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O Fenômeno Didático Institucional da Rigidez e a Atomização das Organizações Matemáticas Escolares* * Trabalho financiado pelo projeto: “La modelización matemática para la formación del profesorado de secundaria: del algebra al cálculo diferencial “(EDU2012-39312-C03-03).

THE INSTITUTIONAL DIDACTIC PHENOMENON OF RIGIDITY AND THE ATOMIZATION OF SCHOOL MATHEMATICS ORGANIZATIONS

Resumos

Nesta investigação estudamos um fenômeno didático complexo que se manifesta na desconexão dos conteúdos matemáticos que constituem o programa oficial do ensino secundário/médio e que está fortemente relacionado com a rigidez e a atomização da Matemática escolar. Para tal estudo utilizamos as ferramentas teóricas e metodológicas que nos proporciona a Teoria Antropológica do Didático (TAD) cujo objeto primário de investigação é a análise da atividade matemática escolar institucional. Assim, realizamos estudos exploratórios nos manuais escolares de Matemática do ensino secundário de Portugal e da Espanha, contrastando e comprovando cinco conjeturas relacionadas, por exemplo, com a ausência de questionamento e justificação das técnicas utilizadas. Concluimos que nestes países as praxeologias matemáticas apresentam-se desarticuladas, rígidas, e, consequentemente, surgem isoladas atividades de modelagem matemática nas instituições escolares.

Organização Matemática; Ensino médio/secundário; Teoria Antropológica do Didático (TAD)


In this research, we studied a complex didactic phenomenon manifested on the disconnection of mathematical contents that constitute the official program of secondary education and that relates strongly to the rigidity and atomization of school mathematics. For this study, we used the theoretical and methodological tools that the Anthropological Theory of Didactic (ATD) provides us, which primary object of research is the analysis of the institutional school mathematics activity. Thus, we carry out exploratory studies in mathematics textbooks in Portugal and Spain secondary education, contrasting and proving five conjectures related, for example, with the absence of questioning and justification of the used techniques. We conclude that in these countries, the mathematical praxeologies are often disjointed, rigid and, consequently, there are isolated activities of mathematical modelling in educational institutions.

Mathematical organization; Secondary education; Anthropological Theory of Didactic (ATD)


1 Introdução: rigidez versus flexibilidade

Neste trabalho estudaremos a rigidez da Matemática escolar utilizando as ferramentas teóricas e metodológicas que a Teoria Antropológica do Didático (TAD) nos proporciona. Em coerência com esta teoria didática, e tal como explicaremos, em seguida, detalhadamente, tomaremos um ponto de vista epistemológico e institucional em vez de cognitivo e pessoal(GASCÓN 1998GASCÓN, J. Evolución de la didáctica de las matemáticas como disciplina científica. Recherches en Didactique des Mathématiques, Grenoble: La Pensée Sauvage, v. 18, n. 1, p. 7-34, Avril. 1998., 2003GASCÓN, J. From the cognitive to the epistemological program in the didactics of mathematics: two incommensurable scientific research programs. For the learning of mathematics, v. 23, n. 2, p. 44-55, 2003.).

O fenômeno da rigidez e as suas diferentes manifestações têm sido estudados por diferentes teorias didáticas segundo uma abordagem cognitiva, utilizando a noção de atividade matemática flexível, autónoma e aberta (em oposição a rígida, dirigida e rotineira). No âmbito destas abordagens, a origem do problema reside na constatação das dificuldades, contradições, confusões, obstáculos cognitivos e, em geral, fenômenos (cognitivos) que aparecem na transição do Elementary Mathematical Thinking (EMT) ao Advanced Mathematical Thinking (AMT). No início da década de 90, do século passado, alguns estudos revelaram que essa transição não poderia ser explicada exclusivamente por dificuldades na aprendizagem formal de conceitos matemáticos, mas que se deveria enfatizar especialmente o novo tipo de raciocínio matemático associado. Tommy Dreyfus constatou que os alunos do ensino primário e secundário aprendiam, na disciplina de Matemática, um grande número de procedimentos padronizados e uma grande quantidade de conhecimentos, mas praticamente nada referente à metodologia de trabalho dos matemáticos. Em particular, os alunos não aprendiam a usar os seus conhecimentos matemáticos de forma flexível para resolver problemas de um tipo desconhecido para eles (DREYFUS, 1991).

A noção de pensamento matemático flexível pode ser descrita a partir de noções mais primitivas que Tall (1996)TALL, D. Functions and Calculus, In: A. J. BISHOP et al. (Ed.). International Handbook of Mathematics Education, Dordrecht: Kluwer, 1996. p. 289-325. tomou originalmente de Piaget (1972)PIAGET, J.The Principles of Genetic Epistemology, London: Routledge and Kegan Paul, 1972. e de trabalhos que interpretam a obra deste, como os de Dubinsky (1991)DUBINSKY, E. Reflective Abstraction in Advanced Mathematical Thinking, In: David Tall (Ed.). Advanced Mathematical Thinking, Dordrecht: Kluwer, 1991. p. 95-123. e Sfard (1991)SFARD, A. On the Dual Nature of Mathematical Conceptions: Reflections on processes and objects as different sides of the same coin, Educational Studies in Mathematics, v. 22, nº 1, p. 1-36, February. 1991.. Estas noções são as de processos mentais (ou sistemas de ações interiorizados) e de conceitos produzidos pelo encapsulamento de processos. Os conceitos assim obtidos são objetos sobre os quais se pode aplicar, por sua vez, um sistema de ações que pode ser novamente interiorizado e dar lugar a um processo mental de nível superior suscetível de ser, de novo, encapsulado num conceito de ordem superior e, assim sucessivamente. Gray e Tall (1994)GRAY, E.; TALL, D. Duality, Ambiguity and Flexibility: A Proceptual View of Simple Arithmetic, Journal for Research in Mathematics Education, Reston (USA). v. 26, nº 2, p. 115-141. 1994. designaram por procept uma combinação de processo e conceito produzido pelo processo, que foram representados conjuntamente por um mesmo símbolo matemático, destacando assim a natureza dual dos objetos matemáticos e o papel do simbolismo matemático no encapsulamento (de processos em objetos) (TALL, 1996TALL, D. Functions and Calculus, In: A. J. BISHOP et al. (Ed.). International Handbook of Mathematics Education, Dordrecht: Kluwer, 1996. p. 289-325.).

As três noções básicas do Cálculo: função, derivada e integral (bem como a noção fundamental de limite) são exemplos de procepts. O estudo do Cálculo Elementar exige portanto, desde o início, flexibilidade suficiente para lidar com um mesmo símbolo, quer seja como representante de um processo que atua sobre determinados objetos, quer seja uma entidade singular à qual se pode aplicar outros processos para obter novos objetos. O poder do AMT surge justamente no uso flexível da estrutura dual dos objetos matemáticos citados (e dos construídos a partir deles) possibilitada, em parte, pela ambiguidade da notação usada. A rigidez dos procedimentos padronizados que caracterizam o EMT é, por conseguinte, um obstáculo cognitivo muito importante e explica muitos dos erros conceituais extravagantes (DREYFUS, 1991DREYFUS, T. Advanced Mathematical Thinking Processes, In David Tall (Ed.). Advanced Mathematical Thinking, Dordrecht: Kluwer, 1991. p. 25-41.), apresentados pela grande maioria dos estudantes no seu primeiro encontro com o Cálculo. Relativamente a este problema, Silva et al. (1999)SILVA, A.; VELOSO, E.; PORFÍRIO, J.; ABRANTES, P. O Currículo de Matemática e as Actividades de Investigação. In: P. ABRANTES. J. P. PONTE, H. FONSECA; L. BRUNHEIRA (Org.). Investigações matemáticas na aula e no currículo. Lisboa: APM e Projeto MPT, 1999. p. 69-85.referiram que a aprendizagem da Matemática deveria incluir oportunidades para os alunos se envolverem em momentos genuínos de atividade matemática. Salientaram que as investigações matemáticas deveriam merecer um lugar de destaque, uma vez que: por um lado permitem a formulação de conjeturas, a avaliação da sua plausibilidade e a escolha dos testes adequados para a sua validação ou rejeição; e, por outro lado, permitem procurar argumentos que demonstrem as conjeturas que resistiram a sucessivos testes e levantar novas questões para investigar. Assim, propuseram a criação de um contexto de aula propício ao diálogo, em que o professor lança boas questões para trabalho prático com informação mínima e em que, após alguma discussão, os alunos partem para formas de trabalho de tipo exploratório, formulação de problemas, investigações ou pequenos projetos que o professor acompanha e incentiva, assumindo, num momento posterior, a coordenação da sistematização do trabalho desenvolvido e/ou da formalização de aspetos matemáticos inerentes. Os referidos autores realçaram também que a visão tradicional de uma matemática rígida, na qual as definições têm um carácter absoluto, aparece oposta àquela que as tarefas de investigação, se aceites com as suas características próprias, podem veicular.

De acordo com João Pedro da Ponte e João Filipe Matos, consideramos (e mostraremos que esta afirmação se pode sustentar empiricamente) que muitas das dificuldades que apresentam os alunos para trabalhar com tarefas de investigação e, em particular, para levantar questões pertinentes no desenvolvimento de tais tarefas, provêm do caráter formal da Matemática escolar e da forma como esta está organizada, pois “ [...] ensinam-se ‘respostas’ sem dar a mínima importância às 'questões' que as originam ou à forma como foram alcançadas” (PONTE; MATOS, 1996PONTE, J. P.; MATOS, J. F. Processos cognitivos e interacções sociais nas investigações matemáticas. In: P. Abrantes, L. C. Leal,; J. P. Ponte (Ed.). Investigar para aprender matemática, Lisboa: APM e Projecto MPT, 1996. p. 119-137., p. 123).

Para estes autores, a forma como os alunos concebem as representações e notações matemáticas adequadas às situações ou fenômenos que lhes são apresentados é um elemento fundamental para a realização de investigações. Muitas vezes, os alunos manifestam ter dificuldade em conceber alguma representação, não concebem as mais adequadas, ou saltitam entre diferentes representações, o que lhes cria sérias dificuldades na realização das tarefas propostas.

No mesmo sentido, Michèle Artigue (1998)ARTIGUE, M. De la compréhension des processus d’apprentissage a la conception de processus d’enseignement, Documenta Mathematica. Bielefeld (Germany). Extra Volume ICM, III, p. 723-733. 1998. considerou que a flexibilidade na utilização de diversos registros de representações (gráficos, simbólicos, linguagem natural, gestual,...), bem como, a flexibilidade na articulação sistemática de diferentes interpretações do mesmo objeto matemático são condições essenciais para desenvolver uma atividade matemática genuína. As instituições educativas deveriam ter, sob a sua responsabilidade, o trabalho de possibilitar e capacitar a articulação de vários registros de representação e as diferentes interpretações dos objetos matemáticos, uma vez que, quando esta articulação é deixada para o trabalho privado do aluno, as possibilidades de insucesso são elevadas. Em particular, Artigue afirmou, segundo Tall (1996)TALL, D. Functions and Calculus, In: A. J. BISHOP et al. (Ed.). International Handbook of Mathematics Education, Dordrecht: Kluwer, 1996. p. 289-325., que a tecnologia da informação, se usada adequadamente, pode desempenhar um papel decisivo no desenvolvimento de articulações flexíveis e no equilíbrio entre registros algébricos e gráficos.

Em seguida, e utilizando as ferramentas que nos proporciona a TAD, analisaremos detalhadamente alguns aspetos da forma de organizar as matemáticas nas instituições escolares. Isto com o objetivo de fornecer uma base empírica para sustentar e permitir especificar a hipótese (compartilhada, como já vimos, por múltiplos investigadores), segundo a qual, a Matemática escolar no ensino secundário/médio está organizada de forma rígida e atomizada, o que dificulta enormemente o desenvolvimento de uma verdadeira atividade matemática pelos estudantes. Além disso, esta investigação pretende, em primeiro lugar, suportar empiricamente que esta rigidez e atomização das matemáticas escolares constituem um fenômeno didático de caráter institucional (e não pessoal) relativamente independente das características pessoais dos sujeitos do processo didático (alunos e professores) e, até mesmo, das culturas pedagógicas nas quais eles estão imersos.

2 Modelo epistemológico-didático proposto pela teoria antropológica do didático

O Programa Epistemológico de Investigação em Didática da Matemática (GASCÓN 1998GASCÓN, J. Evolución de la didáctica de las matemáticas como disciplina científica. Recherches en Didactique des Mathématiques, Grenoble: La Pensée Sauvage, v. 18, n. 1, p. 7-34, Avril. 1998., 2003GASCÓN, J. From the cognitive to the epistemological program in the didactics of mathematics: two incommensurable scientific research programs. For the learning of mathematics, v. 23, n. 2, p. 44-55, 2003.) surgiu da convicção de que a origem do problema da Educação Matemática está na própria Matemática. O nascimento deste Programa de Investigação1 1 Geralmente, considera-se que os trabalhos iniciais de Guy Brousseau e, em especial, os que abordam a epistemologia experimental, constituem o germe do Programa Epistemológico. Em Brousseau (1997) encontra-se uma coleção de trabalhos seus publicados entre 1970 e 1990. constitui uma resposta à visível insuficiência dos modelos epistemológicos da Matemática, incluindo os modelos desenvolvidos pela epistemologia clássica, para enfrentar o Problema da Educação Matemática. O questionamento da transparência do matemático e claro pressuposto de que o mistério permanece na própria Matemática, permite tomar a atividade matemática como o objeto primário do estudo, como uma nova porta de entrada da análise didática.

Para analisar a atividade matemática institucionalizada, a Teoria Antropológica do Didático (adiante, TAD), situada dentro do Programa Epistemológico, propõe inicialmente um modelo epistemológico geral da Matemática que descreve o saber matemático em termos de organizações ou praxeologias matemáticas institucionais (CHEVALLARD, 1999CHEVALLARD, Y. L’analyse des pratiques enseignantes en théorie anthropologique du didactique. Recherches en Didactique des Mathématiques,Grenoble: La Pensée Sauvage, v. 19, n. 2, p. 221-266, Août. 1999.). Neste modelo o conhecimento matemático surge organizado em dois níveis. O primeiro nível designa-se por práxis (ou saber-fazer), refere-se à prática realizada e, por sua vez, descreve-se em dois componentes: os tipos de problemas/tarefas que se estudam e as técnicas que são usadas para os/as resolver. O segundo nível contém a parte descritiva, organizadora e justificadora da atividade, designa-se por logos (ou simplesmente, por saber) e contém o discurso matemático-racional sobre a referida prática. Analogamente, este segundo nível estrutura-se em duas componentes: a tecnologia (discurso matemático diretamente relacionado com a prática) que serve para tornar as técnicas inteligíveis, para as descrever, interpretar, justificar o seu funcionamento e, em última análise, fundamentar a produção de novas técnicas; e a teoria que dá significado aos problemas propostos, permite explicar e interpretar as descrições e justificações tecnológicas. Assim, a teoria poderá ser interpretada, em certo sentido, como uma tecnologia da tecnologia.

Ao juntar os dois níveis de atividade (práxis+logos) surge a noção de praxeologia matemática (adiante, PM) que constitui a noção básica do modelo epistemológico que propõe a TAD. Os tipos de tarefas, técnicas, tecnologias e teorias são as quatro categorias de elementos que compõem uma organização ou praxeologia matemática.

A TAD postula que toda a atividade matemática pode ser interpretada como uma atividade de produção de praxeologias com o objetivo de responder a determinadas questões problemáticas. Esta atividade requer que o estudante (seja este um aluno, um professor ou um investigador) disponha de técnicas matemáticas adequadas e que possa usar, quando requerido, um discurso matemático para interpretar, dar sentido e desenvolver a prática matemática. A atividade de resolver problemas fica assim integrada indissoluvelmente nas restantes componentes da PM e, assim, não poderá interpretar-se separadamente das técnicas matemáticas que estão disponíveis numa determinada instituição, nem de forma independente do discurso matemático disponível.

Esta integração indissolúvel das componentes de uma PM reflete-se no tipo de atividade didática, ou seja, na atividade de estudo e de auxílio ao estudo da Matemática que propõe a TAD (CHEVALLARD; BOSCH; GASCÓN, 1997). Assim, com efeito, no modelo didático proposto por esta teoria, a atividade de desenvolver técnicas matemáticas adequadas para abordar as tarefas que aparecem ao longo do processo de estudo, bem como, a de construir o discurso matemático que as justifica e que permite construir novas técnicas, não se situa sob a exclusiva responsabilidade do professor (ou do diretor do processo de estudo).

Em resumo, o modelo epistemológico-didático que propõe a TAD, embora salientando o papel central da atividade de resolução de tipos de problemas por parte dos estudantes, enfatiza que tal atividade não consiste em solucionar problemas a partir de técnicas matemáticas dadas e no âmbito de uma teoria matemática predeterminada. Por outro lado, a construção destas técnicas e o seu desenvolvimento progressivo, bem como, a construção de um discurso teórico justificativo e interpretativo da prática matemática, formam uma parte essencial do trabalho de resolução de problemas. Até mesmo, a abordagem de novos problemas matemáticos depende muitas vezes do questionamento das técnicas e de certos aspetos do discurso teórico.

Na verdade, o matemático não ansia apenas criar bons problemas e resolvê-los, mas pretende, além disso, caracterizar, delimitar e inclusivamente classificar os problemas em "tipos de problemas". Para avançar no seu trabalho, o matemático necessita de construir, desenvolver e caracterizar as técnicas que utiliza para resolver os problemas, até ao ponto de controlá-las e padronizar o seu uso, pelo que deve estabelecer as condições sob as quais as técnicas funcionam ou deixam de ser aplicáveis e, em última análise, construir argumentos sólidos e eficazes que sustentem a validade dos seus procedimentos.

Surge assim, uma dimensão da atividade matemática desconhecida na Matemática escolar (incluindo a Matemática universitária) que denominamos por questionamento tecnológico das técnicas matemáticas que se utilizam. Esta dimensão contém todas as questões problemáticas que aparecem quando se consideram as técnicas como objetos de estudo em si mesmas, em vez de tratá-las como se fossem dadas antecipadamente, como se fossem transparentes ou inquestionáveis e como se a única atividade que poderia ser realizada com elas fosse a resolução de problemas. Na verdade, na Matemática escolar habitual, tudo está preparado para que as técnicas funcionem bem sempre que se necessite delas, e para que não haja nenhum conflito entre as técnicas disponíveis e as tarefas matemáticas propostas.

Com a integração do questionamento tecnológico na atividade matemática, as próprias técnicas são tomadas como objeto de estudo, os problemas matemáticos podem utilizar-se como um meio para colocar em causa a economia, a eficácia, a fiabilidade e o âmbito de aplicabilidade das técnicas matemáticas.

3 Aspetos da rigidez e a atomização das organizações matemáticas do secundário

A tese de Fonseca (2004)FONSECA, C. Discontinuidades matemáticas y didácticas entre la Secundaria y la Universidad. 2004. 263 p. Tesis (Doctoral en Ciencias Matemáticas) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2004. revela a atomização das organizações matemáticas e a rigidez no tipo de tarefas e técnicas que os estudantes utilizam no ensino secundário espanhol, mostrando a ausência escolar do questionamento tecnológico das técnicas matemáticas, ou seja, a ausência institucional de uma análise do custo, da fiabilidade e do domínio de validade das diferentes técnicas úteis para executar uma tarefa, que poderia permitir flexibilizar a atividade matemática escolar (FONSECA, 2004FONSECA, C. Discontinuidades matemáticas y didácticas entre la Secundaria y la Universidad. 2004. 263 p. Tesis (Doctoral en Ciencias Matemáticas) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2004.; BOSCH; FONSECA; GASCÓN, 2004BOSCH, M.; FONSECA, C.; GASCÓN, J. Incompletitud de las organizaciones matemáticas locales en las instituciones escolares. Recherches en Didactique des Mathématiques, Grenoble: Sauvage, v. 24, n. 2-3, p. 205-250, 4º trimestre. 2004.).

Assim, no ensino secundário, a Matemática surge como uma sequência de conhecimentos pontuais, que consiste basicamente em aplicar técnicas predeterminadas para um certo tipo de problemas, após uma apresentação teórica descritiva por parte do docente, em que raramente é questionada a necessidade de justificar a técnica usada para a atividade matemática, nem o seu domínio de validade. Para resolver este problema, a TAD sugere a introdução de um trabalho prolongado de modelagem de situações matemáticas ou extra-matemáticas capazes de gerar o desenvolvimento de novas técnicas pelos alunos na atividade matemática escolar. Usando a noção de praxeologia matemática pontual e local 2 2 As PM mais elementares chamam-se pontuais e são constituídas em torno do que, numa determinada instituição, é considerado um único tipo de tarefas. Quando uma PM é obtida por integração de um determinado conjunto de PM pontuais, tais que todas aceitam um discurso tecnológico comum, diremos que temos uma PM localcaracterizada por tal tecnologia. Na TAD também se fala de PM "regionais" e "globais" (CHEVALLARD, 1999). , elaboramos uma conjetura geral como base para reformular o problema docente como um verdadeiro problema de investigação didática no âmbito do Programa Epistemológico de Investigação em Didática da Matemática:

Quadro 1
– Problema de investigação didática (FONSECA, 2004)

A partir desta conjetura geral, propomos cinco conjeturas específicas relativas à atividade matemática escolar do ensino secundário (FONSECA, 2004FONSECA, C. Discontinuidades matemáticas y didácticas entre la Secundaria y la Universidad. 2004. 263 p. Tesis (Doctoral en Ciencias Matemáticas) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2004., p.45-48):

C1. As técnicas matemáticas dependem fortemente da nomenclatura

C2. A aplicação de uma técnica não implica a interpretação do resultado obtido

C3. Cada tarefa está associada a uma técnica privilegiada

C4. Não há reversão das técnicas para realizar a tarefa matemática inversa

C5. Ausência de situações abertas de modelagem

É importante sublinhar que esta quinta conjetura terá um papel especial visto que, em certo sentido, contém as restantes, uma vez que estas podem ser interpretadas como restrições institucionais que tornam difícil e, inclusivamente, impedem a vida da modelagem matemática nas instituições escolares.

O primeiro objetivo deste trabalho, mais do que comparar a situação de desarticulação e fragmentação da Matemática em Portugal com a da Espanha3 3 Em investigações futuras gostaríamos de recolher e analisar dados de outros países com o intuito de verificar se o fenômeno da rigidez e incompletude das matemáticas é independente das tradições culturais, da sociedade em estudo, ou mesmo, do nível de escolaridade em análise. , é o de estudar em que medida e em que sentido o fenômeno didático-matemático de desarticulação e correspondente rigidez das PM escolares é generalizável para além das instituições escolares espanholas e, portanto, apresenta um caráter institucional em vez de pessoal. Pretendemos, mesmo assim, analisar algumas das principais consequências deste fenômeno didático nas atuais instituições escolares em relação à possibilidade de existência da atividade de modelagem matemática em tais instituições. Para o contraste experimental dessas conjeturas elegemos três tipos de dados empíricos como indicadores das características das PM que se reconstroem nas duas instituições:

  1. Os programas oficiais e respectivos desenhos curriculares de Matemática, em particular, do 3º ciclo e ensino secundário português e do ensino secundário obrigatório e bacharelato do sistema escolar espanhol.

  2. As respostas de uma amostra de estudantes de Matemática de escolas portuguesas e espanholas a tarefas matemáticas propostas num questionário(LUCAS, 2010LUCAS, C. Organizaciones Matemáticas Locales Relativamente Completas. 2010. 256 p. Tesina (Diploma de Estudios Avanzados: Programa Doctoral de Técnicas Matemáticas Avanzadas y sus Aplicaciones) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2010.).

  3. Os dados obtidos a partir da análise dos tipos de tarefas que propõe uma amostra de manuais escolares aprovados oficialmente pelas autoridades educacionais portuguesa e espanhola para uso nos níveis educativos acima referidos. Estes dados podem ser considerados como a resposta dos livros didáticos ao citado questionário.

Por uma questão de espaço, neste trabalho explicitaremos apenas os dados empíricos referentes aos manuais escolares (ponto 3) e descreveremos parcialmente, nas conclusões, alguns dos resultados obtidos tomando como base empírica as respostas facultadas por uma ampla amostra de estudantes a um questionário (ponto 2), com o objetivo de sublinhar a coerência entre os dados obtidos em ambos os casos. Os detalhes complementares deste estudo podem ser consultados em Lucas (2010)LUCAS, C. Organizaciones Matemáticas Locales Relativamente Completas. 2010. 256 p. Tesina (Diploma de Estudios Avanzados: Programa Doctoral de Técnicas Matemáticas Avanzadas y sus Aplicaciones) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2010.. Num segundo momento, pretendemos explicar as diferenças mais significativas nos currículos e livros didáticos dos sistemas escolares de Portugal e da Espanha.

4 Indicador empírico: os manuais escolares

O manual escolar ou livro didático é uma publicação especializada, com identidade própria, que nasceu como resposta às necessidades do sistema educativo geral público e do modelo de ensino simultâneo. Logo, podemos afirmar que este indicador empírico representa muito bem o saber institucional tal como surge no sistema escolar e que, através da sua metamorfose, constitui um material constante do sistema didático que condiciona fortemente o tipo de atividade matemática que se desenvolve na sala de aula.

Neste estudo analisamos livros didáticos que exploram o currículo oficial do 3º ciclo e do ensino secundário português e, posteriormente, comparamos os resultados obtidos com os dados relativos ao ensino secundário obrigatório e bacharelado espanhol apresentados em Fonseca (2004)FONSECA, C. Discontinuidades matemáticas y didácticas entre la Secundaria y la Universidad. 2004. 263 p. Tesis (Doctoral en Ciencias Matemáticas) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2004.. A seleção dos manuais tomou em consideração a sua ampla difusão nas instituições escolares do país. Assim, foram analisados dois manuais de cada ano de escolaridade descritos em Lucas (2010)LUCAS, C. Organizaciones Matemáticas Locales Relativamente Completas. 2010. 256 p. Tesina (Diploma de Estudios Avanzados: Programa Doctoral de Técnicas Matemáticas Avanzadas y sus Aplicaciones) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2010..

Seguidamente apresenta-se uma síntese dos resultados agrupados por conjeturas:

C1. As técnicas matemáticas dependem fortemente da nomenclatura

Propomos uma especificação desta conjetura para quatro temas específicos: Derivação, Limites, Representação gráfica de funções elementares e Álgebra (em particular, equações do segundo grau completas), conforme mostra a tabela seguinte:

Tabela 1
– Especificação da conjetura 1 e respectivos resultados

As tabelas referem-se ao número total de tarefas de cada tipo que aparecem no conjunto dos manuais analisados. Assim, por exemplo, no conjunto de manuais portugueses analisados surgem 243 tarefas referentes ao cálculo de derivadas relativamente à variável x e apenas 14 tarefas desse tipo propõem a utilização de uma variável diferente de x. Analogamente, no conjunto de manuais espanhóis analisados, contabilizamos 952 tarefas referentes ao cálculo de derivadas relativamente à variável x e somente 5 tarefas desse tipo usam uma variável distinta de x.

C2. A aplicação de uma técnica não implica a interpretação do resultado obtido

Nos livros didáticos, para cada tipo de tarefa, contamos, por um lado, o número de exercícios que envolvem a interpretação da técnica ou do resultado e, por outro lado, o número de exercícios que não incluem.

Tabela 2
– Especificação da conjetura 2 e respectivos resultados

As tabelas refletem claramente a diferença nos manuais consultados entre o número de exercícios propostos para serem resolvidos de forma mecânica e a ausência quase absoluta de exercícios que exigem a interpretação do resultado.

C3. A cada tarefa está associada uma técnica privilegiada

Ao analisar os manuais contamos quantos exercícios de realização de uma tarefa específica incluem uma única técnica e quantos sugerem a resolução da tarefa por uma técnica diferente.

Tabela 3
– Especificação da conjetura 3 e respectivos resultados

Os dados mostram claramente o grande número de exercícios propostos para resolver uma tarefa por uma única técnica (a privilegiada) e a menor quantidade de exercícios que visam resolver uma tarefa por mais de uma técnica ou por uma técnica diferente da considerada privilegiada.

C4. Não há reversão das técnicas para realizar a tarefa matemática inversa

Na análise dos manuais contamos, para cada tema específico, os exercícios relacionados com a tarefa direta e com a tarefa inversa. Nesta quarta conjetura as hipóteses coincidem nos estudos efetuados nos dois países, portanto comparamos todos os resultados obtidos apresentados nas tabelas seguintes:

Tabela 4
– Especificação da conjetura 4 e respectivos resultados

Indubitavelmente, os dados refletem um maior número de exercícios propostos referentes à tarefa direta do que relativos à tarefa inversa. Por conseguinte, as técnicas inversas estão ausentes nos livros didáticos. Nos dois países é observada, na conjetura C4C, uma grande discrepância entre o número de exercícios relativos à tarefa direta resolver um sistema de equações lineares (150 em Portugal e 516 em Espanha) e à tarefa inversa escrever um sistema de equações lineares dadas as soluções (2 em Portugal e 1 em Espanha).

C5. Ausência de situações abertas de modelagem

Na investigação efetuada por Fonseca sobre os manuais espanhóis, em 2004, foram estabelecidas conjeturas referentes à existência de poucas situações abertas que exigem um trabalho de modelagem usando inequações (C5A), derivadas (C5B) ou integrais (C5C). Os resultados foram os seguintes:

Tabela 5
– Resultados da conjetura 5 em Espanha

Observou-se que, quando porventura surge alguma etapa de modelagem matemática esta reduz-se apenas à manipulação do modelo apresentado no enunciado do problema. Das cerca de 4000 tarefas analisadas, verificou-se que nenhuma exige que o aluno escolha as variáveis apropriadas para modelar um dado sistema (matemático ou extra-matemático).

Neste trabalho de investigação, a contagem das tarefas foi efetuada de forma diferente, porque os manuais portugueses apresentam muitos problemas de modelagem. Consequentemente, consideramos que seria interessante, mais do que verificar a existência/ausência de situações de modelagem, contar os problemas que requerem a construção do modelo, os que sugerem apenas a manipulação do modelo já construído e os que englobam os dois processos. Pretendemos assim, nesta conjetura, testar uma única hipótese:

Quadro 2
– Hipótese específica para o sistema de ensino português (LUCAS, 2010)

Analisamos diversos temas nos manuais escolares portugueses (derivada, percentagens, funções polinomiais e funções definidas por ramos) e contamos os problemas que incluem a fase de construção e/ou manipulação do modelo. Na tabela seguinte registramos os resultados:

Tabela 6
– Resultados da conjetura 5 em Portugal

Gráfico 1
– Comparação da percentagem de tarefas que incluem apenas a construção de modelos com a percentagem das que incluem apenas a sua manipulação (LUCAS, 2010).

De todos os temas analisados observou-se, à exceção das funções polinomiais,um maior número de problemas que não incluem a construção do modelo do que os que incluem essa tarefa. É interessante salientar a grande diferença de resultados nos temas Derivadas e Percentagens. Note-se que dos 147 problemas sobre derivadas apenas 20 não incluem uma tarefa de modelagem. Esse grande número de problemas com derivadas refere-se, essencialmente, a problemas de otimização. Assim, concluímos que a maioria dos problemas que incluem alguma etapa de modelação, essa corresponde à manipulação do modelo. Dos 316 problemas analisados, em 204 problemas não está presente a tarefa de construir o modelo, apenas incluem a manipulação. Os dados10 10 Resultantes da reunião de todos os dados relativos aos quatro temas. representados no Gráfico 1 refletem claramente a diferença de percentagem de problemas que incluem a manipulação de um modelo já existente (63,29%) e de problemas que ainda incluem a construção do modelo (28,48%). Concluímos que, globalmente, nos problemas estudados está mais presente a tarefa de manipulação do modelo do que a tarefa relacionada com a sua construção.

5 Conclusões

Relativamente à primeira conjetura da rigidez da Matemática no ensino secundário, observamos que os dados revelam a escassez de exercícios nos livros didáticos que permitam que o aluno manipule uma técnica específica usando nomenclaturas incomuns. Assim, concluímos que as técnicas matemáticas tendem a identificar-se com os objetos ostensivos (símbolos, palavras e gráficos) que se utilizam para descrevê-las e implementá-las. Esta uniformidade na nomenclatura e a pouca variedade de tarefas relacionadas com uma determinada organização matemática provocará um grande obstáculo para os alunos de Matemática no primeiro ano da Universidade. Estes dados são coerentes com as respostas proporcionadas pelos estudantes ao questionário citado (LUCAS, 2010LUCAS, C. Organizaciones Matemáticas Locales Relativamente Completas. 2010. 256 p. Tesina (Diploma de Estudios Avanzados: Programa Doctoral de Técnicas Matemáticas Avanzadas y sus Aplicaciones) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2010.) e elaborado para detectar a incidência de diferentes aspetos da rigidez na atividade matemática escolar dos estudantes. A partir dos dados obtidos referentes ao primeiro aspeto da rigidez da Matemática, concluímos que as técnicas utilizadas no ensino secundário dependem fortemente da nomenclatura, uma vez que, bastou simplesmente substituir no questionário o símbolo representativo da incógnita por um menos habitual para que o número de respostas incorretas e em branco dos estudantes aumentasse consideravelmente.

A segunda conjetura está relacionada com o fato de que o conjunto de regras que regem a repartição das responsabilidades entre o professor e os estudantes do secundário, não atribui ao aluno a responsabilidade de interpretar o resultado obtido após a aplicação de uma técnica matemática. Os dados suportam a hipótese de que a atividade matemática no secundário é essencialmente prático-técnica e raramente atinge o nível tecnológico. Os resultados do estudo exploratório efetuado nos manuais escolares confirmam que, no secundário, não existem, praticamente, tarefas institucionalizadas que tenham como objetivo interpretar o funcionamento ou o resultado da aplicação de uma técnica. As respostas ao questionário mencionado (LUCAS, 2010LUCAS, C. Organizaciones Matemáticas Locales Relativamente Completas. 2010. 256 p. Tesina (Diploma de Estudios Avanzados: Programa Doctoral de Técnicas Matemáticas Avanzadas y sus Aplicaciones) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2010.), correspondentes a esta segunda conjetura mostram que os alunos manifestam dificuldades nas tarefas em que intervém o bloco tecnológico-teórico, em particular, na interpretação da atividade matemática.

A terceira conjetura da rigidez das praxeologias resume-se na existência de uma técnica privilegiada associada a cada tarefa matemática do secundário. Significa que o contrato didático não permite que o aluno tenha a responsabilidade de decidir, do conjunto das diversas técnicas úteis para resolver uma tarefa, qual é a mais econômica ou a mais fiável. Os dados empíricos extraídos dos manuais permitem explicar por que razão os estudantes nunca comparam o custo de duas técnicas diferentes para decidir, em cada caso, qual é a mais adequada, uma vez que é uma atividade praticamente ausente nos livros didáticos. E, efetivamente, nas suas respostas às tarefas do questionário (LUCAS, 2010LUCAS, C. Organizaciones Matemáticas Locales Relativamente Completas. 2010. 256 p. Tesina (Diploma de Estudios Avanzados: Programa Doctoral de Técnicas Matemáticas Avanzadas y sus Aplicaciones) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2010.), os alunos mostram uma forte tendência em utilizar para cada tarefa uma técnica privilegiada, mesmo no caso em que, o uso de uma técnica alternativa pudesse simplificar bastante a realização da tarefa.

A falta de inversão das técnicas representa a quarta conjetura da rigidez das organizações matemáticas do secundário. Os dados empíricos extraídos dos livros didáticos mostram que, em geral, a inversão das tarefas e o uso das correspondentes técnicas inversas são atividades relativamente ausentes na Matemática escolar. Explica-se assim, por que razão os estudantes não invertem uma técnica quando lhes propõem a tarefa inversa e porque basta alterar, por exemplo, a determinação das soluções de uma equação para a determinação da equação sabendo as soluções para que o número de respostas corretas decresça significativamente tal como se observa na análise das respostas ao questionário (LUCAS, 2010LUCAS, C. Organizaciones Matemáticas Locales Relativamente Completas. 2010. 256 p. Tesina (Diploma de Estudios Avanzados: Programa Doctoral de Técnicas Matemáticas Avanzadas y sus Aplicaciones) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2010.).

Finalmente, observamos a baixa frequência de situações de modelagem nos manuais, em particular, questões que envolvem simultaneamente a construção e a manipulação de modelos que traduzem situações reais (quinta conjetura). Um dos principais indicadores do grau de flexibilidade de uma PM local é precisamente a existência de tarefas matemáticas abertas de modelagem. A sua importância como indicador da flexibilidade provém do fato de que a existência de uma verdadeira atividade de modelagem matemática (no sentido que se descreve em BARQUERO, 2009BARQUERO, B. Ecología de la modelización matemática en la enseñanza universitaria de las matemáticas. 2009. 537 p. Tesis (Doctoral en Matemáticas) – Departamento de Matemática, Universitat Autónoma de Barcelona, Barcelona, 2009.; RUIZ-MUNZÓN, 2010RUIZ-MUNZÓN, N. La introducción del álgebra elemental y su desarrollo hacia la modelización funcional. 2010. 2 v. Tesis (Doctoral en Matemáticas) – Departamento de Matemática, Universitat Autónoma de Barcelona, Barcelona, 2010. e SERRANO, 2013SERRANO, L. La modelización matemática en los estudios universitarios de economía y empresa: análisis ecológico y propuesta didáctica. 2013. 363 p.Tesis (Doctoral en Estadística Aplicada) – Departamento de Estadística Aplicada, Universitat Ramon Llull, Barcelona, 2013.) pressupõe um grau de flexibilidade das técnicas e, ainda mais, pressupõe que as organizações matemáticas pontuais atingiram um determinado grau de articulação. No entanto, observando os resultados empíricos provenientes dos livros didáticos, explica-se perfeitamente as dificuldades dos estudantes quando no questionário citado (LUCAS, 2010LUCAS, C. Organizaciones Matemáticas Locales Relativamente Completas. 2010. 256 p. Tesina (Diploma de Estudios Avanzados: Programa Doctoral de Técnicas Matemáticas Avanzadas y sus Aplicaciones) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2010.) são confrontados com tarefas que envolvem a construção e a manipulação de modelos que traduzem situações reais.

É importante acentuar que os diferentes aspectos da rigidez das PM escolares não são independentes entre si. Em particular, a ausência de uma atividade matemática de construção e manipulação de modelos matemáticos para responder a questões, que podem surgir tanto em contextos matemáticos como extra-matemáticos, longe de ser independente dos restantes aspectos da rigidez das PM escolares, está fortemente condicionada por eles. De fato, a excessiva dependência da nomenclatura, o uso cego de técnicas sem nenhum tipo de interpretação do resultado obtido, a ausência de questionamento da economia das técnicas matemáticas e do seu domínio de validade e, em particular, a escassíssima presença de técnicas alternativas para realizar uma determinada tarefa e para realizar as tarefas inversas às escolarmente habituais, constituem restrições ecológicas que dificultam e, até mesmo, impedem a vida da modelagem matemática no ensino secundário. Com efeito, formulada uma questão num sistema matemático ou extra-matemático, a modelagem de tal sistema (escolha das variáveis relevantes que caracterizam o sistema, construção de um modelo matemático, trabalho dentro do mesmo e correta interpretação de tal trabalho e dos resultados obtidos, reformulação do modelo para responder a novas questões, análise do ajuste do modelo ao sistema, etc.) requer um trabalho com organizações matemáticas flexíveis (no sentido de não rígidas) e articuladas.

Em resumo, podemos concluir em primeiro lugar que a rigidez, e a correspondente atomização das PM escolares, constitui um fenômeno didático de caráter institucional visto que, com tonalidades diferentes e em diferentes graus, se evidencia quer nos manuais escolares espanhóis quer nos portugueses e, paralelamente, a atividade matemática dos alunos é completamente coerente com os dados recolhidos desses manuais. Na verdade, alunos com diferentes culturas, sociedades, tradições e também, diferentes níveis educativos manifestam um comportamento semelhante ao responder a um questionário relativo à rigidez e atomização de certas organizações matemáticas, o que induz-nos a acreditar que, no que se refere à rigidez e atomização, o tipo de atividade matemática proposta em Portugal e em Espanha é similar (apesar de algumas diferenças na abordagem) e também tem consequências comparáveis.

A segunda conclusão que queremos destacar refere-se a uma das principais consequências do fenômeno da rigidez e consequente atomização das PM escolares. Trata-se da escassa presença da atividade de modelagem matemática nas instituições escolares e, em particular, no ensino secundário. Segundo a TAD, postulamos que as dificuldades objetivas mais imediatas que atingem qualquer tentativa de implementar, de forma generalizada, a atividade de modelagem nos sistemas de ensino são provenientes do fenômeno institucional de rigidez que descrevemos. Existem muitas outras restrições que resultam de mais além da estrutura das praxeologias matemáticas escolares tais como: a forma de interpretar a atividade matemática por parte das instituições escolares (o que denominamos por modelo epistemológico dominante em tais instituições) e, correlativamente, a forma de organizar o estudo das mesmas, que denominamos por modelo didático dominante. Os trabalhos de Barquero (2009)BARQUERO, B. Ecología de la modelización matemática en la enseñanza universitaria de las matemáticas. 2009. 537 p. Tesis (Doctoral en Matemáticas) – Departamento de Matemática, Universitat Autónoma de Barcelona, Barcelona, 2009., Ruiz-Munzón (2010)RUIZ-MUNZÓN, N. La introducción del álgebra elemental y su desarrollo hacia la modelización funcional. 2010. 2 v. Tesis (Doctoral en Matemáticas) – Departamento de Matemática, Universitat Autónoma de Barcelona, Barcelona, 2010. e Serrano (2013)SERRANO, L. La modelización matemática en los estudios universitarios de economía y empresa: análisis ecológico y propuesta didáctica. 2013. 363 p.Tesis (Doctoral en Estadística Aplicada) – Departamento de Estadística Aplicada, Universitat Ramon Llull, Barcelona, 2013. analisam detalhadamente estas restrições genéricas e a sua incidência na vida escolar da modelagem matemática.

Dada a importância de ensinar as matemáticas como ferramenta de modelagem, tal como tem sido destacado por inúmeras pesquisas em educação matemática (KAISER et al. 2006KAISER, G.; BLOMHØJ, M.; SRIRAMAN, B. A brief survey of the state of mathematical modeling around the world. ZDM The International Journal on Mathematics Education, Karlsrhue: Springer. v. 38, n.3, p. 212-213, June. 2006., BLUM et al. 2008BLUM, W.; GALBRAITH, P. L.; HENN, H.-W.; NISS, M. Modelling and applications in mathematics education: the 14th ICMI study. New ICMI Study Series Volume 10. ZDM The International Journal on Mathematics Education, Karlsruhe (Germany). v. 40, n. 2, p. 337-340, May. 2008.), é essencial descrever claramente as condições necessárias para que este tipo de atividade matemática possa viver com normalidade numa determinada instituição, assim como, as restrições que atualmente a tornam difícil e até mesmo a impedem. O nosso trabalho, ao descrever as restrições mais imediatas ou específicas que sofre a modelagem matemática, situa-se precisamente neste ponto.

Com base na análise de tais restrições e como resposta a este problema de grande alcance, que poderíamos designar por problema didático da difusão escolar da modelagem matemática, pesquisas recentes no âmbito da TAD propuseram a utilização de um novo dispositivo didático, os percursos de estudo e investigação (PEI) (CHEVALLARD, 2005CHEVALLARD, Y. La place des mathématiques vivantes dans l’éducation secondaire : transposition didactique et nouvelle épistémologie scolaire. In : DUCOURTIOUX, C.; HENNEQUIN, P.-L. (Ed.). La place des mathématiques vivantes dans l’enseignement secondaire. Publications de l’APMEP,. Paris: APMEP. 2005. p. 239-263) para introduzir em sala de aula os processos de modelagem. Considera-se que um PEI vem gerado pelo estudo de uma questão viva com um forte poder gerador, capaz de levantar um grande número de questões derivadas. O estudo destas questões conduz à construção, pela comunidade do estudo, das respostas provisórias que irão demarcar o mapa dos possíveis percursos e os seus limites. Os PEI recuperam assim, a verdadeira relação entre perguntas e respostas (dando prioridade às questões) que está na origem da construção de todo o conhecimento científico.

Dentre as funções dos PEI relacionadas com a implantação das condições necessárias para que a modelagem matemática possa viver normalmente nas instituições escolares, destacamos as seguintes: (a) os PEI possibilitam que o processo de estudo tenha uma certa continuidade no tempo e rompa com a atomização das questões matemáticas, e (b) os PEI situam o questionamento tecnológico como um motor do processo de estudo ao provocar a necessidade de reestruturar, modificar, corrigir e interpretar os modelos estudados mediante a progressiva ampliação das hipóteses sobre o sistema e a correlativa construção de outros modelos mais amplos e complexos.

Por tudo isto, os PEI constituem um dispositivo didático eficaz para começar a superar o fenômeno da rigidez e a atomização da Matemática escolar, instaurando assim as condições mínimas para viabilizar a modelagem matemática.

Referências

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  • TALL, D. Functions and Calculus, In: A. J. BISHOP et al. (Ed.). International Handbook of Mathematics Education, Dordrecht: Kluwer, 1996. p. 289-325.
  • *
    Trabalho financiado pelo projeto: “La modelización matemática para la formación del profesorado de secundaria: del algebra al cálculo diferencial “(EDU2012-39312-C03-03).
  • 1
    Geralmente, considera-se que os trabalhos iniciais de Guy Brousseau e, em especial, os que abordam a epistemologia experimental, constituem o germe do Programa Epistemológico. Em Brousseau (1997) encontra-se uma coleção de trabalhos seus publicados entre 1970 e 1990.
  • 2
    As PM mais elementares chamam-se pontuais e são constituídas em torno do que, numa determinada instituição, é considerado um único tipo de tarefas. Quando uma PM é obtida por integração de um determinado conjunto de PM pontuais, tais que todas aceitam um discurso tecnológico comum, diremos que temos uma PM localcaracterizada por tal tecnologia. Na TAD também se fala de PM "regionais" e "globais" (CHEVALLARD, 1999CHEVALLARD, Y. L’analyse des pratiques enseignantes en théorie anthropologique du didactique. Recherches en Didactique des Mathématiques,Grenoble: La Pensée Sauvage, v. 19, n. 2, p. 221-266, Août. 1999.).
  • 3
    Em investigações futuras gostaríamos de recolher e analisar dados de outros países com o intuito de verificar se o fenômeno da rigidez e incompletude das matemáticas é independente das tradições culturais, da sociedade em estudo, ou mesmo, do nível de escolaridade em análise.
  • 4
    Dos resultados do estudo efetuado na Espanha, não apresentamos aqui os referentes às conjeturas C1A e C1D porque estão relacionados com o cálculo de integrais e com a racionalização de denominadores que são temas não abordados no ensino secundário português. Salientamos que o estudo efetuado em Portugal é uma ampliação do estudo espanhol e que o principal objetivo deste trabalho não é comparar os resultados obtidos nos dois países mas sim, à semelhança de Fonseca (2004)FONSECA, C. Discontinuidades matemáticas y didácticas entre la Secundaria y la Universidad. 2004. 263 p. Tesis (Doctoral en Ciencias Matemáticas) – Departamento de Matemática Aplicada I, Universidad de Vigo, Vigo, 2004., constatar o fenômeno de rigidez e desarticulação das matemáticas no sistema de ensino português.
  • 5
    A análise deste tipo de tarefa nos manuais de Portugal envolveu apenas os exercícios que surgem depois do estudo da interpretação física da derivada de uma função (como velocidade ou aceleração) nos ditos manuais. Daí só terem sido analisadas 304 tarefas de um total de 503 tarefas referentes ao cálculo da derivada de uma função.
  • 6
    Dos resultados do estudo efetuado na Espanha, não apresentamos aqui os referentes às conjeturas C2C, C2D e C2E porque estão relacionados com temas não abordados no ensino secundário português. Ver nota de rodapé da .
  • 7
    Dos resultados do estudo efetuado na Espanha, não apresentamos aqui os referentes à conjetura C3A por esta ser relativa a um tema não abordado no ensino secundário português. Ver nota de rodapé da .
  • 8
    Limitar-nos-emos às funções afins e quadráticas.
  • 9
    Nestas conjeturas, C4C e C4D, apenas utilizamos os livros do 3.º ciclo e ESO.
  • 10
    Resultantes da reunião de todos os dados relativos aos quatro temas.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Dez 2014

Histórico

  • Recebido
    Jun 2013
  • Aceito
    Ago 2013
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