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Editorial

EDITORIAL

Os humanos aprenderam a escrever por volta do ano 4000 a.C., registrando caracteres em rolos de papiro e, posteriormente, de pergaminho. Da escrita ao códice – o registro em suporte material cujas páginas são viradas, não desenroladas como nos manuscritos mais antigos – foram cerca de 4300 anos (o códice surgiu no início da era cristã e os hieróglifos egípcios são de cerca de 3200 a.C.). Do códice aos tipos móveis lá se foram mais quase 1200 anos (embora tenha sido a impressão com tipos móveis, de Guttemberg, na Europa do século XV, a invenção que mais intensa e rapidamente se popularizou, sabe-se que os chineses já usavam tipos móveis de madeira por volta do ano 1000, e que os coreanos já utilizavam tipos metálicos no início do século XIII). Dos tipos móveis à internet foram mais cinco séculos e da criação da internet aos buscadores, menos de 20 anos. Os intervalos das revoluções ocorridas no cenário da comunicação escrita, portanto, têm diminuído consideravelmente.

Esses dados historiográficos estão disponíveis em vários textos (impressos, alguns deles também disponíveis eletronicamente) de Robert Darnton e Jack Goody, por exemplo.

Robert Darnton, um dos maiores historiadores da atualidade, foi do Conselho Editorial da Princeton University e gestor da Oxford University Press americana, e atualmente é diretor da biblioteca da Universidade de Harvard. É dele o texto (impresso, mas com recortes e capítulos que podem ser buscados online) A questão dos livros: passado, presente e futuro, publicado no Brasil pela Companhia das Letras em 2009, com uma primeira reimpressão já no ano de 2010. Nessa obra, que é, segundo próprio autor, “uma apologia descarada em favor da palavra impressa”, Darnton aquece o debate sobre o lugar dos escritos no ambiente digital e, particularmente, discute a iniciativa do Google – o Google Book Search – que pretende, não sem resistência, criar e disponibilizar – e já o vem fazendo – um enorme catálogo de livros digitalizados. A esse projeto Darnton opõe-se cautelosamente, explicitando a distinção entre o discurso sobre o acesso democrático e amplo, e uma concepção segundo a qual livros e bibliotecas são ativos econômicos a serem explorados.

A discussão sobre a alteração de suporte das produções escritas, entretanto, é mais antiga, mas ainda rende infindáveis argumentos favoráveis e contrários. Certamente não opera favoravelmente às iniciativas de digitalização de acervos a destruição, em meados do século XX, de enormes acervos americanos de periódicos justificada pela então nascente tecnologia do microfilme. A alteração de suporte, no caso, implicou a destruição do suporte antigo, sem que se atentasse, por exemplo, para a durabilidade do microfilme – cuja composição química é bem inferior a do papel – e para a comodidade e clareza da leitura – textos microfilmados exigem um exercício infinitamente mais paciencioso e desconfortável que a leitura das versões impressas, e a avidez com que se disparou o processo de microfilmagem resultou em uma infinidade de imagens desfocadas e ilegíveis. Ao discurso da preservação e da necessidade de espaços nas bibliotecas seguiu-se uma destruição integral – brutal e extremamente cara, tanto do ponto de vista histórico quanto financeiro – de acervos inteiros.

Darnton, porém, não é ingênuo. Ele vê, sim, as potencialidades do que é uma revolução tão grandiosa quanto foi, para a história das comunicações, a invenção dos tipos móveis, mas ao mesmo tempo lamenta, como o fazem todos os críticos do Google Book Search e outras iniciativas de digitalização em grande escala, as imperfeições textuais e inexatidões bibliográficas dessas propostas. Darnton sabe que o códice à moda antiga, impresso em blocos de folhas de papel, não está prestes a sumir no ciberespaço. O próprio Bill Gates afirma que a tecnologia precisa ainda melhorar muito, e de modo muito radical, para que se possa, futuramente, pensar na transferência completa do papel para o formato digital. Por que, então, resiste o fascínio pela publicação eletrônica? Este fascínio, segundo Darnton, “parece ter atravessado três estágios: uma fase inicial de entusiasmo utópico, um período de desilusão e uma tendência que tende ao pragmatismo”. É essa tendência ao pragmatismo que subjaz à continuidade deste editorial.

Durante os últimos seis anos, rondou a equipe do BOLEMA a possibilidade de disponibilizar digitalmente o conteúdo do Boletim. Sempre houve defesas apaixonadas sobre essa necessidade, mas sempre houve, também, defesas menos exaltadas, talvez por anteciparem que à disponibilização TAMBÉM online, cedo ou tarde, seguiria a disponibilização APENAS online. De 2008 a 2013, o BOLEMA manteve, sempre em meio a essas discussões acaloradas, duas versões, a impressa e a digital. Em 2011, a edição de número 41 disponibilizou, num cd anexado à edição impressa, em comemoração aos 25 anos do BOLEMA, todas as edições anteriores, desde a primeira, de 1985. Percebe-se, então, uma aproximação – ainda que cautelosa, reconhecemos – com o mundo da internet e suas potencialidades. As condições de contorno, entretanto, durante todo esse movimento iniciado em 2008, cuidaram, sempre, de pressionar a equipe gestora e direcioná-la para o ciberespaço, afastando-a dos suportes materiais. Os financiamentos, sempre escassos, sejam os da Universidade, sejam aqueles provenientes das agências de fomento, passaram a ser aprovados apenas para revistas disponíveis digitalmente, o que passou a implicar a aprovação de quantias que desconsideravam a existência da versão impressa – obviamente muito mais onerosa – paralela à da versão digital. Com a disponibilização online, as assinaturas rarearam, muito embora uma parte dos assinantes – provavelmente mais como um apoio à revista do que propriamente por necessidade – continuasse mantendo suas anuidades. Com o passar do tempo, mais e mais foi se tornando comum o argumento da falta de espaço nas bibliotecas, sejam institucionais ou particulares. Esse conjunto de fatores resultou na decisão – efetivada nesta primeira edição de 2014 – de transformar o BOLEMA num periódico online como já ocorrera a boa parte dos periódicos nacionais do campo da Educação Matemática. Tratou-se, acredito, muito mais de uma opção pragmática, dadas as condições contextuais da atualidade, que de uma proposta que vê esse como o futuro inexorável das produções escritas. Essa é, pelo menos, a posição do editor que, não sem uma dose de lamentação, redige, agora, este texto de apresentação da edição de número 48, com o qual pretende justificar aos leitores a opção recentemente tomada. Aos autores – os deste fascículo foram previamente comunicados sobre isso, e os das edições futuras, ficam cientes, com esse Editorial, dessa nova forma de distribuição do BOLEMA – resta ressaltar que nada se altera quanto aos indexadores ou avaliadores institucionais, todos eles devidamente comunicados sobre essa alteração.

Esta edição do BOLEMA traz vinte e dois artigos e três resenhas. O suporte online permite, sem custo extra considerável, a divulgação de uma quantidade maior de artigos e, com isso, pensamos poder diminuir o tempo entre submissão de manuscritos e publicação efetiva, ainda que o BOLEMA esteja com periodicidade absolutamente em dia e em conformidade com os períodos de tramitação de manuscritos. Os artigos desta edição foram submetidos nos anos de 2012 e 2013, e bem provavelmente será possível, a partir do próximo ano, tornar regular a divulgação dos originais submetidos, já no ano seguinte ao da submissão.

Finalmente, a equipe do BOLEMA agradece imensamente a todos os pesquisadores da área que têm contribuído conosco, apreciando originais. Todos sabem que, embora sobrecarregados das atividades cotidianas, os membros do nosso Conselho Consultivo, cujos nomes e instituições aparecem explicitados nas capas de todas as edições, não se esquivaram de nenhuma das nossas solicitações, respondendo a todas elas de modo extremamente profissional e ágil. A eles, nossos agradecimentos. A quantidade de artigos submetidos, entretanto, nos obriga a recorrer a colegas pesquisadores externos ao Conselho Consultivo. Com a nominata que antecede este Editorial, da qual constam os nomes desses consultores adhoc do ano de 2013, reconhecemos essa inestimável colaboração que agradecemos enfaticamente.

O EDITOR

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jul 2014
  • Data do Fascículo
    Abr 2014
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