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História da Educação Matemática, Formação de Professores a Distância e Narrativas Autobiográficas: dos sofrimentos e prazeres da tabuada

History of Mathematics Education, Distance Learning Teacher Education and Autobiographical Narratives: the pleasures and sorrows of multiplication tables

Resumos

Este artigo aborda a leitura e a produção de narrativas autobiográficas na disciplina História do Ensino da Matemática, integrante da matriz curricular do curso a distância de Licenciatura em Matemática oferecido pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). O texto focaliza a relevância das dimensões históricas do ensino da Matemática na formação de professores, apresenta o contexto em foco e discute parâmetros teórico-metodológicos para o trabalho com textos autobiográficos na pesquisa e no ensino da História da Educação Matemática. São comentados, em especial, aspectos relacionados ao ensino e à aprendizagem da tabuada nas narrativas autobiográficas escritas por alunos do referido curso, em 2011.

História da Educação Matemática; Formação de Professores de Matemática a Distância; Escrita Autobiográfica; Narrativas sobre Ensinar-Aprender a Tabuada


This article addresses the reading and writing of autobiograpical narratives in a course on History of Mathematics Education from the distance learning program on Mathematics Teacher Education of Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). The text focus on the relevance of historical dimensions of mathematics teaching in teachers education, presents the context in focus and examines theoretical and methodological issues concerning autobiographical writing in research and teaching in History of Mathematics Education. Aspects related to teaching and learning multiplication tables in autobiographical narratives written by students of that course in 2011 are especially discussed.

History of Mathematics Education; Distance Learning Mathematics Teacher Education; Autobiographical Writing; Narratives on Teaching-Learning Multiplication Tables


1 História da educação matemática na formação de professores: uma oportunidade em um curso a distância

Neste artigo, focalizo o uso e a produção de narrativas autobiográficas na disciplina História do Ensino da Matemática, no curso a distância de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), detendo-me em especial no que essas narrativas revelam sobre um tema específico – a memorização da tabuada nas práticas escolares. Ao mesmo tempo que se configura como uma pesquisa-ação num contexto de formação (NACARATO, 2010NACARATO, A. M. A formação matemática das professoras das series iniciais: a escrita de si como prática de formação. Bolema, Rio Claro, v. 23, n. 37, p. 905-930, dez. 2010.), este trabalho se caracteriza como uma investigação no campo da História da Educação Matemática que lança mão da escrita autobiográfica. Principio por uma breve discussão acerca da relevância da participação de conhecimentos ligados às dimensões históricas do ensino-aprendizagem da Matemática na formação de professores e, a seguir, refiro-me ao contexto visado por este texto.

Posições em favor da participação dos conhecimentos históricos na educação matemática escolar têm se manifestado, repetidas vezes, em pesquisas e proposições curriculares em nosso país, argumentando-se sobre seu papel relevante nas questões do ensino e da aprendizagem da Matemática. Pode-se dizer que, pelo menos desde a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental (BRASIL, 1997BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997., 1998BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.), as relações entre história e educação matemática têm sido assinaladas com muita frequência em eventos e publicações. Em particular, muitos livros didáticos para a Educação Básica vêm procurando incorporar inserções de aspectos do desenvolvimento histórico da Matemática a suas páginas, ainda que de forma predominantemente informativa/ilustrativa e conectada tenuemente ao desenvolvimento dos conteúdos. A esse movimento de valorização da participação da história nas práticas pedagógicas, juntam-se preocupações em relação ao oferecimento de disciplinas específicas para o atendimento desse quesito nos cursos de formação de professores. Desse modo, muitos cursos de licenciatura têm incluído, na composição de suas matrizes curriculares, a disciplina História da Matemática, que, em geral, centraliza seu enfoque no desenvolvimento, ao longo do tempo, dos conhecimentos matemáticos, sem atenção específica às dimensões históricas do ensino.

Tais dimensões constituem o objeto do campo de investigação que tem se estabelecido no Brasil e em outros países com o nome de História da Educação Matemática. O que se tem observado, nos cursos de formação inicial de professores, é que, na maioria das vezes, mesmo quando os conhecimentos históricos integram as propostas de disciplinas do currículo, componentes relativos ao ensino não são mencionados nas ementas e programas correspondentes.

Contudo, a compreensão histórica de diversos aspectos ligados à formação e à atuação docentes, a partir de concepções passadas e presentes, é um elemento de importância considerável na formação do professor, pois esses conhecimentos, adequadamente problematizados, podem levar os estudantes a entenderem melhor suas próprias concepções sobre a profissão para a qual se preparam e sobre as práticas docentes em relação à Matemática. Mais ainda, esses conhecimentos têm o potencial de contribuir para a proposição, pelos professores, de formas alternativas positivas de atuação em relação ao que se tem feito na maioria das vezes – reproduzir práticas inadequadas do passado, mesmo sem entendê-las.

Diferentemente do que ocorre comumente, na criação do curso de licenciatura a distância da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a elaboração do projeto curricular valorizou a focalização de aspectos históricos do ensino e aprovou a inclusão da História do Ensino da Matemática na composição do conjunto das disciplinas do 3º ano1. A disciplina História do Ensino da Matemática foi ministrada, até o momento, apenas uma vez, em 2011, com a participação de alunos de quatro2 entre os nove polos do curso participantes até 2013, envolvendo a professora e um tutor3 a distância.

Levando em conta que uma disciplina não tem espaço para abordar tudo e que, mais importante do que apresentar informações, é criar as condições para que os estudantes, no futuro, quando estiverem atuando como professores, possam estudar mais e compreender melhor o que estudam, fundamentados em uma postura crítica e investigativa, procuramos contemplar a ementa4 aprovada para o curso da UFMG mediante a estruturação do trabalho pedagógico em três unidades5. O presente texto tem seu foco na terceira dessas unidades, denominada “Memórias e reflexões: histórias de ensino de Matemática”, no curso oferecido, no último bimestre de 2011, aos alunos da primeira turma do curso a distância de Licenciatura em Matemática da UFMG.

2 Narrativas autobiográficas na abordagem da História da Educação Matemática

A terceira unidade da disciplina História do Ensino da Matemática no contexto aqui contemplado, dedicada a uma abordagem histórica do ensino-aprendizagem da Matemática por intermédio da leitura e produção de escritos autobiográficos6, foi concebida com um objetivo duplo. A intenção primeira é mostrar ao aluno a relevância das fontes autobiográficas para que se conheça o passado do ensino da Matemática em nosso país. Busca-se fazer isso pela proposição da leitura de alguns excertos de livros de memórias de autores brasileiros que viveram no século XX e relatam, em suas obras, suas experiências escolares. Em segundo lugar, visa-se conduzir o licenciando a perceber sua própria inserção como sujeito da história do ensino da Matemática no Brasil pela realização de uma tarefa reflexiva sobre sua vida pessoal e escolar. Para esse segundo aspecto, propõe-se a cada licenciando a escrita de um texto memorialístico, desencadeada a partir da leitura dos fragmentos autobiográficos referidos acima e subsidiada pelo estudo das unidades anteriormente desenvolvidas na disciplina. Intenciona-se, então, a realização, pelos alunos, de uma reflexão sobre sua vida pessoal e escolar, a partir da leitura de textos autorreferenciais, com a escrita de uma narrativa autobiográfica baseada em um roteiro previamente estabelecido.

Pretende-se, com essa proposta, aproveitar a oportunidade do trabalho com a história do ensino da Matemática para explorar as potencialidades das narrativas autobiográficas dos estudantes, que vêm sendo crescentemente valorizadas na pesquisa conjugada a ações de formação de professores, como evidenciam, entre muitas outras, as produções de Abrahão (2004ABRAHÃO, M. H. M. B (Org.). A aventura (auto)biográfica: teoria e empiria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004., 2010ABRAHÃO, M. H. M. B (Org.). (Auto) biografia e formação humana. Porto Alegre: EDIPUCRS/Natal: Editora da UFRN/São Paulo: Paulus, 2010.), Nacarato (2010)NACARATO, A. M. A formação matemática das professoras das series iniciais: a escrita de si como prática de formação. Bolema, Rio Claro, v. 23, n. 37, p. 905-930, dez. 2010.), Nacarato e Passeggi (2011)NACARATO, A. M.; PASSEGGI, M. da C. Narrativas da experiência docente em matemática de professoras-alunas em um curso de Pedagogia. In: SIMPÓSIO INTERNACIONAL DE ESTUDOS DE GÊNEROS TEXTUAIS, 6., 2011, Natal. Anais... Natal: Editora da UFRN, 2011, p. 1-14., Cordeiro e Souza (2010)CORDEIRO, V. M. R.; SOUZA, E. C. de. (Org.). Memoriais, literatura e práticas culturais de escrita. Salvador: EDUFBA, 2010.), Prado e Soligo (2007)PRADO, G. do V. T.; SOLIGO, R. (Org.). Porque escrever é fazer história: revelações, subversões e superações. Campinas: Alínea, 2007.).

O trabalho com textos autorreferenciais pode ser proveitoso no enfoque histórico do ensino da Matemática, tendo em vista que os autores desses textos, ao narrar suas vidas, relatam, frequentemente, experiências de escolarização nas quais os conhecimentos matemáticos participam, aludindo às diferentes práticas de organização da educação escolar no que se refere à Matemática, aos procedimentos dos professores, às formas como conduzem o ensino, ao ambiente da sala de aula. Entre esses escritos autobiográficos, que podem ser de diversos tipos, destacam-se os produzidos pelos docentes que, amiúde, têm escrito suas memórias. Textos autobiográficos de alunos e professores possibilitam o acesso a histórias de ensino de Matemática de um modo diferente daqueles favorecidos pela leitura da legislação, das prescrições curriculares, dos livros didáticos e de outros documentos dos arquivos escolares. Torna-se, então, pertinente promover uma abordagem da História da Educação Matemática por intermédio da apresentação de fontes autobiográficas, evidenciando ao estudante sua relevância para o conhecimento do passado do ensino da Matemática no Brasil. Na valorização da escrita autobiográfica para a história, recorremos às palavras de Paul Ricoeur ao referir-se à memória como matriz da história, “na medida em que ela continua sendo a guardiã da problemática da relação representativa do presente com o passado” (RICOEUR, 2007RICOEUR, P. A memória, a história, o esquecimento. Tradução de Alain François et al. Campinas: Editora da UNICAMP, 2007., p. 100).

Algumas diretrizes devem orientar o estudo dos escritos autobiográficos em vínculo com a história da educação matemática, e vamos abordá-las aqui, de modo breve7, levando em conta que são elas, inseparáveis porque interligadas, que embasam nossa opção de tratamento de uma disciplina de natureza histórica por meio de fontes autobiográficas.

O primeiro parâmetro a ser considerado é a dimensão subjetiva da escrita autobiográfica: o ponto de vista dos escritos autobiográficos e os modos como os autores expressam esse ponto de vista é privilegiado, admitindo-se, fundamentalmente, como nota Gomes (2004)GOMES, A. C. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES A. C, (Org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2004. p.7-24.), que não existe a possibilidade de se saber “o que realmente aconteceu”. Assim, o que está em primeiro plano não é “o que aconteceu”, mas sim “o que o autor diz que viu, sentiu e experimentou, retrospectivamente, em relação a determinado acontecimento” (GOMES, 2004GOMES, A. C. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES A. C, (Org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2004. p.7-24., p. 15). Acreditamos que nenhum tipo de documento relata o que verdadeiramente se passou. Trabalhar com a escrita autobiográfica é, sobretudo, praticar uma “história escrita no plural”, em que o interesse é “plural, múltiplo, heterogêneo, disperso”; pensa-se “não mais NA história, mas NAS histórias possíveis, nas versões históricas”, que podem ser legitimadas “como verdades dos sujeitos que as vivenciaram e as relatam” (GARNICA, 2008GARNICA, A. V. M. A experiência do labirinto: metodologia, história oral e educação matemática. São Paulo: Editora UNESP, 2008., p. 135).

Como segunda diretriz primordial ao trabalho com a escrita autobiográfica, realçamos a convivência de tempos que a marca como um aspecto que nunca pode ser esquecido – ao rememorar o passado, fazemo-lo no presente em que falamos ou escrevemos, o que carrega uma inevitável dimensão anacrônica para o discurso sobre o pretérito, vinculada à subjetividade do autobiógrafo, que também se constitui a partir do repertório sociocultural que ele construiu ao longo do tempo. No momento da escrita, o autobiógrafo recorrerá, possivelmente, àquilo que se lhe afigura como relevante realçar num tempo posterior àquele sobre o qual discorre. Segundo Larrosa (2004)LARROSA, J. Notas sobre narrativa e identidad (A modo de presentación). In: ABRAHÃO, M. H. M. B (Org.). A aventura (auto)biográfica: teoria e empiria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 11-22.), a consciência de si no presente contém alguma forma de consciência de quem fomos e alguma forma de antecipação de quem seremos. Assim, o presente é sempre constituído de recolha e projeção, isto é, em operações ativas da memória e da antecipação. Como uma operação ativa, a memória não é a memória objetiva do passado, como um rastro que podemos olhar – ela implica interpretação e construção. Para recordar, além da imaginação, é necessária a habilidade da composição. Por isso, a memória tem a forma de uma narração a partir de um ponto do passado até o presente, em função de um aspecto que a torna significativa, e o mesmo acontece em relação à antecipação do futuro.

Enquanto é ativa, a antecipação é um imaginar que dá significado ao futuro, que constrói o futuro como significativo para o sujeito em algum aspecto particular e como aquilo para cuja direção ele pode traçar uma rota. A antecipação é a construção imaginativa de futuros possíveis. [...] a antecipação tem também a forma de uma narração significativa do presente em direção ao futuro (LARROSA, 2004LARROSA, J. Notas sobre narrativa e identidad (A modo de presentación). In: ABRAHÃO, M. H. M. B (Org.). A aventura (auto)biográfica: teoria e empiria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 11-22., p. 16).

Em terceiro lugar, é necessário considerar as diversas relações do texto autobiográfico com seu autor. Várias são as questões a serem levadas em conta. Quais as intenções do escrito autobiográfico? A quais leitores cada autor se remete? Esses escritos foram produzidos para serem publicados? Como se caracterizam os textos autobiográficos no que diz respeito aos sentimentos que os inspiraram? Viñao (2000)VIÑAO, A. Las autobiografías, memorias y diarios como fuente histórico-educativa: tipología y usos. Teias: Revista da Faculdade de Educação da UERJ, Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 82-97, jan./jun. 2000.) menciona a existência de textos intimistas, ressentidos, vingativos, nostálgicos, justificativos, catárticos, intencionalmente educativos, resultados de desejos ou necessidades pessoais do autor. Além disso, lembra ainda o pesquisador espanhol, é preciso atentar para as maneiras de escrever, que são também diversificadas: simples e concisas, afetadas e empoladas, literariamente belas, meramente descritivas ou mergulhando em reflexões profundas, revelando valores e hábitos.

No que concerne a essa terceira diretriz, não se pode negligenciar as formas de manifestar individualmente um estilo na escrita autorreferencial ou escrita de si, em que pese o atrelamento inerente dessa escrita aos códigos sociais de uma época e um meio específico. Esse modo singular de narrar as próprias histórias é parte intrínseca do que cada autor conta em seu texto, assim como as alusões a pessoas, instituições, contextos, nem sempre conhecidos suficientemente pelo leitor, mas que demandam se lhe tornar familiares por meio de outros documentos, para que a interpretação se realize de maneira pertinente (GOMES, 2004GOMES, A. C. Escrita de si, escrita da História: a título de prólogo. In: GOMES A. C, (Org.). Escrita de si, escrita da história. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 2004. p.7-24.; VIÑAO, 2000VIÑAO, A. Las autobiografías, memorias y diarios como fuente histórico-educativa: tipología y usos. Teias: Revista da Faculdade de Educação da UERJ, Rio de Janeiro, v.1, n. 1, p. 82-97, jan./jun. 2000.). Para a História da Educação Matemática, será preciso mobilizar, por exemplo, textos investigativos já produzidos, legislação, programas de ensino, livros didáticos, cadernos e outros documentos escolares.

A quarta dimensão a ser considerada é a subjetividade da leitura da escrita autobiográfica: a interpretação de cada texto será diferente e irremediavelmente imbricada às vivências socioculturais de cada leitor. As interlocuções que intérpretes distintos realizam com um mesmo escrito serão distintas, podendo variar da indiferença ao arrebatamento, expressando-se em escolhas variadas quanto aos trechos mais significativos para cada um: como qualquer escrito, o autobiográfico estará sempre aberto a novas inquirições e responderá a cada leitor de acordo com as circunstâncias desse leitor que com ele interage. Com Larrosa (2011)LARROSA, J. Experiência e alteridade em educação. Revista Reflexão e Ação. Santa Cruz do Sul, v. 19, n. 2, p. 4-27, dez. 2011.), podemos dizer que “o importante não é o texto, senão a relação com o texto” (p. 9), ou que a leitura pode ser “uma experiência sensível, emocional, uma experiência em que está em jogo nossa sensibilidade, isso que chamamos ‘sentimentos’” (p. 10-11).

Tendo em mente os parâmetros que acabamos de apresentar, consideramos que os escritos autobiográficos podem ser explorados com proveito na pesquisa e no estudo da História da Educação Matemática. Muitas temáticas aparecem neles, tais como as representações de professores por alunos e de alunos por professores; a formação de docentes; as práticas pedagógicas com a educação matemática escolar; as concepções dos estudantes quanto à Matemática e às formas de focalizá-la nos contextos educacionais.

3 Narrativas autobiográficas e História da Educação Matemática em um curso a distância de licenciatura

Como dissemos, na ocasião em que a disciplina História do Ensino da Matemática foi ministrada pela primeira vez, no ano de 2011, com a participação de alunos de Araçuaí, Conceição do Mato Dentro, Governador Valadares e Montes Claros, os quatro polos iniciais de oferecimento do curso a distância, lançamos mão de duas frentes de trabalho com a escrita autobiográfica: a da leitura e a da produção de textos pelos estudantes.

Desse modo, foi proposta aos alunos a leitura de seis excertos das memórias de autores brasileiros que, nesses textos, incluíram considerações quanto ao ensino da Matemática que tiveram: Álvaro Moreyra, Felicidade Arroyo Nucci, Augusto Meyer, Sylvia Orthof, Humberto de Campos e Nelson Werneck Sodré8. Os licenciandos leram, ainda, pequenos textos com informações sobre cada um desses autores.

Após essas leituras, os estudantes foram solicitados a realizar duas tarefas: 1) escolher dois, entre os seis excertos propostos, que mais lhes chamaram a atenção e escrever sobre eles, buscando apresentar sua interpretação sobre as experiências com a Matemática narradas; 2) produzir um texto contando sua própria história de ensino e aprendizagem de Matemática, desde os primeiros anos escolares até o ingresso no curso de licenciatura da UFMG.

Para orientar a escrita dessa narrativa autobiográfica, os alunos receberam um pequeno roteiro referente a aspectos de sua vida pessoal e escolar. Solicitou-se, também, que eles buscassem relacionar, na medida do possível, suas experiências com o ensino e aprendizagem da Matemática ao conteúdo estudado anteriormente na disciplina, referente ao desenvolvimento histórico do ensino da Matemática no Brasil. A seguir, apresentamos as atividades no mesmo formato em que foram propostas aos licenciandos.

Quadro 1
– Atividades propostas aos alunos da disciplina História do Ensino da Matemática

As tarefas de leitura e escrita de textos autobiográficos foram realizadas por 39 licenciandos dos polos de Araçuaí, Conceição do Mato Dentro, Governador Valadares e Montes Claros, de maneira muito variada. Pedimos que os alunos postassem seus trabalhos na Plataforma Moodle, por meio da qual o curso a distância é viabilizado, e esses trabalhos constituíram parte da avaliação da disciplina.

A variedade dos textos produzidos pôde ser observada, inicialmente, no formato que os licenciandos escolheram ou do qual dispuseram para enviá-los. Assim, embora a tarefa tenha sido formulada com instruções relativas ao processador de textos usual, o Word, supondo-se que os estudantes o usariam, houve alunos que escreveram seus textos à mão e os digitalizaram em um arquivo PDF para remetê-los.

Outra característica que assinalamos foi a não realização da escrita de dois textos, de acordo com o que tínhamos projetado. Alguns licenciandos não atenderam ao que foi solicitado e, simplesmente, redigiram um único texto, sem qualquer menção aos autores cujos excertos se propôs ler, e sem contemplar satisfatoriamente a lista de aspectos do roteiro orientador da escrita autobiográfica. Houve, também, vários estudantes que não escolheram, como sugerido, um título para suas memórias.

No entanto, muitos licenciandos fizeram as tarefas de acordo com sua proposição e muitos deles deram nomes a seus escritos memorialísticos; encontramos, entre outros, os seguintes títulos: História da minha vida e a matemática (Fabrícia, de Araçuaí); Lembranças de um passado presente (Luís Cláudio, de Araçuaí); A matemática na vida de Jack Araújo Gomes (Jack, de Araçuaí); Minha vida (Rosângela, de Araçuaí); Uma trajetória de superações e conquistas (Vany, de Araçuaí); Pedacinho da minha vida (Victor, de Araçuaí); Minha vida escolar (Wesley, de Araçuaí); Meus incríveis anos na escola (Camila, de Conceição do Mato Dentro); Relembrando experiências de vida e a escola (José Joaquim, de Conceição do Mato Dentro); Diário de Classe (José Lúcio, de Conceição do Mato Dentro); Diário de uma aluna (Vânia, de Conceição do Mato Dentro); Minha história com a Matemática: da indiferença ao fascínio (Ana Lúcia, de Governador Valadares); O gosto, as facilidades e agora as dificuldades (Jeane, de Governador Valadares); José Ramos e o ensino/aprendizagem da matemática (José Ramos, de Governador Valadares); Da infância à faculdade (Leonardo, de Governador Valadares); Lembranças que valem a pena (Lucinda, de Governador Valadares); Voltando à Matemática de Ventania (Aparecido, de Montes Claros); Minha trajetória de estudante (Osmano, de Montes Claros); Boletim notas: B, B, B, B, B, B e C; Memórias matemáticas (Valdiney, de Montes Claros); A matemática no decorrer dos anos (Vanderlúcia, de Montes Claros); O vencedor (Wesley, de Montes Claros).

Os escritos autobiográficos dos licenciandos constituem um repositório de relatos importantes não somente para compreendermos quem são esses alunos, que não tivemos a oportunidade de encontrar pessoalmente, mas também para nos dar a conhecer a história da educação e, particularmente, da educação matemática em regiões distintas9 do estado de Minas Gerais. Na impossibilidade de abordar, neste artigo, todos os aspectos que poderiam ser explorados nessas narrativas, selecionamos nosso foco a partir da escolha, pelos estudantes, de acordo com nossa solicitação, de dois fragmentos autobiográficos entre os seis que lhes foram apresentados. Pareceu-nos significativo que 22 dos nossos 39 licenciandos-autores tenham optado pelo excerto autobiográfico da professora Felicidade Arroyo Nucci, em que ela trata especificamente de práticas que realizava para que seus alunos da escola primária memorizassem mais facilmente a tabuada de multiplicação.

4 Felicidade Arroyo Nucci: narradora do ensinar-aprender a tabuada

O texto a seguir foi usado para apresentar a autora aos alunos do curso à distância, como uma introdução à passagem extraída das memórias da professora Felicidade. Ao conjunto formado por esse pequeno texto e pelo excerto das memórias, chamamos “Felicidade Arroyo Nucci e o ensino da tabuada na escola primária.”

Felicidade Arroyo Nucci nasceu em 1914, em uma fazenda do interior de São Paulo. Ingressou no colégio interno de Jaboticabal (SP), dirigido por freiras de nacionalidade belga, no 4º ano primário, e concluiu o curso de normalista na Escola Normal Livre do mesmo colégio em 1932. Começou a atuar como professora no estado de São Paulo em 1933, em Itajobi, onde ficou até 1939, quando se removeu para Araraquara e lá esteve até 1950. Nesse ano, foi transferida para um Grupo Escolar em Guarulhos e, em 1952, para outro Grupo Escolar em Vila Carrão. De 1954 a 1963, atuou como auxiliar de direção e, em 1963, tornou-se diretora do Grupo Escolar na Delegacia de Ensino de Jales, aposentando-se logo em seguida, em 1964, sem deixar de escrever para jornais e revistas (de bairro, religiosos e de colégios). Em 1985, publicou o livro Memórias de uma mestra-escola, em edição particular impressa nas Oficinas da Sociedade Impressora Pannartz Ltda, da cidade de São Paulo (GOMES, 2013GOMES, M. L. M. História do ensino da Matemática: uma introdução. Belo Horizonte: CAED-UFMG, 2013., p. 56-57).

Antes de comentarmos as leituras da narrativa autobiográfica de Felicidade Arroyo Nucci realizadas pelos licenciandos a distância, transcrevemos literalmente o fragmento de suas memórias que utilizamos.

No bairro onde eu lecionava, os pais saíam cedo para o trabalho nas fábricas e as crianças ficavam sozinhas para olhar os irmãos menores, aquecer o almoço e cuidar da casa: não tinham tempo de estudar. A esses, bem como aos outros eu ensinava o método de estudar a tabuada ou aprender os acidentes geográficos de um modo mais interessante.[...]

E sobre a tabuada?

Era um bicho de sete cabeças a decoração da tabuada: era uma aula monótona, insípida, da qual o aluno não tinha nenhum interesse e daí a dificuldade em decorá-la. Comecei a usar de vários recursos os quais auxiliavam a memorização e tornavam a aula menos massante 10 . Primeiro eu lhes ensinei que todas as tabuadas pares eram constituídas de números igualmente pares, as tabuadas ímpares começavam com número ímpar, seguido de número par e assim ímpar, par, ímpar, par... até o primeiro número ser multiplicado por dez. Para as classes de 1º ano eu dizia infantilmente: o último número é o primeiro chutando uma bolinha...

Depois eu os mandava observar que nas tabuadas pares, o final do 1º número era igual ao 6º, o segundo igual ao sétimo; o terceiro igual ao oitavo, e assim por diante.

Ex:

2 × 1 = 2 2 × 6 = 12

2 × 2 = 4 2 × 7 = 14

2 × 3 = 6 2 × 8 = 16

2 × 4 = 8 2 × 9 = 18

2 × 5 =10 2 × 10 = 20

Então do primeiro ao quinto: 2, 4, 6, 8, 0 é o final do sexto ao décimo: e assim é o mesmo em todas as tabuadas pares.

Na tabuada do nove os algarismos da esquerda são em ordem crescente: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9 e o algarismo da direita, em ordem decrescente: 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1, 0. Somando-se os dois algarismos, dá sempre nove, assim: 0 + 9 = 9; 1 + 8 = 9; 2 + 7 = 9; ... e os algarismos são invertidos, assim: 09 = 90; 18 = 81; 27 = 72; 36 = 63; 45 = 54,... E de fato torna-se mais fácil a decoração da tabuada usando esses “segredinhos”, sim, era esta a palavra que eu empregava.

Esta curiosidade atraía sempre a atenção dos alunos que gostavam de demonstrar aos familiares estes “segredinhos”.

Alguns me diziam: “Meu irmão está na Faculdade e desconhecia estas curiosidades; eu lhe ensinei tudo, professora.” Diziam isto com orgulho estampado no rosto (NUCCI, 1985NUCCI, F. A. Memórias de uma mestra escola. São Paulo: Ed. da Autora, 1985., p. 81-83).

Ao examinar os comentários dos estudantes acerca desse escrito autobiográfico, que parece ter tocado bastante suas sensibilidades, percebemos que o que neles predomina é um tom de admiração em relação à competência da professora para ensinar Matemática, o que nos pareceu repercutir concepções dos alunos em relação ao papel do professor e aos modos de ensinar. Nossos leitores demonstraram surpresa e conferiram muito valor às estratégias narradas por Felicidade Nucci para que os seus alunos do sertão memorizassem a tabuada, ressaltando que essa professora conseguiu tornar mais agradável um aspecto árduo do ensino. Mais do que isso, eles consideraram que a narrativa de Nucci revela sintonia com o que se espera de um professor da atualidade.

Nucci usa artifícios para ajudar os alunos a ligar a resolução das contas da tabuada a uma lógica apresentada por ela. Lógica esta, que, se seguida, facilitaria muito a resposta, pois ao entendê-la torna-se desnecessário o “decoreba monótono” com o qual eu mesmo passei durante os anos que eu estudei a tabuada. [...] ela apresenta o que se espera de um professor nos anos de hoje, pois busca soluções para derrubar mitos, tornar as aulas mais atrativas, estimulantes e prazerosas, para, com isso, obter-se melhor rendimento (Jack, de Araçuaí).

Outra memória que achei interessante foi a de Felicidade Arroyo Nucci [...] Foi professora e ela comenta sobre os métodos que usava em sua época para ajudar os alunos a decorarem a tabuada. Regrinhas bem sugestivas. Diz ela que os alunos amavam esses segredinhos e isso fazia com que o decorar a tabuada não ficasse tão chato. Acho esse relato interessante pois matemática é legal, depende de como é apresentada. Essa professora gostava de ensinar e de matemática [...] Essa dedicação é que me chamou a atenção para o seu relato, uma memória de alguém dentro da matemática e que gosta dela (Lourena, de Araçuaí).

Posso afirmar, com toda certeza, que Felicidade Arroyo foi uma precursora das boas práticas do ensino. Ela encontrou o que até hoje buscamos, ou seja, formas melhoradas de ensino, sobretudo no campo da Matemática (José Lúcio, de Conceição do Mato Dentro).

Felicidade Arroyo Nucci [...] descreve métodos de como ajudar seus alunos a aprenderem tabuada. Este texto refere-se à importância que têm os métodos de ensino-aprendizagem na vida de um professor. O objetivo principal da utilização dessas técnicas de aprendizagem é que todos os alunos alcancem/compreendam conteúdos, mesmo que não tenham facilidade. Felicidade preocupou-se em obter aprendizagens por parte de seus alunos, ensinando tabuada de uma forma mais leve, auxiliando-os/induzindo-os, naturalmente ao prazer de entender aquilo que julgam impossível de se compreendido. Ela procurava transformar suas aulas em momentos agradáveis. Preocupava-se em retirar do inconsciente de alguns a imagem que a matemática carrega de conteúdo maçante e difícil de aprender (Vânia, de Conceição do Mato Dentro).

A ideia de que é importante buscar ensinar a Matemática de maneira estimulante, agradável, prazerosa, mais leve, menos monótona (palavras e expressões usadas pelos leitores), associada à manifestação de que isso foi conseguido pela professora Felicidade, aparece ainda em outros escritos.

[...] a autora escreve sobre o ensino da tabuada. [...] ela começou a usar de vários recursos os quais auxiliavam a memorização e tornavam a aula menos maçante. [...] Na escola a criança deve envolver-se com atividades matemáticas que a educam nas quais ao manipulá-las ele construa a aprendizagem de forma significativa [...] para levar o aluno a aprender, é necessário fazer com que o objeto da aprendizagem lhe seja agradável ou divertido. A criança e o jovem gostam de movimentar-se, conversar, perguntar, rabiscar, brincar, colorir, cantar, jogar e, principalmente, agir (Ivanilde, de Conceição do Mato Dentro).

Alguns estudantes procuraram conectar suas próprias vivências como alunos ou como docentes ao relato de Felicidade Nucci, como se pode notar nos exemplos transcritos abaixo.

Gostei muito desse fragmento, pois quando fiz primário, minha dificuldade com a tabuada foi muito grande: essa foi a única parte que eu realmente dei trabalho. Quando Felicidade relata o esforço feito para ensinar a tabuada, a gente consegue ver o que realmente acontece com os alunos. Não é nada fácil ensinar a “decorar” a tabuada, pois isso tudo se mistura em uma fase em que o aluno está cheio de energia, que ele quer usar em brincadeiras, então é tarefa do professor fazer com que a matemática seja uma maneira de o aluno gastar essa energia, sem que isso seja “sacrificante” para ele ou para o aluno. Aqui é que se encaixa o que a gente chama de estratégia de ensino (Antônio Carlos, de Conceição do Mato Dentro).

Esse momento apresentado por Arroyo chamou-me a atenção, pelo fato de também não gostar de trabalhar a tabuada com o intuito simples de memorização sem significado. Este ano trabalhei os fatos com jogos, que incentivavam o aluno a criar alternativas para chegar ao resultado. Aqui a autora também mostra a necessidade de escolher estratégias que motivem o aluno a querer aprender (Valdiney, de Montes Claros).

No entanto, não foram somente esses aspectos ligados à docência em Matemática que despertaram a atenção e o interesse de nossos professores em formação. Dois estudantes, Camila e José Joaquim, ambos do polo de Conceição do Mato Dentro, explicitaram terem identificado sua própria vida à situação referida por Nucci no início de seu texto – algumas crianças, no bairro em que ministrava suas aulas, não dispunham de tempo para os estudos, por necessitarem cuidar de irmãos menores enquanto os pais saíam para o trabalho.

José Joaquim, nascido em 1975, ao se referir ao texto de Nucci como um dos que mais lhe chamou a atenção, narra:

[...] o tipo de aluno que ela tinha no bairro onde lecionava, o ritmo de vida que eles tinham era o que tive, por ser o mais velho de 11 irmãos, eu tinha que ajudar os meus pais nas obrigações de casa desde os cinco anos de idade, e como era louco para estudar, ficava brincando com os números [...].

Camila, nascida em 1988, logo depois de mencionar sua escolha do fragmento autobiográfico de Felicidade Nucci, escreve:

Da minha família, sou a filha mais velha e tenho mais três irmãos, assim sempre tinha que ajudar minha mãe com os outros irmãos e já ajudava também com os afazeres de casa. [...] a autora fala da situação das crianças do bairro onde ela lecionava [...] com a correria do dia a dia de seus pais, essas crianças tomavam uma responsabilidade sobre os irmãos e a casa e não tinham necessariamente o privilégio ou mesmo o tempo de se dedicar aos estudos. Isso lembra um pouco minha vida porque sempre tive muita vontade de estudar, mas também tinha que ajudar meus pais, porque eles trabalhavam em lavouras no plantio de milho e feijão, então às vezes não tinha muito tempo para me dedicar aos estudos por causa dos meus irmãos. Mas fui matriculada normalmente na escola e nunca deixei de estudar, mesmo com a responsabilidade que tinha com minha mãe em ajudar meus outros irmãos.

Passagens como essas nos dão indícios acerca das histórias de vida de nossos estudantes à distância, muitos deles filhos de pais lavradores ou ex-lavradores que residiam ou residem ainda em zonas rurais. Ficamos conhecendo mais sobre os licenciandos em Matemática da UFMG nos polos de Araçuaí, Conceição do Mato Dentro, Governador Valadares e Montes Claros no segundo texto por eles elaborado, suas memórias escolares com ênfase no ensino da Matemática. No que concerne a esse segundo texto, vamos nos dedicar especialmente, a seguir, às alusões feitas pelos alunos a suas experiências com a tabuada, em lembranças agradáveis e dolorosas.

5 Histórias da tabuada contadas por professores em formação: de sofrimentos e prazeres

Eu me interessava acima de tudo pelos aspectos da subjetividade. De que ‘há mais coisas [...] do que sonha a tua filosofia’ não duvido, mas como essas coisas se apresentam a cada um, era isso o que me interessava mais. E, de fato, a subjetividade aqui merece grande atenção [...]. E aqui já não se pode distinguir o que é mentira e o que é verdade, mas, de qualquer modo, acompanhar tudo isso é interessante, e eu gostaria de contar um desses casos (LESKOV, 2012LESKOV, N. A fraude e outras histórias. Tradução de Denise Sales. São Paulo: Editora 34, 2012., p. 60).

Apesar de a tabuada não figurar explicitamente no roteiro-base, ao produzirem seus escritos autobiográficos a partir de nossa solicitação, muitos dos estudantes julgaram relevante nos trazer relatos sobre esse tema, talvez porque, além de aparecer no fragmento da escrita de Felicidade Nucci, ele surja também no excerto de Humberto de Campos (1951)CAMPOS, H. Memórias: Primeira Parte 1886-1900. Rio de Janeiro: W. M. Jackson INC Editores, 1951.) do qual fizemos uso. O relato de Nucci revela, como vimos, uma faceta positiva do ensino da tabuada, uma história de sucesso das estratégias de uma professora para que seus alunos a memorizassem. O texto de Humberto de Campos (1886-1934)11, porém, acentua um lado negativo da memorização da tabuada; o autor discorre sobre os bolos de palmatória que sua professora, Dona Marocas Lima, no final do século XIX, fazia alguns estudantes aplicarem aos colegas que erravam na recitação dos resultados. Ao contar os sofrimentos de quem recebia os bolos, o escritor não se furta a narrar o prazer que ele, que tinha facilidade em memorizar a tabuada, sentia ao usar a palmatória para infligir o castigo a colegas.

Os sábados eram, na escola, dias chamados de “argumento”. De pé, em semicírculo, os alunos da mesma classe, a mestra sentava-se na sua cadeira, de frente para eles. E começava a inquirição, ou “argumento” da tabuada:

_ Oito vezes quatro?

O aluno tinha que responder prontamente, sem refletir nem pestanejar:

_ Trinta e dois.

(...)

_ Adiante... adiante.... adiante... _ dizia, mudando de alvo, à medida que o aluno titubeava.

_ Vinte e cinco.

_ Noves fora?

_ Sete!

_ Bolo! – ordenava Dona Marocas.

O aluno vitorioso tomava a palmatória, que se achava sobre a mesa, e corria a roda, castigando com um bolo, ora forte, ora mais suave, conforme a simpatia que os ligava ou a antipatia mútua, os companheiros que não haviam respondido, ou tinham respondido errado.

Resolvido a compensar pelo esforço a injustiça da Natureza, eu me tornei, em breve, um elemento respeitável na tabuada. E era com verdadeira delícia que, aos sábados, no “argumento”, segurava com a minha mão curta e grossa de plebeu, os dedos finos de mocinhas de quatorze ou quinze anos, a fim de lhes aplicar na palma um bolo estalado e seguro, - dos que nós chamávamos “de pé atrás”, - que às vezes as fazia chorar (CAMPOS, 1951CAMPOS, H. Memórias: Primeira Parte 1886-1900. Rio de Janeiro: W. M. Jackson INC Editores, 1951., p. 213-215).

[...]

Eu tinha, garantindo-me contra os apelidos e contra qualquer tentativa de ridículo, boa memória para a tabuada, e mão pesada, para o bolo (CAMPOS, 1951CAMPOS, H. Memórias: Primeira Parte 1886-1900. Rio de Janeiro: W. M. Jackson INC Editores, 1951., p. 217).

Os licenciandos em Matemática, em suas narrativas, também nos contam sobre dores e delícias do ensinar-aprender a tabuada. Essas histórias vão do desinteresse, dos padecimentos e dificuldades ao fascínio em relação à tabuada e às práticas para memorizá-la.

Maria Marclesilva, de Araçuaí, remetendo-se ao escrito de Felicidade Nucci, recorda-se de sua professora, Dona Nana, e se lembra de que “fingia estar doente para faltar de aula”, com receio de que ela exigisse “a decoreba da tabuada”, quando estava na 2ª série. Confessando sua falta de interesse por decorar a tabuada, escreve que aprendeu “só até a multiplicação por 4.”

Simone, do mesmo polo, nascida em 1982, recorda-se que foi sua mãe, lavradora que não estudou, quem lhe ensinou a tabuada, perguntando-lhe os resultados das contas que sua professora escreveu em papéis colocados num envelope. Victor, também de Araçuaí, nascido em 1987, diz ter tido seu interesse pela Matemática despertado pela tabuada, e rememora os esforços de seus familiares para que ele a memorizasse:

Sendo de família de professores, e eles conhecendo que a grande dificuldade das crianças são as operações da multiplicação e divisão, estimulavam a estar com ela na ponta da boca. Lembro que meus tios me davam uma bala para cada resposta certa. Como eu era criança, só queria bala, pouco importava o que a tabuada seria na minha vida.

Andréa, de Conceição do Mato Dentro, nascida em 1968, diz que “tínhamos que saber a tabuada de trás pra frente, éramos obrigados a decorar os fatos, diariamente havia arguição oral”.

A memorização da tabuada, contudo, não é somente uma imposição da escola e dos professores ou de familiares ansiosos por darem sua contribuição para que as crianças dominem seus resultados. Camila, de Conceição do Mato Dentro, conta:

Nos anos iniciais da escola, quando estava se não me engano na terceira ou quarta série, tinha um tio que já estava fazendo o ginásio e ele detestava matemática, a ponto de jogar sua tabuada no lixo. Então, peguei essa tabuada no lixo, e achei de primeiro instante muito estranho aquela quantidade de números. Comecei então a ler aquilo. Era estranho porque hoje em dia um aluno da 2ª série sabe o que é uma tabuada, mas eu não sabia. E então, todos os dias eu lia essa tabuada, até perceber que eu precisaria daquilo que eu estava lendo para fazer continhas. Aí fiquei toda empolgada, pois não demorou muito, já sabia todos os fatos da tabuada sem mesmo que a professora pedisse.

José Joaquim, do mesmo polo, nascido em 1975, narra também uma história de encantamento com os números e a Matemática a partir da tabuada:

A tabuada foi a matéria prima fundamental no meu interesse pela matemática. Quando entrei para a escola com 7 anos eu já conhecia toda a tabuada de 01 a 10. Eu era fascinado pela multiplicação e divisão, ou seja, pelos números.

Um relato de sucesso de uma docente da 4ª série quanto ao domínio da tabuada é apresentado por Ricardo, de Conceição do Mato Dentro, nascido em 1991. Falando de uma “professora muito gente boa”, Gilce, ele diz:

Uma vez ela fez a gente estudar a tabuada inteira, e depois fez um monte de perguntas pra ver se a gente sabia responder, foi bom isso que ela fez, porque quando passamos de ano estávamos com uma base muito boa em fazer contas de multiplicação, divisão, etc.

De maneira semelhante, Aparecido, de Montes Claros, também nascido em 1991, elogia sua professora Aparecida, recordando suas “técnicas” para que os alunos memorizassem a tabuada:

[...] foi a melhor que tive no primário [...] lembro que para decorar a tabuada a professora nos ensinou a técnica do lápis na boca, que consistia em colocar o lápis na boca e repetir a tabuada várias vezes em voz alta e sempre antes de dormir para que quando acordasse no outro dia lembrasse tudo, outra coisa que ela dizia, mas acho que hoje é superstição, é colocar a tabuada embaixo do travesseiro para que reforçasse no aprendizado enquanto dormia.

Em contrapartida aos relatos de interesse, prazer e sucesso, emergem das memórias histórias de sofrimentos, dificuldades e castigos relacionadas à tabuada. Ana Lúcia, de Governador Valadares, nascida em 1972, recorda sem qualquer entusiasmo sua professora do 4º ano: “uma mulher carrancuda e muito brava, ela tomava a tabuada segurando uma mão da gente e com uma régua de madeira preparada para bater quando a gente errava a resposta... como doía!” Jeane, do mesmo polo, que nasceu em 1981, lembra o medo e a ansiedade quanto à “avaliação da tabuada” usada por sua escola quando cursava a quarta série:

A forma de “avaliação da tabuada” era feita individualmente em uma pequena sala, onde uma funcionária – até hoje não sei se esta era supervisora, professora ou diretora [...] questionava valores, com operações de multiplicar e dividir, essa avaliação era individual, depois nós colegas apenas comentávamos como era “medonho” e assustador essa forma de avaliação e consecutivamente os resultados “precisa estudar mais”, “parabéns”, “continue assim”, “você precisa estudar bastante, está muito fraco”, entre outros, com um diferencial, não havia castigos.

Do polo de Montes Claros nos vem outro relato desagradável acerca da memorização da tabuada, do aluno Wesley, que iniciou o pré-primário em 1977. Lembrando-se de suas dificuldades na 3ª série, ele menciona uma professora de cujo nome não se recorda (“e prefiro continuar assim”, completa):

[...] a lembrança é que me chamou a frente junto a sua mesa, e em voz alta começou a tomar a tabuada, tremia de medo por estar a frente com ela e vergonha, por não saber responder corretamente, sem falar os olhares dos colegas da frente me observando e rindo baixinho. Foi nesse momento que determinou que me sentasse no fundo da sala [...].

Luís Cláudio, de Araçuaí, chega a mencionar a palmatória ao se recordar da severidade de sua professora na quarta série primária:

[...] neste tempo palmatória fazia parte da história, no entanto, ter a tabuada tomada ao lado da mesa da professora de frente para a turma respondendo cada pergunta sem o direito de repeti-la era possivelmente aterrorizante para a maioria dos alunos, no entanto, foi quando aprendi definitivamente o que sei até hoje [...].

Ao trazer aqui as rememorações dos licenciandos à distância acerca de suas experiências com a tabuada nos primeiros anos escolares, procuramos destacar, quando explicitadas em seus textos, as datas de nascimento ou escolarização, pois chamou-nos a atenção a ampla faixa etária dos estudantes, cujas idades variavam, no final de 2011, entre 20 e 54 anos. Observamos que os autores dos excertos transcritos anteriormente nasceram nas décadas de 1970, 1980 e 1990. Entretanto, as histórias que contam deixam entrever a perenidade das práticas escolares nas narrativas autobiográficas em foco. Essa perenidade se evidencia ainda mais pelos relatos de Felicidade Nucci, professora desde a década de 1930, e de Humberto de Campos, referente ao fecho do século XIX.

Os casos de tabuada, narrados em inúmeros escritos autorreferenciais e, particularmente, nos textos de nossos alunos, ilustram com propriedade uma série de permanências que compõem a cultura escolar para além do ensino da Matemática. Os relatos sobre ensinar-aprender a tabuada trazem à cena aspectos afetivos no processo de ensino-aprendizagem, entre professor e aluno e entre alunos, bem como relações de poder, refletidas em humilhações, punições e recompensas conferidas aos estudantes.

As práticas de memorização da tabuada, vivificadas nas narrativas autobiográficas aqui postas em foco, mostram-se como sobrevivências do passado no presente, resistentes a muitas tendências e propostas pedagógicas que atravessaram a educação escolar no Brasil, do final do século XIX ao início do século XXI.

6 Escritos autobiográficos à distância – o que se perde, o que se ganha

Embora proposta e realizada durante um processo de formação inicial de professores, a escrita autobiográfica na disciplina História do Ensino da Matemática abordada neste texto não pode ser caracterizada como a produção de um memorial de formação, conforme explicita Passeggi (2010)PASSEGGI, M. da C. Memoriais autobiográficos: escritas de si como arte de (re)conhecimento. In: CORDEIRO, V. M. R.; SOUZA, E. C. de. (Org.). Memoriais, literatura e práticas culturais de escrita. Salvador: EDUFBA, 2010. p. 19-42.), dado que, para essa autora, um texto desse tipo deve ser acompanhado por um professor orientador e ser concebido como trabalho de conclusão de curso. Realizada sem encontros presenciais, essa escrita não foi seguida durante um período prolongado por um professor formador – foi produzida como parte final da avaliação da disciplina, logo após a leitura de fragmentos autobiográficos selecionados por nós – e não contou com discussões entre estudantes, professora e tutor. Em uma atividade que fez uso exclusivo da linguagem verbal escrita, só nos foi possível produzir sentidos a partir de uma interpretação ao longe, destituída dos aportes oferecidos pelas expressões e gestos dos autores e pela linguagem verbal oral, inquestionavelmente relevantes na formação presencial. Contudo, consideramos que, mesmo com essas perdas, a leitura e a escrita de narrativas autobiográficas trouxeram ganhos; representando, a nosso ver, uma contribuição quanto às dimensões históricas do ensino para os alunos, elas trouxeram outro ganho significativo: a aproximação que esses textos nos propiciaram em relação aos estudantes à distância.

A escrita sobre si próprios e os comentários sobre os excertos autobiográficos de Felicidade Nucci, Álvaro Moreyra, Humberto de Campos, Augusto Meyer, Sylvia Orthof e Nelson Werneck Sodré12, se deram num processo de realização da posição de autor de cada aluno – “alguém que constrói textos em relação a outros textos”, nas palavras de Larrosa (2004LARROSA, J. Notas sobre narrativa e identidad (A modo de presentación). In: ABRAHÃO, M. H. M. B (Org.). A aventura (auto)biográfica: teoria e empiria. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 11-22., p. 19). Essas narrativas dos licenciandos, produzidas não por acaso, mas de determinada forma, em um determinado contexto e para uma determinada finalidade, nos concederam a possibilidade de conhecer, de forma diferente das investigações por aplicação de questionários, um pouco mais sobre aqueles e aquelas que almejam ser professores e professoras de Matemática, formando-se à distância pela UFMG.

Referências

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  • BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Matemática. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
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  • 1
    O curso, cuja duração é de cinco anos, iniciou-se em 2009, com turmas ingressantes em quatro polos: Araçuaí, Conceição do Mato Dentro, Governador Valadares e Montes Claros. Em 2011, iniciaram suas atividades novas turmas em Araçuaí, Conceição do Mato Dentro e Governador Valadares, bem como nos dois novos polos de Januária e Teófilo Otoni. Em 2012, foram abertas inscrições para ingresso de novos alunos em Governador Valadares e Montes Claros e ainda em mais dois polos: Bom Despacho e Corinto.
  • 2
    Trata-se dos polos iniciais do curso: Araçuaí, Conceição do Mato Dentro, Governador Valadares e Montes Claros.
  • 3
    Todas as disciplinas do curso trabalham com tutores à distância, auxiliares dos professores na condução das atividades realizadas. Algumas disciplinas contam, ainda, com tutores locais nos polos.
  • 4
    A evolução do ensino de Matemática na educação básica no Brasil: surgimento e principais momentos; a Escola Nova e o Movimento da Matemática Moderna; décadas recentes, com os movimentos de universalização e inclusão na Educação Básica.
  • 5
    Na Unidade 1, apresentamos uma visão geral da história do ensino da Matemática no Brasil, organizada cronologicamente, na qual procuramos abranger os itens que compõem a ementa da disciplina. A Unidade 2 se destina à tarefa específica de mostrar como os conteúdos matemáticos veiculados na escola, mesmo que estejam sempre presentes, se transformam com o transcorrer do tempo. Para isso, foi escolhido o tema dos números racionais e irracionais, tratado por meio de um estudo baseado em livros didáticos de diferentes períodos.
  • 6
    Utilizamos, neste texto, indiferentemente, as expressões narrativas/escritos/textos autobiográficos ou autorreferenciais, bem como a expressão escrita de si.
  • 7
    O tema é tratado com mais profundidade em Gomes (2012)GOMES, M. L. M. Escrita autobiográfica e história da educação matemática. Bolema, Rio Claro, v. 26, n. 42A, p. 105-137, abr. 2012.).
  • 8
    Os textos foram retirados de Campos (1951)CAMPOS, H. Memórias: Primeira Parte 1886-1900. Rio de Janeiro: W. M. Jackson INC Editores, 1951.), Meyer (1966)MEYER, A. Segredos da infância. 2 ed. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro, 1966.), Moreyra (1955)MOREYRA, A. As Amargas, não... (Lembranças). 2. ed. Rio de Janeiro: Lux, 1955.), Nucci (1985)NUCCI, F. A. Memórias de uma mestra escola. São Paulo: Ed. da Autora, 1985.), Orthof (1987)ORTHOF, S. Se a memória não me falha. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987.) e Sodré (1967)SODRÉ, N. W. Memórias de um soldado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967.).
  • 9
    Os polos reúnem estudantes de diversos municípios. De acordo com a divisão adotada para efeitos de planejamento pelo governo do estado de Minas Gerais, desde 1985, as regiões em que viviam, em 2011, os nossos narradores, são Central (polo de Conceição do Mato Dentro), Norte de Minas (polo de Montes Claros); Rio Doce (polo de Governador Valadares) e Jequitinhonha/Mucuri (polo de Araçuaí). Disponível em: <http://www.mg.gov.br/governomg/portal/c/governomg/conheca-minas/geografia/5671-regioes-de-planejamento/69548-as-regioes-de-planejamento/5146/5044>. Acesso em: 11 jul. 2013.
  • 10
    Embora a grafia correta da palavra seja “maçante”, optamos, aqui, por reproduzir a forma como ela está escrita no livro de Felicidade Nucci.
  • 11
    Humberto de Campos nasceu no Maranhão, em Miritiba (atualmente denominada Humberto de Campos), em 25 de outubro de 1886, e morreu no Rio de Janeiro, em 5 de dezembro de 1934. Foi jornalista, crítico, contista e memorialista. Elegeu-se membro da Academia Brasileira de Letras em 30 de outubro de 1919, tendo sido o terceiro ocupante da cadeira de número 20. Foi também deputado federal eleito pelo Maranhão em 1920. Humberto de Campos frequentou diferentes escolas durante curtos e descontínuos períodos de sua vida, e não obteve certificados referentes aos estudos primários ou secundários. Muitas dessas experiências escolares do autor são narradas no primeiro volume de suas memórias, publicado originalmente em 1933. Esse livro, intitulado Memórias: Primeira Parte – 1886-1900, focaliza a infância e o início da adolescência do autor no Maranhão. Órfão de pai aos seis anos, o autor teve seu aprendizado das primeiras letras em parte conduzido por sua mãe. Entretanto, frequentou, também, pequenas escolas do interior do Maranhão, como a de Dona Marocas Lima, em que ingressou com nove anos.
  • 12
    Apesar de, neste artigo, nos termos dedicado particularmente aos comentários sobre as memórias de Felicidade Nucci, a autora preferida pelos alunos, todos os outros cinco autores fizeram parte da escolha realizada por eles em resposta à tarefa que lhes propusemos na Atividade 1.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Ago 2014

Histórico

  • Recebido
    Ago 2013
  • Aceito
    Jan 2014
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