 2005DÍAZ, V.; POBLETE, A. Competencias en Matemáticas y Tipos de problemas. In: CIBEM – Proccedings V Congreso Iberoamericano de Educación Matemática, n. 5., 2005, Portugal. Anais… Portugal: Publicaciones con Comité Editorial, 2005.; VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 2001)VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Realistic Mathematics Education as work in progress. In: LIN, F. L. (Ed.). Common Sense in Mathematics Education. Proceedings of 2001 The Netherlands and Taiwan Conference on Mathematics. Taipei, Taiwan, p. 1-43, Nov. 2001. Disponível em: <http://www.fi.uu.nl/publicaties/literatuur/4966.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2014.
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. Para Van den Heuvel-Panhuizen (2001)VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Realistic Mathematics Education as work in progress. In: LIN, F. L. (Ed.). Common Sense in Mathematics Education. Proceedings of 2001 The Netherlands and Taiwan Conference on Mathematics. Taipei, Taiwan, p. 1-43, Nov. 2001. Disponível em: <http://www.fi.uu.nl/publicaties/literatuur/4966.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2014.
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, Problemas de Contexto e situações da vida real servem para constituir e aplicar conceitos matemáticos: enquanto trabalham com problemas de contexto, os alunos podem desenvolver ferramentas e compreensão matemática. Os Problemas de Contexto são definidos na RME como situações-problema que são experimentalmente reais para os estudantes (GRAVEMEIJER; DOORMAN, 1999GRAVEMEIJER, K. P. E.; DOORMAN, M. Context problems in realistic mathematics education: a calculus course as an example. Educational Studies in Mathematics, v. 39, n. 1, p. 111-129, Jan. 1999.).

Um problema de contexto, em geral, necessita de matematização, o que pode demandar alguma exploração do estudante que pretende resolvê-lo. Por outro lado, se for possível matematizar o problema de maneira quase automática e sem muitos esforços, não se trata de um problema de contexto, mas de um exercício de matematização (DÍAZ; POBLETE, 2005DÍAZ, V.; POBLETE, A. Competencias en Matemáticas y Tipos de problemas. In: CIBEM – Proccedings V Congreso Iberoamericano de Educación Matemática, n. 5., 2005, Portugal. Anais… Portugal: Publicaciones con Comité Editorial, 2005.). Contextualizar o conhecimento matemático não significa simplesmente simulá-lo em sala de aula com qualquer atividade cotidiana, porém exige conhecer as representações que os alunos fazem desse conhecimento e conhecer o significado de suas concepções (DÍAZ; POBLETE, 2005DÍAZ, V.; POBLETE, A. Competencias en Matemáticas y Tipos de problemas. In: CIBEM – Proccedings V Congreso Iberoamericano de Educación Matemática, n. 5., 2005, Portugal. Anais… Portugal: Publicaciones con Comité Editorial, 2005.). Díaz e Poblete (2005)DÍAZ, V.; POBLETE, A. Competencias en Matemáticas y Tipos de problemas. In: CIBEM – Proccedings V Congreso Iberoamericano de Educación Matemática, n. 5., 2005, Portugal. Anais… Portugal: Publicaciones con Comité Editorial, 2005.apresentam uma classificação para tarefas (problemas7 7 Os autores fazem a classificação de “Problemas”, mas achamos adequado chamá-los de tarefas. ) segundo seu contexto:

Problema de contexto real – Um contexto é real se ele é produzido efetivamente na realidade e envolve ações do aluno.

Problema de contexto realista8 8 Não é no mesmo sentido de realístico. Realista, nesse caso, está associado a contextos que dizem respeito a informações que são ou podem ser efetivamente reais, enquanto realístico diz respeito a contextos que são imagináveis, podendo ser da realidade ou fictícios. – Um contexto é realista se ele pode realmente ocorrer. Trata-se de uma simulação de realidade ou de uma parte dela.

Problema de contexto fantasioso – Um contexto é fantasioso se for fruto da imaginação sem fundamento na realidade.

Problema de contexto puramente matemático – Um contexto é puramente matemático se se refere exclusivamente a objetos matemáticos: números, relações e operações aritméticas, figuras geométricas etc. (DÍAZ; POBLETE, 2005DÍAZ, V.; POBLETE, A. Competencias en Matemáticas y Tipos de problemas. In: CIBEM – Proccedings V Congreso Iberoamericano de Educación Matemática, n. 5., 2005, Portugal. Anais… Portugal: Publicaciones con Comité Editorial, 2005., p. 4, tradução nossa).

O papel dos contextos nas tarefas de avaliação é um assunto complexo que vai muito além de simplesmente motivar os estudantes a lidar com uma tarefa (SHANNON, 2007SHANNON, A. Task Context and Assessment. In: SCHOENFELD, A. H. (Ed.). Assessing Mathematical Proficiency. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. Disponível em: <http://library.msri.org/books/Book53/files/13shannon.pdf >. Acesso em: 24 jun. 2014.
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). Para a autora, a importância atribuída aos contextos das tarefas está associada mais à oportunidade que representam para a abstração matemática por meio de situações diversas e diferentes representações do que tornar o contexto matemático familiar aos estudantes. No entanto, ela reconhece que esse é um papel importante dos contextos para tornar o conhecimento matemático mais acessível a eles e ainda argumenta que o potencial de uma tarefa de contexto para gerar discussão e abstração depende do modo como ela é tratada. Além disso, por mais útil que a tarefa seja, pode ser inútil se os alunos não tiverem condições de lidar com a complexidade da Matemática intrínseca subjacente.

Problemas de contexto têm formas específicas, conteúdos e funções, podem ser editados em linguagem puramente aritmética, como problemas de palavra e texto, e serem apresentados por meios de jogos, histórias, noticiários, modelos, gráficos, ou ainda pela combinação de tais portadores de informações, agrupados em temas ou projetos (TREFFERS; GOFFREE, 1985TREFFERS, A.; GOFFREE, F. Rational analysis of realistic mathematics education. In: STREEFLAND, L. (Ed.). Proceedings of the 9th International Conference for the Psychology of Mathematics Education. Utrecht, The Netherlands: OW&OC. 1985. p. 97-123.). Dependendo da forma como o problema é utilizado, pode ser considerado como de contexto ou não (problema de palavra9 9 Problema de Palavra: são problemas que geralmente possuem todas as informações necessárias para resolver o problema, o contexto está explícito no texto do problema, envolve a combinação de algoritmos padrões e a solução é única e exata (BORASI, 1986). ).

Um dos princípios da RME é relativo ao papel que os contextos dos problemas desempenham na formação dos estudantes. De acordo com Treffers e Goffree (1985)TREFFERS, A.; GOFFREE, F. Rational analysis of realistic mathematics education. In: STREEFLAND, L. (Ed.). Proceedings of the 9th International Conference for the Psychology of Mathematics Education. Utrecht, The Netherlands: OW&OC. 1985. p. 97-123., esses contextos cumprem uma série de funções:

  • formação de conceito: na fase inicial de um curso, permitirão aos alunos um acesso natural e motivador para a matemática;

  • modelo de formação: eles fornecem um suporte seguro para a aprendizagem de operações formais, procedimentos, notações, regras, e fazem isso juntamente com outros modelos que têm uma função importante como suporte para o pensamento;

  • aplicabilidade: eles descobrem a realidade como fonte e domínio de aplicações;

  • exercício de habilidades específicas em situações aplicadas (TREFFERS; GOFFREE, 1985TREFFERS, A.; GOFFREE, F. Rational analysis of realistic mathematics education. In: STREEFLAND, L. (Ed.). Proceedings of the 9th International Conference for the Psychology of Mathematics Education. Utrecht, The Netherlands: OW&OC. 1985. p. 97-123., p. 111; TREFFERS, 1987TREFFERS, Three Dimensions: a model of goal and theory description in mathematics instruction – The Wiskobas Project. Dordrecht: Reidel Publishing Company, 1987., p. 256, tradução e grifos nossos).

Os Problemas de Contexto são considerados como uma matéria-prima no que diz respeito ao Princípio da Realidade, o qual, dentre outros quatro/cinco princípios, caracteriza a Educação Matemática Realística, segundo educadores como Van den Heuvel-Panhuizen (1996VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Assessment and Realistic Mathematics Education. Utrecht: CD-ß Press/Freudenthal Institute, Utrecht University. 1996., 2000VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Mathematics education in the Netherlands: A guided tour. Freudenthal Institute Cd-rom for ICME9.Utrecht: Utrecht University, 2000. CD-ROM., 2001VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Realistic Mathematics Education as work in progress. In: LIN, F. L. (Ed.). Common Sense in Mathematics Education. Proceedings of 2001 The Netherlands and Taiwan Conference on Mathematics. Taipei, Taiwan, p. 1-43, Nov. 2001. Disponível em: <http://www.fi.uu.nl/publicaties/literatuur/4966.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2014.
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, 2010VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Reform under attack – Forty Years of Working on Better Mathematics Education thrown on the Scrapheap? No Way! In: SPARROW, L.; KISSANE, B.; HURST, C. (Eds.). Proceedings of the 33th annual conference of the Mathematics Education Research Group of Australasia. Fremantle: MERGA, 2010.), Treffers (1987)TREFFERS, Three Dimensions: a model of goal and theory description in mathematics instruction – The Wiskobas Project. Dordrecht: Reidel Publishing Company, 1987. e Streefland (1991)STREEFLAND, L. Fractions in Realistic Mathematics Education. Dordrecht: Kluwer, 1991.. Esse princípio concebe a realidade como uma fonte para a aprendizagem. Fundamentado na perspectiva da Matemática como atividade humana, assim como a Matemática tem origem na matematização da realidade, a natureza da aprendizagem matemática também tem sua origem na matematização da realidade10 10 Nesse sentido, Freudenthal (1983) critica a inversão didática que geralmente é feita no ensino tradicional: em vez de partir do problema concreto e investigá-lo por meios matemáticos, a matemática vem em primeiro lugar, e o problema concreto vem depois como uma aplicação(FREUDENTHAL, 1983, p. 132). .

No ambiente pedagógico, matematizar a realidade significa explorar contextos ricos que demandam uma organização matemática ou, em outras palavras, contextos que podem ser matematizados. Se os estudantes vivenciarem o processo de reinventar a Matemática como uma expansão do que já conhecem, essa pode ser uma aproximação desejável entre suas experiências de vida cotidiana e a Matemática, pois ambas farão parte da mesma realidade (GRAVEMEIJER; DOORMAN, 1999)GRAVEMEIJER, K. P. E.; DOORMAN, M. Context problems in realistic mathematics education: a calculus course as an example. Educational Studies in Mathematics, v. 39, n. 1, p. 111-129, Jan. 1999..

Nesse sentido, espera-se que os estudantes, ao trabalhar com problemas de diferentes contextos, possam desenvolver ferramentas matemáticas, compreensão, estratégias que sejam intimamente ligadas ao contexto. Partindo da exploração de fenômenos diversos, por meio de estratégias menos informais, e progredindo no sentido de sistematizar e obter caráter de um modelo formal, por meio da matematização, certos aspectos do contexto matemático podem tornar-se mais gerais e fornecerem apoio para a resolução de outros problemas relacionados (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 2001VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Realistic Mathematics Education as work in progress. In: LIN, F. L. (Ed.). Common Sense in Mathematics Education. Proceedings of 2001 The Netherlands and Taiwan Conference on Mathematics. Taipei, Taiwan, p. 1-43, Nov. 2001. Disponível em: <http://www.fi.uu.nl/publicaties/literatuur/4966.pdf>. Acesso em: 24 jun. 2014.
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). A fim de cumprir a função de passagem entre um nível informal e o formal, os modelos que recebem caráter modelo de (específicos) passam a um modelo para (mais geral) (STREEFLAND, 1991STREEFLAND, L. Fractions in Realistic Mathematics Education. Dordrecht: Kluwer, 1991.).

No que diz respeito às possibilidades de matematização, De Lange (1987DE LANGE, J. Mathematics, Insight and Meaning. Utrecht: OW &OC, 1987., p. 76-77) classifica diferentes usos/utilidades/fins/objetivos (uses) dos contextos (de terceira, segunda e primeira ordem), como segue.

Quadro 1
Usos do contexto segundo De Lange (1995)DE LANGE, J. Assessment: no change without problems. In: ROMBERG, T.A. (Ed.). Reform in School Mathematics. Albany, NY: SUNY Press, 1995.

Uma das funções mais características da RME é o uso dos contextos para formação conceitual, tal aspecto está relacionado ao que se chama de “processo de matematização conceitual”. De Lange (1995)DE LANGE, J. Assessment: no change without problems. In: ROMBERG, T.A. (Ed.). Reform in School Mathematics. Albany, NY: SUNY Press, 1995. explicita que, quando se trata de tarefas de prova escrita, essa função do contexto não é sempre utilizada, pelo fato de que, usualmente, não são introduzidos novos conceitos durante uma prova, mas são aplicados conceitos matemáticos de alguma forma. Por conseguinte, nas tarefas de avaliação são associadas, quase sempre, apenas as três primeiras classes de funcionalidades dos contextos.

A seguir são apresentados alguns exemplos de enunciados de tarefas, segundo a classe de funcionalidade do contexto, apresentados por De Lange (1995)DE LANGE, J. Assessment: no change without problems. In: ROMBERG, T.A. (Ed.). Reform in School Mathematics. Albany, NY: SUNY Press, 1995..

Quadro 2
Classe de funcionalidade do contexto segundo De Lange (1995)DE LANGE, J. Assessment: no change without problems. In: ROMBERG, T.A. (Ed.). Reform in School Mathematics. Albany, NY: SUNY Press, 1995.

Com base nos três níveis de funcionalidade de contexto apresentados por De Lange (1995)DE LANGE, J. Assessment: no change without problems. In: ROMBERG, T.A. (Ed.). Reform in School Mathematics. Albany, NY: SUNY Press, 1995., Meyer et al. (2001MEYER, M.; DEKKER, T.; QUERELLE, N. Context in mathematics curricula. Mathematics teaching in the middle school, v. 9, p. 522-527, 2001., p. 523) destacam cinco papéis do contexto no ensino e aprendizagem da que são muitas vezes interativos: motivar os alunos para explorar nova Matemática; oferecer a eles a oportunidade de aplicar a Matemática; servir como uma fonte de Matemáticanova; sugerir uma fonte de estratégia de solução; fornecer uma âncora para a compreensão matemática.

No que diz respeito à importância da utilização de problemas de contexto, Dekker e Querelle (2002)DEKKER, T.; QUERELLE, N. Great assessment problems. Utrecht: Freudenthal Instituut, 2002. Disponível em: <http://www.fisme.science.uu.nl/catch/products/GAP_book/intro.html>. Acesso em: 24 jun. 2014.
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apresentam algumas razões: (a) para introduzir um novo assunto ou conceito em Matemática – por meio de exemplos dentro de um contexto, o conteúdo matemático envolvido pode tornar-se mais claro; (b) para praticar um novo conceito ou procedimento – resolvendo muitos problemas de contexto diferentes com mesmo conteúdo matemático, os estudantes podem aprender a utilizar e aplicar o conteúdo; (c) para mostrar o poder da Matemática – ao compreender que diferentes problemas de contexto podem envolver o mesmo conteúdo matemático; (d) para envolver os estudantes no problema – usando problemas da vida real, eles podem mostrar que são matematicamente alfabetizados e que sabem como a Matemática é utilizada para resolver problemas que surgem em situações da vida real.

Em uma tentativa de clarificar o conceito de problema, Borasi (1986)BORASI, R. On the nature of problems. Educational Studies in Mathematics, v. 17, n. 2, p. 125141, 1986. faz uma análise de vários exemplos a partir de quatro conceitos relacionados: (a) a formulação de um problema, isto é, a definição da tarefa a ser executada, (b) o contexto em que o problema está inserido, (c) o conjunto de soluções adequadas, (d) os métodos de abordagem que poderiam ser empregados na resolução do problema. De acordo com os quatro conceitos relacionados e suas características, a autora classifica os problemas em sete agrupamentos, que são apresentados parcialmente11 11 Apresentamos aqui apenas o item (b), e os itens (a), (c) e (d) na seção seguinte. no quadro a seguir juntos de suas relações com o contexto (item b) e exemplos.

Quadro 3
Agrupamento do tipo de contexto conforme Borasi (1986)BORASI, R. On the nature of problems. Educational Studies in Mathematics, v. 17, n. 2, p. 125141, 1986.

Segundo tal classificação, a existência de contexto parece estar relacionada ao “grau” em que uma situaçãoé apresentada no enunciado, de uma forma mais geral, diz respeito à “situação na qual o problema está embutido” (BORASI, 1986BORASI, R. On the nature of problems. Educational Studies in Mathematics, v. 17, n. 2, p. 125141, 1986., p. 129).

O projeto PISA13 13 Maiores informações sobre o PISA podem ser encontradas no site: http://portal.inep.gov.br/pisa-programainternacional-de-avaliacao-de-alunos. , segundo o documento INEE (2005)INEE. PISA para docentes: la evaluación como oportunidad de aprendizaje. INEE – Instituto Nacional Para La Evaluación De La Educación, México, 2005., pretende dar possibilidade de que a intuição e a compreensão matemática dos estudantes sejam avaliadas em diferentes situações14 14 Em alguns documentos também chamadas de contextos. . Documentos do PISA (OECD, 2003OECD. The PISA 2003 – Assessment Framework: Mathematics, Reading, Science and Problem Solving Knowledge and Skills. Paris, 2003. Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/46/1 4/33694881.pdf >. Acesso em: 24 jun. 2014.
http://www.oecd.org/dataoecd/46/14/33694...
; OECD, 2004aOECD. Estrutura de avaliação PISA 2003: conhecimentos e habilidades em matemática, leitura, ciências e resolução de problemas. Tradução B & C Revisão de textos. São Paulo: Moderna, 2004a.; OECD, 2006OECD. PISA Assessing Scientific, Reading and Mathematical Literacy: A Framework for PISA 2006. Paris: OECD Publications, 2006.; OECD, 2010OECD. PISA 2012 Mathematics Framework. Paris: OECD Publications, 2010. Disponível em: <www.oecd.org/dataoecd/8/38/46961598.pdf >. Acesso em: 09 jul. 2012.
www.oecd.org/dataoecd/8/38/46961598.pdf...
), em geral, classificam as situações em quatro ou cinco grupos. Para o PISA (OECD, 2006OECD. PISA Assessing Scientific, Reading and Mathematical Literacy: A Framework for PISA 2006. Paris: OECD Publications, 2006.), a situação é a parte do mundo do estudante em que as tarefas se situam e está localizada a certa distância do estudante. A situação mais próxima é a da vida pessoal do estudante, em seguida vêm a da vida escolar, da vida profissional e de lazer, depois a da comunidade local e a sociedade. Situações científicas são as mais distantes15 15 Em Ferreira (2013), é possível encontrar um Quadro com algumas considerações sobre os cinco tipos de situações de tarefas: (1) uso pessoal ou privado; (2) pública; (3) ocupacional ou profissional; (4) educacional; (5) científica. O Quadro foi construído com base nos documentos do PISA (OECD, 2003; OECD, 2004a; OCDE, 2005; OECD, 2006; OECD, 2010) e em De Lange (2003). .

O uso de situações nos contextos das tarefas de Matemática do PISA está relacionado à possibilidade de fornecer um contexto autêntico16 16 Autêntico no sentido de fazer sentido, de ser legítimo para o estudante, não necessariamente verdadeiro. Ainda que seja um contexto de conto de fadas, por exemplo, deve ser razoável com os fatos, fundamentado em algo, verossímil. para o uso da Matemática.

2.1 Caracterizações dos tipos de tarefas

Na abordagem da Resolução de Problemas, os alunos deveriam ser responsáveis por decisões que, no passado, eram da responsabilidade de professores e livros didáticos. De acordo com McIntosh e Jarrett (2000)MCINTOSH, R.; JARRETT, D. Teaching mathematical problem solving: implementing the vision. Portland, Oregon: Mathematics and Science Education Center, North West Regional Laboratory, 2000. Disponível em: <http://www.cimm.ucr.ac.cr/ciaem/articulos/universitario/conocimiento/Teaching%20Mathematical%20Problem%20Solving:%20Implementing%20the%20Vision*McIntosh,%20Robert%20.*McIntosh.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2014.
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, ao aluno cabe decidir que método ou procedimento utilizará, que estratégias tem possibilidade de desenvolver. Ele deve contar com suas experiências anteriores, esboçar uma linha de raciocínio, arquitetar uma resolução de modo autônomo ou com seus pares. Ao professor, cabe a responsabilidade de selecionar e lhe propor boas tarefas. Com isso, o docente deve criar condições para que os estudantes possam envolver-se, significativamente, com elas (MCINTOSH; JARRETT, 2000MCINTOSH, R.; JARRETT, D. Teaching mathematical problem solving: implementing the vision. Portland, Oregon: Mathematics and Science Education Center, North West Regional Laboratory, 2000. Disponível em: <http://www.cimm.ucr.ac.cr/ciaem/articulos/universitario/conocimiento/Teaching%20Mathematical%20Problem%20Solving:%20Implementing%20the%20Vision*McIntosh,%20Robert%20.*McIntosh.pdf>. Acesso em: 19 jun. 2014.
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). Para além de fornecer respostas corretas, a Resolução de Problemas preocupa-se com os meios para a obtenção das respostas, com a elaboração de conhecimento por meio da tarefa proposta.

Nesse sentido, conhecer as oportunidades que as tarefas podem oferecer quanto aos possíveis métodos de solução, a pertinência das múltiplas respostas, os conceitos envolvidos, a familiaridade do estudante com a tarefa, o que lhe é solicitado em relação ao conteúdo ou às competências parecem se constituir em um recurso necessário que o professor precisa conhecer.

Consideramos que a escolha das tarefas, seja em uma situação de aula ou de avaliação, deve estar fortemente associada aos objetivos didáticos, os quais, por seu turno, determinarão que tarefas são potenciais para atingi-los. Quando o objetivo do professor for, por exemplo, avaliar o desempenho dos estudantes na mera reprodução de técnicas já conhecidas, uma boa escolha é a proposição de tarefas rotineiras, com as quais os alunos tenham intimidade e possam demonstrar sua competência, com pouca chance de terem como obstáculo a interpretação.

No quadro a seguir, são apresentadas algumas características para as tarefas do tipo rotineiras ou não-rotineiras.

De acordo com o Quadro 4, concluímos que as classificações limitam-se, quase sempre, à familiaridade do estudante com a tarefa proposta; quando conhecida, acaba sendo praticamente um “exercício”, ao passo que, quando não “familiar”, por alguma razão, quase sempre tem o caráter de problema. Entretanto, parece não haver uma distinção tão clara entre as duas ideias.

Quadro 4
Tarefas rotineiras e não-rotineiras.

Butts (1997)BUTTS, T. Formulando problemas adequadamente. In: KRULIK, S.; REYS, R. E. A Resolução de Problemas na Matemática Escolar. São Paulo: Atual, 1997. p. 32-48. apresenta uma classificação para cinco tipos típicos de problemas (para nós, tarefas) de matemática. São apresentados, no Quadro a seguir, os tipos de tarefa segundo a classificação de Butts (1997)BUTTS, T. Formulando problemas adequadamente. In: KRULIK, S.; REYS, R. E. A Resolução de Problemas na Matemática Escolar. São Paulo: Atual, 1997. p. 32-48., seguidos de suas definições.

Quadro 5
Classificação das tarefas segundo Butts (1997)BUTTS, T. Formulando problemas adequadamente. In: KRULIK, S.; REYS, R. E. A Resolução de Problemas na Matemática Escolar. São Paulo: Atual, 1997. p. 32-48.

De acordo com Butts (1997)BUTTS, T. Formulando problemas adequadamente. In: KRULIK, S.; REYS, R. E. A Resolução de Problemas na Matemática Escolar. São Paulo: Atual, 1997. p. 32-48., uma alta porcentagem de exercícios e problemas propostos em livros didáticos recai nas três primeiras categorias, que quase sempre contêm em seu enunciado uma estratégia para resolvê-los17 17 Vale a pena observar que, apesar de a publicação de Butts (1997) ter mais de 15 anos, a afirmação do autor de que a maioria dos problemas contidos nos livros didáticos, de qualquer nível, pertencia aos três primeiros agrupamentos, aparentemente, não mudou. . Consequentemente, o obstáculo a se resolver é a tradução da tarefa para uma forma matemática apropriada e, a posteriori, a aplicação de algoritmos adequados.

Borasi (1986)BORASI, R. On the nature of problems. Educational Studies in Mathematics, v. 17, n. 2, p. 125141, 1986. também apresenta uma classificação para problemas (tarefas) de Matemática orientada por conceitos relacionados: exercício, problemas ou situação com base no contexto18 18 Apresentado na seção anterior. , tipo de formulação, soluções e métodos de abordagem. Essa classificação é apresentada no Quadro a seguir.

Quadro 6
Classificação de Problemas – Borasi (1986)BORASI, R. On the nature of problems. Educational Studies in Mathematics, v. 17, n. 2, p. 125141, 1986.

Uma análise da natureza dos problemas (tarefas) é necessária para avaliar e explorar seu alcance e a significância na área da educação. Dada a natureza complexa e discutível desse assunto, o objetivo é iniciar uma investigação para estimular o debate (BORASI, 1986BORASI, R. On the nature of problems. Educational Studies in Mathematics, v. 17, n. 2, p. 125141, 1986.).

No que diz respeito à formulação da tarefa e às possibilidades de solução, os documentos do PISA (OECD, 2004bOECD. PISA 2003: conceitos fundamentais em jogo na avaliação de resolução de problemas. Lisboa: Ministério da Educação. Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE), 2004b.; OECD, 2004cOECD. Resultados do Estudo Internacional PISA 2003. Lisboa: Ministério da Educação. Gabinete de Avaliação Educacional (GAVE), 2004c.; OECD, 2005OECD. Aprendendo para o mundo de amanhã: primeiros resultados do PISA 2003. São Paulo: Moderna, 2005.) apresentam a seguinte classificação relativa aos tipos de itens20 20 Os tipos de itens apresentados pelo PISA dizem respeito, especificadamente, às tarefas de avaliação. Entretanto, podem servir para estender a discussão no que diz respeito às tarefas de sala de aula de modo geral. :

  1. Múltipla Escolha: com alternativas -envolve a escolha de uma alternativa das apresentadas. A resolução trata-se apenas de indicar uma resposta.

  2. Múltipla Escolha Complexa: com alternativas -envolve escolher as alternativas de vários itens propostos. Para cada item, os alunos devem escolher uma resposta para cada opção apresentada.

  3. Resposta de Construção Fechada: sem alternativas -permite a construção livre de respostas com limite fechado de respostas aceitáveis. Os tipos de respostas são similares às dos tipos de respostas em múltipla escolha.

  4. Resposta Curta: sem alternativas -permite a construção livre de respostas com maior amplitude de possibilidades de respostas possíveis. Respostas breves.

  5. Resposta de Construção Aberta: sem alternativas -exigem respostas mais longas, sofisticadas, como pedido de explicação, argumentação, justificativa, opinião, pontos de vista, relacionamento de ideias, conexões, reflexão.

Kirkley (2003)KIRKLEY, J. Principles for teaching problem solving. USA: PLATO Learning Inc, 2003.21 21 Com base em Newell e Simon (1972) - NEWELL, A.; SIMON, H. Human Problem Solving. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1972. apresenta três agrupamentos de problemas no que concerne às suas características de resolução e possibilidades de resposta. A autora chama de Problemas bem estruturados aqueles que sempre usam a mesma solução passo a passo, nos quais a estratégia de solução é usualmente previsível. Problemas moderadamente estruturados exigem uma variedade de estratégias e adaptações para se adequar a contextos particulares. Nesse tipo de problema, muitas vezes, é aceitável mais do que uma estratégia de solução. Problemas de estrutura imperfeita possuem objetivos vagos e imprecisos e as estratégias de solução são menos restritas e as soluções não são únicas e bem definidas anteriormente (KIRKLEY, 2003KIRKLEY, J. Principles for teaching problem solving. USA: PLATO Learning Inc, 2003.).

2.2 A respeito das características das tarefas a partir da análise de seus contextos

Considerando que não deveria haver diferenças entre tarefas de sala de aula e de avaliação, conforme discutido anteriormente, reconhecemos que há, no entanto, diferenças no que diz respeito aos seus objetivos, contexto de aplicação, duração das tarefas, autonomia. Com isso, considera-se que algumas características de bonsproblemas (tarefas) de avaliação, na perspectiva da RME, indicadas por Van den Heuvel-Panhuizen (1996VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Assessment and Realistic Mathematics Education. Utrecht: CD-ß Press/Freudenthal Institute, Utrecht University. 1996., 2005VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. The role of contexts in assessment problems in mathematics. For the Learning Mathematics, Alberta-Canadá, v. 25, n. 2, p. 2-9, 2005. Disponível em: <http://www.fi.uu.nl/~marjah/documents/01-Heuvel.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2008.
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), também devem ser consideradas para as tarefas de sala de aula. Para a autora, bons problemas de avaliação devem ser informativos, significativos, transparentes, elásticos/flexíveis, acessíveis.

O caráter informativo é relativo à possibilidade de o problema fornecer o máximo de informações a respeito do conhecimento dos estudantes, insights, competências, incluindo suas estratégias, procedimentos, formas de raciocínio. Em outras palavras, problemas informativos devem fornecer uma imagem o mais completa possível do aprendizado dos estudantes.

Para que eles possam mostrar suas formas genuínas de lidar com os problemas, as situações problemáticas devem ser significativas. Isso significa que os problemas devem ser convidativos para o aluno, que valha a pena resolver, desafiadores e que sua solução seja útil para o fornecimento de uma ou várias respostas. Uma forma de avaliar se um problema é significativo reside nas respostas das perguntas: o estudante pode se sentir o dono do problema, aquele que domina a situação? Ele pode, a partir da situação, se colocar a pensar a respeito de questões próprias? Por outro lado, para que os problemas sejam significativos do ponto de vista da avaliação, eles devem refletir objetivos importantes, se alguma coisa não apresenta motivo para ser aprendida, não é útil para a avaliação (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Assessment and Realistic Mathematics Education. Utrecht: CD-ß Press/Freudenthal Institute, Utrecht University. 1996.).

Para que o caráter significativo possa se revelar, os problemas devem ser antes acessíveis aos estudantes. Isso significa que os enunciados devem ser tão claros quanto possível, de forma que os estudantes possam, pelo menos, refletir sobre o assunto nele envolvido. Tal aspecto não significa que esses problemas devem sugerir estratégias ou a indicação de solução, mas permitir que o estudante possa, a seu nível, revelar a forma pela qual abordaria o problema.

Ao encontro da acessibilidade dos problemas, o caráter de transparência deve permitir ao estudante mostrar o nível em que se encontra. Nesse sentido, um problema não pode ser tão fechado a ponto de ser resolvido por uma única maneira, de modo a impedir que o estudante demonstre suas habilidades, ainda que seja por meio de seus métodos informais.

Para que a avaliação seja tão transparente quanto possível, o caráter de flexibilidade e o de elasticidade sugerem que os problemas possam ser resolvidos por diferentes estratégias, em diferentes níveis de aprendizagem. Os alunos devem ter a oportunidade de dar suas respostas por suas próprias palavras (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Assessment and Realistic Mathematics Education. Utrecht: CD-ß Press/Freudenthal Institute, Utrecht University. 1996.).

No âmbito dessas características de bons problemas de avaliação, o papel dos contextos é essencial, pois “comparado com problemas numéricos simples, problemas de contexto oferecem aos estudantes mais oportunidades de demonstrar suas habilidades” (VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, 1996VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Assessment and Realistic Mathematics Education. Utrecht: CD-ß Press/Freudenthal Institute, Utrecht University. 1996., p. 94). No entanto, não é apenas o fato de apresentar alguma situação ou contexto no texto do problema que o faz tornar-se mais flexível. Para Van den Heuvel-Panhuizen (2005VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. The role of contexts in assessment problems in mathematics. For the Learning Mathematics, Alberta-Canadá, v. 25, n. 2, p. 2-9, 2005. Disponível em: <http://www.fi.uu.nl/~marjah/documents/01-Heuvel.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2008.
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), os problemas de palavras são frequentemente confundidos com problemas de contexto. Para a autora, os problemas de palavras refletem um contexto não muito essencial. Repetidas vezes, nesse tipo de problema, o contexto é utilizado apenas para camuflar, embalar um contexto matemático. Nesse sentido, é possível despir facilmente o problema matemático envolvido na situação realizando simples traduções para a linguagem simbólica.

Tão inflexíveis quanto os problemas de palavras podem ser, os problemas nus22 22 Do inglês “bare problem”. , despidos são aqueles que não envolvem contexto algum. Esses problemas dão pouca liberdade na forma de abordagem. Quase sempre, formulam-se a partir de expressões como resolva as seguintes equações, qual o par ordenado é solução para o sistema. Para De Lange (1999)DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999., esse tipo de problema deve ser evitado.

De Lange (1999)DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999., considerando as características para bons problemas de avaliação, na perspectiva da RME, apresenta uma “pirâmide de avaliação” (ver Figura 1) para fornecer uma imagem visual dos problemas que são necessários para representar o processo no qual um estudante se encontra.

Figura 1
Pirâmide de Avaliação proposta por De Lange (1999)DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999.

No Nível I, as tarefas demandam resumidamente competências relacionadas à reprodução como: reconhecer fatos, aplicar algoritmos conhecidos, desenvolver habilidades técnicas, reconhecer equivalências, recordar objetos matemáticos e propriedades, realizar procedimentos de rotina. As tarefas nesse nível, geralmente, são do tipo de Múltipla Escolha, Múltipla Escolha Complexa, de Resposta de Construção Fechada (DE LANGE, 1999DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999.). Geralmente, as questões são isoladas sem muita ligação com situações reais ou imaginárias.

As tarefas de Nível II envolvem competências de conexão. Demandam que os estudantes lidem com diferentes formas de representação de acordo com a situação, integrem informações, sejam capazes de distinguir e relacionar diferentes declarações, de decodificar e interpretar linguagem simbólica ou formal, bem como relacioná-las com a linguagem natural, formular e resolver problemas e lidar com situações (DE LANGE, 1999DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999.). Nesse nível, as tarefas demandam alguma forma de matematização e, são geralmente, do tipo de Resposta Curta ou Resposta de Construção Fechada. Segundo De Lange (1999)DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999., frequentemente, as tarefas desse tipo são colocadas dentro de um contexto de envolver os alunos na tomada de decisão matemática.

As tarefas de Nível III (reflexão) envolvem a matematização de situações que, segundo De Lange (1999)DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999., reside no conhecimento e na extração da Matemática envolvida, bem como sua utilização para a resolução do problema. Envolvem análise, interpretação, desenvolvimento de modelos e estratégias, proposição de questões, apresentação de argumentação, provas, generalizações, incluem ainda reflexão a respeito de todo o processo (DE LANGE, 1999DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999.). Tarefas do tipo de Resposta de Construção Aberta são mais características desse nível.

De Lange (1999)DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999. salienta que a definição dos três níveis é uma ação um tanto arbitrária dado que não há uma distinção tão clara entre eles. Pode ocorrer de alguma tarefa, em algum nível, incorporar competências associadas a outro nível. A pirâmide fornece uma imagem visual justa da quantidade de tarefas necessárias para representar o desempenho dos estudantes (DE LANGE, 1999DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999.). Assim, concentra-se em uma quantidade maior no Nível I, seguida pelos dois outros níveis, considerando que o tempo e qualidade do lidar com tarefas do Nível III são, relativamente, maiores do que nas tarefas de nível II e I. Nos diferentes níveis, as tarefas ainda podem variar de simples a complexas23 23 No original, o autor utiliza os termos “fácil” e “difícil”, os quais, consideramos nós, serem relativos à forma como o sujeito enfrenta as tarefas. Acreditamos ser mais coerente a utilização dos termos “simples” e “complexos” pelo fato de essas características serem associadas às tarefas e não aos sujeitos. ou ainda do tratamento informal para o formal.

3 Considerações finais

Propor aos estudantes tarefas matemáticas que apresentem contextos diversos é uma alternativa para que possam ampliar seus conhecimentos, pois, mais do que aprender a operar dados, o ensino da Matemática deveria propiciar que os alunos pudessem resolver tarefas com mais referência em sua realidade do que aquelas apenas do tipo efetue, some, divida, calcule a seguinte regra de três, apresentadas rotineiramente nas escolas. Até porque a aprendizagem escolar pode se constituir como uma base para que nossos alunos continuem aprendendo, dentro e fora da escola, para que tenham uma participação efetiva na sociedade.

No que diz respeito à classificação das tarefas com base no agrupamento de Díaz e Poblete (2005)DÍAZ, V.; POBLETE, A. Competencias en Matemáticas y Tipos de problemas. In: CIBEM – Proccedings V Congreso Iberoamericano de Educación Matemática, n. 5., 2005, Portugal. Anais… Portugal: Publicaciones con Comité Editorial, 2005., Ferreira (2013)FERREIRA, P. E. A. Enunciados de Tarefas de Matemática: um estudo sob a perspectiva da Educação Matemática Realística. 2013. 121 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013., que estudou tarefas matemáticas em um livro didático tradicional, observa que os contextos das tarefas explorados no seu estudo limitam-se apenas a dois grupos: ser puramente matemáticos ou revestidos de alguma situação artificial com referência na realidade. Os problemas de contextos reais (que podem ser produzidos efetivamente na realidade) e os fantasiosos não são explorados. Por esse motivo, dentre outros, acreditamos que estabelecer relações entre os conteúdos matemáticos aprendidos na escola e suas utilidades em situações reais, fora dela, parece tão difícil aos estudantes. A referência obtida se resume, quase sempre, em aprender Matemática de forma técnica, mecânica ou, no máximo, inserida em situações artificiais.

Há de se levar em consideração que não é o fato de uma tarefa apresentar alguma situação real, ou com referência na realidade, ou ainda fictícia que faz com que ela venha a se constituir em um Problema de Contexto. Com isso, autores como De Lange (1999)DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999. e Van den Heuvel-Panhuizen (1996VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. Assessment and Realistic Mathematics Education. Utrecht: CD-ß Press/Freudenthal Institute, Utrecht University. 1996., 2005VAN DEN HEUVEL-PANHUIZEN, M. V. D. The role of contexts in assessment problems in mathematics. For the Learning Mathematics, Alberta-Canadá, v. 25, n. 2, p. 2-9, 2005. Disponível em: <http://www.fi.uu.nl/~marjah/documents/01-Heuvel.pdf>. Acesso em: 12 ago. 2008.
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) justificam a relevância do contexto para a resolução do problema. Se a questão pode ser facilmente despida e resolvida sem o uso da situação, muito provavelmente estamos lidando com um Problema de Palavras, cuja situação pode ser substituída por outras análogas.

Um bom Problema de Contexto é o que conta com a característica de a situação ser autêntica para a resolução do estudante. Desse ponto de vista, o assunto matemático e a situação são dificilmente separáveis. O caráter da autenticidade vai ao encontro do que a Educação Matemática Realística propõe: a Matemática no ambiente de ensino e aprendizagem deve emergir da exploração de fenômenos que são experiencialmente reais, mais especificamente, realísticos. Real não no sentido de ser factual, verdadeiro, mas real no sentido de ser imaginável, concebido, concreto (por ter passado pelo processo de abstração24 24 KOSIK, K. Dialética do Concreto, 2ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 1976. ), verossímil. Por esse motivo, acreditamos que a tradução para realístico é mais apropriada.

A autenticidade de uma tarefa está fortemente ligada à relação que o sujeito estabelecerá com ela. Portanto, é possível acontecer de um bom Problema de Contexto (aos olhos do educador) não representar um problema (que valha a pena ser resolvido) para o estudante.

Contudo, considerar que, mesmo que uma tarefa envolva situação de fato real, não é condição suficiente para ser um Problema de Contexto se o estudante não reconhecer na situação a relevância para a resolução. Nesse caso, pode-se dizer que o problema é de contexto camuflado, serve apenas para promover a Matemática desejada.

Com relação à relevância do contexto para o problema, De Lange (1987DE LANGE, J. Mathematics, Insight and Meaning. Utrecht: OW &OC, 1987., 1995DE LANGE, J. Assessment: no change without problems. In: ROMBERG, T.A. (Ed.). Reform in School Mathematics. Albany, NY: SUNY Press, 1995., 1999DE LANGE, J. Framework for classroom assessment in mathematics. Madison: WCER, 1999.) estabelece alguns critérios, que se relacionam tanto com a importância que o contexto desempenha na resolução quanto com a oportunidade de matematização. Com isso, a possibilidade de matematizar parece estar fortemente associada ao papel que o contexto desempenha no sentido de que quanto mais realístico o contexto proposto for, mais o estudante tem a oportunidade de torná-lo familiar e, por conseguinte, produzir a sua Matemática.

Consideramos que o enunciado de uma tarefa, por si só, não garante a possibilidade ou não de matematização. O enunciado da tarefa é apenas um mote, e para que sua execução oportunize a matematização deve-se considerar também o contexto prático no qual a tarefa é empregada, o tratamento e a situação na qual o professor trabalha com ela. Tal aspecto pode ser motivo de análises futuras.

  • 1
    GEPEMA – Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação Matemática e Avaliação, da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Outras informações em: http://www.uel.br/grupo-estudo/gepema/index.html.
  • 2
    A fenomenologia didática, segundo Freudenthal (1983)FREUDENTHAL, H. Didactical phenomenology of mathematical structures. Dordrecht: Reidel Publishing Company, 1983., se mostra como uma maneira de o professor oportunizar aos alunos os “lugares” ou “situações” pelas quais podem reinventar “suas” matemáticas, matematizar.
  • 3
    Neste artigo tomamos como base pressuspostos teóricos da Educação Matemática Realística – uma abordagem de ensino e aprendizagem cujo desenvolvimento foi inspirado, principalmente, pelas ideias e contribuições do educador matemático alemão Hans Freudenthal (1905-1990) (FERREIRA, 2013FERREIRA, P. E. A. Enunciados de Tarefas de Matemática: um estudo sob a perspectiva da Educação Matemática Realística. 2013. 121 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013.).
  • 4
    Uma tarefa é considerada flexível quando permite resolução em diferentes níveis de complexidade e/ou diferentes estratégias. Por outro lado, uma tarefa inflexível é aquela que, geralmente, dá margem para uma única resolução, muitas vezes padronizada.
  • 5
    “[…] uma atividade organizada. Ela refere-se à essência da atividade matemática, à linha que atravessa toda educação matemática voltada para a elaboração de conhecimento factual, à aprendizagem de conceitos, à obtenção de habilidades e ao uso da linguagem e de outras organizações, às habilidades na resolução de problemas que estão, ou não, em um contexto matemático” (TREFFERS, 1987TREFFERS, Three Dimensions: a model of goal and theory description in mathematics instruction – The Wiskobas Project. Dordrecht: Reidel Publishing Company, 1987., p. 51-52, tradução nossa).
  • 6
    Usualmente, é chamado de item, ou questão, uma tarefa em circunstância de prova/teste.
  • 7
    Os autores fazem a classificação de “Problemas”, mas achamos adequado chamá-los de tarefas.
  • 8
    Não é no mesmo sentido de realístico. Realista, nesse caso, está associado a contextos que dizem respeito a informações que são ou podem ser efetivamente reais, enquanto realístico diz respeito a contextos que são imagináveis, podendo ser da realidade ou fictícios.
  • 9
    Problema de Palavra: são problemas que geralmente possuem todas as informações necessárias para resolver o problema, o contexto está explícito no texto do problema, envolve a combinação de algoritmos padrões e a solução é única e exata (BORASI, 1986BORASI, R. On the nature of problems. Educational Studies in Mathematics, v. 17, n. 2, p. 125141, 1986.).
  • 10
    Nesse sentido, Freudenthal (1983)FREUDENTHAL, H. Didactical phenomenology of mathematical structures. Dordrecht: Reidel Publishing Company, 1983. critica a inversão didática que geralmente é feita no ensino tradicional: em vez de partir do problema concreto e investigá-lo por meios matemáticos, a matemática vem em primeiro lugar, e o problema concreto vem depois como uma aplicação(FREUDENTHAL, 1983FREUDENTHAL, H. Didactical phenomenology of mathematical structures. Dordrecht: Reidel Publishing Company, 1983., p. 132).
  • 11
    Apresentamos aqui apenas o item (b), e os itens (a), (c) e (d) na seção seguinte.
  • 12
    Entendemos que Borasi (1986)BORASI, R. On the nature of problems. Educational Studies in Mathematics, v. 17, n. 2, p. 125141, 1986. chama de Situação uma tarefa que não apresenta explicitamente uma questão, pergunta. A tradução é literal e diferente do significado que atribuímos para situação ao longo do nosso texto.
  • 13
    Maiores informações sobre o PISA podem ser encontradas no site: http://portal.inep.gov.br/pisa-programainternacional-de-avaliacao-de-alunos.
  • 14
    Em alguns documentos também chamadas de contextos.
  • 15
    Em Ferreira (2013)FERREIRA, P. E. A. Enunciados de Tarefas de Matemática: um estudo sob a perspectiva da Educação Matemática Realística. 2013. 121 f. Tese (Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Educação Matemática) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2013., é possível encontrar um Quadro com algumas considerações sobre os cinco tipos de situações de tarefas: (1) uso pessoal ou privado; (2) pública; (3) ocupacional ou profissional; (4) educacional; (5) científica. O Quadro foi construído com base nos documentos do PISA (OECD, 2003OECD. The PISA 2003 – Assessment Framework: Mathematics, Reading, Science and Problem Solving Knowledge and Skills. Paris, 2003. Disponível em: <http://www.oecd.org/dataoecd/46/1 4/33694881.pdf >. Acesso em: 24 jun. 2014.
    http://www.oecd.org/dataoecd/46/14/33694...
    ; OECD, 2004aOECD. Estrutura de avaliação PISA 2003: conhecimentos e habilidades em matemática, leitura, ciências e resolução de problemas. Tradução B & C Revisão de textos. São Paulo: Moderna, 2004a.; OCDE, 2005OECD. Aprendendo para o mundo de amanhã: primeiros resultados do PISA 2003. São Paulo: Moderna, 2005.; OECD, 2006OECD. PISA Assessing Scientific, Reading and Mathematical Literacy: A Framework for PISA 2006. Paris: OECD Publications, 2006.; OECD, 2010OECD. PISA 2012 Mathematics Framework. Paris: OECD Publications, 2010. Disponível em: <www.oecd.org/dataoecd/8/38/46961598.pdf >. Acesso em: 09 jul. 2012.
    www.oecd.org/dataoecd/8/38/46961598.pdf...
    ) e em De Lange (2003).
  • 16
    Autêntico no sentido de fazer sentido, de ser legítimo para o estudante, não necessariamente verdadeiro. Ainda que seja um contexto de conto de fadas, por exemplo, deve ser razoável com os fatos, fundamentado em algo, verossímil.
  • 17
    Vale a pena observar que, apesar de a publicação de Butts (1997)BUTTS, T. Formulando problemas adequadamente. In: KRULIK, S.; REYS, R. E. A Resolução de Problemas na Matemática Escolar. São Paulo: Atual, 1997. p. 32-48. ter mais de 15 anos, a afirmação do autor de que a maioria dos problemas contidos nos livros didáticos, de qualquer nível, pertencia aos três primeiros agrupamentos, aparentemente, não mudou.
  • 18
    Apresentado na seção anterior.
  • 19
    O que diferencia aqui problema de palavra e exercício é que esse não apresenta contexto algum em seu enunciado.
  • 20
    Os tipos de itens apresentados pelo PISA dizem respeito, especificadamente, às tarefas de avaliação. Entretanto, podem servir para estender a discussão no que diz respeito às tarefas de sala de aula de modo geral.
  • 21
    Com base em Newell e Simon (1972) - NEWELL, A.; SIMON, H. Human Problem Solving. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1972.
  • 22
    Do inglês “bare problem”.
  • 23
    No original, o autor utiliza os termos “fácil” e “difícil”, os quais, consideramos nós, serem relativos à forma como o sujeito enfrenta as tarefas. Acreditamos ser mais coerente a utilização dos termos “simples” e “complexos” pelo fato de essas características serem associadas às tarefas e não aos sujeitos.
  • 24
    KOSIK, K. Dialética do Concreto, 2ª ed., São Paulo: Paz e Terra, 1976.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2015

Histórico

  • Recebido
    Jun 2014
  • Aceito
    Dez 2014
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