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As representações como suporte do raciocínio matemático dos alunos quando exploram atividades de investigação

Representations as a tool to support students' mathematical reasoning when exploring investigation activities

Resumos

Neste artigo, analisamos os modos de representação e os processos de raciocínio de alunos do 2.º ano do ensino superior na exploração de atividades de investigação propostas numa experiência de ensino na disciplina de Análise Numérica. O objetivo é compreender o modo como as representações escolhidas pelos alunos no decorrer das suas explorações suportam o seu raciocínio. O estudo segue uma metodologia de investigação qualitativa e interpretativa, baseada em três estudos de caso, e utiliza diversas fontes de dados. Os resultados mostram que os alunos usam tanto raciocínio indutivo como dedutivo, mas sugerem a necessidade de dar maior atenção aos dois processos de raciocínio em que se verificam dificuldades significativas - generalização e justificação. Os alunos recorrem a uma diversidade de representações para compreensão, exploração, registro e avaliação, mas usam-nas de modo pouco flexível ao longo do processo de exploração, o que limita o seu raciocínio.

Representações; Raciocínio Matemático; Atividades de Investigação; Ensino Superior; Análise Numérica


In this paper we analyse the representations and the reasoning processes used by university students when exploring investigation activities during a teaching experiment in a numerical analysis course. The study aims to understand how the students' representations support their reasoning. The study follows a qualitative and interpretative methodology, based on three case studies, and uses a variety of data sources. The results show that students used both inductive and deductive reasoning but suggest the need for increased attention to two reasoning processes where students displayed noticeable difficulties - generalization and justification. Students use a variety of representations for understanding, exploring, recording and evaluating but do not use them in a flexible way in their explorations, which constrains their reasoning.

Representations; Mathematical Reasoning; Investigation Activities; University Mathematics; Numerical Analysis


As representações como suporte do raciocínio matemático dos alunos quando exploram atividades de investigação

Representations as a tool to support students' mathematical reasoning when exploring investigation activities

Ana HenriquesI; João Pedro da PonteII

IDoutora em Educação Matemática pelo Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, Portugal. Professora auxiliar no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Endereço para correspondência: Instituto de Educação, Alameda da Universidade, 1649-013, Lisboa, Portugal. E-mail: achenriques@ie.ul.pt

IIDoutor em Educação pela Universidade da Georgia, EUA. Professor catedrático no Instituto de Educação da Universidade de Lisboa, Portugal. Endereço para correspondência: Instituto de Educação, Alameda da Universidade, 1649-013, Lisboa, Portugal. E-mail: jpponte@ie.ul.pt

RESUMO

Neste artigo, analisamos os modos de representação e os processos de raciocínio de alunos do 2.º ano do ensino superior na exploração de atividades de investigação propostas numa experiência de ensino na disciplina de Análise Numérica. O objetivo é compreender o modo como as representações escolhidas pelos alunos no decorrer das suas explorações suportam o seu raciocínio. O estudo segue uma metodologia de investigação qualitativa e interpretativa, baseada em três estudos de caso, e utiliza diversas fontes de dados. Os resultados mostram que os alunos usam tanto raciocínio indutivo como dedutivo, mas sugerem a necessidade de dar maior atenção aos dois processos de raciocínio em que se verificam dificuldades significativas – generalização e justificação. Os alunos recorrem a uma diversidade de representações para compreensão, exploração, registro e avaliação, mas usam-nas de modo pouco flexível ao longo do processo de exploração, o que limita o seu raciocínio.

Palavras-chave: Representações. Raciocínio Matemático. Atividades de Investigação. Ensino Superior. Análise Numérica.

ABSTRACT

In this paper we analyse the representations and the reasoning processes used by university students when exploring investigation activities during a teaching experiment in a numerical analysis course. The study aims to understand how the students' representations support their reasoning. The study follows a qualitative and interpretative methodology, based on three case studies, and uses a variety of data sources. The results show that students used both inductive and deductive reasoning but suggest the need for increased attention to two reasoning processes where students displayed noticeable difficulties – generalization and justification. Students use a variety of representations for understanding, exploring, recording and evaluating but do not use them in a flexible way in their explorations, which constrains their reasoning.

Keywords: Representations. Mathematical Reasoning. Investigation Activities. University Mathematics. Numerical Analysis.

1 Introdução

O raciocínio matemático é a base do sucesso dos alunos, tanto na compreensão da Matemática, como na sua utilização eficaz em situações do quotidiano e, por isso, o seu desenvolvimento surge como um aspeto central da educação matemática, salientado nas orientações curriculares para diferentes níveis de ensino (AMATYC, 1995; MAA, 2004; NCTM, 2000). Para que este desenvolvimento possa ocorrer é necessária uma perceção aprofundada dos processos que lhe estão associados e das práticas matemáticas que os suportam (BRODIE, 2010).

As representações matemáticas estão fortemente relacionadas com o raciocínio matemático devido ao seu importante papel no ensino e na aprendizagem da Matemática e, consequentemente, no desenvolvimento e compreensão dos processos de raciocínio dos alunos. Como refere o NCTM (2007), a aprendizagem das representações matemáticas fornece aos alunos um conjunto de ferramentas que aumentam a sua capacidade de pensar. Greeno e Hall (1997) também defendem que o sucesso dos alunos na resolução de problemas depende das suas competências na construção e uso de diferentes formas de representação matemática para apoiar a compreensão e sublinham, ainda, a relevância das representações na comunicação das ideias matemáticas. De facto, uma vez que não é possível aceder diretamente ao raciocínio matemático, somente através das representações produzidas pelos alunos é que os professores poderão compreender os seus modos de raciocínio e criar "métodos de ensino capazes de desenvolver poder matemático" (GOLDIN, 2002, p. 198).

A literatura tem identificado diversas funções que as representações desempenham no processo de resolução de problemas. No entanto, mesmo ao nível superior, os alunos revelam muitas dificuldades em selecionar as representações mais apropriadas para servir de base aos seus raciocínios (STYLIANOU, 2011), sugerindo a necessidade de aprofundar esta problemática. Por sua vez, os resultados desta investigação, devidamente sistematizados, poderão ajudar os professores a promoverem, na sala de aula, a realização de atividades que promovam o desenvolvimento das capacidades de representação e comunicação dos alunos, fundamentais para estruturar o seu raciocínio e para o transmitir de forma coerente e clara. Neste artigo, analisamos os modos de representação e os processos de raciocínio que os alunos universitários utilizam na realização de atividades de investigação propostas ao longo de uma experiência de ensino na disciplina de Análise Numérica, com o objetivo de compreender como as representações usadas no decorrer das suas explorações suportam o seu raciocínio.

2 Raciocínio matemático e representações

2.1 Raciocínio matemático

O raciocínio matemático é largamente reconhecido como fundamental na educação matemática. No entanto, coexistem diferentes entendimentos sobre os processos a enfatizar na sala de aula nos vários níveis de ensino (BALL; BASS, 2003; YACKEL; HANNA, 2003). Boaler (2010), por exemplo, refere o raciocínio matemático como "o que os matemáticos fazem – envolve criar e comunicar um percurso entre uma ideia ou conceito e o seguinte" (p. v). No mesmo sentido, Oliveira (2008) descreve raciocínio matemático como "um conjunto de processos mentais complexos através dos quais se obtêm novas proposições (conhecimento novo) a partir de preposições conhecidas ou assumidas (conhecimento prévio)" (p. 3). Nesta perspetiva, o raciocínio matemático envolve dois elementos principais – obter informação a partir de informação anteriormente já existente e validá-la (BALL; BASS, 2003; NCTM, 2007).

Como refere Pólya (1954), a generalização é o ato de partir de um fato, conclusão ou conjetura específica para formular uma conjetura de âmbito mais geral. Deste modo, o processo de generalização é fundamental para obter nova informação e, consequentemente, na formulação de conjeturas, ou seja, de afirmações que se pensa serem verdadeiras, a testar posteriormente, e que se podem tornar eventualmente em resultados matemáticos (BRODIE, 2010). Estas conjeturas mais amplas podem surgir por analogia, usando raciocínio indutivo, quando se tenta resumir o aspeto em que há semelhança total ou parcial com outras situações ou questões já anteriormente exploradas dependendo, assim, da experiência matemática da pessoa (PÓLYA, 1954). As conjeturas que resistem a vários testes ganham credibilidade, estimulando argumentos plausíveis e provas formais que, uma vez obtidos, dão-lhes validade matemática (PONTE, 2007).

A justificação é um elemento central no raciocínio matemático, fornecendo razões convincentes para as afirmações e conjeturas estabelecidas e permitindo ao aluno clarificar o seu raciocínio e aumentar a sua compreensão conceptual (KILPATRICK; SWAFFORD; FINDELL, 2001). Um componente crítico do processo de raciocínio é ser capaz de reconhecer quando uma justificação é válida (YACKEL; HANNA, 2003) e, no ensino superior, espera-se que a justificação se apoie em procedimentos, propriedades (axiomas e teoremas) e definições matemáticas e que os alunos sejam capazes de distinguir uma justificação informal de uma formal, compreendendo a sua importância (AMATYC, 1995). A formalização e encadeamento de justificações lógicas conduzem, naturalmente, à realização de demonstrações e, por consequência, ao raciocínio dedutivo característico da Matemática que tem um papel fundamental na validação de conhecimento nesta ciência (DAVIS; HERSH, 1985; OLIVEIRA, 2008). Uma conjetura pode ser formulada como resultado de raciocínio indutivo mas, para ser aceite como resultado matemático, isso deve ser claramente provado através de raciocínio dedutivo (DAVIS; HERSH, 1985). Desta forma, a ocorrência de raciocínio indutivo ou dedutivo tende a estar relacionada com diferentes processos de raciocínio, como mostra o quadro de análise do raciocínio apresentado na Figura 1. O raciocínio indutivo tem lugar sobretudo na formulação de conjeturas gerais a partir de casos específicos e o raciocínio dedutivo ocorre principalmente nos processos de justificação. Note-se, ainda, que o raciocínio apoia-se nas representações e articula-se com os processos de significação que consistem em desenvolver a compreensão de uma situação, contexto ou conceito relacionando-o com conhecimento existente (NCTM, 2009).


2.2 Representações matemáticas

O acesso aos objetos matemáticos, que não têm uma natureza real, depende do recurso a representações semióticas que apoiem a compreensão e favoreçam a comunicação de ideias matemáticas (DUVAL, 2006; GREENO; HALL, 1997). Goldin e Shteingold (2001) distinguem as representações que são principalmente notacionais e formais, como os sistemas de numeração ou a escrita de expressões algébricas para designar relações e operações, funções, derivadas e integrais, das que mostram relações de maneira visual ou gráfica, como as figuras geométricas, os gráficos, os diagramas ou os esquemas. Duval (2006) agrupa as representações semióticas utilizadas em Matemática em diversos tipos de registros: os registros monofuncionais que tomam a forma algorítmica e têm como função cognitiva o processamento matemático como os sistemas de escrita matemática (representações discursivas) e os gráficos cartesianos (representações não discursivas) e os registros multifuncionais que visam uma variedade de funções cognitivas, como a comunicação e a imaginação, a linguagem materna (representação discursiva) e as figuras geométricas (representação não discursiva). Para o autor, a característica que sobressai da atividade matemática é a mobilização simultânea de, pelo menos, dois registros de representação ou a possibilidade de mudar, em qualquer momento, de um registro para outro. Na sua perspetiva, a atividade matemática pode ser analisada em dois tipos de transformações de representações semióticas: (i) os tratamentos, que têm lugar dentro do mesmo registro onde foram formadas; e (ii) as conversões, que consistem numa mudança de sistema na qual a totalidade ou a parte do sentido da representação inicial é conservada, sem mudança de objetos a ser notada.

Dentro da diversidade de representações matemáticas descritas, há algumas que se destacam, não só pelo seu papel na resolução de problemas e na aprendizagem da Matemática, como pelas dificuldades que os alunos revelam no seu uso. Boero, Douek e Ferrari (2008) fazem uma análise das funções específicas da linguagem natural (e a sua relação com a linguagem simbólica) e destacam as seguintes: (i) ferramenta de mediação entre processos mentais, expressões simbólicas específicas e organizações lógicas nas atividades matemáticas; (ii) ferramenta flexível, facilitadora da gestão de linguagens específicas; e (iii) ferramenta de validação de conjeturas (encontrar contraexemplos, produzir e gerir argumentos aceitáveis para validação, etc.). Estes autores defendem, igualmente, que os alunos preferem argumentos apresentados em palavras, uma vez que, para justificar e explicar procedimentos de resolução de problemas, os argumentos algébricos são mais difíceis.

Pelo seu lado, Arcavi (2003) identifica três funções que a visualização pode desempenhar no processo de aprendizagem: (i) suporte e ilustração de resultados essencialmente simbólicos (e possivelmente fornecer uma prova desses resultados); (ii) possível estratégia para resolver conflitos entre soluções (corretas) simbólicas e intuições (incorretas); e (iii) forma de ajudar a recuperar fundamentos conceptuais que podem ser facilmente contornados por soluções formais para os problemas. Deste modo, a representação visual "já não está relacionada apenas com propósitos ilustrativos, mas é também reconhecida como uma componente chave do raciocínio, da resolução de problemas e até do processo de prova" (p. 235).

O autor constata, ainda, que os alunos mostram-se reticentes quanto ao uso de representações gráficas, mesmo estando em posse de calculadoras gráficas e sabendo manipulá-las com desembaraço. Estes resultados confirmam outros similares que salientam que os alunos ignoram o esboço do gráfico, procurando, quase sempre, a solução algébrica das questões (EISENBERG; DREYFUS, 1991; KNUTH, 2000). Estas dificuldades são identificadas também por Arcavi (2003) que as classifica como culturais ("visual não é matemático"), cognitivas ("visual é mais difícil") e sociológicas ("ensinar visualmente é mais difícil").

Stylianou (2011) também salienta que os "indivíduos competentes na resolução de problemas apoiam-se em representações visuais como ferramentas que adicionam informação neste processo" (p. 267) e identificou quatro funções que as representações desempenham no processo de resolução de problemas: (i) Compreensão, quando nem todos os aspetos do problema são imediatamente óbvios e a representação é usada para combinar diferentes aspetos do problema e para ver como interagem; (ii) Registro, quando a representação é usada de modo a permitir combinar toda a informação fornecida em vez de tentar mantê-la em memória; (iii) Exploração, quando o uso flexível da representação permite a manipulação de conceitos e revela mais informação e implicações; e (iv) Verificação e Avaliação, quando a representação é usada para avaliar o progresso na resolução de problemas e para tomar decisões informadas na seleção dos objetivos seguintes. Para além destas funções, a autora refere que as representações também são usadas como ferramentas computacionais e de apresentação de resultados.

Há uma forma de representação que, por parecer simples e direta, é frequente no ensino da Matemática – a tabela. Para Flores e Moretti (2005), usar tabelas no ensino não significa utilizá-las apenas para situações de comunicação. Na sua perspetiva, o ensino deve possibilitar e privilegiar a própria construção de tabelas, a sua interpretação e preenchimento ou a compilação de dados ou informações para serem organizados noutra tabela. Neste sentido, os autores defendem a existência de dois grandes grupos para a análise semiótica e cognitiva das tabelas: (i) as que se constituem como "banco de dados", servindo apenas para uma consulta rápida e, portanto, um custo cognitivo bastante baixo; e (ii) as que permitem o aparecimento de novos dados, fazer inferências sobre a existência de relações ou de elementos ainda não conhecidos ou mostrar a necessidade de distinções que até então não tinham sido tidas em conta.

Frequentemente, mais do que um tipo de representação parece ser adequada para uma dada situação de aprendizagem. No entanto, pode haver vantagem da utilização de uma forma representacional particular em função de uma complexa interação entre as características da tarefa a resolver (a sua natureza e objetivo) e o contexto, o grau de familiaridade do aluno com a representação, o seu conhecimento prévio (conceptual e processual) e o tempo de prática (AINSWORTH, 2006; BOERO et al., 2008). Além disso, a integração de informação de diferentes representações de um objeto matemático contribui para a sua compreensão global pelo aluno (AINSWORTH, 2006; DUVAL, 2006).

Duval (1999) justifica a necessidade dos alunos serem capazes de trabalhar dentro e entre diferentes registros, com fluência na conversão de representações, para uma adequada compreensão de um objeto matemático: "não existe verdadeira compreensão em Matemática para os alunos que não incorporam na sua ‘arquitetura cognitiva' os vários registros de representações semióticas usadas para fazer Matemática" (p. 25). Greeno e Hall (1997) também sublinham a importância dos alunos se empenharem na escolha e na construção das suas próprias representações para resolver um problema matemático, em formas que os ajudem a ver padrões, a realizar cálculos e a tirar partido dos diferentes suportes que as várias representações fornecem na realização de inferências. Neste contexto, os alunos devem familiarizar-se com uma variedade de representações para as usar de forma flexível na resolução de problemas matemáticos, isto é, desenvolver a capacidade para: (a) traduzir dentro e entre diferentes representações; (b) selecionar as representações mais adequadas para a resolução de situações específicas; e (c) usá-las como meio facilitador da sua compreensão matemática (AMATYC, 1995; NCTM, 2007).

3 Metodologia

Tendo em conta os objetivos definidos, este estudo segue uma metodologia de investigação de natureza qualitativa e interpretativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994) com recurso a três estudos de caso (STAKE, 2009). Os resultados que apresentamos são parte de uma experiência de ensino mais alargada (HENRIQUES, 2011), baseada na exploração de tarefas de investigação, realizada no 1.º semestre do ano letivo de 2008/09 numa disciplina de Análise Numérica lecionada pela primeira autora, com o objetivo de promover o raciocínio matemático dos alunos e a sua aprendizagem de conceitos e procedimentos nesta disciplina. Os participantes foram os 36 alunos do 2.º ano dos cursos de mestrado integrado1 1 Formação universitária, adequada às regras do processo de Bolonha composta por um ciclo de estudos integrado conducente ao grau de mestre, com a duração de 5 anos conferidos pela Escola Naval, os quais não tinham experiência prévia neste tipo de tarefas.

A organização das aulas dedicadas à realização destas atividades e a própria estruturação das tarefas permitem uma abordagem diferente (não usual) à disciplina de Análise Numérica. Assume-se que as tarefas de investigação constituem um contexto fundamental para o estudo do raciocínio pois são cognitivamente exigentes, fornecem uma variedade de abordagens possíveis e oportunidades para representar, procurar relações, formular e testar conjeturas e justificá-las (PONTE; BROCARDO; OLIVEIRA, 2003). Assim, uma parte significativa das aulas do semestre é utilizada para a realização de quatro tarefas de investigação, cada uma focada num tópico programático da disciplina (Aritmética Intervalar, Equações não lineares, Ajuste de curvas e Integração Numérica).

Cada tarefa é apresentada aos alunos através de um enunciado escrito. Depois, os alunos trabalham em pares ou em pequenos grupos e são confrontados com problemas para os quais não têm teoria nem modelo para fazerem um tratamento completo, desafiando-os a utilizarem diversas representações e processos para os resolver. No final da exploração de cada tarefa, apresentam oralmente à turma as suas explorações e conclusões. Questionados pelos seus colegas e pela professora, os alunos procuram justificações e discutem alguns aspetos sobre os quais não tinham pensado, tornando estas discussões momentos importantes de aprendizagem. Deste modo, as tarefas de investigação promovem a comunicação, fornecem a base para a aprendizagem de conceitos e procedimentos da disciplina por parte dos alunos e permitem conhecer os seus processos de raciocínio.

Os alunos são ainda solicitados a escreverem um relatório (em período extra letivo) que os encoraje a refletir sobre o trabalho desenvolvido, uma vez que a sua realização requer a articulação de ideias, a explicação e justificação de procedimentos e a revisão dos processos usados e dos resultados obtidos. As aulas com tarefas de investigação são alternadas com outras que contemplam exposições teóricas dos conteúdos programáticos, alguns dos quais trabalhados durante as tarefas. O trabalho em sala de aula também inclui resolução de problemas e exercícios de aplicação e consolidação de conhecimentos.

A recolha de dados inclui a observação dos alunos na realização das tarefas de investigação, os seus relatórios escritos (designados por R#) e o registro áudio de entrevistas individuais, realizadas após a exploração de cada tarefa (designadas por E#), a três alunos (de nomes fictícios Carlos, Gonçalo e Luís) que constituíram os casos estudados. Estes alunos disponibilizaram-se voluntariamente para o estudo e foram escolhidos intencionalmente, de modo a refletirem, de um ponto de vista matemático, a diversidade de desempenho dos alunos que frequentam a disciplina. Apresentamos os dados obtidos durante a realização de duas das tarefas de investigação propostas, escolhidas de modo a ilustrar a grande diversidade de aspetos dos processos de raciocínio e das representações utilizadas pelos alunos. Para cada tarefa, analisamos os processos de raciocínio e as representações que os alunos usaram na sua exploração, dando especial atenção ao modo como estas representações se articulam e como suportam esses processos. A categorização dos processos de raciocínio baseia-se no quadro conceptual de Ponte, Mata-Pereira e Henriques (2012) e as representações são analisadas recorrendo aos modos de representação de Duval (2006) e às funções descritas por Stylianou (2011).

4 A exploração das tarefas pelos alunos

4.1 Tarefa 1

Esta tarefa é o ponto de partida para o desenvolvimento e formalização de métodos numéricos para resolver equações não lineares. Na primeira questão é necessário recorrer não só à representação algébrica como também a outras representações e a conhecimentos anteriores de funções e suas propriedades. A segunda questão pretende criar oportunidades para se discutir o método da bisseção, construir o respetivo algoritmo e compreender a teoria subjacente, o que requer a formulação, teste e justificação de conjeturas.

Numa fase inicial de compreensão da tarefa, Carlos, Gonçalo e Luís focam-se na representação algébrica sem perceberem que a função dada no enunciado é não linear. Por isso, tentam resolver a equação realizando tratamentos dentro do sistema algébrico para simplificar a expressão e isolar a incógnita, naturalmente sem sucesso. Como refere Gonçalo, esta opção está relacionada com a sua experiência anterior: "Na primeira tentativa, tentamos resolver como antigamente [refere-se à resolução de equações através de manipulação algébrica], mas não conseguimos chegar a nenhum valor" (E1). De facto, durante o percurso escolar dos alunos, a resolução de equações faz-se, essencialmente, através de manipulação algébrica, recorrendo a raciocínio dedutivo baseado em propriedades matemáticas que permite obter facilmente uma solução válida, desde que a cadeia de deduções esteja isenta de erros. Assim, os alunos procuram usar a representação algébrica como ferramenta de exploração, mas, como esta não é adequada, não chegam à solução.

Perante esta dificuldade, os alunos optam pela representação gráfica da função, recorrendo à máquina de calcular. Usam esta representação para explorar a situação e obter informação relevante (mas não imediatamente óbvia na representação algébrica) chegando agora à solução. O exemplo seguinte é representativo das representações gráficas usadas pelos alunos na resolução da equação:

Ao igualarmos a nossa função a zero, temos que ln(x)=ex. O valor que procuramos trata-se do x para o qual as duas funções são iguais. Então fizemos o traçado do gráfico das duas funções para ver qual o valor de x no qual se dava a intersecção. (Gonçalo, E1)

Os alunos revelaram facilidade em converter a representação algébrica de uma função na sua representação gráfica e usam esta última de um modo flexível na exploração da tarefa, manipulando conceitos, adicionando informação ou detalhes através de conexões com conhecimentos prévios sobre equações e propriedades das funções e dando significado à solução. Além disso, recorrem à linguagem natural, utilizando corretamente terminologia matemática, para apresentarem e justificarem informalmente os seus raciocínios na obtenção da solução.

Carlos, antes de dar por terminada a questão, ainda recorre a uma tabela com o propósito de verificar o valor obtido. O aluno constrói a tabela a partir da representação algébrica da função e analisa os valores registados, seguindo o mesmo raciocínio que utiliza para encontrar a solução aproximada da equação através da representação gráfica. Deste modo, revela facilidade na conversão entre as representações tabelar, algébrica e gráfica. Ao acompanhar a tabela, o aluno também apresenta em linguagem natural uma descrição dos seus raciocínios e uma justificação informal da sua solução:

Podemos criar uma tabela com o objetivo de atribuir valores a x em ln(x) e ex para nos aproximar do valor da raiz, concluindo que se encontrava entre x=1 e (…) porque é quando o valor da função logarítmica é maior que a exponencial. (Carlos, E1)

Os três alunos começam a exploração da questão seguinte, observando a sequência de intervalos apresentada e procurando regularidades no modo de formação dos seus elementos. Não sendo possível reconhecer todas as regularidades apenas por observação, recorrem a esquemas numéricos e visuais, como os apresentados nos exemplos seguintes:

Carlos utiliza uma representação visual, a que, dada a sua aparência, chama método da cadeira. Gonçalo utiliza um esquema numérico de contagem, com símbolos de mais e menos para indicar as alterações ocorridas na referida sequência. Estas representações têm, essencialmente, duas funções: compreensão e registo. Por um lado, as representações são utilizadas pelos alunos para procurar regularidades e compreender propriedades importantes dos elementos da sequência. Por outro, são usadas como ferramenta de registo do seu raciocínio durante a exploração, permitindo que parte da informação relevante não esteja ativa na memória de trabalho todo o tempo, permitindo-lhes focarem-se no raciocínio. Deste modo, as representações construídas pelos alunos facilitaram um processo indutivo de raciocínio que os conduziu à formulação das primeiras conjeturas sobre "o que estava a acontecer, realmente, de um intervalo para outro" (Gonçalo, R1).

Os alunos utilizam a linguagem natural para apresentarem os seus raciocínios e as suas conjeturas, como se observa no exemplo seguinte da entrevista com Luís:

A amplitude dos intervalos vai diminuindo para metade relativamente ao intervalo anterior. Também vimos que o limite superior e o limite inferior alteravam, de três em três intervalos, o inferior e de dois em dois o superior […]. A amplitude do próximo intervalo é encontrada através da soma da amplitude ao valor mínimo (a) ou da subtração ao valor máximo (b) […]. (E1)

Neste caso, a utilização da linguagem natural está articulada com a representação gráfica e parece facilitar a organização da informação de forma sequencial, preservando as relações temporais e lógicas, tal como os alunos a exploram. No entanto, as conjeturas formuladas não são válidas, uma vez que os alunos não usam a informação sobre a raiz da função. Carlos e Luís não testam as suas conjeturas e não percebem que estão incorretas. Gonçalo, por seu lado, testa as conjeturas formuladas através de experimentação de casos e, tendo identificado a sua incorreção, reformula-as com base nos seus conhecimentos sobre funções.

Quando solicitados a generalizar as suas conjeturas, obtidas através de raciocínio indutivo, os alunos já consideram necessária uma formalização dos resultados usando notação simbólica. Carlos e Luís revelam dificuldades no uso dos símbolos matemáticos e a notação que apresentam nem sempre traduz de forma adequada o que descrevem, corretamente, em linguagem natural, como se exemplifica no excerto seguinte:

A partir do que foi dito anteriormente podemos definir a seguinte regra: Se x - max > (f(x) = 0), então o intervalo seguinte será [min,xmax] ou [x,min+max] se e só se xmax<(f(x). (Luís, R1)

Além disso, estes alunos não se apercebem que a conjetura não foi generalizada pois depende de uma raiz desconhecida (desta função específica) e, por isso, a regra aplica-se a um caso particular, mas não se aplica ao caso geral. Deste modo, as dificuldades evidenciadas por Carlos e Luís na utilização de notação simbólica e na sua articulação com a linguagem natural, limitaram o uso do raciocínio dedutivo e, consequentemente, o processo de generalização e justificação formal de conjeturas.

Gonçalo, por seu lado, utiliza corretamente símbolos matemáticos para apresentar uma regra geral para a construção dos intervalos da sequência numa forma algorítmica. A combinação da linguagem natural e algébrica permite-lhe construir o método da bisseção para a resolução de equações não lineares:

Como regra geral (…) temos o intervalo [a, b] com

. Fazemos os seguintes passos:

1.º Encontrar o valor médio

2.º Encontrar

Se f(vmed) então (…) o intervalo seguinte é [a, vméd]

Se f(vmed) então (…) o intervalo seguinte é [vméd,b] (Gonçalo, R1)

O aluno usa o raciocínio dedutivo para justificar o seu algoritmo, recorrendo à linguagem natural, baseando-se em propriedades e teoremas da Matemática, incluindo o teorema de Bolzano e os seus corolários: "Como a função é contínua e f(a)<0 e f(b)>0, apenas temos que manter [as imagens dos] limites dos intervalos com sinais opostos de modo que o próximo intervalo contenha o zero [da função]. Como vmed é sempre um extremo, apenas temos que verificar o sinal de f(vmed)" (E1).

Nesta tarefa, Carlos, Gonçalo e Luís revelam facilidade no uso de tratamentos e conversões entre diferentes formas de representação (algébrica, gráfica, tabelar e linguagem natural). No entanto, a seleção das representações a usar na sua exploração começou a ser feita com base nas experiências anteriores dos alunos, limitando o seu raciocínio. Os alunos privilegiam a representação algébrica como ferramenta de exploração, realizando tratamentos de modo a obter informações e conjeturar soluções. Recorrem à representação gráfica, também como ferramenta de exploração, nos casos em que a representação algébrica não lhes permite obter o que pretendem. Carlos utiliza, igualmente, a representação tabelar, como ferramenta de verificação de conjeturas. Só quando a situação a explorar não lhes é familiar é que os alunos constroem esquemas visuais e numéricos que desempenham a dupla função de compreensão e registo, facilitando a formulação de conjeturas por processos indutivos. A linguagem natural surge sempre a acompanhar as representações não algébricas, como ferramenta de apresentação de raciocínios, conjeturas e justificações, ainda que maioritariamente informais. No entanto, quando solicitados a generalizar as conjeturas obtidas por raciocínios indutivos, os alunos já consideram necessária a utilização da notação simbólica para as apresentarem formalmente. Gonçalo tem facilidade em usar os símbolos matemáticos e em articulá-los com a linguagem natural, mostrando melhor desempenho que os seus colegas. Assim, a combinação da linguagem natural com a algébrica parece ser benéfica para o uso do raciocínio dedutivo no processo de generalização e justificação formal de conjeturas.

4.2 Tarefa 2

Esta tarefa apresenta vários conjuntos de dados que representam distintos comportamentos possíveis de serem modelados por diferentes funções. Solicita-se aos alunos que analisem e identifiquem essas tendências de forma a completar alguns valores em falta nas tabelas, usando modelos matemáticos. Além disso, a representação gráfica dos dados pode auxiliar na compreensão do problema e facilitar a identificação de padrões de comportamento que conduza à seleção de métodos de interpolação adequados para encontrar os resultados pretendidos. Na segunda questão, torna-se necessário, ainda, definir critérios para selecionar o melhor modelo que caracteriza o comportamento dos dados.

Carlos e Luís questionam-se sobre o comportamento dos dados fornecidos no enunciado e recorrem a cálculos, como ferramenta de exploração, para identificar padrões nos dados e conjeturar um comportamento linear para os dados da primeira tabela, como explica Luís durante a entrevista: "Ao olhar para a tabela do posto 1, (…) consegue perceber-se que [os valores da população de bactérias, p] é uma função linear. O declive é constante:" (E2). A utilização de cálculos e a referência ao declive revelam um processo dedutivo de raciocínio que permite justificar a conjetura. Para as outras tabelas, estes alunos conjeturam, também com base em cálculos, que a relação já não é linear e que podem "utilizar um dos métodos aprendidos para interpolação polinomial, (…) quer o método de Newton, com diferenças divididas, quer o método de Lagrange" (Luís, R2). Gonçalo, por seu lado, através de observação, começa por conjeturar que os dados da tabela representam elementos de funções e usa uma representação gráfica como ferramenta de verificação da sua conjetura:

Considerando o tempo t como os nós da interpolação e os valores da população de bactérias como os valores nodais, podemos representar os dados (E2)

Na entrevista, Gonçalo justifica a sua conjetura, recorrendo à definição de função e usando linguagem natural para a apresentar: "[O gráfico] foi para mostrar que podia ser uma função, que não tinha pontos… Para o mesmo objeto não tinha várias imagens" (E2).

Depois, os três alunos prosseguem a exploração deduzindo expressões algébricas para os polinómios interpoladores. Gonçalo e Luís não têm em conta o comportamento dos dados e, assim, escolhem o grau do polinómio a construir com base na conjetura, nem sempre correta, de que quanto maior o grau do polinómio a construir, melhor a aproximação aos dados e menor o erro de interpolação: "A ideia que eu tinha é que quantos mais pontos usássemos… era melhor" (Gonçalo, E2). Justificam, contudo, a escolha do método de Newton com base em propriedades matemáticas, usando a linguagem natural: "Os nós não estavam todos à mesma distância" (Gonçalo, E2). Como a aplicação destes métodos requer a realização de bastantes cálculos, alguns dos quais de forma interativa, os alunos constroem tabelas, como a do exemplo da Figura 8, onde apresentam e organizam os dados de forma a facilitar a realização de operações, revelando facilidade no uso de tratamentos dentro deste sistema de representação.

Neste caso, os alunos usam as tabelas como ferramenta de apresentação, para partilharem os processos de cálculo e soluções. Esta opção pode estar relacionada com a familiarização de procedimentos, uma vez que é usual a utilização deste tipo de tabela nos manuais de Análise Numérica para exemplificar a aplicação dos métodos de interpolação polinomial e os alunos usam-na quando resolvem exercícios na sala de aula.

Como Gonçalo e Luís não testam as suas conjeturas tendo em conta o comportamento geral dos dados, também não se apercebem que as expressões algébricas deduzidas não são adequadas para fazer inferências sobre os dados e para obter soluções em todos os casos. Carlos, por seu lado, aproveita o conhecimento anterior sobre o comportamento dos dados e relaciona-o com as propriedades dos polinómios para justificar o raciocínio que utiliza na dedução das expressões algébricas dos polinómios interpoladores e para lhes dar significado. O aluno mostra facilidade na realização de tratamentos dentro do sistema de representação algébrico e utiliza a linguagem natural para apresentar os seus raciocínios e justificar as suas conjeturas:

Calculei as diferenças entre os vários valores que estavam disponíveis na tabela. (…) Verifiquei que havia três valores que cresciam, em 5 diminuía e depois em 8 volta a crescer. (…) Neste caso pensei em (…) obter uma função definida por ramos.

Carlos testa as suas conjeturas articulando as expressões algébricas deduzidas com uma representação gráfica bastante informal dos dados e dos polinómios construídos. Assim, o aluno usa a representação gráfica como ferramenta de verificação e apresenta os seus raciocínios em linguagem natural:

Eu até fiz aqui um rabisco… Foi através da observação da tabela (…). Daqui aqui era crescente, daqui aqui decrescente (…). Logo os polinómios tinham que ser crescentes ou decrescentes e os valores das derivadas tinham que ser positivas ou negativas (…). (E2)

Na última questão desta tarefa, os alunos começam por conjeturar que o melhor modelo é aquele cujo gráfico se aproxima mais dos valores dados na tabela. Recorrem então à máquina de calcular para representar os dados e visualizar o comportamento das três funções dadas no enunciado: "Para iniciar a resolução desta tarefa, inserimos na calculadora gráfica as três funções" (Carlos, R2). No entanto, a escolha da representação gráfica como ferramenta de exploração não lhes permite fazer uma opção clara e fundamentada entre os três modelos. Como Carlos explica, ao compararem visualmente os gráficos das três funções, apenas conseguem eliminar o modelo linear, dado o grande afastamento em relação aos dados: "No início verificamos que nas três primeiras horas, duas das funções se aproximam dos valores indicados na tabela (…): y = 82x2 - 139x + 650 e y = 392 e0,3x" (R2). Os três alunos optam então por construir tabelas, semelhantes à do exemplo seguinte, para registar toda a informação disponível relativa aos dados e aos cálculos que efetuam, permitindo que se foquem no raciocínio:

Os alunos revelam, assim, facilidade em converter as representações algébricas na representação tabelar e em realizar tratamentos nesta forma de representação. Além disso, segundo os alunos, a tabela facilita a realização de procedimentos mais rigorosos e diversos com os dados (comparando com a representação gráfica) servindo, também, como ferramenta de exploração, permitindo identificar a informação necessária à realização de inferências sobre a existência de relações não conhecidas e que estão na base das suas conjeturas (critérios particulares) sobre o modelo mais adequado para representar os dados, que apresentam em linguagem natural:

Criamos uma tabela com as mesmas horas e substituímos os valores destas em cada modelo e calculamos o erro (…) Era só comparar os valores e ver quais são os que têm maiores diferenças. (Gonçalo, E2)

O melhor modelo é o que apresenta as menores diferenças em módulo. Caso houvesse módulos de soma do erro iguais para duas funções, a que melhor aproximava seria a função que tivesse erros positivos e negativos e não só positivos ou negativos. (Luís, R2)

Os alunos não generalizam os seus critérios para um modelo qualquer, o que seria simples através da formalização das suas descrições em linguagem natural nem sentem necessidade de os justificar.

Nesta tarefa, os alunos utilizam várias representações como ferramenta de exploração. Carlos e Luís começam por utilizar cálculos numéricos que facilitam a exploração de regularidades nos dados e a formulação de conjeturas sobre o seu comportamento, enquanto Gonçalo usa um processo eminentemente indutivo (observação de dados) para formular as suas conjeturas. Os alunos utilizam depois a representação algébrica para deduzirem expressões para os polinómios interpoladores (conjeturas específicas), realizando tratamentos dentro deste sistema de representação e recorrem à representação gráfica, como ferramenta de verificação das suas conjeturas. Quando a representação gráfica, usada como ferramenta de exploração, não lhes permite obter o que pretendem, os alunos recorrem a tabelas, num formato que lhes é familiar e que servem a múltiplos propósitos: como ferramenta de registo e de exploração, permitindo realizar inferências sobre a existência de relações não conhecidas que estão na base das conjeturas dos alunos e de apresentação de dados e de raciocínios baseados em cálculos. A linguagem natural surge sempre como ferramenta de apresentação das suas conjeturas e das suas justificações, maioritariamente baseadas em propriedades matemáticas, usando raciocínio dedutivo. Ao longo da exploração da tarefa, os três alunos mostraram facilidade na conversão entre diferentes representações, processo que parece ter sido benéfico para a compreensão e para a construção de conhecimento.

5 A concluir

Neste estudo analisamos os processos de raciocínio que os alunos universitários usaram na realização de atividades de exploração e o papel que as representações matemáticas desempenharam na sua promoção. Na formulação de conjeturas específicas, os alunos usam, algumas vezes, raciocínio indutivo baseado na identificação de padrões através da observação de dados ou construindo os seus próprios esquemas visuais ou numéricos que desempenham uma dupla função de compreensão (dando sentido à informação apresentada de modo a identificar propriedades importantes que não estão imediatamente disponíveis) e de registo (diminuindo o trabalho de memória permitindo o foco no raciocínio). No entanto, como seria de esperar neste nível de ensino, os alunos também são capazes de usar o raciocínio dedutivo baseado em definições e propriedades matemáticas ou efetuando tratamentos dentro do sistema de representação algébrico para formularem conjeturas que, deste modo, adquirem validade e uma natureza geral. Neste caso, a representação algébrica é usada como ferramenta de exploração e de apresentação de conjeturas e justificações formais. Os alunos só recorrem às representações gráficas ou tabelares como ferramentas de exploração quando a representação algébrica não lhes permite obter o que pretendem. A generalização dos resultados obtidos através de raciocínios de natureza indutiva só surge quando solicitada e é vista, por alguns alunos, como uma formalização das suas conjeturas específicas (através do uso de símbolos matemáticos), embora as expressões algébricas que usam para as apresentarem nem sempre traduzam as conjeturas que indicam, de forma correta, em linguagem natural. O domínio da linguagem algébrica e a capacidade de a articular com a linguagem natural parecem, assim, ser essenciais para uma exploração completa das tarefas propostas, facilitando o processo de generalização e justificação formal de conjeturas.

As conjeturas ficam, frequentemente, por validar, tal como, de resto, se tem verificado em estudos anteriores (PONTE, 2007) e, por isso, nem sempre estão corretas. Quando os alunos testam as suas conjeturas, recorrem à experimentação de casos ou comparam resultados obtidos a partir de representações diferentes daquelas que usaram na sua formulação (por exemplo, tabelas e gráficos). Estas representações são utilizadas como ferramentas de verificação e, quando articuladas de forma explícita, também permitem aos alunos atribuir significado aos seus resultados e construir conhecimento, conseguindo melhores desempenhos.

Carlos, Gonçalo e Luís utilizam a linguagem natural, acompanhando as representações não algébricas, como ferramenta de apresentação das suas conjeturas, raciocínios e justificações (informais e formais, quando evocam conceitos ou propriedades matemáticas). A facilidade que revelam no uso deste modo de representação parece ser induzida pelo facto da informação apresentada num texto estar organizada de forma sequencial, preservando as relações temporais e lógicas, à semelhança dos seus raciocínios, como refere Kollöffel (2008). Além disso, a utilização da linguagem natural para produzir argumentos aceitáveis para validar conjeturas também parece ser mais fácil, para os alunos, quando comparada com o modo algébrico de representação, tal como identificado por Boero et al. (2008).

Os resultados deste estudo mostram, assim, que os alunos são capazes de usar tanto raciocínio indutivo como dedutivo mas que é necessário dar atenção a alguns processos de raciocínio em que se verificaram maiores dificuldades, como a generalização e a justificação, que estão menos presentes no seu trabalho.

Além disso, os alunos revelam facilidade na construção de várias representações, que usam como ferramentas de compreensão, exploração e registo na formulação de conjeturas específicas e sua generalização e como ferramentas de verificação no teste das mesmas. Enquanto ferramentas de apresentação e cálculo, estas representações acompanham todos os processos de raciocínio. Têm também facilidade de traduzir e converter dentro e entre essas representações, mas usam-nas de modo pouco flexível ao longo do processo de exploração. Já que não se pode classificar uma forma específica de representação como ideal para um certo propósito (STYLIANOU, 2011), é fundamental ajudar os alunos a ganhar consciência dos diferentes papéis que as representações podem ter em determinado momento da sua exploração e a desenvolver a capacidade de as selecionar e manipular (articulando-as) de modo apropriado na realização dos seus processos de raciocínio.

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Submetido em Junho de 2013.

Aprovado em Julho de 2013.

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  • 1
    Formação universitária, adequada às regras do processo de Bolonha composta por um ciclo de estudos integrado conducente ao grau de mestre, com a duração de 5 anos
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Jul 2014
    • Data do Fascículo
      Abr 2014

    Histórico

    • Aceito
      Jul 2013
    • Recebido
      Jun 2013
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